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Elisângela Menezes Margarida Maria Souto Fantoni Ciência Política e Teoria do Estado Elisângela Menezes Margarida Maria Souto Fantoni CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO Belo Horizonte novembro de 2015 COPYRIGHT © 2015 GRUPO ĂNIMA EDUCAÇÃO Todos os direitos reservados ao: Grupo Ănima Educação Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610/98. Nenhuma parte deste livro, sem prévia autorização por escrito da detentora dos direitos, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravações ou quaisquer outros. Edição Grupo Ănima Educação Vice Presidência Arthur Sperandeo de Macedo Coordenação de Produção Gislene Garcia Nora de Oliveira Ilustração e Capa Alexandre de Souza Paz Monsserrate Leonardo Antonio Aguiar Equipe EaD Conheça a Autora Margarida Fantoni é Mestre em Administração/ Gestão da Inovação pelas Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo, pós-graduada em Gestão Estratégica da Informação pela UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais, pós-graduada em Administração Financeira pela FJP – Fundação João Pinheiro e graduada em Ciências Econômicas pela UFMG. Atuou profissionalmente junto à SEPLAG – Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, ao SEBRAE – Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa e à FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. É instrutora de cursos de Gestão da Informação e do Conhecimento da FJP, FEAD e da SEPLAG. Ministrou as disciplinas de Teoria Econômica e Economia Monetária na UNA. Conheça a Autora ELISÂNGELA DIAS MENEZES: Jornalista, Advogada e perita judicial especializada em Propriedade Intelectual. Mestre em Direito Privado pela PUC Minas e Doutoranda em Ciências Jurídico-Civis pela Universidade de Lisboa. Professora da graduação e pós- graduação dos centros universitários Uni-BH e UNA. Membro da Comissão de Propriedade Intelectual da OAB-MG e autora do livro “Curso de Direito Autoral” da Editora Del Rey. Caro Aluno, Nesta disciplina, você vai receber uma formação política básica para que a sua atuação profissional se dê de forma segura e responsável, despertando a sua postura cidadã frente aos problemas diários da sociedade organizada e do Estado Democrático de Direito. Com o ensino de noções de Política e Teoria do Estado, você irá desenvolver uma consciência em torno da responsabilidade ética e legal que envolve o exercício profissional, capacitando-se para lidar de maneira séria e responsável com os diversos desafios decorrentes da atuação em sociedade e do exercício da profissão. Assim, ao final desta empreitada, esperamos que você tenha adquirido habilidades e competências necessárias às relações políticas, sociais e cidadãs decorrentes do convívio em sociedade. Para tanto, serão apresentados a você o conceito e as origens históricas da Ciência Política, incluindo as contribuições do pensamento político grego, bem como do pensamento político moderno. Também serão discutidos importantes conceitos relacionados com o Estado, sua origem, evolução histórica, elementos constitutivos, funções e configurações, passando pelas intrigantes correntes do Liberalismo, do Socialismo e da Social- Democracia. A questão da democracia será apresentada a você de forma especial, dada a importância e contemporaneidade da sua discussão, sendo acompanhada de uma análise dos sistemas de representação, formas e sistemas de governo. Outro aspecto de fundamental relevância para a sua formação é retratado na discussão dos aparelhos de estado e das forças políticas, envolvendo a questão dos direitos políticos, sociais, civis e humanos, bem como a cidadania. Um último aspecto retratado diz respeito às relações internacionais do Estado, tópico essencial em virtude dos seus impactos sobre a soberania interna e externa. Portanto, mãos à obra, pois temos muito trabalho! Apresentação da disciplina UNIDADE 1 003 Fundamentos da Ciência Política 004 Conceito e origem histórica 006 A contribuição grega: Platão e Aristóteles 013 Pensamento político moderno 020 Revisão 028 UNIDADE 2 029 Teoria geral do Estado 030 Conceito de Estado e Nação 033 Origem, formação e evolução histórica do Estado 035 Elementos constitutivos do Estado: povo, território e soberania 043 Estado, direito e política: noções de cidadadnia 048 Finalidade e funções do Estado: teoria da autolimitação 050 Revisão 056 UNIDADE 3 059 O Estado Moderno 060 O Estado Liberal 062 O Estado Socialista 068 O Estado do Bem-Estar Social 072 O Estado de Direito 077 Revisão 085 UNIDADE 4 087 Estado e Governo 088 Estado moderno e domocracia 090 Sufrágio: conceitos 097 Representação política 102 Formas de governo 105 Sistemas de Governo 110 Revisão 117 UNIDADE 5 119 Aparelhos do Estado e força política 120 Repressivos 123 Ideológicos 124 Forças políticas: sociedade civil, grupos de pressão, opinião pública e imprensa 126 O direito de resistência 136 Revisão 141 UNIDADE 6 144 Poder Político 145 Direitos Civis 149 Direitos sociais 156 Direitos políticos 163 Revisão 172 UNIDADE 7 174 Perspectivas do Estado 175 Direitos Humanos 177 Formação histórica da sociedade 182 Sociedade civil e sociedade política 191 CIdadania 194 A participação das minorias (afrodescendentes e índios) 199 Revisão 208 UNIDADE 8 210 O Estado e as relações internacionais 211 Soberania interna e externa 214 Soberania, integração e comunitarismo 223 Revisão 234 REFERÊNCIAS 236 Fundamentos da Ciência Política • Conceito e origem histórica • A contribuição grega: Platão e Aristóteles • Pensamento político moderno • Revisão Introdução Se você já ouviu falar em Ciência Política, certamente já se deparou com uma série de dificuldades em torno da definição precisa desse intrigante tema, que representa um grande desafio para os autores. De fato, são muitas as ambiguidades que permeiam o tema, dada a sua complexidade e a sua amplitude de significados retratados, algumas vezes conflitantes. Considere, além disso, o natural dinamismo que permeia o tecido social, objeto central da Ciência Política, o que introduz um elemento de mudança distinguindo-a inteiramente das ciências naturais, de caráter uniforme, imutável e previsível. Acrescente a difícil meta de neutralidade do cientista em relação ao fenômeno social e a discussão torna-se particularmente estimulante. Tendo como pano de fundo os panoramas histórico, sociológico, filosófico e, mais comumente, o jurídico, a Ciência Política vem ganhando maior espaço dentro e fora do universo jurídico. Apesar das dificuldades e até mesmo de resistências localizadas no próprio meio acadêmico, caminha para além das fronteiras delimitadoras do Direito Constitucional, onde esteve confinada até pouco tempo. Nos tópicos seguintes, você fará uma agradável viagem pela trajetória da Ciência Política. Para explicitar o seu conceito, incluindo as suas diversas abordagens e peculiaridades, vamos retroagir no tempo até os grandes pensadores clássicos da humanidade e o seu papel na democracia grega, palco das grandes assembleias públicas. O ponto de partida será uma discussão sobre a Filosofia Política, de onde se origina a Ciência Política. Passando pelos sábios sofistas e Sócrates, vamos encontrar Platão, representante maior da corrente idealista de pensamento, com sua Teoria das Formas. Depois vamos apresentá-lo a Aristóteles, aluno e discípulo de Platão, que trouxe à tona a corrente realista de pensamento em contraponto à corrente idealista do mestre, dando uma contribuição inestimável para a ciência e para a teoria política. Por fim, vamos falar sobre Maquiavel, precursor da Ciência Política e pai da Política Moderna. Você vai se surpreender com as ideias do pensador, que se guiava por um forte senso de realismo político, explicitando verdades até entãoinconfessáveis, o que lhe valeu um alto custo em termos da sua reputação. Ao fim dessa jornada, você terá revisitado importantes elementos relacionados com a responsabilidade ética e legal, fundamentais para o exercício pleno da cidadania, condição básica para o enfrentamento das questões cotidianas da sociedade organizada. Dotado de formação política básica, você também estará mais apto para o exercício das suas funções profissionais, de modo a atuar de forma segura e responsável. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 006 A Ciência Política tem suas raízes na Filosofia Política, remontando aos clássicos (séculos VI a IV a.C.), de onde emergem conceitos fundamentais como justiça, liberdade, poder e soberania, dentre outros tão caros para a sociedade contemporânea. O cerne da questão é o conceito de igualdade ou isonomia que, na cultura grega, significava total igualdade de direitos dos indivíduos, desde que integrantes de uma mesma casta, num contexto de polarização entre homens livres e escravos. Isso significava que os homens livres podiam se expressar com total liberdade e contrapor as opiniões alheias em seu próprio meio, independentemente de sua posição social, por se tratarem de indivíduos iguais. O mesmo ocorria em relação aos escravos, no seu respectivo meio. Esse conceito de igualdade contribuiu para o ideal de autonomia das cidades-estados gregas ou pólis, onde se propagavam novos formatos de governança, trazendo a noção de autogoverno em contraposição aos regimes convencionais. Nesse contexto, não se admitia um indivíduo dar ordens a outros considerados iguais a ele (fosse homem livre ou escravo), sendo necessário a ele apresentar argumentos para obtenção de apoio e aprovação, numa caracterização plena da democracia grega. Este era o palco em que se realizavam as grandes assembleias democráticas de Atenas, onde se resolviam todos os problemas pertinentes à coletividade. Lá, importantes oradores debatiam elaboradas estruturas de pensamento, cujo foco migrou da natureza para o homem, trazendo em seu âmago as questões da ética e da política, muitas vezes geradoras de fortes embates e conflitos. Os conflitos derivavam da própria complexidade das questões debatidas e seus reflexos sobre o bem-estar da coletividade. Conceito e origem histórica O cerne da questão é o conceito de igualdade ou isonomia que, na cultura grega, significava total igualdade de direitos dos indivíduos. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 007 Também eram gerados pela desconfiança em torno da performance de oradores sofistas, sábios muitas vezes levados às assembleias para defender, com desenvolvidas argumentações, questões de interesse específico de determinados indivíduos ou grupos de indivíduos, independentemente da noção de justiça ou dos impactos que a ausência desta pudesse resultar. Os sofistas, que tiveram em Sócrates (469-399 a.C.) seu mais temível adversário, nem sempre estiveram associados a uma imagem depreciativa. Sua origem está nos grandes sábios que se dedicavam a estudar racionalmente a natureza e, no auge da democracia ateniense, representaram, a princípio, um importante veículo de contestação dos valores tradicionais da aristocracia grega. Eram especialistas na arte da argumentação e, com o passar do tempo, foram tomados por um subjetivismo radical, em que passou a predominar a ideia de que tudo é relativo. Na visão extremista de Protágoras, expoente sofista, reside no homem a medida de todas as coisas. Assim, a definição do bom e do justo ficaria subordinada à própria retórica, sendo o discurso cuidadosamente produzido para gerar os efeitos esperados. É criação dos sofistas o método educacional difundido em Atenas, denominado Paideia. Os jovens eram versados na disciplina da retórica, além da gramática, da aritmética e da lógica. Observa-se que, na pólis, a estrutura de poder deslocava-se da carreira militar e dos jogos para a cidadania e a política, e o regime democrático ateniense exigia proficiência na arte da retórica. Estavam lançadas as bases da demagogia, em seu pior sentido de condução das massas. Em contraposição aos sofistas, Sócrates defendia o método educacional denominado Maiêutica. Este buscava trazer à tona ideias e verdades preexistentes na alma, a partir de um processo de rememoração conduzido pelo mestre junto aos seus discípulos. Os sofistas eram especialistas na arte da argumentação CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 008 É de Sócrates a célebre frase tudo o que sei consiste em saber que nada sei, expressão de verdadeira humildade e sabedoria que confrontava diretamente a arrogância da aristocracia grega, gerando forte oposição as suas ideias. Observa-se que Sócrates acabou sendo condenado à morte, sob o pretexto de desrespeito às leis da cidade, aos deuses e de corrupção da juventude ateniense. Entretanto, defendeu até o fim as suas ideias e não se eximiu de culpa, aceitando o veredicto imposto. Também ao contrário dos sofistas, que acreditavam que as coisas são como nos aparecem, Platão (428-347 a.C.), o mais importante discípulo de Sócrates, defendia que não se sabe aquilo que se acreditava saber, dado que as coisas mudam permanentemente, sendo essa uma característica essencial de tudo o que existe. A busca do conhecimento, assim, levaria à contraposição entre o que é e o que parece ser, ao que se impõe o afastamento dos homens das simples aparências, ou senso comum, rumo à pluralidade de realidades que os cercam. O plano ideal seria retratado pelo que deveria ser. Mais tarde, Aristóteles, discípulo de Platão, iria contrapor o pensamento idealista do seu mestre, adotando o realismo como método do conhecimento. Afirmando que “o homem é por natureza um animal social”, abordava questões relacionadas com a constituição do Estado, a divisão de poderes e as formas de governo, vindo a influenciar diretamente o pensamento político moderno, oferecendo explicações racionais para os problemas latentes. Aristóteles é também considerado o “pai da ciência”, posto que é o criador da Lógica Formal, que preconiza a observação de premissas racionais para a obtenção de um determinado raciocínio ou juízo, ou seja, a metodologia científica. Os conceitos filosóficos forjados pelos clássicos levaram à Platão defendia que não se sabe aquilo que se acreditava saber. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 009 estruturação de diversas teorias contemporâneas nos campos político, psicológico, sociológico e até mesmo espiritual, constituindo a base do moderno conceito de Ciência Política. Bittar (2013) afirma que a filosofia traduz uma atitude radical perante à vida e ao mundo, induzindo transformações motivadas pela desalienação dos indivíduos, que têm suas experiências cotidianas confrontadas por novos e diferentes sentidos. Observe a interessante análise feita pelo autor: Em última análise, a filosofia nos impede de banalizar a vida, o mundo, a existência, as coisas, na medida em que o seu exercício favorece um movimento de resistência racional diante de uma tendência congênita à da sabedoria e à busca pelo conhecimento, à simples aceitação das coisas como elas são, enquanto dados brutos que independem da reinvenção e do processo criativo do conhecimento. (BITTAR, 2013, p. 29). A atuação política aborda os meios e as formas com que se decidem as questões que afetam a coletividade em sua eterna busca pelo bem comum, que é um pressuposto da própria condição humana. Assim, conforme Bittar (2013), “a filosofia tem um compromisso natural com a política [...]”. A esta altura, você deve estar se perguntando: mas o que é de fato a Ciência Política? Uma interessante conceituação, oferecida por Bonavides (2000), é apresentada na sequência. A Ciência Política, em sentido lato, tem por objeto o estudo dos acontecimentos,das instituições e das ideias políticas, tanto em sentido teórico (doutrina) como em sentido prático (arte), referido ao passado, ao presente e às possibilidades futuras. (BONAVIDES, 2000, p. 12). A filosofia traduz uma atitude radical perante à vida e ao mundo. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 010 O autor aponta que a pluralidade de abordagens da Ciência Política é retratada por três grandes enfoques: o sociológico, o jurídico e o filosófico. O enfoque sociológico tem seu maior expoente em Max Weber, tendo como objetos primordiais de estudo: • as relações de poder envolvendo o Estado e a Sociedade; • as pressões sociais; • a atuação dos partidos políticos; • a influência dos grupos econômicos; • a obediência ao poder; • a legitimidade do Estado; • o regime político e suas implicações no tecido social. O enfoque filosófico, que remonta aos antigos clássicos, como Platão e Aristóteles, privilegia o estudo de questões tipicamente relacionadas com: • a origem do Estado; • a essência do Estado; • a justificação do Estado; • as finalidades do Estado e das instituições. Já o enfoque jurídico, mais convencional e de caráter reducionista, dá à Ciência Política uma dimensão restrita a um corpo de normas, no âmbito da Teoria Geral do Estado. Em sua expressão mais contundente, é exaltado o aspecto estritamente formal do Estado na sua relação com a sociedade, desprovida de maiores considerações de cunho moral e ético. Não por acaso, é uma visão duramente criticada pelas correntes sociológica e filosófica, que veem nela os ingredientes ideais para a promoção de doutrinas fascistas e totalitárias. A Ciência Política é retratada por três grandes enfoques: o sociológico, o jurídico e o filosófico. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 011 O autor aponta que a academia se volta, na atualidade, para uma abordagem tridimensional, caracterizada pela consideração dos três enfoques, quais sejam: o sociológico, o filosófico e o jurídico, conferindo maior status à Ciência Política através de uma visão mais abrangente e holística. Bobbio (2000), por sua vez, oferece uma importante abordagem sobre as complexas relações entre a Filosofia Política e a Ciência Política, esta última compreendida como “o estudo dos fenômenos políticos conduzidos com a metodologia das ciências empíricas e utilizando todas as técnicas de pesquisa próprias da ciência do comportamento”. (BOBBIO, 2000, p. 67). O problema é que as relações entre os conceitos de Ciência Política e Filosofia Política são afetadas pelo significado atribuído a esta última, que pode retratar diferentes enfoques. O primeiro enfoque trata a Filosofia Política a partir da construção de um modelo ideal de Estado fortemente fundado em aspectos éticos e de características preditivas e utópicas, tal como retratado pelos clássicos. Daí se depreende uma oposição clara em relação à Ciência Política, que tem uma função de caráter mais explicativo, em torno da política tal como ela é, sendo que toda consideração em torno do que ela deveria ser é tratada como futurologia. Um segundo enfoque da Filosofia Política aborda a fundamentação do poder e sua legitimação, em que se analisa o fenômeno real do poder. Aqui, ainda que com convergências, residem traços de maior proximidade com a Ciência Política, na medida em que essa abordagem também é objeto de estudo do cientista político. Principalmente no que tange à análise dos critérios de legitimação à luz do regime político vigente e da sua época de referência. O terceiro enfoque ou significado de Filosofia Política retrata a categoria da política, ou conceito geral de política. Neste caso, o autor aponta ser difícil separar as linhas delimitadoras entre o filósofo CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 012 e o cientista político. Isso porque, assim como não é possível ao filósofo abordar a política sem considerar os aspectos factuais da questão, também não se admite que o cientista político possa evitar o debate em torno do seu conceito. Um quarto e último enfoque situa a Filosofia Política no campo da “metaciência”, centrado na linguagem política. Retratando a análise do discurso crítico em si, bem como de seus pressupostos metodológicos, constitui uma investigação de segunda instância em relação à questão política. A Ciência Política, por sua vez, apresenta um discurso objetivo em torno do comportamento político, constituindo uma investigação de primeira instância, observados os rigorosos critérios de investigação científica. O autor aponta que, dependendo do enfoque adotado (particularmente no tocante aos três primeiros), emerge a resposta do analista à questão política, dado que todos os aspectos abordados estão no seu âmago e podem ser conectados. Isso quer dizer que: dependendo da visão que se tenha em torno da natureza da política e suas implicações morais, dá-se uma resposta em torno da validade ou não da obediência política; ou dependendo da visão que se tenha em torno da natureza do Estado e suas finalidades, configura-se uma resposta em torno de quais seriam as melhores instituições políticas; e daí por diante. Observa-se que os critérios científicos de investigação requeridos pela Ciência Política são de difícil assimilação pela Filosofia Política. Esta apresenta contornos nitidamente valorativos, via de regra sem possibilidade de verificação empírica. Cabe ao cientista político a árdua tarefa de observação de três aspectos fundamentais vinculados à ciência como tal: a) o princípio de verificação como critério de validação; b) a explicação como objetivo; e c) a não- valoração como pressuposto ético (BOBBIO, 2000). A Ciência Política, apresenta um discurso objetivo em torno do comportamento político. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 013 A contribuição grega: Platão e Aristóteles Platão Platão (428-347 a.C.), cujo nome verdadeiro era Arístocles foi, seguramente, um dos mais importantes e polêmicos pensadores da história da humanidade, tendo abordado temas que incluem a ética, a política, a metafísica e a teoria do conhecimento, sempre revestidos de forte conteúdo moral. Cidadão ateniense, oriundo de família rica e proeminente, parte dele a tradição do idealismo filosófico em que se observa o predomínio absoluto do plano das ideias, sob a égide da virtude e da contemplação. A obra do filósofo é fortemente influenciada pelas ideias de Sócrates (470-399 a.C.), tendo dado sequência à tratativa de vários dos questionamentos do antigo mestre, num estilo bem dramático e inconclusivo (ou aporético), próprio deste último. Argumenta-se que, possivelmente, Sócrates não tinha a intenção de oferecer respostas conclusivas, e sim provocar questionamentos, estimulando a busca incessante do autoconhecimento. Em 387 a.C., Platão fundou a Academia, considerada a primeira universidade da Europa (que incrivelmente perdurou por mais de novecentos anos), local onde o filósofo costumava se reunir com um pequeno grupo de pessoas para debater ideias e ministrar aulas particulares acerca de temas relacionados com a astronomia, biologia, ciências políticas e filosofia. Aristóteles era seu aluno mais proeminente. Sócrates não tinha a intenção de oferecer respostas conclusivas. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 014 FIGURA 1 – Platão e Aristóteles Fonte: SANZIO, Raffaello. Escuela de Atenas. 1509-1510. Seus mais de 30 diálogos constituem uma verdadeira obra prima da filosofia (algumas obras têm sua autoria contestada), sendo que os primeiros têm Sócrates como protagonista. Por isso mesmo são denominados diálogos socráticos. Platão acreditava na preexistência da alma, que passaria por um processo de esquecimento, quando confinada a um novo corpo a cada nascimento, mas guardando reminiscências de vidas anteriores. Para despertar tais lembranças,seria necessário transcendê-la a um universo maior, sendo tal transcendência um desejo profundo e intrínseco a todos os seres, objeto do amor nostálgico de Platão. Um estágio mais elevado de conhecimento seria obtido mediante a contraposição entre o que é e o que parece ser, posto que tudo que existe está em constante mudança. O homem, neste sentido, enfrenta uma dualidade, convivendo com uma realidade inteligível, referenciada na vida concreta e imutável, e uma realidade sensível, relacionada com os sentidos e percepções que estão em permanente evolução. O homem enfrenta uma dualidade, convivendo com uma realidade inteligível, e uma realidade sensível. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 015 Regidos apenas pelo que parece ser, os homens se comportariam de maneira injusta. Mas não é simples determinar como as coisas são de fato, razão pela qual o melhor caminho seria a reflexão da realidade em torno do que ela deveria ser no plano ideal, sendo esta a verdadeira referência para o comportamento bom e justo. Daí decorre a Teoria das Ideias, ou Teoria das Formas, que constitui o ápice da filosofia de Platão. No tocante à sua obra política, destaca-se A República, centrada basicamente na questão da justiça, em que se questiona a essência do Estado que, na acepção do filósofo, deveria ser representado por três classes fundadas na meritocracia: comerciantes, militares e filósofos. Estes responsáveis pela arte de governar. Deve-se destacar que, somente após a morte de Sócrates, em 399 a.C., Platão passou a se dedicar à sua própria filosofia, evoluindo para um estilo próprio, menos dramático. Os principais trabalhos de Platão, que incluem 35 diálogos e 13 cartas, são apresentados por Olga Pombo, da Universidade de Lisboa, classificados em quatro grandes períodos, discriminados no Quadro I. QUADRO 1 – A Obra de Platão Laques Cármide Eutífron Hípias Menor Apologia de Sócrates Críton Ion Protágoras Lísis Geórgias Mênon Eutidemo Crítias Teeteto Diálogos da Juventude (Diálogos Socráticos) Diálogos contra os Sofistas CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 016 Fedro Banquete Fédon República Parmênides Sofista Político Filebo Timeu Leis (inacabado) Diálogos da Maturidade Diálogos (Revisão crítica) Fonte: Elaborado pela autora. Baseado em: FONTES, Carlos. Análise de Obras de Platão. Disponível em: <http://afilosofia. no.sapo.pt/PLATAO.htm>. Acesso em: 19 maio 2015. Aristóteles Nascido em Estagira, colônia grega da Macedônia, Aristóteles (384- 322 a.C.) ingressou na Academia de Platão aos 17 anos, tendo sido enviado a Atenas por seu pai, um proeminente médico da corte do rei macedônio. Lá permaneceu por duas décadas, primeiramente como aluno e posteriormente como professor. Acabou tornando-se um dos mais importantes filósofos da era clássica, rivalizando com o seu mestre. Após a morte de Platão, voltou para a Macedônia, onde foi tutor de Alexandre Magno, então com a idade de 13 anos. Retornando a Atenas, fundou o Liceu, uma escola caracterizada como peripatética, dado que as aulas eram ministradas em movimento. Conflitos com a aristocracia ateniense, potencializados após a morte de Alexandre Magno, o Grande, o afastariam novamente de Atenas em 323 a.C., vindo a morrer um ano depois, em Cálcis. Segundo apontam Garvey e Stangroom (2009), seus escritos se enquadram em duas categorias: os esotéricos, de caráter mais técnico e internos à escola, tidos presumidamente como suas notas de aula; e os exotéricos, de grande beleza e eloquência, destinados ao consumo público, dos quais não se tem mais registro. Os textos disponíveis na atualidade são os esotéricos, sendo os mesmos apontados como de difícil interpretação e não raro inconsistentes, mas ainda assim não menos importantes. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 017 Aristóteles “inventou” a ciência, alçando a filosofia à categoria de “ciência das causas supremas”. Escrevendo sobre temas diversos, como ética, moral, política, teologia, física, metafísica, cosmologia, matemática, psicologia, dentre tantos outros. Também fundou e estruturou disciplinas inteiras. Adotou o realismo como método do conhecimento - em puro contraste com o idealismo platônico em sua Teoria das Formas -, subdividindo-o em duas categorias: o conhecimento empírico e o conhecimento intelectivo. Aristóteles explicitou quatro características explicativas das coisas, conhecidas como as “quatro causas”: a. a causa material: do que ela é feita? b. a causa formal: que tipo de coisa ela é? c. a causa eficiente: o que a faz ser, o que é ou o que iniciou as mudanças que a fizeram ser o que é? d. a causa final: e para que ela serve? Percebe-se uma grande preocupação com a identificação dos objetivos e dos fins de todas as coisas, sem o que não se conhece nada verdadeiramente. No tocante aos seres vivos, as quatro questões estariam ligadas às atividades da alma que, na visão do filósofo, é um elemento vinculado ao corpo com funções distintivas, atribuindo-lhe movimento e perspectiva. A virtude, segundo Aristóteles, diz respeito ao grau de desenvolvimento das potencialidades distintivas do ser, que no caso do Homem, traduz-se na compatibilização entre a ação e a razão, ou seja, na escolha do meio, ou na capacidade de sentir e agir corretamente face a uma circunstância peculiar. (Stangroom e Garvey, 2009). Teoria das Formas está subdividida em conhecimento empírico e o conhecimento intelectivo. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 018 Nunes (1999), por sua vez, destaca que a contribuição fundamental de Aristóteles reside nos seguintes aspectos: a) sistematização do conhecimento; b) estruturação da lógica formal; c) explicitação da causalidade; d) divisão das Ciências. Observa-se que as ciências foram classificadas em três grupos: teoréticas (física, matemática, metafísica e teologia); práticas (ética e política) e poética (estética e técnica). Também foi decisiva a influência de Aristóteles no campo político, destacando-se que, a partir do século XVII, [...] sua obra torna-se uma alternativa analítica para explicar as novas realidades criadas pelo surgimento do Estado Moderno e do absolutismo político, pela busca do papel do indivíduo na sociedade, pela ampliação do mundo, pela crise da unidade político- religiosa europeia, etc. (ALMEIDA FILHO e SOUSA, 2013, p. 37). Aristóteles afirmava que “o homem é por natureza um animal social”, sendo que a sua felicidade (entendida como um movimento ou uma atividade, e não como um resultado) está condicionada não apenas pela sua maneira de agir, mas também com a sua existência coletiva, em sociedade. Ou seja, a felicidade individual caminha ao lado da felicidade política. Considera-se a política sob duas abordagens: a ética, cujo objetivo é o alcance da felicidade; e a política propriamente dita, em que são confrontadas questões relacionadas com a forma de governo, as instituições e as leis para a promoção do bem estar. Neste contexto, a pólis é encarada como uma comunidade que se constitui para promover o bem estar, devendo ser regida pela melhor Constituição que se possa oferecer dentre um leque de alternativas observáveis, em consonância com o perfil e as características de cada povo, numa visão bastante pragmática. Cai por terra, assim, o mito platônico do Estado ideal, posto que este seria inatingível, na visão de Aristóteles. Pólis é encarada como uma comunidade que se constitui para promover o bem estar. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 019 Estabelecida a melhor Constituição, os próximos passos dizem respeito à configuração das melhores leis, que precisam ser compatíveis com a Constituição estabelecida, bem como a divisão de poderes. Neste último ponto, não há convergência entre a proposição de Aristóteles e a moderna concepçãodo Estado, dividido nas funções executiva, legislativa e judiciária. O filósofo enfatizava três funções públicas relacionadas com a deliberação sobre assuntos públicos, a tratativa das funções públicas e o poder judiciário, cuja distribuição entre os cidadãos assume papel relevante. Aristóteles apontava como corretas as três formas de governo: monarquia, aristocracia e democracia, sendo cada uma delas mais ou menos adequada em função do perfil e das características da sociedade, e do contexto histórico. Suas assertivas levaram à inferência de que a democracia poderia ser o estágio final de desenvolvimento das formas de governo, em face do amadurecimento das percepções e das próprias experiências conflituosas entre os homens. No entanto, considerava que, eventualmente, todas as formas de governo podem ser corrompidas em seus pressupostos, respectivamente, pela tirania, pela oligarquia ou pela demagogia. Conforme transcrevem Almeida Filho e Sousa (2013), uma importante questão abordada por Aristóteles a esse respeito é ‘perguntar se é mais conveniente ser governado pelos melhores homens ou pelas melhores leis’. A inclinação do filósofo é pela última alternativa, de natureza democrática, posto que as leis, ao contrário dos homens, não estariam sujeitas às influências das paixões. A seguir é apresentada uma classificação da vasta obra de Aristóteles, com base na edição formulada por Andrônico de Rodes, em 50 a.C.: CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 020 QUADRO 2 – A Obra de Aristóteles Fonte: ARISTÓTELES: A vida e as obras. In: Site “Mundo dos filósofos”. Escritos Lógicos Escritos sobre a Física Escritos Metafísicos Escritos Morais e Políticos Escritos Retóricos e Poéticos Escritos sobre a lógica, como instrumento da ciência Escritos sobre cosmologia, antropologia e metafísica, vinculados à filosofia teorética Metafísica Geral e Teologia (14 livros) Ética a Nicômaco (dez livros); Ética a Eudemo (inacabada); A Grande Ética; A Política (incompleta) Retórica (três livros); Poética (dois livros); Pensamento político moderno Certamente você conhece a célebre assertiva de que “os fins justificam os meios”, endereçada, equivocadamente, ao florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527), importante expressão do pensamento político moderno. Acusado de patrono do absolutismo, defensor da crueldade e da tirania, a imagem de Maquiavel está irremediavelmente ligada à frieza e ao calculismo. Entretanto, esta é uma visão simplista do pensamento do florentino, decorrente de uma análise pouco profunda e preconceituosa de sua obra. Maquiavel era um jovem diplomata da Segunda Chancelaria da República de Florença, tendo sido nomeado em 1498. No seu ofício, teve a oportunidade de conviver, durante 14 anos, com as maiores figuras políticas de sua época, a partir do que pôde testemunhar e analisar tanto os pontos fortes quanto os fracos da atuação dos governantes. Em 1512 foi afastado do seu cargo e preso, quando a família Médici assumiu o poder de Florença, dissolvendo a república até CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 021 então instalada. Em 1513 Maquiavel escreveu a sua obra prima, denominada O Príncipe (que só seria publicada pela primeira vez em 1532), versando sobre as suas ideias em torno do que seria o perfil de um governante ideal. FIGURA 2 – Livro “O Príncipe” Fonte: [Capa do livro “O Príncipe”]. Disponível em: <http://oriundi.net/imgs/ livro8515.jpg>. Acesso em: 10 abr. 2015. O Príncipe trata essencialmente da “arte da liderança” e a medida da sua importância é compatível com o enorme assombro por ela gerado até os nossos dias, dada a ousadia das ideias apresentadas, de caráter profundamente amoral. Em síntese, Maquiavel afirmava que é dever dos governantes manter o poder a qualquer custo, sobretudo aqueles que o subtraíram à força. Para tanto, deveriam se valer das estratégias que se fizessem necessárias, desconsiderando todo e qualquer aspecto de natureza moral que eventualmente pudessem afastá-los desse objetivo. E afirmava: “[...] é necessário, portanto, que o príncipe que deseja manter-se aprenda a agir sem bondade, faculdade que usará ou não, em cada caso, conforme necessário”. (MAQUIAVEL, 2006, p. 97). Essa postura é compatível com a visão de Maquiavel de que os homens não são confiáveis: “De fato, pode-se dizer dos homens, O Príncipe versando sobre as suas ideias em torno do que seria o perfil de um governante ideal. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 022 de modo geral, que são ingratos, volúveis, simulados; procuram se esquivar dos perigos e são gananciosos [...]”. (MAQUIAVEL, 2006, p. 102). Assim, apenas a força do Estado, como organização social, poderia conter os impulsos antissociais dos indivíduos. E mais: o mesmo povo que, num dado momento, estaria ao lado do seu governante, poderia se rebelar contra este, caso seus interesses fossem afetados. Caberia ao governante, portanto, antecipar-se a essa circunstância inevitável, usando pulso forte. Malgrado o mal-estar que tais afirmações possam provocar, O Príncipe deve ser analisado à luz do contexto histórico em que foi escrito. Barros (2013) enfatiza que Maquiavel viveu no auge do antropocentrismo renascentista, caracterizado pelo despertar da dignidade do homem, a quem caberia a construção do seu próprio destino, com a exaltação da sua força e capacidade de superação de desafios. Em sua época eram revividos os ideais pagãos, inspirados na antiguidade clássica, que enalteciam as glórias do mundo terreno e a defesa da pátria. Contraposto à moral cristã, que pregava a passividade diante das vicissitudes da vida, devendo o homem voltar-se para a salvação da sua própria alma. As transformações eclodiam em todos os campos, especialmente nas artes e na ciência. Esta última vindo a substituir os mistérios da fé como mecanismo explicativo dos fenômenos naturais, em contraposição à visão medieval de fatalismo e do acaso. No campo político, as grandes mudanças vinham na esteira do Estado-Nação, ou Estado Moderno, no formato das monarquias absolutistas, em substituição ao feudalismo decadente. O autor também destaca o cenário de grande fragmentação da região hoje compreendida pela Itália, onde viveu Maquiavel, constituída por vários territórios rivais, cuja soberania era sempre ameaçada por povos invasores. Maquiavel sonhava com a O Príncipe possui o cenário de grande fragmentação da região hoje compreendida pela Itália. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 023 unificação da península em um único Estado (o que só viria a acontecer séculos após a sua morte). Para tanto, entendia que os governantes precisariam usar a força para obtê-la, ainda que isso representasse ferir os seus próprios compatriotas. Esses eram os elementos que se combinavam para a formação da teoria política de Maquiavel, dotada de profundo senso de utilitarismo, realismo e empirismo. Como cientista político, adotou o método indutivo (partindo da observação e do contexto histórico para a estruturação da teoria), conferindo à política um concretismo que o diferencia inteiramente dos seus precursores clássicos e medievais. Com os primeiros, a gestão da pólis se fazia por intermédio de argumentos normativos, voltados para o que a política deveria ser; com os últimos, prevaleciam os argumentos cristãos, sendo o governante associado a um ser infinitamente bom e justo, que deveria praticar o bem até mesmo acima dos interesses do Estado. Maquiavel, numa alusão à antiguidade clássica, acreditava que “o poder é de quem possui a virtù necessária para aproveitar a ocasião oferecida pela fortuna e exercer o comando do Estado” (Barros, 2013, p. 64). A fortuna significava a sorte, o acaso, o imprevisível, e era representada pela deusa de mesmo nome, a qual presenteava os homens de virtù (homens bravos, de valor)com a glória, honra e poder. A virtù é compreendida como a argúcia e a perspicácia do governante para fazer o que é necessário diante das circunstâncias, constituindo o cerne da teoria do poder de Maquiavel. Isto posto, Maquiavel acreditava que a política exige determinadas posturas do governante que nem sempre se coadunam com os preceitos éticos e morais, sendo plenamente justificáveis à luz dos benefícios a serem auferidos no futuro, não cabendo a ele quaisquer repreensões. Maquiavel acreditava que a política exige determinadas posturas do governante. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 024 Esta é a origem da noção de “Razão de Estado”, invocado até os dias atuais em face de situações de emergência. Observa-se que a expressão “maquiavelismo” pode ser analisada sob dois ângulos: um pejorativo, vinculado a uma interpretação vulgar do pensador, utilizado para designar os comportamentos caracterizados pelo calculismo e pela frieza, seja no campo político ou pessoal; e outro vinculado à sua teoria política, focada na tratativa das questões relacionadas com a gestão da pólis. E é exatamente no tocante à teoria política, que se observa uma grande ambiguidade presente na obra de Maquiavel, como se verá a seguir. Além de O Príncipe, Maquiavel escreveu os “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio”, iniciados em 1513 e finalizados em 1517. Considerada como a sua obra mais sofisticada, consiste na apresentação de uma série de argumentos em defesa do regime republicano de governo, a partir da análise dos seus fundamentos na Roma antiga, cuja experiência Maquiavel considerava absolutamente exitosa, embora cercada dos inevitáveis (e proveitosos) conflitos. Como se poderia explicar, então, essa preferência pela República, mediante o caráter tirânico das suas recomendações endereçadas aos príncipes? Segundo aponta Moreira (2006), tal dicotomia poderia ser resultante, em parte, de uma postura de dissimulação, em face da fragilidade social e política de Maquiavel após a queda da República e a perda do seu importante cargo público. Uma questão de sobrevivência, portanto. Ademais, observa-se que Maquiavel não acreditava que a crueldade fosse um fim em si mesma, e sim um meio necessário para o alcance dos resultados pretendidos. Tanto é que, ao discutir a crueldade e a clemência, aponta que [...] “os príncipes devem preferir CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 025 ser considerados clementes, e não cruéis. É necessário, contudo, evitar o mau emprego dessa clemência” [...] (MAQUIAVEL, 2006, p. 101). Acerca da preferência do príncipe entre ser amado ou temido, discorre: [...] “a resposta é que seria desejável ser ao mesmo tempo amado e temido, mas que, como tal combinação é difícil, é muito mais seguro ser temido, se for preciso optar”. (MAQUIAVEL, 2006, p. 102). Assim, entre um governante bondoso, mas ineficiente no controle das massas, e um governante cruel, porém mantenedor da ordem, este último seria sempre preferível, pois nele reside a melhor aposta de convivência harmônica entre os homens, ainda que sob a égide do medo. O autor, numa alusão a Weber, aponta que as ideias de Maquiavel se situam no nível da “ética da responsabilidade”, e não na “ética da consciência”, na medida em que fundamentam-se nos resultados, independentemente dos aspectos morais envolvidos. A grande aspiração de Maquiavel, conforme se depreende dos Discursos, parece ser a de um Estado verdadeiramente republicano, o que sugere serem as suas incursões pela práxis da tirania uma prescrição de ordem temporal, transitória, própria a períodos de crise, sendo voltada, em última instância, para a geração do bem estar da coletividade. A tirania vinculada à consecução de objetivos de interesse individual, ou de poucos, configuraria uma situação inaceitável. E não era o foco das argumentações de Maquiavel, imbuído que era de profunda noção de patriotismo. A contribuição de Maquiavel para a ciência política, a despeito das ambiguidades apresentadas, é incontestável. Sua maior lição, nas palavras de MOREIRA (2006, p. 26) é que “a ação A tirania vinculada à consecução de objetivos de interesse individual, ou de poucos, configuraria uma situação inaceitável. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 026 política, para ser eficaz e responsável, exige informação correta, diagnóstico oportuno, avaliação adequada dos resultados previsíveis, capacidade de decisão e sobretudo, sabedoria”. Tarefa extremamente árdua e desafiadora para qualquer governante. Leia atentamente alguns trechos selecionados de artigos sobre a ocupação do Complexo do Alemão, no RJ, e avalie a pertinência da situação apresentada à luz do argumento da “razão de Estado”. Você acredita que os meios empregados no processo de ocupação foram compatíveis com os princípios democráticos? Que abordagem você recomendaria como alternativa aos métodos empregados? “Violência no Rio A ocupação do Complexo do Alemão. E as análises sobre a guerra ao tráfico no Rio por Celso Marcondes — publicado 28/11/2010 11h37 A ocupação do Morro do Alemão começou às 7h50 deste domingo 28. Televisão e rádio com transmissão ao vivo nos dão conta que a maioria da população carioca apoia a ação e que a esmagadora maioria dos moradores do Alemão não tem nada a ver com os traficantes. O comandante da PM aparece na tela e o repórter informa que ele orienta seus homens - são mais de 2 mil entre militares, civis e das Forças Armadas - a “revistar casa a casa” para encontrar os marginais. Calcula- se em 30 mil o número de residências a passar por este procedimento. Apenas tiroteios esparsos aconteceram até as 11h10 horas desta manhã, não houve até então uma grande resistência, para surpresa de todos. Direto do local da ação, a internet é a arma de moradores acuados e amedrontados para expressar suas opiniões. Se você quiser conhecê-los, acesse pelo Twittter@vozdacomunidade. “O confronto será inevitável a qualquer momento, informa à CBN o ex-capitão do BOPE, Paulo Storani. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 027 E informa que os moradores “têm que compreender” que será inevitável a entrada dos militares em suas casas”. Fonte: MARCONDES, Celso. A ocupação do Complexo do Alemão. E as análises sobre a guerra ao tráfico no Rio. 28 nov. 2010. In: Revista Carta Capital. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-ocupacao-do-complexo-do- alemao-e-as-analises-sobre-a-guerra-ao-trafico-no-rio>. Acesso em: 16 maio 2015. “Notícias STF Suspensa tramitação de processos na Justiça Militar contra civil acusado de desacato na ocupação do Complexo do Alemão - Quinta- feira, 30 de abril de 2015 O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar no Habeas Corpus (HC) 127194 para suspender a tramitação de ação no Superior Tribunal Militar contra dois civis acusados de desacato, resistência e desobediência a militares que participavam da ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro (RJ), em 2011. O ministro aplicou entendimento da Segunda Turma do STF de que, em tempo de paz, a Justiça Militar não tem competência para processar e julgar civis por delitos, ainda que praticados contra militar, mas ocorridos em ambiente estranho às Forças Armadas. [...] Segundo os autos, os réus são acusados de terem desobedecido à ordem de reduzir a velocidade, parar o veículo e se submeterem ao procedimento de revista, em ação de segurança realizada por militares do Exército que participavam da chamada Força de Pacificação. Para o Ministério Público Militar, os civis teriam supostamente ofendido a tropa e resistido à prisão, o que motivou a denúncia com base no Código Penal Militar e sua condenação a seis meses de prisão. A Defensoria Púbica da União, autora do pedido de habeas corpus, sustenta que a Justiça Militar seria incompetentepara processar e julgar a ação penal, pois os atos criminosos dos quais os réus são acusados teriam supostamente ocorrido durante atuação do Exército em ação de segurança pública na qual substituía os órgãos constitucionalmente destinados à prestação desse serviço. Segundo a Defensoria, não sendo a função exercida típica das Forças Armadas, também não seria possível abrir processo na justiça militar. [...] Fonte: SUSPENSA tramitação de processos na Justiça Militar contra civil acusado de desacato do Complexo do Alemão. 30 abr. 2015. Disponível em: <http://www. stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=290581>. Acesso em: 16 maio 2015. CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 028 Revisão Nesta unidade, você pôde compreender os principais fundamentos da Ciência Política, que tem por objeto o estudo dos acontecimentos, instituições e ideias políticas. Os principais pontos que você deve fixar são apresentados abaixo. • A Ciência Política tem sua origem na Filosofia Política, vinculada aos grandes pensadores clássicos da humanidade, podendo ser retratada por três grandes enfoques: o sociológico, o filosófico e o jurídico, sendo este último o mais comumente tratado, no âmbito da Teoria Geral do Estado. • Há uma intrincada correlação entre a Ciência Política e a Filosofia Política, coexistindo elementos convergentes e divergentes entre os campos de conhecimento, os quais deverão ser levados em consideração, quer pelo cientista político, quer pelo filósofo. • O cientista político deve observar rigorosos métodos vinculados à investigação científica, relacionados com o princípio de verificação como critério de validação; a explicação como objetivo; e a não-valoração como pressuposto ético. • Como contribuição decisiva dos clássicos, destacam-se o idealismo de Platão e o realismo de Aristóteles, sendo este último considerado o “Pai da Ciência”, o criador da Lógica Formal. Suas ideias relacionadas com as formas de governo, as instituições e as leis foram decisivas para a estruturação da política moderna. • Maquiavel foi o mais importante pensador da idade moderna, sendo o precursor da Ciência Política. Seu maior legado é a visão de pragmatismo político, vinculada ao não menos importante aprendizado de que a força só CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO unidade 1 029 se justifica em caráter de exceção, de modo a garantir a estabilidade futura. Para saber mais sobre o pensamento de Maquiavel, Platão e Aristóteles, vale a pena assistir aos vídeos abaixo indicados: O Príncipe O PRÍNCIPE (NICOLAU MAQUIAVEL). Postado por Grandes Livros. (50 min. 40 seg.): son. color. Ing. Leg. Disponível em: <www.youtube. com/watch?v=LUDOnaqz iLo&list=PLHV6lufvso3BvYHD1Nzrystb dvJpxkaSB&index=11>. Acesso em: 14 maio 2015. Platão PLATÃO. Postado por univesptv. (8 min. 49 seg.): son. color. Port. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bK09eEvzpCY&index=5&list =PLHV6lufvso3BvYHD1NzrystbdvJpxkaSB>. Acesso em: 14 maio 2015. Aristóteles ARISTÓTELES. Postado por univesptv. (6 min. 46 seg.): son. color. Port. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8uru60xR 54w&index=6&list=PLHV6lufvso3BvY HD1NzrystbdvJpxkaSB>. Acesso em: 14 maio 2015. www.youtube.com/watch%3Fv%3DLUDOnaqziLo%26list%3DPLHV6lufvso3BvYHD1NzrystbdvJpxkaSB%26index%3D11 www.youtube.com/watch%3Fv%3DLUDOnaqziLo%26list%3DPLHV6lufvso3BvYHD1NzrystbdvJpxkaSB%26index%3D11 www.youtube.com/watch%3Fv%3DLUDOnaqziLo%26list%3DPLHV6lufvso3BvYHD1NzrystbdvJpxkaSB%26index%3D11 https://www.youtube.com/watch%3Fv%3DbK09eEvzpCY%26index%3D5%26list%3DPLHV6lufvso3BvYHD1NzrystbdvJpxkaSB https://www.youtube.com/watch%3Fv%3DbK09eEvzpCY%26index%3D5%26list%3DPLHV6lufvso3BvYHD1NzrystbdvJpxkaSB https://www.youtube.com/watch%3Fv%3D8uru60xR54w%26index%3D6%26list%3DPLHV6lufvso3BvYHD1NzrystbdvJpxkaSB https://www.youtube.com/watch%3Fv%3D8uru60xR54w%26index%3D6%26list%3DPLHV6lufvso3BvYHD1NzrystbdvJpxkaSB Teoria Geral do Estado • Conceito de estado e nação • Origem, formação e evolução histórica do estado • A evolução histórica do Estado • Elementos constitutivos do estado: povo, território e soberania • Estado, direito e política: noções de cidadania • Finalidade e funções do estado: teoria da autolimitação Introdução Se você achou desafiador o conceito de Ciência Política, discutido na Unidade 1, não vai ficar menos perplexo ao conhecer o conceito de Estado, igualmente instigante. Isso em função das diversas correntes doutrinárias existentes, envolvendo diferentes pontos de vista. Fica desde já uma ressalva: o conceito de Estado, seja ele de qualquer orientação doutrinária, é distinto do conceito de Nação, que por sua vez, também não se confunde com o conceito de povo. Você vai compreender, ainda, como ocorreu a evolução das várias formas de organização do Estado, cada qual associada ao respectivo momento histórico, gerando inúmeras correntes explicativas, muitas vezes antagônicas. Isso acontece desde os primórdios da humanidade. Serão discriminados os elementos constitutivos do Estado e a sua designação como pessoa jurídica, já amplamente amparada pelo direito público, embora, a princípio, essa caracterização possa lhe causar estranheza. Detenha-se, por fim, da análise das principais teorias apresentadas de justificação do Estado, do que derivam as suas finalidades. Você verá que os meios utilizados para o alcance dessas finalidades são alvo de grandes controvérsias, face a sua característica essencialmente política, envolvendo escolhas nem sempre apropriadas. Essas são questões essenciais para o seu entendimento, direcionadas ao exercício da sua cidadania, permitindo-lhe construir uma base mínima de argumentos para se integrar ao debate político da atualidade. unidade 2 033 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO Conceito de Estado e Nação O Estado, produto da idade moderna e contemporânea, pode ser analisado segundo três abordagens distintas: uma filosófica, outra jurídica e uma sociológica. Dependendo da abordagem adotada, chega-se a um conceito específico. Observe alguns deles, apontados por Bonavides (2000). • Abordagem filosófica, dada por Hegel: O Estado é ‘a realidade da ideia moral’. • Abordagem jurídica, trazida por Kant: o Estado é ‘a reunião de uma multidão de homens vivendo sob as leis do direito’. • Abordagem sociológica, defendida por autores como Oppenheimer e Duguit: o Estado é, respectivamente, uma ‘instituição social que um grupo vitorioso impôs a um grupo vencido’ [...], ou então, um ‘grupo humano fixado em determinado território Veja agora as duas vertentes que Dalari (1998) considera para o conceito de Estado. A primeira delas considera o Estado como uma entidade de natureza concreta, vinculada a uma noção de força, de cunho nitidamente político, ainda que, em alguma medida, seja regulado pelo Direito. Aqui são exaltadas as noções de Estado como unidade de dominação, ou nas palavras do autor, como instância de institucionalização do poder. A segunda vertente é de natureza jurídica, relacionada com a noção de ordem e não de força. Nesse caso, mesmo reconhecendo o poder político do Estado, a sua natureza jurídica é apontada como o aspecto mais importante a ser considerado. O Estado pode ser analisado segundo três abordagens distintas: uma filosófica, outra jurídica e uma sociológica. unidade 2 034 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO A partir daí, o autor apresenta o seu conceito de Estado (o qual enfatiza o viés político), como uma [...] “ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território” (DALARI, 1998, pg. 44). A noção de poder do Estado está implícita no princípio da soberania que, por sua vez, está submetida à ordem jurídica. Maluf (2009) reproduz outras interessantes conceituações, todas de tradição democrática: ‘O Estado é uma parte especial dahumanidade considerada como unidade organizada’ (John W. Burgess); ‘O Estado é uma sociedade de homens unidos para o fim de promover o seu interesse e segurança mútua, por meio da conjugação de todas as suas forças’ (Thomaz M. Cooley); ‘O Estado é um agrupamento humano, estabelecido em determinado território e submetido a um poder soberano que lhe dá unidade orgânica’ (Clóvis Bevilaqua). O autor alerta que o conceito de Nação distingue-se do conceito de Estado. O primeiro diz respeito a uma noção comunidade que, existindo naturalmente em função de sentimentos e características compartilhadas pelos indivíduos, forma-se independentemente da vontade dos mesmos. Já o último vincula-se à noção de sociedade, que se forma por um ato de vontade, mediante um vínculo jurídico, independentemente da existência ou não de afinidades entre os indivíduos. Observe que o conceito de Nação, surgido em fins do século XVIII, era apenas uma criação artificial, tendo sido largamente utilizado pela burguesia como símbolo de união nacional contra o absolutismo. Logo foi incorporado ao “imaginário coletivo”, inspirando as multidões. Na corrida imperialista do século XIX, o conceito foi utilizado com grande maestria pelos grandes Estados como instrumento de dominação externa, ‘O Estado é uma parte especial da humanidade considerada como unidade organizada’ unidade 2 035 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO valendo-se exatamente do caráter emocional despertado por ele. E já no século XX, foi a bandeira empunhada pelos movimentos nacionalistas que redundaram nas duas guerras mundiais. Na verdade, o conceito de Nação nunca teve significação jurídica, porém tem grande importância sociológica, o que justifica os esforços empreendidos para caracterizá-lo. À luz de tais considerações, uma Nação é entendida como: [...] uma comunidade de base histórico-cultural, pertencendo a ela, em regra, os que nascem num certo ambiente cultural feito de tradições e costumes, geralmente expresso numa língua comum, tendo um conceito idêntico de vida e dinamizado pelas mesmas aspirações de futuro e os mesmos ideais coletivos. (DALARI, 1998, p. 37). Para finalizar, pode-se dizer que Nação, entidade de direito natural e histórico, é “a substância humana do Estado” (MALUF, 2009, p. 16), sendo anterior a ele. Origem, formação e evolução histórica do Estado A origem e formação do Estado Discutir a origem do Estado significa analisar, simultaneamente, o contexto e a motivação do seu surgimento. A expressão, utilizada para designar uma situação permanente de convivência ligada à sociedade política, surgiu pela primeira vez com Maquiavel (pensador florentino apresentado na Unidade 1), tendo sido Conceito de Nação nunca teve significação jurídica. unidade 2 036 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO posteriormente difundida para outros territórios, consolidando-se a partir do século XVI. Segundo Dalari (1998), são admitidas três hipóteses fundamentais acerca do aparecimento do Estado. 1. O Estado teria existido desde sempre, já que desde os primórdios a humanidade vive segundo uma organização social, dotada de poder e autoridade sobre os indivíduos. 2. A sociedade humana teria existido algum tempo sem a configuração do Estado, vindo a se constituir posteriormente, de forma pontual, em razão das próprias necessidades ou conveniências dos indivíduos. 3. O Estado, entendido como um conceito concreto, temporal, passaria a ter existido somente a partir da presença de determinadas condições objetivas, vinculado à ideia e à prática da soberania. a) origem familial ou patriarcal, com a ampliação gradativa de cada grupo familiar, dando origem aos Estados; b) origem em atos de força, de violência ou de conquista, com a submissão dos grupos mais fracos aos grupos mais fortes; c) origem em causas econômicas ou patrimoniais, eventualmente atribuída a Platão (filósofo ateniense apresentado na Unidade 1), em função da própria conveniência da divisão social do trabalho. A defesa mais contundente da origem econômica do Estado é atribuída a Karl Marx e Friedrich Engels, tendo este afirmado que o Estado ‘é antes um produto da sociedade, quando ela chega a um determinado grau de desenvolvimento’, consagrando a visão do Estado como instrumento da burguesia para a exploração do proletariado em seus próprios interesses. Isto posto, a explicação para a formação do Estado é amparada por duas correntes teóricas. A primeira delas aponta a formação natural ou espontânea do Estado, ainda que sob causas variadas. A segunda corrente teórica defende a formação contratual do Estado, a partir de um ato voluntário dos homens. A primeira corrente, também chamada de não-contratualista, destaca quatro grupos de origens: A formação do Estado é amparada por duas correntes teóricas. unidade 2 037 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO d) origem no desenvolvimento interno da sociedade, tratado como um aspecto natural do processo de amadurecimento das sociedades, independentemente de fatores externos. Há ainda os Estados formados por derivação, ou seja, a partir de outros Estados preexistentes, o que constitui um questionamento de natureza mais prática. Essa derivação pode ocorrer de duas formas: pela via da união, situação em que Estados originais desaparecem e se reagrupam num novo Estado, adotando-se uma Constituição única, preferivelmente no formato de federações, de modo a preservar as autonomias e as características socioculturais. Ou pela via do fracionamento, quando parte de um determinado território desmembra-se, dando origem a um novo Estado independente, com ordenação jurídica própria. Mas também podem ocorrer circunstâncias atípicas para a derivação de novos Estados, tais como as guerras, quando novas configurações territoriais são impostas pelos vencedores como instrumento de dominação e controle sobre os vencidos. Uma classificação diferente, mas compatível com esta última, é destacada por Maluf (2009), que identifica três modos de nascimento dos Estados: o modo originário, o modo secundário e o modo derivado. O modo originário diz respeito a um agrupamento humano de características mais ou menos homogêneas que, firmando-se em um território, estabelece um governo, com um ordenamento jurídico e político, tal como ocorrido com Atenas e Roma. Os modos secundários desdobram-se em união e divisão. A união pode ser de quatro tipos: a. confederação, referente à união convencional de países Os Estados formados por derivação. unidade 2 038 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO independentes motivados por interesses comuns, a exemplo da extinta URSS; b. federação, traduzindo uma união nacional de províncias, como no caso do Brasil; c. união pessoal, relativa ao governo de dois ou mais países por um único governante, por meio de acordos, sendo de caráter transitório; d. união real, sendo esta de caráter permanente, processada entre dois ou mais países, como no exemplo da Grã- Bretanha. Já a divisão pode ser nacional quando uma determinada região ou província obtém a sua independência, formando uma nova unidade política. Ou sucessoral’, típica das monarquias medievais, quando ocorria a divisão da propriedade do monarca entre seus parentes e sucessores. Os modos derivados, por sua vez, desdobram-se em colonização, a exemplo das antigas colônias inglesas, espanholas e portuguesas; sucessão dos direitos de soberania, típica da idade média, mediante a outorga de direitos; e ato de governo, decorrente da vontade de um conquistador, a exemplo de Napoleão I. É importante ter em mente que um Estado somente se efetiva quando atinge o equilíbrio e a harmonia internos, com a manutenção do ordenamento jurídico, sendo também fundamental o reconhecimento por parte dos demais Estados constituídos, visando a normalização das relações internacionais. Sua extinção, porsua vez, está condicionada à ausência de qualquer dos seus elementos morfológicos, quais sejam, a população, o território e o governo. A extinção do Estado está condicionada à ausência de qualquer dos seus elementos morfológicos,. unidade 2 039 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO A evolução histórica do Estado A evolução histórica do Estado revela uma sucessão de formatos, viabilizando o exercício (meramente didático) de sua tipificação que, em última instância, é um processo em andamento, dado que novas configurações ainda poderão surgir no futuro. Dalari (1998), numa alusão a Jellinek, aponta que [...] “todo fato histórico, todo fenômeno social oferece, além de sua semelhança com outros, um elemento individual que os diferencia dos demais, por mais análogos que sejam”. (DALARI, 1998, pg. 25). Daí surge a possibilidade de tipificação, mediante a utilização de métodos científicos. O estudo inicia-se pela análise dos Estados em particular, com a identificação das suas peculiaridades histórico-políticas e jurídicas, embora seja difícil o necessário isolamento das influências externas. O autor destaca que a tipologia pode ser estruturada segundo uma representação do ideal, implicando na busca pelo melhor tipo, o que pode levar à utopia. Ou pode se valer do empirismo, mediante a observação de casos individuais que, apresentando características comuns, geram uma imagem universal, ainda que sujeita a alguma subjetividade, o que é inerente à interpretação do analista. Adotando-se uma perspectiva cronológica, Dalari (1998) apresenta as seguintes fases do desenvolvimento do Estado: Estado Antigo: também chamado de Estado Oriental ou Teocrático, remonta às antigas civilizações orientais, onde não havia uma delimitação muito clara entre os papéis da família, da religião, do Estado e da organização econômica. As características mais marcantes desse tipo de Estado é a unicidade, ou seja, a ausência de divisão de territórios e de funções, bem como a religiosidade, que constitui um traço dominante, sendo estreita a relação entre Estado e divindade. O autor destaca que a tipologia pode ser estruturada segundo uma representação do ideal. unidade 2 040 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO Estado Grego: a despeito da civilização helênica ter sido composta por vários territórios fracionados, é possível pensar em um Estado Grego a partir da identificação de características semelhantes entre os seus Estados constituintes. Representado pela pólis, ou cidade- Estado, era marcado pela autonomia e pela democracia, ainda que uma pequena elite pudesse influenciar as decisões de interesse público. FIGURA 3 – Cidades Estados Fonte: [A Grécia – Cidades-Estados (Pólis)]. Disponível em: <http://image. slidesharecdn.com/histriaa1-140213161637-phpapp02/95/histria-a-modelo- ateniense-8-638.jpg?cb=1392329963>. Acesso em: 14 abr. 2015. Estado Romano: mesmo passando por muitas configurações ao longo dos séculos, manteve-se fiel à noção de cidade-Estado desde a sua fundação, em 754 a.C., até 565 da era cristã, quando deu lugar ao Estado Medieval. Tinha como característica mais marcante a base familiar de organização social, sendo que o povo, embora em nível restrito, participava das decisões de interesse coletivo, a exemplo do Estado Grego. Estado Medieval: caracterizado pela instabilidade e heterogeneidade, teve como elemento comum o cristianismo e o feudalismo. Este último fortemente centrado na posse da terra unidade 2 041 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO e marcado por grandes conflitos entre senhores feudais. Por um lado, e os servos, de outro, sujeitos a contratos de vassalagem (de natureza pessoal), ou de benefício (mediante o estabelecimento de um direito real), sendo este podendo implicar ou não em isenção de tributos. Tais relações processavam-se de forma autônoma em relação ao poder do Estado. FIGURA 4 – O Estado Medieval Fonte: Núcleo de Educação a Distância (NEaD), Ănima, 2015. Clero Nobreza Camponeses e servos As invasões constantes dos bárbaros e a fragilidade dos Estados constituídos (caracterizados pela ordem precária e indefinição das fronteiras políticas) também constituíram um traço comum, levando a um clamor em torno da unidade de governo, com a constituição de Impérios apoiados pela própria Igreja, esta última já constituída como poder unitário e detentora de enorme poder sobre os monarcas. Contudo, as cisões e disputas de poder verificadas entre os Impérios constituídos e a Igreja iriam trazer um novo elemento de instabilidade a um cenário socioeconômico já bastante conturbado, constituindo as bases para a constituição do Estado Moderno. Estado Moderno: a aspiração de unidade advinda do Estado Medieval deu força à constituição do Estado Moderno, que se apresentava como soberano e supremo em relação a um dado espaço territorial. Em geral, considera-se a existência de dois elementos materiais que caracterizam o Estado, quais sejam, o unidade 2 042 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO território e o povo, além de um formal, relacionado com o governo, que também é retratado como poder, soberania ou autoridade. Há autores que identificam um quarto elemento, relativo à finalidade do Estado, que regula a vida social. FIGURA 5 – O Estado Moderno Fonte:[O Estado Moderno]. Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_4Q-W0JA- rV4/TGU8GmWcRmI/AAAAAAAAAWg/rRgGYM6e_9o/s400/estado>. Acesso em: 14 abr. 2015. Maluf (2009) destaca a classificação desenvolvida por Queiroz Lima, relacionada com os traços característicos das organizações estatais em cada estágio da civilização, a qual fornece uma visão mais abrangente e detalhada da evolução histórica do Estado. São eles: o Estado Oriental (ou Antigo); o Estado Grego; o Estado Romano; o Estado Feudal; o Estado Medieval; o Estado Moderno; o Estado Liberal; e o Estado Social. A distinção feita entre Estado Feudal e Estado Medieval está relacionada com a evolução temporal da organização estatal na idade média, que no início era marcada por grande descentralização do poder e instabilidade. Posteriormente revertida para uma acentuada centralização patrocinada pela Igreja, cujo poder se sobrepunha ao dos próprios soberanos. A distinção feita entre Estado Feudal e Estado Medieval está relacionada com a evolução temporal . unidade 2 043 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO As três últimas caracterizações de Estado apresentadas por Maluf (2009) estão associadas à idade moderna, cabendo aqui destacar o Estado Liberal, originário da revolução francesa, fortemente baseado na noção de soberania nacional; e o Estado Social, que traduz uma reação ao próprio Liberalismo. Elementos constitutivos do Estado: Povo, Território e Soberania Os elementos constitutivos do Estado são de duas ordens: uma formal, representada pelo poder do Estado, tendo no conceito de soberania a sua mais alta expressão; e outra material, representada pelo povo (entidade que por vezes é confundida com os conceitos de população e nação) e pelo território. A seguir, você vai conhecer alguns dos principais aspectos relacionados a cada um desses elementos. Soberania Vamos começar com uma abordagem sobre o conceito de soberania, tida como o poder supremo do Estado sobre todos os outros de natureza privada, sendo um dos principais atributos do Estado Moderno. Dalari (1998) esclarece que a soberania é um poder absoluto, porque ‘não é limitada nem em poder, nem pelo cargo, nem por certo tempo’, e também um poder perpétuo, porque não há um tempo delimitado de duração, razão pela qual só pode existir em Estados aristocráticos ou populares, situação em que se pode garantir a sua continuidade. A soberania é um poder absoluto. unidade 2 044 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO O autor aponta que a soberania é também um poder inalienável e indivisível, apresentando os seguintesargumentos: [...] ela é inalienável por ser o exercício da vontade geral, não podendo esta se alienar e nem mesmo ser representada por quem quer que seja. E é indivisível porque a vontade só é geral se houver a participação do todo. (DALARI, 1998, p. 31). Há, entretanto, limites à atuação do poder soberano, que não pode exagerar nas suas demandas à sociedade, devendo as exigências, quando cabíveis, serem distribuídas de forma igualitária e justa. O conceito de soberania está sempre ligado à noção de poder, podendo ser explicitado segundo três enfoques: um de cunho nitidamente político, vinculado ao poder coercitivo, sem preocupação com a legitimidade. Outro de cunho eminentemente jurídico, que aborda o poder decisório sobre o conjunto de normas e direitos. E um terceiro, de natureza culturalista, que trata a soberania de maneira plural, como um fenômeno social, jurídico e político. Segundo Miguel Reale, a soberania consiste no [...] “poder que tem uma Nação de organizar-se livremente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões para a realização do bem comum”. (REALE, 2000, p. 140). O conceito de soberania encontra-se devidamente disciplinado no plano jurídico, o que constitui importante instrumento de coerção de eventuais arbitrariedades do poder público. É importante destacar, por fim, no tocante à justificação da soberania, a existência de duas teorias, sendo uma denominada teocrática (desenvolvida no período medieval), fundada no princípio cristão de que todo poder vem de Deus, que o concede ao soberano. E outra de natureza democrática, que vê a soberania como um atributo do povo, cuja titularidade é atribuída ao Estado, na medida O conceito de soberania encontra- se devidamente disciplinado no plano jurídico. unidade 2 045 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO em que o povo não tem personalidade jurídica para exercê-la. Território A noção de território ganhou particular relevância ainda no Estado Medieval, em razão do aumento dos conflitos entre senhores feudais e servos pela posse e utilização da terra, vindo a se tornar elemento de importância central no Estado Moderno. Observa-se que a afirmação da soberania dá-se no âmbito de um território delimitado, assegurando a eficácia do poder e a manutenção da ordem. Entretanto, não há consenso em torno da classificação do território como um elemento constituinte do Estado, sendo para alguns autores uma simples expressão do espaço de manifestação da soberania. No tocante à análise do relacionamento do Estado com o território, existem duas posições. Uma delas reconhece tal relação como uma expressão do domínio do Estado (dominium), sendo este o proprietário do território, o que caracteriza uma figura jurídica especial, o chamado “direito real de natureza pública”. Outra posição não reconhece a relação de dominação do Estado, argumentando a existência de um direito indireto sobre o território. Ou seja, na verdade, o Estado detém o poder sobre as pessoas (imperium) e, por meio destas, manifesta-se o poder sobre os respectivos territórios. Assim, a relação do Estado com o território ocorre por via indireta. Por essa razão, ‘as invasões de territórios constituem ofensa à personalidade jurídica do Estado, e não violação de direito real’. Dalari (1998). No que se refere aos tipos de territórios, Bonavides (2000) apresenta uma classificação que abrange quatro modalidades: Estado detém o poder sobre as pessoas (imperium). unidade 2 046 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO a) território-patrimônio, típico do Estado Medieval, onde o poder do Estado sobre o território é igual ao de qualquer proprietário de imóvel; b) território-objeto, vinculado à noção de dominium; c) território-espaço, que enfatiza ser o território uma extensão espacial da soberania do Estado, vinculada à noção de imperium; d) território-competência, que trata o território no contexto da ordem jurídica do Estado. No tocante às fronteiras territoriais, classificadas como: naturais, em função da geografia; artificiais, quando fixadas por meio de tratados; ou ainda, esboçadas, quando não se tem uma delimitação precisa dos territórios, situação difícil de ocorrer na prática, considerando os avanços tecnológicos da atualidade. FIGURA 6 – Territórios Fonte: [Territorios]. Disponível em:<http://3. bp.blogspot.com/_qS95ul_9cIM/SPVxQOl3vjI/ AAAAAAAAABI/czVy hnUurY/s1600-h/territorio.jpg>. Acesso em: 14 abr. 2015. Um último aspecto a ser retratado diz respeito à delimitação dos territórios no tocante ao mar e ao espaço aéreo, alvo de constantes conflitos em razão dos interesses econômicos envolvidos, sendo fortes os embates entre os Estados. Na atualidade, o mar territorial foi fixado oficialmente em 200 milhas (equivalentes a 370,4 km) mediante tratados ou atos unilaterais dos unidade 2 047 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO Estados; e no espaço aéreo, considera-se a coluna de ar existente sobre o respectivo território, critério que oferece pouca eficácia. Povo O povo representa, naturalmente, um componente fundamental do Estado, sem o qual este não poderia existir. Embora seja uma entidade abstrata, sua concepção tem conotação jurídica. FIGURA 7 – O povo Fonte: AMARAL, Tarsila do. Operários. 1933. 150cm x 205cm. Palácio Boa Vista. Imagem disponível em: <http://www.revistaafro.com.br/wp-content/ uploads/2013/11/Povo-brasileiro.jpg>. Acesso em: 14 abr. 2015. Distingue-se dos conceitos usuais de nação, já abordado anteriormente, e de população, que envolve um aspecto numérico, demográfico, incluindo os estrangeiros, que podem ser integrados pela via da naturalização, o que lhes permite usufruir dos direitos políticos próprios dos nativos. A noção jurídica de povo consolidou-se com o início do Estado Moderno, momento em que se firmava a designação de cidadãos para os seus integrantes. Dalari (1998) aponta que o conceito de povo pode ser entendido segundo dois aspectos: um subjetivo, que trata o povo como um elemento componente do Estado, numa relação de coordenação, O povo representa, um componente fundamental do Estado, sem o qual este não poderia existir. unidade 2 048 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO ou seja, de detentor de direitos; e um objetivo, onde o povo é entendido como um objeto da atuação do Estado, numa relação de subordinação, estando sujeito a deveres. E adverte que, do vínculo jurídico entre o Estado e o povo, decorrem três atitudes possíveis: a) atitudes negativas, impondo limites à ação do Estado; b) atitudes positivas, quando o Estado atua em defesa dos próprios indivíduos; e c) atitudes de reconhecimento do Estado a indivíduos que atuam no seu interesse. O autor apresenta uma interessante conceituação: Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano. (DALARI, 1998, p. 39). Estado, direito e política: noções de cidadania Objeto de grande controvérsia é a concepção do Estado como pessoa jurídica, sendo esta atribuída à corrente contratualista de pensamento, tendo como premissa a ideia de povo como entidade dotada de interesses e vontade próprios, distintos dos interesses e vontade individuais. O disciplinamento jurídico da matéria, trazendo à luz a discussão em torno dos direitos e deveres vinculados aos interesses coletivos, foi efetivado a partir do século XIX. Hoje, o conceito de personalidade jurídica do Estado encontra-se bem fundamentado no âmbito do direito público. o conceito de personalidade jurídica do Estado encontra-se bem fundamentado no âmbito do direito público. unidade 2 049 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO É oportuno destacar, outrossim, que algumas correntes doutrinárias
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