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DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 1 SUMÁRIO 1. PERSONALIDADE INTERNACIONAL ....................................................................................... 02 2. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS .......................................................... 11 3. REPRESENTAÇÃO DIPLOMÁTICA ........................................................................................... 17 4. TRATADOS INTERNACIONAIS ................................................................................................ 21 5. SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS ................................. 29 6. MEIOS DE COMPOSIÇÃO PACÍFICA DE CONFLITOS .............................................................. 32 7. DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO................................................................................. 34 8. CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES INTERNACIONAIS DO TRABALHO ................................ 43 9. NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ................... 45 10. TRATADO DE MÉRIDA .......................................................................................................... 85 DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 2 PERSONALIDADE INTERNACIONAL No direito internacional, o “reconhecimento da personalidade internacional significa o reconhecimento de sua existência legal na sociedade internacional”1. CAPACIDADE DE AÇÃO E PERSONALIDADE A capacidade de ação decorre do reconhecimento da personalidade jurídica de um de- terminado ente, eis que a capacidade é o “poder de intervir por si mesmo”. Contudo, o exercí- cio de direitos e deveres poderá sofrer limitações, na medida da capacidade conferida a um determinado ente pelo Direito Internacional. A capacidade, portanto, varia de um ente para outro. A capacidade dos Estados é assegurada a partir de sua constituição, desde que haja so- berania e independência para tomar decisões. Percebe-se, assim, que a independência e a soberania são elementos indispensáveis para assegurar a capacidade do Estado para figurar como sujeito de direitos e deveres no âmbito internacional. A justificativa lógica para essa afirmação decorre do fato de que um Estado não poderá se encontrar subordinado a outro para manter relações jurídicas na comunidade internacional. No que se refere às organizações internacionais, sua personalidade já foi reconhecida pela Corte Internacional de Justiça. Assim como as empresas no âmbito do direito interno, as organizações internacionais possuem personalidade independentemente de seus membros. No entanto, o exercício de sua capacidade de ação – que, como vimos, é uma conse- quência da personalidade internacional – dependerá do que dispõem seus acordos constituti- vos. Assim, o reconhecimento da personalidade de uma organização não significa, necessaria- mente, que ela possui capacidade para concluir tratados, por exemplo. As organizações exercem, portanto, uma “capacidade legal internacional limitada”, de acordo com as delimitações estabelecidas por seu tratado constitutivo. Além disso, o âmbito de exercício da capacidade da organização está adstrito aos países que a reconhecem2 e é resultante da vontade de seus membros (capacidade derivada). Por fim, relativamente à capacidade de ação dos indivíduos na esfera internacional, ain- da não há consenso acerca dos direitos e deveres que eles gozam no DIP. O entendimento majoritário da doutrina é de que a capacidade do indivíduo estende-se até o limite permitido pelas normas internacionais aplicáveis diretamente a ele. Ou seja, no momento em que uma norma internacional confere a possibilidade do exercício de determinados direitos diretamen- te pelo indivíduo, aí está a delimitação de sua capacidade. Exemplo prático desse entendimento é a permissão do acesso de indivíduos a alguns tribunais internacionais, para proteção de seus direitos. Apesar de a CIJ não aceitar demandas 1 ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional Público. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998p. 186. 2 Ibid. p. 188. user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 3 propostas por indivíduos, outros tribunais o fazem, dentre eles, o ICSID (tribunal arbitral ad hoc do Banco Mundial), a Corte Permanente de Arbitragem, em Haia, o Sistema de Resolução de Controvérsias estabelecido no NAFTA e a Corte Européia de Direitos Humanos. PESSOAS INTERNACIONAIS ESTADOS O Estado é, sem dúvida, o ente mais participativo nas relações regidas pelo direito inter- nacional. Diversos são os conceitos de Estado, vejamos alguns: “Estado soberano independente é aquele que tem exclusividade, autonomia e plenitude de competência, sendo que todas as noções devem ser interpre- tadas dentro do quadro geral do Direito Internacional” (Rousseau). “Estado sujeito do Direito Internacional é aquele que reúne três elementos indispensáveis para a sua formação: população (composta de nacionais e es- trangeiros), territórios (ele não precisa ser completamente definido, sendo que a ONU tem admitido Estados com questões de fronteira, como por e- xemplo, Israel) e governo (deve ser efetivo e estável). Todavia, o Estado pes- soa internacional plena é aquele que possui soberania”. 3 “O Estado, personalidade originária de direito internacional público, ostenta três elementos conjugados: uma base territorial, uma comunidade humana estabelecida sobre essa área, e uma forma de governo não subordinado a qualquer autoridade exterior”. 4 a) Elementos Constitutivos do Estado: Conforme estabelece a Convenção Interame- ricana sobre os Direitos e Deveres dos Estados, firmada em Montevidéu, em 1933, são quatro os elementos constitutivos do Estado: a) população permanente; b) terri- tório; c) governo; d) capacidade de entrar em relação com os demais Estados. a.1) População: trata-se do conjunto de indivíduos, nacionais ou estrangeiros, que habitam o território em determinado momento. É, pois, um conceito aritmético, quantitativo, de modo que não se confunde com o conceito de povo, que se refe- re à coletividade determinada pelo aspecto social. A população estatal moderna é de natureza sedentária, estabilizada no interior das fronteiras do território de determinado Estado. A idéia de uma população nômade não condiz com a realidade internacional. A maioria dos governos con- frontados com problemas do nomadismo transfronteiriço pratica políticas, por ve- zes brutais, de sedentarização dos grupos nômades. No entanto, é importante destacar que um Estado não perde sua qualidade porque pratica ou favorece uma política de emigração maciça de sua população ou porque permite uma imigração estrangeira importante. 5 O elemento humano garante a manifestação do princípio da continuidade do Es- tado. 3 MELLO , Celso D. Albuquerque de. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar. 1997, vol. I, p. 329. 4 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 161 5 DINH, Nguyen Quoc, DAILLIER, Daillier e PELLET, Alan. Direito Internacional Público, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 374. user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 4 a.2) Território: A noção conceitual de território relaciona-se a uma área terrestre, somada àqueles espaços hídricos de interesse puramente interno, como os rios e lagos que se circunscrevem no interior dessa área sólida. Sobre o território, o Es- tado soberano exerce jurisdição geral e exclusiva, no sentido de que possui domí- nio territorial sobre todas as competências de ordem legislativa, administrativa e jurisdicional e que não enfrenta concorrência de qualqueroutra soberania. O requisito referente à existência de um território determinado não significa que o território do Estado deva estar absolutamente delimitado. Um Estado poderá ser reconhecido internacionalmente mesmo que suas fronteiras não estejam perfei- tamente definidas. Além disso, a extensão ou tamanho do território não influi so- bre o reconhecimento da personalidade internacional. A delimitação territorial de um Estado geralmente ocorre por meio do estabele- cimento de fronteiras com base em linhas limítrofes artificiais ou naturais. A pri- meira caracteriza-se pela utilização de linhas geodésicas (paralelos e meridianos), ou qualquer arranjo ou combinação que se fundamente à base delas. A segunda relaciona-se ao aproveita-mento de rios e cordilheiras como formas naturais de determinar as fronteiras de Estados vizinhos. O critério natural prevalece sobre o artificial, quando a natureza assim o permite, como, por exemplo, no estabeleci- mento da fronteira entre Argentina e Chile, com base na Cordilheira dos Andes. a.3) Governo e Capacidade de manter relações: são exigências que se completam, pois é necessária a existência de um governo não-subordinado, ou seja, soberano, para que o Estado possa exercer sua capacidade de ação no cenário internacional. Não basta a existência de território bem delimitado, população estável, sujeita à autoridade de um governo para identificar o Estado enquanto sujeito do Direito Internacional, é preciso encontrar a noção de ente soberano, com competências igualitárias a qualquer outro Estado da comunidade internacional. Importante destacar que a ideia de autonomia não se confunde com a de sobera- nia, da mesma forma que o conceito de Confederação não se equivale ao de Fe- deração. O primeiro indica a reunião de Estados Soberanos em torno de interes- ses comuns, sejam políticos, econômicos ou geopolíticos, sem, no entanto, abdi- carem de sua soberania. O segundo, por sua vez, refere-se à união de estados au- tônomos na qual há a cessão da suas soberanias para um centro de poder único (União Federal), mantendo-se, todavia, um grau variável de autonomia. b) Classificação dos Estados: A maioria dos internacionalistas classifica os Estados com base na sua estrutura, designando-os como Estados simples ou Estados compos- tos. Os Estados simples caracterizam-se pelos seguintes atributos: são plenamente sobe- ranos e representam um todo homogêneo e indivisível, sendo que não há divisão in- terna de autonomias. Trata-se da forma mais comum de Estado. Os Estados compostos dividem-se em: (I) Estados compostos por subordinação; e (II) Estados compostos por coordenação. Os compostos por subordinação referem-se a grupos de Estados que não se encontram em situação de igualdade, não possuem user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 5 plena autonomia e não possuem pleno gozo de alguns direitos (eram os chamados Estados vassalo, protetorado ou Estado cliente). Tais Estados não mais existem na atualidade. Exemplo dessa situação era a da URSS com os países satélites (Polônia, Hungria, Romência, etc.), onde havia controle por parte da URSS relativamente a as- pectos econômicos, militares e comerciais. Já os Estados compostos por coordenação ocorrem a partir da associação de Estados soberanos, em situação de igualdade. Exemplo dessa situação é a confederação de Estados, onde se busca determinado fim especial a partir da associação. Esse fim es- pecial pode ser, por exemplo, a defesa dos Estados ou a proteção de interesses co- muns. Geralmente há uma autoridade central, chamada Dieta, a qual não se constitui em poder supremo, mas apenas em uma assembléia cujas decisões são tomadas por unanimidade. Atualmente também não há exemplos de confederações de Estados, mas podemos destacar a Confederação Americana, que existiu no período de 1781 a 1789. Dentre os Estados compostos por coordenação, a doutrina destaca ainda o Estado federal ou federação de Estados. Trata-se da união permanente de Estados onde ca- da um conserva sua autonomia interna enquanto que a soberania externa é exercida pelo governo federal. A autonomia interna dos Estados é, contudo, limitada pela constituição federal. Desde a Constituição de 1891, o Brasil é um Estado federal. c) Nascimento e Reconhecimento do Estado: o nascimento do Estado decorre da re- união de seus elementos constitutivos, conforme vimos no item a. Contudo, a sim- ples reunião dos elementos não permite, por si só, o nascimento do Estado, sendo necessário um elemento de conexão entre eles. A doutrina cita como “elementos de conexão” a nacionalidade e os fatores econômicos (capacidade de sobrevivência por seus próprios meios). Pode-se considerar que o surgimento de um Estado se dá por uma das seguintes formas: (I) separação de parte da população e território de um Estado (exemplo: Bra- sil e Estados Unidos, que surgiram após sua libertação da condição de colônias); (II) dissolução total de um Estado, não subsistindo sua antiga personalidade (exemplo: desmembramento da URSS); (III) fusão para criação de um Estado novo (exemplo: I- tália que surgiu da fusão, em 1860, de Modena, Parma, Toscana e Reino de Nápoles, os quais foram incorporados ao Piemonte para formar um novo país). O reconhecimento é um ato unilateral, por meio do qual se declara a aquisição da condição de Estado. É, portanto, um ato de liberalidade, orientado pelos objetivos políticos do próprio Estado. Contudo, para que um Estado passe a possuir direitos e obrigações perante a sociedade internacional é necessário o seu reconhecimento pe- los demais Estados existentes. É importante compreender que o fato de um determinado Estado não reconhecer um outro não significa que este não possua personalidade, mas tão somente que a- quele Estado não o reconhece e não deseja manter relações com este. Nesse sentido, o reconhecimento dos demais Estados não é ato constitutivo, mas sim declaratório da qualidade do Estado como sujeito do Direito Internacional Público. É preciso atentar ao fato de que, segundo o direito costumeiro, é possível que certo Estado negocie em conferência, assine ou ratifique tratados coletivos, ou deles seja user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 6 parte, sem reconhecer todos os outros pactuantes. O reconhecimento mútuo é re- quisito apenas para celebração de tratados bilaterais, não de multilaterais. Os meios de reconhecimento de um Estado são: (I) expresso (declaração, notificação, dispositivo em tratado); ou tácito (por e- xemplo, por meio do estabelecimento oficial de relações diplomáticas); (II) individual (realizado individualmente por cada Estado); ou coletivo (por meio de dispositivo em um tratado multilateral ou declaração coletiva); (III) de facto (provisório e limitado); ou de jure (definitivo e completo). Matéria de interessante análise é aquela relativa aos Micro-Estados. São aqueles Es- tados que dispõem de um território mais ou menos exíguo, como por exemplo, An- dorra (467 Km²), Liechtenstein (160 Km²), São Marino (61 Km²), Mônaco (menos de 2Km²) e com uma população inferior a quarenta mil pessoas, todavia, com institui- ções políticas estáveis e regimes organizados. O que diferencia os Micro-Estados dos demais Estados da comunidade internacional é que, em razão da hipossuficiência ocasionada pela pequena dimensão territorial e demográfica, partes de sua competência (defesa nacional, emissão de moeda) são confiadas a outrem, normalmente a um Estado vizinho, como a França no caso de Mônaco; a Itália, no caso de São Marino; e a Suíça no caso de Liechtenstein6. c.1) Reconhecimento de Governo: o reconhecimento do Estado não deve se con- fundir com o reconhecimento de governo. Uma ruptura na ordem política, como uma revolução ou golpe de estado podedeterminar a instauração no país de uma nova forma de poder, à margem das prescrições constitucionais pertinentes à re- novação do quadro de condutores políticos7. Por exemplo, quando as modifica- ções de um Estado se dão em violação a sua Constituição, os governos resultantes de golpes precisam ser reconhecidos pelos demais Estados. São exemplos típicos: os Golpes de Estado ocorridos no Brasil em 1930 e 1964 e na Argentina em 1966. Importante atentar para o fato de que o reconhecimento de um Estado, em regra, implica no reconhecimento do governo que se encontra no poder naquele mo- mento. Contudo, “se a forma de governo muda, isto não altera o reconhecimento do Estado: só o novo governo terá necessidade de novo reconhecimento”8. Os meios de reconhecimento do governo também podem se dar de forma tácita ou expressa; de facto ou de jure. c.2) Reconhecimento de beligerância e insurgência: o reconhecimento de belige- rância ocorre quando parte da população se revolta para criar um novo Estado ou então modificar a forma de governo existente, sendo que tal “revolta” evolui ao nível de uma guerra internacional. Nesse caso, os demais Estados podem passar a considerar as “partes” do conflito em condições de igualdade jurídica, reconhe- cendo-lhes a condição de beligerantes. Seu principal efeito é o do reconhecimen- to dos direitos e deveres de um Estado ao grupo de beligerantes, os quais deve- rão, por exemplo, respeitar normas de guerra. 6 REZEK, op. cit., p. 239. 7 REZEK, op. cit., p. 224. 8 SILVA, G. E. do Nascimento e & ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998., p. 87. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 7 Já o reconhecimento de insurgência ocorre quando há uma situação que assume proporções de guerra civil, sem, contudo haver o reconhecimento de seu caráter jurídico, mas de simples situação de fato. O seu reconhecimento não implica em direitos e deveres especiais, mas os insurretos não poderão ser tratados como ile- gais pelos governos que os reconheçam. d) Extinção do Estado: não há no DIP um entendimento pacífico sobre como se dá a extinção de um Estado. Logicamente, uma vez que a criação do Estado se dá pela re- união de seus elementos constitutivos, sua extinção decorreria do desaparecimento de um deles (exemplo: êxodo total da população). Sendo assim, as hipóteses de cria- ção de novos Estados enumeradas no item c podem corresponder igualmente à ex- tinção de um Estado, seja pela sua absorção completa de um Estado por outro, pelo desmembramento para formação de novos Estados ou pela fusão de Estados. Salien- te-se que, atualmente, a Carta das Nações Unidas proíbe a anexação e transformação de um Estado em colônia. e) Sucessão de Estados: Quando se aborda o fenômeno sucessório no âmbito do di- reito ORGANISMOS INTERNACIONAIS As normas internacionais não conceituam o termo “organização internacional”, de mo- do que sua definição tem sido dada pela doutrina. No entanto, suas diferenças em relação ao Estado, como sujeito do Direito Internacional Público, são gritantes, seja em relação aos seus objetivos, seja em relação ao seu aparato organizacional. Alguns elementos principais dos conceitos trazidos pelos estudiosos são: a) associação voluntária, isto é, nenhum Estado é obrigado a participar de uma or- ganização internacional; b) formada por sujeitos de Direito Internacional (os sujeitos são os Estados, que passam a ser denominados membros). Algumas organizações aceitam membros clas- sificados como observadores, associados e afiliados, dentre os quais poderão se in- cluir entidades não-governamentais e Estados ou territórios não-independentes; c) constituída por ato de Direito Internacional, ou seja, tratados internacionais que adquirem um aspecto de norma constitucional da organização; d) de atuação estável segundo normas de Direito Internacional, o que as confere a condição de ente com personalidade internacional; e) com ordenamento, órgãos e institutos próprios; f) que realiza finalidades comuns de acordo com os poderes conferidos por seus membros, os quais se encontram definidos no tratado que criou a organização; g) em virtude de seu estatuto jurídico, tem capacidade de concluir acordos interna- cionais no exercício de suas funções e para realização de seu objeto. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 8 Pelo menos 2 órgãos têm sido adotados pelas organizações internacionais, independen- temente de seu alcance ou finalidade: uma assembleia geral, onde são deliberadas as ques- tões correspondentes à atuação da organização por parte dos Estados-membros; e uma secre- taria, cuja função é de administração, de natureza permanente. A assembleia geral não é per- manente, pois se reúne anualmente para assuntos ordinários e, em caráter excepcional, de acordo com necessidades especiais. Há, ainda, em algumas organizações internacionais de vocação política, um Conselho Permanente. Quanto ao processo decisório, as organizações internacionais geralmente não operam segundo as normas de deliberação por maioria. O Estado soberano somente costuma se sentir vinculado à determinada resolução caso tenha sido favorável a ela, ao menos no que seja clas- sificado como importante, e não meramente instrumental. Decisão relativa à matéria instru- mental seria aquela referente a questões administrativas, como eleições para cargos na orga- nização. Exemplos típicos de insubordinação de Estados membros a deliberações da Assem- bleia Geral são encontrados na própria Organização das Nações Unidas, como por exemplo, no caso das intervenções no Congo e no Oriente Médio. Essas condutas dissidentes enfatizam ainda mais o valor relativo das recomendações da Assembleia. A jurisdição das organizações internacionais corresponde aos poderes para executar seus objetivos e está delimitada no tratado constitutivo. Sendo assim, as atividades realizadas fora desses objetivos são consideradas ultra vires. Essa regra passou a denominar-se princípio da especialidade. Contudo, se tal extrapolação for necessária para a execução dos objetivos da organização, a competência da organização é compreendida como tacitamente ampliada (teo- ria do poder implícito). A questão relativa à possibilidade de um tratado institucional de uma organização inter- nacional gerar obrigações a Estados não contratantes é de suma importância. Na verdade, a matéria ganha grande contorno em casos em que uma organização de alcance e finalidade universais, como a ONU, por exemplo, está inserida na discussão. Em regra geral, não há força jurídica na Carta das Nações Unidas ou em outro tratado institucional para vincular Estados não membros. “Na verdade, a imposição de tratado institucional a terceiro é mera via de fato, condicionada à potência da organização, à conjunção favorável das forças políticas no seu contexto, e finalmente à debilidade do Estado que fa- ça objeto da pretendida coação.” 9 As Organizações Internacionais necessitam de um Estado soberano, que, mediante cele- bração de um tratado bilateral (acordo de sede), facultará a instalação física da organização em algum ponto do seu território. Nada impede que a organização tenha mais de uma sede e que se localize em país não membro, sendo, todavia, muito remota essa última hipótese. A falta de cumprimento dos deveres de sua qualidade de membro de uma organização internacional pode trazer ao Estado consequências, de acordo com as previsões estabelecidas pelo tratado constitutivo e aplicáveis pela própria organização, mediante o voto de seus ór- gãos. Geralmente elas assumem 2 formas principais: a suspensão dedeterminados direitos e a exclusão do quadro de Estados membros. 9 REZEK, op. cit., p. 254. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 9 Outros exemplos de Organizações Internacionais de alcance mundial, além da Organiza- ção das Nações Unidas são: OIT (Organização Internacional do Trabalho, fundada em 1919 e sediada em Genebra, na Suíça), a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, fundada em 1946, com sede em Paris, na França), a FAO (Organização para a Alimentação e a Agricultura, fundada em 1945, como sede em Roma, na Itália), o FMI (Fundo Monetário Internacional), entre muitas outras. Há também aquelas organizações de alcance regional, como por exemplo, o NAFTA (Acordo de Livre Comércio das Américas) e o MERCO- SUL. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a união dos Estados em torno de objetivos co- muns – superar divergências, preservar a paz, e perseguir níveis mais altos de bem-estar para a população mundial – acabou por ocasionar, juridicamente, a celebração de acordos interna- cionais e a criação de organizações, dentre as quais a Organização das Nações Unidas (ONU) foi o exemplo mais representativo, como forma de implementação dessa convergência de interesses. 10 Em 26-06-1945, em São Francisco, ocorreu a assinatura da Carta da ONU (tratado consti- tutivo da organização) e do Estatuto da Corte Internacional de Justiça – CIJ. Atualmente, a presença da ONU no cenário internacional é de inegável importância, a- inda que, por vezes, sua credibilidade interna/externa seja abalada por iniciativas conjuntas de alguns de seus Estados membros, em áreas de seu interesse, mas sem o seu aval, como por exemplo, na invasão do Iraque por parte dos EUA e seus aliados. A ONU atua nas mais diversas áreas (direitos humanos, direitos do mar, direitos do meio ambiente, etc.), em atividades que compreendem, de certa maneira, as esferas legislativa, administrativa e judiciária. A Carta da ONU estabelece, em seu art. 1º, os objetivos da organização: (1) Manter a paz e segurança internacionais, e para esse fim tomar coletivamente medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das contro- vérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; (2) Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao prin- cípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; (3) Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas interna- cionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para to- dos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; (4) Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns”. (grifamos alguns pontos essenciais) O art. 2º da Carta enumera os sete princípios que deverão ser observados pelos Estados- membros: (1) igualdade soberana dos membros; 10 NASSER, Rabih Ali. A Liberalização do Comércio Internacional nas Normas do GATT-OMC. São Paulo: LTr, 1999, p. 22. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 10 (2) boa-fé no cumprimento das obrigações internacionais; (3) solução dos conflitos por meios pacíficos; (4) abstenção da ameaça e da força contra a integridade territorial; (5) assistência à ONU em qualquer ação; (6) obrigação dos estados não membros da ONU de cumprir os princípios da ONU; (7) não-intervenção em assuntos que sejam, essencialmente, da competência in- terna dos Estados. Segundo a Carta da ONU, Estados não-membros podem participar dos debates do Con- selho de Segurança e atentar o Conselho para controvérsias. Além disso, conforme prevê o art. 2, § 6º, para preservar a paz e segurança internacionais, poderá a organização fazer com que Estados que não são membros das Nações Unidas procedam em conformidade com seus prin- cípios. Os membros das Nações Unidas são aqueles Estados que assinaram a Carta da ONU e a ratificaram. A admissão de novos membros “fica aberta a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações, contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estive- rem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações” (art. 4º da Carta). A suspensão dos membros se dá por decisão da Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. Quando um Estado-membro viola de forma persistente os princípios da Carta, poderá vir a ser expulso, também por recomendação do Conselho de Segurança. INDIVÍDUOS E EMPRESAS A personalidade internacional dos indivíduos vem sendo ampliada de acordo com a mo- dernização do DIP. Isso significa dizer que os indivíduos vêm, de certa forma, desvencilhando- se da proteção exclusiva do Estado soberano. Isso porque, toda vez que há a aplicação direta do DIP a um indivíduo, há uma diminuição do exercício da jurisdição do Estado. Essa lógica aplica-se igualmente às empresas. Um exemplo disso é a tentativa de regulamentação interna- cional das empresas trans-nacionais, de modo que tais empreendimentos não se encontrariam mais limitados ao âmbito de aplicação do direito interno, mas sim ao direito internacional. Parte da doutrina, contudo, resiste ao reconhecimento da personalidade jurídica dos in- divíduos e empresas. Afirma Rezek, “não têm personalidade jurídica de direito internacional os indivíduos, e tampouco as empresas, privadas ou públicas”. 11 O papel dos indivíduos no direito internacional tem se destacado, principalmente, quan- do são abordadas questões relativas aos direitos humanos. Tais questões serão analisadas em capítulo próprio. SANTA-SÉ A Santa-Sé é a cúpula da Igreja Católica, localizada na cidade de Roma. Sua personalida- de internacional foi reconhecida a partir dos Acordos de Latrão (1929). Por meio desse tratado, a Itália declarou reconhecer a “soberania da Santa-Sé, no domínio internacional, com os atri- butos inerentes à sua natureza...” (art. 2º). Declarou também reconhecer à Santa-Sé “a plena propriedade, o poder exclusivo e absoluto e a jurisdição soberana sobre o Vaticano...” (art. 3º). 11 REZEK, op. cit., p. 152. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 11 As relações entre a Igreja Católica e os Estados dão-se por meio de concordatas, os quais são tratados internacionais, normalmente bilaterais. ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS – ONGS As organizações internacionais privadas, que não são criadas pelos Estados, mas sim pe- los indivíduos, são denominadas organizações não-governamentais – ONGs. Essas organiza- ções vêm proliferando-se e atuam nas mais diversas áreas (legal, política, social, econômica, educacional, de meio ambiente, de direitos humanos, etc.). Atualmente, não há norma inter- nacional que regule a criação o e funcionamento das ONGs, de modo que são regidas pelas leis nacionais do país de constituição. Até o momento, as ONGs não são consideradas como entes com personalidade jurídica internacional, apesar de algumas organizações internacionais, co- mo a ONU, outorgarem a condição de “observador” a algumas ONGs. Contudo, essa condição não as confere o status de sujeito de direito internacional. Exceção, contudo, se faz ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha, fundado em 1863, ao qual se reconhece personalidadeinternacional por meio da Convenção de Genebra do ano seguinte. RESPONSABILIDADE INTERNACIO- NAL DOS ESTADOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS ESTADOS O Estado, enquanto sujeito do DIP, atua no cenário internacional gozando dos direitos e deveres reconhecidos pelo direito internacional. Atualmente, não mais se discute acerca da igualdade jurídica dos Estados, de modo que todos – os mais poderosos e os mais fracos – desfrutam, por exemplo, dos direitos reconhecidos na Carta das Nações Unidas. Interessante observar que o elenco de direitos e deveres dos Estados evolui com o transcurso do tempo, tanto que, na atualidade, além da independência e da igualdade, desta- ca-se o direito ao desenvolvimento enquanto direito fundamental. Dentre os direitos fundamentais dos Estados, ressaltamos: a) Direito à liberdade: confunde-se com a noção de soberania, a qual pode ser divi- dida em soberania interna e soberania externa. A primeira refere-se ao poder do Es- tado com relação às pessoas e coisas que se encontram em seu território, também denominada autonomia. Compreende os direitos de organização política, de legislar e de jurisdicionar. Soberania externa é aquela atribuída pelo direito internacional e se manifesta a partir da liberdade com que o Estado desempenha suas relações in- ternacionais. Confunde-se, assim, com o conceito de independência. A soberania ex- terna compreende os direitos de celebrar tratados, o de fazer guerra ou paz, etc. 12 12 SILVA & ACCIOLY, op. cit., p. 103. http://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%A3o_de_Genebra user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 12 b) Direito de igualdade: o art. 4º da Convenção Panamericana sobre Direitos e Deve- res dos Estados (Montevidéu, 1933) dispõe que “os Estados são juridicamente iguais, gozam dos mesmos direitos e têm a mesma capacidade no seu exercício”. Os direitos de cada um não dependem do poder que tenha para assegurar o seu exercício, mas do simples fato de sua existência como pessoa de direito internacional. De acordo com o direito de igualdade, cada Estado terá direito de voto para decisão de ques- tões internacionais, sendo que os votos dos mais fracos têm o mesmo valor dos votos dos mais fortes. Além disso, nenhum Estado tem o direito de reclamar jurisdição so- bre outro Estado, de modo que os tribunais de um Estado não têm jurisdição sobre outro. Esse último princípio, porém, não é absoluto, pois se tem entendido que o Es- tado pode renunciar – tácita ou expressamente – à imunidade de jurisdição (por meio de tratado, quando propõe ação perante tribunal estrangeiro, quando exerce atos de comércio/gestão perante Estado estrangeiro). Além disso, a jurisprudência tem aplicado a renúncia da imunidade de jurisdição em ações relativas a questões trabalhistas. A imunidade de execução, contudo, é compreendida como absoluta. c) Direito de defesa e conservação: prática de medidas contra inimigos internos e ex- ternos, tais como a expulsão de estrangeiros nocivos à ordem nacional e a celebração de alianças defensivas. Esse direito, contudo, não é absoluto, pois é limitado pelo di- reito de defesa e conservação dos demais Estados. d) Direito ao desenvolvimento: com base nesse princípio, a ONU adotou várias reso- luções objetivando a melhoria das condições dos Estados em desenvolvimento, como a Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD. DEVERES DOS ESTADOS Para Hans Kelsen, “as normas do direito internacional geral impõem deveres sobre os Estados e ao fazê-lo conferem direitos aos demais”. E, ainda, “se os deveres forem formulados corretamente, a formulação do direito correspondente é supérflua”. Passemos, assim, à análise dos deveres dos Estados soberanos. DEVER DE NÃO-INTERVENÇÃO Intervenção é “a ingerência de um Estado nos negócios peculiares, internos ou externos, de outro Estado soberano com o fim de impor a este a sua vontade”.13 A Carta da OEA determina, em seu artigo 18, “nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro”. Já a Carta da ONU possui um dispositivo bem menos rigoroso, que prevê “todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado ou outra ação incompa- tível com os propósitos das Nações Unidas” (art. 2, item 4). 13 SILVA & ACCIOLY, op. cit., p. 112. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 13 Alguns Estados, contudo, vêm defendendo o uso do instituto da intervenção em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente. Em regra, não configura intervenção uma ação coletiva decorrente de compromisso fir- mado em tratado, como o da ONU, que confere ao Conselho de Segurança poderes para ado- tar as medidas destinadas a manter ou restabelecer a paz e segurança internacionais. Segundo a chamada Doutrina Drago, “a dívida pública não pode motivar a intervenção armada e, ainda menos, a ocupação material do solo das nações americanas por uma potência européia”. Esse princípio surgiu de pronunciamento do ministro das Relações Exteriores da Argentina, Luís Maria Drago, referindo-se ao bombardeio de portos venezuelanos pelos Esta- dos Unidos como forma de forçar o pagamento de dívidas. Como resultado, na 4ª Conferência Internacional Americana, em 1910, as partes comprometeram-se a submeter reclamações pecuniárias à arbitragem, desde que não possam ser resolvidas amistosamente por vias diplo- máticas. Ainda no que se refere ao princípio de não-intervenção, importante destacar a Doutrina Monroe, surgida de uma mensagem dirigida ao Congresso dos Estados Unidos, em 1823, onde o Presidente James Monroe enumerou princípios norteadores da política externa no país. Três deles constituem a Doutrina Monroe: (I) o continente americano não pode ser sujeito de ocu- pação por parte de nenhuma potência européia; (II) é inadmissível a intervenção de potência européia nos negócios internos ou externos de qualquer país americano; (III) os Estados Uni- dos não intervirão nos negócios pertinentes a qualquer país europeu. Destacamos, a seguir, algumas espécies de intervenção: a) Intervenção em nome do direito de defesa e conservação: os Estados têm direito de tomar as medidas necessárias a sua defesa e conservação, desde que se limitando aos contornos estabelecidos pelo DIP. Não podem, entretanto, tomar medidas que atinjam outro Estado o qual não o esteja ameaçando militarmente. Assim, quando não se tratar de hipótese de legítima defesa, a intervenção é condenada pelo direito internacional. b) Intervenção para proteção dos direitos humanos: nesse caso, a intervenção po- derá ser praticada por intermédio de uma organização internacional (ONU), eis que seus membros reconheceram o dever de proteção aos direitos humanos por meio da Declaração Universal de Direitos Humanos. c) Intervenção para proteção dos nacionais: o Estado tem o dever de proteger seus nacionais no exterior. A esse dever corresponde também o direito do Estado em pro- tegê-los, por meio de missão diplomática, conforme previsto na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961. RESPONSABILIDADE POR DANOS INTERNACIONAIS Como vimos, as relações entre os Estados fundam-se em princípios que criam obriga- ções e direitos mútuos, os quais, uma vez violados, podem ocasionar a responsabilidade do Estado perante outros membros da comunidade internacional. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realceuser Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 14 A base fundamental da responsabilidade internacional está amparada na noção de que o Estado responsável pela prática de um ato ilícito segundo o direito internacional deve ao Estado a que tal ato tenha causado dano uma reparação adequada. Essa máxima também é aplicável aos outros sujeitos do DIP. Nesse sentido, por exem- plo, é possível que uma Organização Internacional tenha legitimidade para pleitear reparação por danos causados a seus representantes. A Corte Internacional de Justiça, órgão jurisdicional e consultivo da ONU, já ventilou, na prática, a aplicação dessa hipótese. 14 Essa responsabilidade pode originar-se de atos ou omissões do próprio Estado, de seus funcionários ou de seus súditos (indivíduos), enquanto que a vítima pode ser o Estado, quando sua soberania é violada ou um tratado de que é parte não é observado, ou um indivíduo, no caso de o Estado do qual o mesmo é nacional exercer a proteção diplomática visando à repa- ração do dano sofrido. 15 De acordo com a doutrina e a jurisprudência, são elementos constitutivos da responsa- bilidade internacional: o ato ilícito, a imputabilidade e o prejuízo ou dano. Ato ilícito: ato ou omissão que represente afronta a uma norma de direito internacional, um princípio geral, uma regra costumeira, um dispositivo de tratado em vigor16. Não há escusa para um ato internacionalmente ilícito sob o argumento de sua licitude ante a ordem jurídica local.17 Imputabilidade: é o nexo que liga o ilícito a quem é o responsável pela sua prática. Con- tudo, o autor do ilícito nem sempre é diretamente responsável perante a ordem internacional. Exemplo disso é o fato de que o Estado é responsável pelos atos praticados por seus funcioná- rios. Sendo assim, a imputabilidade não se confunde com a autoria do ato ilícito: os atos são imputáveis porque estão vinculados à soberania e ocorrem em nome do Estado. A responsabi- lidade do Estado é indireta quando este responde pelo ato ilícito que foi praticado, por exem- plo, nos territórios sob sua tutela. A responsabilidade direta advém da ação praticada pelos órgãos do Estado. Pode-se, inclusive, imputar ao Estado ilícito resultante do exercício de com- petências legislativas (por exemplo, a não-revogação de leis contrárias a compromissos firma- dos), judiciárias (quando age desfavoravelmente a preceitos internacionais) e executivas (ação ou omissão de funcionários). A ação hostil de particulares não acarreta, por si só, a responsabilidade internacional do Estado. No entanto, o Estado incorrerá em ilícito quando faltar com seus deveres de preven- ção e repressão de atos ilícitos praticados por particulares.18 14 A Corte Internacional de Justiça, em parecer consultivo exarado em 1949, deixou claro que a ONU tem legitimidade para pleitear reparação adequada quando seu servidor, no exercício de suas funções, sofre dano em circunstâncias que ensejem a responsabili- dade de um Estado (Recueil CIJ, 1949). 15 ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional Público. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 144. 16 ARAÚJO, op. cit., p. 144. 17 REZEK, op. cit., p. 271. 18 Exemplo clássico no Direito Internacional Público desse dever de punir ou vigiar que acarreta a responsabilidade internacional do Estado está presente no julgamento da Corte Internacional de Justiça no Caso do Pessoal Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã, no qual a ocupação contínua da embaixada e a detenção persistente dos reféns assumiram caráter de atos do Estado. Os militantes tornaram-se, então, agentes do Estado iraniano, dada a omissão desse país em não tentar prevenir ou punir seus atos (Recueil CIJ, 1980). user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 15 Dano: não será necessariamente material ou de expressão econômica, uma vez que o Estado pode transgredir também direitos extrapatrimoniais (apartheid, genocídio). Só o Estado vitimado por alguma forma de dano causado diretamente a si, ao seu terri- tório, ao seu patrimônio, aos seus serviços, ou ainda à pessoa ou aos bens de particular que seja seu súdito tem qualidade para invocar a responsabilidade internacional do Estado faltoso (dano direto). 19 Há circunstâncias, contudo, que excluem a ilicitude do ato violador do DIP. Segundo Luis Amorim de Araújo, são hipóteses que “isentam a responsabilidade do Estado: legítima defesa (todo Estado tem di- reito de repelir um ataque armado até que o Conselho de Segurança da ONU tenha tomado as medidas indispensáveis para a manutenção da paz e da segurança internacionais, ex vi do art. 51 da Carta da ONU), a prescrição li- beratória (quando o prejudicado, pelo seu silêncio, negligencia a reclamação e seu direito) e a renúncia do indivíduo prejudicado em recorrer à proteção diplomática de seu Estado”. 20 É princípio geral do direito a obrigação de reparação do dano causado, por meio de res- tituição, compensação ou outros meios reconhecidos pelo direito. A reparação será equivalen- te à natureza do dano causado ao Estado, sendo em dinheiro tão somente nos casos em que há repercussões econômicas ao país vitimado. O conceito de reparação é, portanto, diferente de sanção, a qual possui uma característica penal e moral. A jurisprudência internacional fir- mou a restituição integral como princípio básico de reparação dos danos causados. Ou seja, a reparação deverá ser integral, propiciando o restabelecimento da situação que existiu antes do ato ilícito ser cometido (statu quo ante). Há que se compensar também, quando for o caso, os lucros cessantes diretamente relacionados ao dano causado, não, porém, os chamados danos indiretos. O Estado ofendido, dentro de limitações estabelecidas pelo DIP, poderá tomar contra- medidas. Entretanto, antes disso, deverá o Estado esforçar-se para negociar a solução. Apesar de a responsabilidade internacional não se encontrar codificada, o Projeto de Convenção sobre Responsabilidade dos Estados, proposto pela Comissão de Direito Interna- cional da ONU, prevê, em seu artigo 50, as contramedidas proibidas pelo DIP. São elas: a) a ameaça ou uso de força proibidas pela Escritura das Nações Unidas; b) coerção econômica ou política extrema projetada para se arriscar a integridade territorial ou política do Estado que cometeu o ato internacionalmente ilícito; c) qualquer conduta que infringe a inviolabilidade de agentes diplomáticos ou consu- lares, premissas, arquivos e documentos; d) qualquer conduta que derroga direito humano básico; ou e) qualquer contravenção de norma peremptória de direito internacional geral (Jus Cogens). PROTEÇÃO DIPLOMÁTICA 19 REZEK, op. cit., p. 274. 20 ARAÚJO, op. cit., p. 147. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 16 No caso de responsabilidade internacional por lesão a um indivíduo, o Estado de origem desse indivíduo poderá exercer seu direito de proteção diplomática. Significa que o Estado da nacionalidade do indivíduo lesado poderá apresentar uma reclamação, via diplomática, contra o Estado infrator para obter a devida reparação. Para tanto, o indivíduo lesado deverá primei- ro esgotar os recursos domésticos do Estado responsável antes de recorrer ao país nacional para requerer a proteção diplomática. Portanto, somente se poderá utilizar a proteção diplomática quando se verificar a invia- bilidade dos remédios locais. Não será necessário, todavia, esgotar os recursos domésticos, quando for evidente que os tribunais locais não farão justiça no caso. Além disso, quando um tratado excluir expressamente o esgotamentodos recursos domésticos, esse princípio não será aplicado. Essa outorga da proteção diplomática de um Estado a um particular chama-se endosso. Nesse momento, o Estado assume a reclamação, fazendo-a sua, e dispondo-se a tratar da ma- téria junto ao Estado autor do ilícito. É um direito de qualquer indivíduo ou empresa solicitar a proteção diplomática de seu país de origem, mas isso não quer dizer que irá obtê-la. É ato dis- cricionário do Estado concedê-la, o que, por sua vez, pode ser feito, com ou sem o pedido do particular. A concessão do endosso exige 2 (duas) condições: a nacionalidade do súdito, sendo que, no caso das pessoas jurídicas, será analisado o foro de sua constituição21; e o esgotamento dos recursos internos do país reclamado, se eles se mostrarem imparciais, acessíveis e eficazes, conforme já referido. O efeito jurídico do endosso é a transformação de uma reclamação particular numa re- clamação nacional. Saliente-se, ainda, que no caso de êxito na demanda e estabelecimento de indenização, o direito internacional não impõe o dever de o Estado transferir o montante obti- do, mesmo que já deduzido de todas as despesas, ao particular. Esse dever resultará de deve- res éticos ou de normas de direito interno22. O exercício de proteção diplomática é um direito do Estado. Seu exercício deverá ser pa- cífico, por meio de negociação direta, mediação, conciliação, arbitragem, processo judiciário, etc. O Estado poderá renunciar à sua reclamação, não podendo mais reformulá-la. Entretanto, não poderá o indivíduo renunciar, eis que a reclamação pertence ao Estado, e não ao particu- lar. A proteção diplomática não se confunde com a diplomacia. O objeto da proteção diplo- mática é o particular - indivíduo ou empresa - que, no exterior, seja vítima de um proce- dimento estatal arbitrário e, que, em desigualdade de condições frente ao governo estrangei- ro, pede ao seu Estado de origem que lhe tome a vez, fazendo da sua reclamação uma autênti- ca demanda entre sujeitos de direito internacional23. 21 “Caso Barcelona Traction, no qual a Corte Internacional de Justiça se manifestou indicando que a nacionalidade da pessoa jurídica é definida pelo local de sua constituição.” 22 REZEK, op. cit. p. 276. 23 REZEK, op. cit., p. 276. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 17 REPRESENTAÇÃO DIPLOMÁTICA As relações diplomáticas e consulares entre os povos existem há muito tempo. O direito internacional adotou-as e organizou-as, mas não as instituiu. Foi a partir do aparecimento do Estado que a prática demonstrou que a forma mais segura de exercício da soberania é a manu- tenção efetiva, por intermédio dos seus próprios agentes e em pé de igualdade, de relações diplomáticas e consulares com outros Estados soberanos. MISSÕES DIPLOMÁTICAS Todo Estado soberano tem o direito de estabelecer relações diplomáticas. Chama-se di- reito de legação ativo o direito de envio de missão diplomática, e passivo quando o Estado recebe a missão de outro Estado. 24 O art. 2º da Convenção de Viena de 1961 estabelece que as relações diplomáticas entre Estados e o envio de missões diplomáticas permanentes fazem-se por consentimento mútuo. A regra do consentimento mútuo é consequência de um compromisso nacional, inteiramente em conformidade com o princípio segundo qual toda limitação das competências soberanas de um Estado depende de sua aceitação25. O objetivo da missão diplomática é assegurar a manutenção de boas relações entre os Estados, bem como proteger os direitos e interesses do país e de seus nacionais. A missão diplomática possui funções de representação, ou seja, o agente diplomático age em nome do Estado que representa, devendo promover o intercâmbio econômico, cultu- ral e científico. Possui também a função de negociar com o Estado acreditado. Deve também proteger os interesses de seu Estado, observar as condições e a evolução dos acontecimentos no Estado acreditado e informar seu governo sobre tais circunstâncias. 26 Assim como seu estabelecimento, a ruptura das relações diplomáticas é um ato discri- cionário do Estado, e se traduz pela decisão unilateral que este toma ao fechar sua missão diplomática, impondo, assim, a mesma decisão ao seu parceiro, em virtude do princípio da reciprocidade. É, no entanto, um ato bastante grave e não acontece senão em último recurso. CONVENÇÃO DE VIENA DE 1961 A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, é o documento fundamen- tal no que se refere às relações diplomáticas entre Estados. A Convenção foi a compilação de uma estrutura normativa descendente do costume e trouxe, entre muitas outras novidades, a consagração do princípio de que a missão diplomática deve ser entendida em seu conjunto e não isoladamente considerada na figura do embaixador. Assim, a missão diplomática abrange o chefe da missão, os funcionários e o pessoal técnico e de serviço. 24 DINH, DAILLIER, e PELLET, op. cit. p. 662. 25 DINH, DAILLIER, e PELLET, op. cit. p. 662. 26 SILVA & ACCIOLY, op. cit., p. 171. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 18 Segundo a Convenção, os chefes de missão dividem-se em três classes: a) embaixadores ou núncios acreditados perante chefes de Estado; b) enviados, ministros ou internúncios; e c) encarregados de negócios, acreditados perante o Ministério das Relações Exterio- res. O grupo de agentes diplomáticos acreditados em um mesmo Estado é chamado corpo diplomático, o qual é presidido pelo decano, que é o mais antigo agente diplomático. A expres- são “agente diplomático” engloba o chefe da missão e todos os membros do pessoal diplomá- tico. Os funcionários diplomáticos são classificados como permanentes ou temporários. Per- manentes são os que atuam permanentemente junto a um governo. Os temporários integram uma delegação em uma conferência ou são enviados a uma posse presidencial, por exemplo. A missão diplomática permanente, qualificada geralmente de embaixada e, por vezes, de legação, é um serviço público do Estado acreditante instalado permanentemente no terri- tório do Estado acreditador. Os agentes são escolhidos pelos Estados, segundo qualidades e condições de idoneidade por eles designados. Em regra, os agentes diplomáticos são nacionais do país pelo qual são nomeados, con- tudo, nada impede que sejam de outra nacionalidade. Ao assumir seu posto, o agente diplo- mático leva consigo dois documentos essenciais: o passaporte diplomático e a credencial. A credencial é normalmente uma carta assinada pelo chefe de Estado e referendada pelo Minis- tro das Relações Exteriores. PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES Conforme já referido, os agentes e as missões diplomáticas encontram-se numa situação muito particular: eles constituem os meios pelos quais o Estado acreditante exerce uma mis- são de serviço público no território acreditado. Para tanto, são concedidas a eles algumas ga- rantias permitindo, ou ao menos facilitando, o cumprimento de sua missão. 27 Primeiramente, é preciso fazer uma diferenciação entre privilégio e imunidade. A Convenção de Viena mante- ve essa distinção, apesar de ter reduzido seu alcance. Nos termos da Convenção, as imunida- des são todas aquelas fundadas em regras de direito internacional, ao passo que, quanto aos privilégios, alguns têm origem no direito internacional, como é o caso das isenções fiscais, já outros, tais como as isenções aduaneiras, são simples medidas de cortesia sobre as quais o direito internacional se exprime de forma permissiva e não imperativa, e que dependem para sua existência e amplitude de textos de direito interno.28 Os privilégios e imunidades diplomáticas foram codificados pela Convenção de Viena, em seus arts. 20 a 42. Em seu artigo 37, a Convenção trata da extensão dos privilégios e imuni- dades às famílias dos diplomatas, ao pessoal administrativo e técnico. O referido artigo dispõe que os membros da família de um agente diplomático que façam parte de seu agregado são beneficiados pelos mesmos privilégios e imunidades que os previstos em favor do agente, con- tanto que não sejam nacionais do Estado acreditado. 27 DINH, DAILLIER, e PELLET, op. cit. p. 665. 28 DINH, DAILLIER, e PELLET, op. cit. p. 667. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 19 Os membros do pessoal administrativo e técnico (por exemplo, os tradutores), assim como os membros de suas famílias, gozam, com poucas diferenças, das mesmas imunidades concedidas aos agentes diplomáticos. Os membros do pessoal do serviço (jardineiros, empre- gados domésticos), por sua vez, não se beneficiam da imunidade senão para os atos produzi- dos no exercício de sua função. Os membros de suas famílias estão inteiramente excluídos. A missão diplomática tem liberdade nas comunicações oficiais, isto é, o Estado acredita- do tem a obrigação de permitir e proteger a livre comunicação da missão para todos os fins oficiais (art. 27). Da mesma forma, os locais onde a função é exercida, dentre os quais se inclui a residência do chefe da missão, possuem inviolabilidade diplomática. Também possuem invio- labilidade os próprios diplomatas e seus arquivos. Em seu art. 29, reza a Convenção “a pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado tratá-lo-á com o devido respeito e adotará todas as medidas ade- quadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade e dignidade”. A inviolabilidade, contudo, não é absoluta. Caso o agente pratique atos contra a ordem pública ou a segurança do Estado onde se acha acreditado, o Estado poderá exigir sua retirada e, caso a medida seja necessária, cercar sua residência até que o agente se retire. Não será possível a prisão do agente. Sua expulsão é excepcional, em casos em que o agente não é reti- rado pelo seu governo. Além disso, em razão da inviolabilidade, os agentes do Estado acreditado não poderão adentrar na embaixada sem a autorização do chefe da missão. No que se refere à imunidade de jurisdição, vale enfatizar que ela é de natureza absolu- ta, quer o agente esteja ou não no exercício de suas funções. Ela se aplica aos agentes diplo- máticos e corresponde à faculdade de não comparecer aos tribunais do Estado acreditado. Admite-se, contudo, que o testemunho seja prestado na sede da missão. A imunidade, todavi- a, não exime o agente do dever de observar os regula-mentos locais, contanto que sejam de ordem geral e não restrinjam o exercício de suas funções. No caso da imunidade de jurisdição criminal, esta somente será excepcionada em caso de renúncia à imunidade por parte do governo do agente. O direito criminal brasileiro reco- nhece a competência da justiça brasileira relativamente a crimes cometidos por seus nacionais no exterior (princípio da extraterritorialidade). A imunidade do agente diplomático se aplica nas esferas civil e administrativa. No en- tanto, nos casos de ilícitos civis, há exceções à imunidade de jurisdição. São elas: 1. Quando o agente renuncia expressamente à imunidade, submetendo-se à jurisdi- ção local; 2. Quando o próprio agente recorre aos tribunais locais, na condição de autor; 3. Em ações relativas a imóveis possuídos pelo agente no território do Estado onde exerce suas funções; 4. Em ações resultantes de compromissos assumidos no exercício de outra profissão que porventura tenha desempenhado; 5. Quando o agente é nacional do Estado onde está acreditado. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 20 Entretanto, mesmo nos casos referidos acima, nenhuma execução poderá se dar caso implique em medidas contra o agente ou os bens necessários para o exercício da missão. Para esse fim, os credores deverão recorrer aos tribunais do país do devedor. No caso dos funcionários técnicos e administrativos, também estes gozarão de imunida- de de jurisdição absoluta na esfera penal, enquanto que a imunidade civil, administrativa e comercial é apenas relacionada aos atos funcionais. Aos funcionários de serviço, é conferida apenas a imunidade funcional, em qualquer esfera. Por fim, a Convenção, em seu art. 34, trata da isenção fiscal das missões e dos agentes diplomáticos. O agente diplomático não pode ser contribuinte no Estado acreditado, uma vez que, no plano dos princípios, o pagamento de impostos é um ato de sujeição. O artigo 34 da Convenção proclama a imunidade fiscal, criando, contudo, algumas exceções, entre as quais figuram, por exemplo, os impostos prediais devidos pelos imóveis privados e aqueles que to- cam rendimentos privados, tendo a sua fonte no Estado acreditado. Além disso, o artigo 36 declara que, de acordo com suas disposições legislativas e regu- lamentares, o Estado acreditador pode conceder a isenção de direitos alfandegários sobre os objetos destinados ao uso pessoal do agente diplomático ou ao dos membros de sua família. CONVENÇÃO SOBRE RELAÇÕES CONSULARES DE 1963 Enquanto que em matéria de relações diplomáticas o costume precedeu o direito escri- to, em termos de relações consulares observamos exatamente o processo inverso. Desde as origens da instituição consular, a sua regulamentação tem sido obra de convenções bilaterais entre Estados interessados. Os postos consulares são, como as missões diplomáticas, serviços públicos dependentes de seu Estado nacional, mas instalados num Estado estrangeiro. Por essa razão, o estabeleci- mento de relações consulares e de postos consulares também está submetido à regra do con- sentimento mútuo (arts. 2º e 4º da Convenção de Viena de 1963). Em virtude do caráter essencialmente administrativo das relações consulares, o seu es- tabelecimento é independente do das relações diplomáticas e mesmo do reconhecimento mútuo dos Estados interessados. Sendo assim, a ruptura das relações diplomáticas não acarre- ta necessariamente a das relações consulares. Para que possa exercer sua função, cada chefe de posto consultar deverá estar munido de uma carta de provisão do seu Estado de envio. Além disso, ele só começa a exercer suas funções após ter recebido a autorização de seu Estado de residência, chamada de mandato executório. É permitido que um Estado nomeie para um posto consular um cidadão estrangeiro, o qual será designado “cônsul comercial ou honorário”, todavia, este não será beneficiado com os mesmos privilégios e imunidades dos cônsules de carreira. Os cônsules e os postos consulares não estão encarregados de funções de representa- ção política. Suas funções revestem-se de um caráter puramente administrativo. Nos termos do artigo 5º da Convenção, os cônsules estão principalmente encarregados de proteger no Estado de residência os interesses do Estado de envio e dos seus nacionais; de favorecer o user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 21 desenvolvimento das relações comerciais, econômicas, culturais e científicas entre eles; de exercer algumas funções relativas aos nacionais que se encontrem no Estado de residência (estado civil, assistência judiciária e parajudiciária, emissão de passaportes); de conceder vistos às pessoas estrangeiras que desejarem visitar o Estado de envio; de supervisionar os barcos, navios e suas tripulações com origem no Estado de envio e de lhes prestar assistência.29 A inviolabilidade dos locais consulares só se aplica às partes que o pessoal utiliza exclusi- vamente para as necessidades de seu trabalho (art. 31 da Convenção). Dessa forma, ela não protege a residência do chefe do posto consular (art. 1º, j, da Convenção). A liberdade e a proteção das comunicações oficiais constituem exigência funcional que se aproxima a mesma concedida para as missões diplomáticas. A inviolabilidade pessoal dos funcionários consulares é bastante limitada, pois eles po- dem ser submetidos à prisão ou detenção preventiva por crime grave (art. 41 e 42). Da mesma forma, a imunidade jurisdicional não é absoluta, uma vez que os funcionários e empregados consulares não estão protegidos senão em razão dos atos executados no exercício das suas funções consulares (art. 43). Fora deste exercício, eles podem até mesmo ser objeto de proce- dimento criminal. 30 TRATADOS INTERNACIONAIS TEORIA GERAL DOS TRATADOS Conforme ensina Marques31, historicamente, foram as regras consuetudinárias que re- geram os acordos entre Estados, utilizando-se de princípios gerais, notadamente, o do respeito ao acordado (pacta sunt servanda), o do livre consentimento e o da boa-fé das Partes contra- tantes. “No século XX, surgem dois fenômenos novos: o aparecimento das organiza- ções internacionais e a codificação do direito dos tratados, transformando regras costumeiras em regras convencionais escritas, expressas elas mesmas no texto de um tratado.” Os trabalhos desenvolvidos pela Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas resultaram, em 1969, na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. No Brasil, o texto da Convenção foi enviado ao Congresso para aprovação em abril de 1992. Embora a ratificação por parte do Brasil ainda não tenha ocorrido, “suas normas são tidas como vigentes por ex- pressarem costume internacional”. 32 A Convenção de Viena define tratado internacional como “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um ins- 29 DINH, DAILLIER, e PELLET, op. cit. p. 676. 30 DINH, DAILLIER, e PELLET, op. cit. p. 678. 31 MARQUES, Frederico. Direito Internacional Privado e Mercosul. Disponível em: <http://www.dip.com.br>. Acesso em: 10 de maio de 2005. 32 MARQUES, idem. user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 22 trumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denomina- ção específica” (art. 2, a). Conforme Rezek33, “tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito in- ternacional, e destinado a produzir efeitos jurídicos”. A celebração de tratados se constitui em exercício de soberania. Mas, além do reconhe- cimento de sua soberania, o Estado, ao celebrar tratados, reconhece e se compromete a uma fonte de limitação de suas competências. Por isso, a doutrina costuma afirmar que o com- prometimento do Estado por meio de tratados internacionais implica em: (I) manifestação do atributo de soberania; (II) instrumento de limitação do exercício do poder soberano. 34 De maneira geral, a elaboração de um tratado internacional segue as seguintes etapas: 1. Negociação. Realizada por autoridades nacionais designadas pela ordem constitu- cional do Estado, muitas vezes acompanhados de especialistas no assunto sob dis- cussão; 2. Elaboração do texto. Os tratados são compostos de um preâmbulo, o qual espelha os motivos da realização do tratado, fornecendo elementos para sua interpretação, e do chamado dispositivo, ou seja, o texto ou corpo onde são definidas as obrigações dos Estados-Partes; 3. Adoção. Segundo a Convenção de Viena (art. 9°), a adoção de um texto efetua-se pelo voto da maioria de dois terços dos Estados presentes, salvo se esses Estados, pela mesma maioria, decidam aplicar outras regras; 4. Manifestação do Consentimento. O artigo 11 da Convenção reza que o consenti- mento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela assinatu- ra, troca de instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim for acordado pela partes. Importante observar que durante o período compreendido entre a adoção do texto e a manifestação do consentimento, o tratado não obriga os Estados-Partes. Entretanto, a Con- venção de Viena determina, em seu art. 18, que o Estado deve se abster da prática de atos que frustrem o objeto e a finalidade do tratado. É por meio da manifestação de consentimento que o tratado atinge sua eficácia jurídica. Em regra, são as normas constitucionais dos países que determinam o procedimento interno que resultará no consentimento do Estado. Como vimos, a Convenção de Viena prevê a ratificação como uma das formas de expres- são do consentimento do Estado. Trata-se de ato por meio do qual a mais alta autoridade do Estado confirma o tratado, uma vez aprovado internamente, aceitando que ele seja definitivo e obrigatório e comprometendo-se a executá-lo. O instrumento de ratificação é enviado aos outros Estados-Partes e ao Estado depositário, vinculando a partir desse momento, o Estado signatário35. A figura do Estado depositário corresponde àquele a quem cabe a manutenção do instrumento original, bem como a distribuição de cópias autênticas do texto do ato e demais 33 REZEK, op. cit. p. 14. 34 SEITENFUS & VENTURA, op. cit., p. 40. 35 SEITENFUS & VENTURA, op. cit., p. 42. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 23 registros. O Brasil é o depositário de diversos tratados, dentre eles o Tratado da Bacia do Prata e o Tratado de Cooperação Amazônica. Essa função também pode ser exercida por uma orga- nização internacional. PRINCÍPIOS E CLASSIFICAÇÃO DOS TRATADOS O principal princípio aplicável aos tratados encontra-se na norma “pacta sunt servanda”, também reconhecido como princípio constitucional da sociedade internacional36. Trata-se da aplicação da máxima segundo a qual as partes devem observar os ditames estabelecidos no acordo ao qual se submeteram, ou seja, o que foi pactuado deve ser cumprido. Outro impor- tante princípio que rege a celebração e interpretação dos tratados é o da boa-fé. Quanto à classificação dos tratados no âmbito do Direito Internacional Público, esta se apresenta segundo diversos critérios, dentre os quais, os mais correntes na doutrina e na prá- tica são: a) segundo o número de partes: tratados bilaterais (entre dois Estados) e tratados multilaterais (entre mais de dois Estados); b) segundo a possibilidade de adesão de Estados: tratados abertos (permitem a par- ticipação de Estados que não assinaram o texto inicialmente) e tratados fechados (não permitem a adesão tardia); c) segundo o modo de sua entrada em vigor: tratados em devida forma (necessitam da troca de instrumentos de ratificação ou da prática, pelos Estados Signatários, de outro ato solene posterior a sua assinatura) e tratados em forma simplificada, tam- bém denominados Executive Agreements (entram em vigor, no momento de sua as- sinatura, ou no momento em que o texto dispuser, prescindindo de atos posteriores, como o da ratificação); d) quanto à matéria regulada: os tipos podem variar ao infinito, como, por exemplo, tratados de paz, tratados de comércio e navegação, tratados de extradição, etc. Antigamente, tinha-se no direito internacional público a prática dos tratados secretos. Todavia, hoje em dia essa idéia não possui mais assento é já se encontra proibida em diversos ordenamentos internos de Estados democráticos. Por fim, é importante destacara existência dos chamados acordos Guarda-Chuva (Um- brella Treaty) e dos “tratados-quadro” que vêm ganhando espaço na constante evolução do Direito Internacional Público. São tratados multilaterais, nos quais os Estados-Partes traçam grandes molduras normativas, de direitos e deveres de natureza vaga, e que, por sua natureza, pedem uma regulamentação mais pormenorizada. Geralmente, instituem-se reuniões periódi- cas e regulares, de um órgão composto de representantes dos Estados-Partes (chamada Con- ferência das Partes - COP), com poderes delegados de complementar e expedir normas de especificação. O conjunto normativo que se forma, a partir dos dispositivos do tratado-quadro e das decisões das Conferências das Partes, deve formar um sistema harmônico, entre os mesmos Estados-Partes. INTERPRETAÇÃO 36 MELLO, op. cit. p. 208. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 24 A interpretação dos tratados é disciplinada pelos arts. 31, 32 e 33 da Convenção. A regra geral determina que um tratado deverá ser interpretado de acordo com a boa-fé, à luz de seu contexto e finalidade. A interpretação deverá buscar, portanto, a compreensão da vontade dos Estados-Partes, uma vez que não deverá resultar em obrigações não assumidas pelos Estados. Para a compreensão do contexto do tratado, serão levados em consideração o texto, seu preâmbulo e anexos, além de acordos relativos ao tratado firmados entre as mesmas par- tes por ocasião da conclusão do tratado. Serão também considerados instrumentos estabele- cidos por uma ou várias partes quando da conclusão do tratado e aceitos pelas outras partes como relativos ao tratado. Segundo o art. 33 da Convenção, quando um tratado for autenticado em dois ou mais i- diomas, seu texto fará igualmente fé em cada uma delas, salvo se as partes acordarem que, em caso de divergência, um texto determinado prevalecerá. 3.1.3 VALIDADE, VIGÊNCIA, EXECUÇÃO E APLICAÇÃO DOS TRATADOS Para que um tratado internacional seja válido, é necessária a reunião de três elementos fundamentais: 1. Capacidade das Partes que ratificaram o tratado: a idéia de capacidade para cele- bração de um tratado está relacionada à idéia de sujeito de DIP. A Convenção de Vie- na determina que “todo o Estado tem capacidade para celebrar tratados” (art. 6º). Quanto aos Estados federados, as unidades da federação somente serão capazes ca- so a Constituição Federal assim determine. Já as organizações internacionais possu- em uma capacidade parcial (decorrente de seu tratado constitutivo) e derivada (re- sultante da vontade de seus membros). 37 2. Consentimento manifestado regularmente: os vícios de consentimento podem se manifestar em face de uma ratificação imperfeita (contrária as normas internas do Estado), erro essencial (referente a fato que o Estado supunha existir quando da ce- lebração do tratado e que se constituía base essencial do seu consentimento), dolo (Estado foi levado a concluir o tratado por conduta fraudulenta de outro Estado), cor- rupção (representante do Estado encontrava-se corrompido), coação sobre o repre- sentante (ameaças ou atos dirigidos ao representante) ou coação sobre o Estado (a- meaça ou uso de força em violação aos princípios da Carta da ONU). 3. Objeto lícito: a ilicitude será analisada com base em normas imperativas de direito internacional geral (jus cogens) e não em normas internas de determinado Estado. O art. 53 da Convenção de Viena conceitua “norma imperativa de direito internacional geral” como a norma que é “aceita e reconhecida pela comunidade internacional na condição de norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modi- ficada por nova norma de direito internacional da mesma natureza”. São exemplos dessas normas as que se referem a liberdades individuais (direito à vida, liberdade de circulação). A vigência dos tratados pode ser (I) ilimitada: o tratado exige um ato de denúncia; (II) por prazo fixo: o tratado extingue-se por decurso de prazo, podendo ser, normalmente, reno- 37 SEITENFUS & VENTURA, op. cit., p 48. user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce user Realce DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO 25 vável por acordo das partes; (III) por prazo determinado: prorroga-se automaticamente por iguais períodos, possibilitando-se a denúncia às partes que não desejem a sua renovação. O início da vigência de um tratado pode ser definido pelas partes, conforme estabelece o art. 24 da Convenção de Viena. No caso do Mercosul, por exemplo, o Tratado de Assunção entrou em vigor após o depósito de três das quatro ratificações. Caso as partes não tenham determinado a forma de entrada em vigor, a vigência se dará a partir do consentimento manifestado por todos os negociadores. A Convenção determina ainda que, quando o consentimento de um Estado em se obrigar por um tratado for manifes- tado após sua entrada em vigor, a vigência com relação a esse Estado ocorrerá nessa data (art. 24). Aos tratados, aplica-se o princípio da irretroatividade, a não ser que as partes estabele- çam de forma diversa. Sendo assim, em regra, as disposições de um tratado não obrigam uma parte em relação a um ato ou fato anterior à vigência do tratado. Além disso, o tratado é vigente em relação a todo o território de cada uma das partes, salvo disposição em contrário. Como bem salienta Marques38, “a tradição constitucional brasi- leira não concede o direito de concluir tratados aos Estados-membros da Federação. Nessa linha, a atual Constituição diz competir à União, ‘manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais’ (art. 21, inciso I). Por tal razão, qualquer tratado que um estado federado ou município deseje concluir com Estado estrangeiro, ou unidade dos mesmos que possua poder de concluir tratados, deverá ser feito com a intermediação do Mi- nistério das Relações Exteriores, decorrente de sua própria competência legal. A necessidade dessa intermediação impõe-se, igualmente aos demais Ministérios”. Quanto à execução e aplicação dos tratados, a Convenção de Viena estabelece que uma parte não poderá invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimen- to de um tratado (art. 27)39. O próprio tratado deverá determinar a solução para os casos de não-execução, prevendo, ainda, instrumentos de solução de controvérsias. A Convenção determina ainda que o Estado, ao se comprometer a um tratado, poderá formular reservas, salvo se (I) a reserva for proibida pelo tratado; (II) o tratado apenas autorize determinadas reservas; (III) a reserva seja incompatível com o objeto e finalidade do tratado (art. 19). A possibilidade de apresentar reservas em um tratado constitui-se em uma forma de viabilizar uma maior participação dos Estados nos atos multilaterais, pois se permite a uma Parte deixar de consentir relativamente a uma ou algumas de suas disposições. Deve, entretanto, a reserva ser compatível com a finalidade e o objeto do ato40. Importante lembrar que as reservas são atos unilaterais, os quais visam a excluir ou modificar certas disposições dos tratados. Sendo assim, os Estados não poderão se utilizar desse instituto para incluir disposições no tratado. 38 MARQUES, Frederico. Direito Internacional Privado e Mercosul. Disponível em: <http://www.dip.com.br>. Acesso em 10 de maio de 2005. 39 Dispõe, ainda, o artigo 46 da Convenção de Viena: “Um Estado não poderá invocar o fato de que seu consentimento em obrigar- se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito
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