Prévia do material em texto
1. COLONIALISMO EM MOÇAMBIQUE: ECONOMIA COLONIAL 1.2 O sul de Moçambique e trabalho migratório 1.2.1. Conceituação (Definições/breves noções) De acordo com Freitas (1998, p.180) Migração é uma deslocação ou mudança voluntária, temporária e duradoura de indivíduo ou grupos de uns territórios ou lugares para outro. Na ordem de ideia, Trabalho Migratório é um deslocamento temporário e duradouro de indivíduo ou grupo de indivíduo de um território para o outro a fim de realizar uma actividade económica (Nota, 2014). 1.2.2 Contextualização (surgimento/origem) As zonas de Maputo, Gaza e Inhambane transformaram-se em zonas de influência quase ilimitada dos interesses económicos sul-africanos a partir dos meios do século XIX, sobretudo o desenvolvimento da cidade de Lourenço Marques, esteve indissociavelmente associada à prosperidade económica da vizinha RSA do Transval. 1.2.3 Causas/Factores · Introdução das plantações de cana sacarina no natal, em 1850; · Abertura das minas de diamante em Kimberley, em 1870; · Exploração do ouro em Lydenberg – Leste do Transval, em 1874; · Abertura de novas minas de ouro nas áreas central e o sul do Transval, Witwatersrand; · Construção de linhas Lourenço Marque Transval para servir estes centros, em 1892; · A crise ecológica nos começos dos anos 1860; · A proibição do uso de mão-de-obra nativa na África do sul. · O avanço do capitalismo na África Austral na colónia Britânica do Natal Nota: Estes factores contribuíram decisivamente para a estruturação de bases para a interacção permanente com o sul de Moçambique, na qual a emigração de trabalhadores Tsongas concorreu para a dependência crescente da economia de Moçambique, pelos salários que traziam, impulsionado pelo pagamento diferido. 1.2.4 Leis do trabalho migratório (Acordos do trabalho assinados entre Portugal e a RSA) A partir dos finais do século XIX, o governo colonial português e a África do sul, através do Transval, assinaram vários memorandos de entendimento, cartas, acordos e convenções, tendo em vista legalizar o trabalho migratório para recrutamento da mão-de-obra em território moçambicano para as minas de ouro e diamantes de Witwatersrand e Kimberley respectivamente. A partir deste século, pode se destacar o Modus-Vivendi de 1901; a Convenção de 1909; a Convenção de 1928 e o Acordo de 1964, embora existam muitos outros acordos, porém, mesmo os destacados não foram cabalmente cumpridos. Em 1867, é assinado um acordo entre os governos do Natal e de Portugal, que permitia aos trabalhadores a saída voluntária de trabalhadores migrantes moçambicanos para o Natal. Esta autorização que permitia aos trabalhadores viajarem a partir de Lourenço Marques por mar, foi alargada em 1875, no sentido de permitir aos moçambicanos trabalharem no Cabo. Em 1897, o primeiro estatuto regulamentado a migração de trabalhadores para o Transvaal, foi estabelecido pelo Mouzinho de Albuquerque[footnoteRef:2], que estabeleceu conversões com a RSA. Este estatuto, estabelecia a pasta da curadoria cujo titular tinha como função, dirigir e controlar os nativos moçambicanos na RSA. No mesmo ano, foi criada a Witwatersrand Native Labour Association (WENELA[footnoteRef:3]). [2: O então governador colonial de Moçambique.] [3: Empresa que se encarregava de recrutamento da mão-de-obra moçambicana para as minas de ouro de Witwatersrand (Transvaal).] Em suma, o objectivo de Albuquerque era rentabilizar os serviços através do repatriamento dos salários, controlo do tráfego ferroviário e portuário. a) O Modus Vivend de 1901 Este acordo seguiu o regulamento de 1897 que durou pouco tempo devido a deflação da guerra Anglo-Boer[footnoteRef:4] (1899-1902). Em 1900, a indústria foi estruturada e os capitalistas do Natal e do Cabo começam a pressionar a vitoriosa britânica do Transval no sentido de impor um controlo do tráfego ferroviário de modo a favorecer as suas linhas e os seus portos em detrimento de Lourenço Marques[footnoteRef:5]. [4: Uma guerra que paralisou a indústria mineira e resultou no repatriamento de cerca de 50 mil trabalhadores.] [5: Devido ao Regulamento de 1897, os portos e caminhos-de-ferro de Lourenço Marques ficaram numa posição bastante privilegiada para trânsito de mercadores de e para Transval em detrimento de outros portos sul-africanos como o do Natal e do cabo.] Porém, quando em 1901 começaram a seguir os efeitos destas medidas, o governo colonial moçambicano impôs uma interrupção ao recrutamento dos mineiros moçambicanos. Portugal tinha como objectivo condicionar a assinatura de um novo acordo de fornecimento de mão-de-obra que a garantia a utilização do porto e caminhos-de-ferro de Lourenço Marques para as exportações e importações e de facilidades no intercâmbio comercial. Assim, o “Modus Vivendi de 1901” foi assinado em 18 de Dezembro de 1901, pelo governado de Moçambique (Manuel Gorjão) e pelo alto-comissário Britânico (Cônsal Fritiz H. Crave). Este acordo privilegiava a utilização do porto de L. Marques no intercambio comercial de e para o Transval e a produção agrícola Portuguesa em detrimento da produção do Natal e do Estado Livre de Orange que tinham no Transvaal o seu potencial mercado; Pela primeira vez foi fixado o período dos contratos, que passou a ser de um ano, sem limite de recontratos. Definiu o emolumento de 13 shillings por cada recrutado, para despesas de fiscalização, passaportes, contratos registos, etc... com acréscimo de 6 pence por mês, durante todo o período de recontratos. Em síntese, com o “Modus-Vivendi” de 1901, Portugal conseguiu conquistar as vantagens: · Fixação do período de contrato de um ano, renováveis sem limites; · Definição do emolumento (lucro de 13 Shillings) único por cada trabalhador; · Crescimento de tráfego de mercadorias, utilizando a via ferro portuário de L. Marques. Ao aceitar este acordo (“Modus-Vivendi”), a Inglaterra, através do Transval, não tinha em vista prejudicar as outras colónias (Natal, Cabo), mas apenas agradar aos portugueses e conseguir vantagens em relação recrutamento da mão-de-obra, sua grande necessidade[footnoteRef:6] (Araújo, 2011). [6: Daí que se diz que o “Modus-Vivendi” de 1901 foi uma solução mais equilibrada adoptada, que condicionou Inglaterra para se beneficiar das facilidades de recrutamento da mão-de-obra que se escasseava para a exploração das minas e agrícolas de Transvaal. ] Entretanto, este acordo (“Modus-Vivendi” de 1901) originou reclamações nas colónias do Cabo e Natal atendidas após o surgimento, em 1903, da União Aduaneira Sul Africana. Foi neste período que o governo britânico negociou a necessidade de redução de vantagens comerciais de Portugal. Depois dessas negociações, em 1904, foi assinado um “Aditamento ao Modus Vivendi”, em que foi definido que produto da indústria de cada uma das colónias interessadas (Moçambique e Transvaal) apenas seriam admitidos, livres de direitos, na outra colónia quando os elementos ou principais partes constituintes de tais produtos fossem originários da colónia exportadora (Covane, 1989). b) A Convenção de 1909 A primeira convenção teve lugar a 01 de Abril de 1909, entre os governos Colonial de Moçambique e da Inglaterra através da província de Transvaal, baseando-se na mão-de-obra, portos e caminhos-de-ferro e comércio. Assim, foram acordados as seguintes cláusulas: · Foi garantida a passagem por Moçambique de 50% do tráfego ferroviário de Witwatersrand; · Foi garantida o monopólio de recrutamento da mão-de-obra à WENELA que podia actuar nas zonas sob controlo governamental (sul do Save)[footnoteRef:7]; [7: Ou seja, a excepção dos territórios da Companhia de Moçambique.] · Foi proposto pelo governo colonial português a introdução do pagamento diferido (retardado) de salários, mas de base voluntária; · Foi estabelecido que os produtos agrícolas e industriais originários de um outro lado da fronteira poderiam circular para ambos os países sem taxas aduaneiras[footnoteRef:8]; [8: Esta cláusula (artigo) favorecia mais os proprietários rurais sul-africanos e desfavorecia o capital agrícolaportuguês em Moçambique, pois Portugal não tinha capital para promover um desenvolvimento como o do outro país.] · A possibilidade do governo português poder cobrar impostos nas minas e o direito receber uma taxa por cada mineiro recrutado; · O contrato dos trabalhadores de 12 meses renováveis; · A curadoria foi transformada numa agência de depósito de salários e o seu posterior repatriamento para Moçambique. A Cláusula do Paralelo 22º[footnoteRef:9] [9: Esta cláusula foi a surpresa e o especial do um Acordo assinado em 1914, mas mantinha todas as demais contidas na Convenção do 1909;] Em 1914, foi interdita a WENELA o recrutamento de trabalhadores à norte do paralelo 22º sob o pretexto de que os trabalhadores dos “trópicos” (norte do rio Save) seriam incapazes de se adaptar à altitude e clima do Rand, sendo assim, “atreitos” à tuberculose e à pneumonia. Todavia, o verdadeiro motivo era de evitar a competição em relação à força de trabalho entre as minas e as plantações das companhias e de Nampula[footnoteRef:10]. [10: Território (capital de Moçambique. a partir da Ilha de Moçambique) que não foi ocupado pelas companhias pelo facto de terem sido administrados directamente por Portugal. ] c) A Convenção de 1928 A segunda convenção, assinada em 1928, reflectia ainda mais claramente o conluio entre o capital anglo sul-africano e os interesses portugueses da metrópole colonizadora. Assim, as cláusulas desta convenção foram: · Confirmação de que 50 a 55% do tráfego de Witwatersrand devia transitar por Lourenço Marques; · Estipulou que o número de moçambicanos nas minas fosse reduzido para 80 mil mineiros até 1933; · Diminuiu, limitando, o período de contrato por um ano renováveis apenas por seis meses. Impôs o repatriamento compulsório depois deste período e proibiu de novo controlo durante os seis meses seguintes; · Estabeleceu (entrou em vigor) formalmente a obrigatoriedade do pagamento diferido[footnoteRef:11]; [11: O pagamento diferido foi aceito em 1928, com a aprovação dos britânicos após a análise feita pela câmara de comércio aos de Johannesburg dos valores transferidos pelos mineiros para as suas famílias em Moçambique, aos valores perdidos pelo comércio da união, contribuindo para ultrapassar as divergências entre Moçambique e RSA.] · Foi estabelecido a entrada de ouro proveniente dos salários dos mineiros. Entretanto, em 1930, esta convenção foi posta em causa, quando os agricultores sul-africanos exigiam a redução de mão-de-obra moçambicana para absorver a mão-de-obra local. A ideia foi acolhida pela WENELA pois via os custos de recrutamento reduzidos. A ideia de redução de emigrações, em Moçambique, teve efeitos negativos na captação de divisas, devido ao uso de salários baixos no sul, por isso poucos trabalhadores se empenhavam no trabalho assalariado, limitando-se às suas necessidades. Diante destes constrangimentos, como estratégias de resolução da questão da força de trabalho a baixo custo e forçar a população ao trabalho assalariado, o governo português instituiu o trabalho forçado, o chibalo. Com chibalo, os trabalhadores não possuíam nenhum direito, o salário era pago segundo a vontade do patrão, às vezes, no fim do período do trabalho eram maltratados (como forma de os levar a fugir e evitar pagar o pagamento dos seus salários). Por consequência, o chibalo provocou o despovoamento pela população masculina nas aldeias, ficando a mulher responsável pelos trabalhos agrícolas. d) O Acordo de 1964 Este acordo estipulava que os trabalhadores só podiam ser empregados com o conhecimento do Instituto de Trabalho, que tinha sido criado em 1961 para tratar, entre outros, dos assuntos relacionados com o recrutamento de trabalhadores; Com este acordo, também, foi adoptado a “cláusula de ouro” que tinha mesmo tratamento que o pagamento diferido mencionado já em acordos anteriores. Segundo a “cláusula de ouro”, a quantia correspondente aos salários diferidos seria trocada por ouro a um preço fixo em rand, embora esse preço tenha sido mantido mesmo com posteriores aumentos no mercado mundial. O ouro deveria ser vendido pela África do Sul no mercado mundial e o lucro entre a Portugal. Em contrapartida, Moçambique aceitou elevar o limite de recrutamento anual de para um máximo de 100 000, mantendo-se o mínimo em 65 000. A “cláusula de ouro” permitiu o reforço das instituições económicas e financeiras em Moçambique e promoveu no Sul do Save um grande desenvolvimento. De modo geral, o acordo de 1964 tinha em vista ajudar Portugal a travar o movimento de libertação nacional iniciado em 1962 com a fundação FRELIMO. e) O Acordo de 1965 O aspecto mais importante neste acordo foi o estabelecimento de três novas agências de recrutamento: ATAS, ALGOS e a CAMON que iniciaram as suas actividades em 1967, recrutando trabalhadores para as minas não filiadas na Câmara de Minas e para agricultura na África do Sul. Impacto (consequências) do trabalho migratório no sul · Permitiu a entrada e circulação do dinheiro sul-africano (libra esterlina) proveniente dos salários dos trabalhadores migrantes (nas Baía de L. Marques e no seu interland); · Monetarizou a economia do sul de Moçambique, alterando certos padrões tradicionais (hábitos) e os símbolos de poder quer económicos, quer o prestígio social. Este facto, possibilitou a também a alteração do sistema de tributação antes em renda, trabalho e em produtos agrícolas e de caça, começando a ser introduzida a libra (ex. O dote de lobolo que era paga com gado, com a sua escassez com dinheiro); · Serviu de via de penetração da língua inglesa (trouxe novas palavras às línguas locais); · Melhorou o nível de condições de vida e o poder de compra das famílias com dos mineiros; · Fez crescer as condições infra-estruturais e rápida expansão de rede de compra do sul de Moçambique; · Gerou falta de mão-de-obra em algumas zonas do interior de Moçambique; · Criou um ambiente favorável a colonização, pôs havia fraca resistência. Vestígios actuais do trabalho migratório no sul Os vestígios ou marcos actuais relacionados ao trabalho migratório no sul de Moçambique são: · Algumas das principais estradas e linhas férreas do sul, desaguam na África do Sul; · Abastecimento sul-africano em produtos alimentícios, roupas, automóveis, etc; · Dependência de Moçambique em relação as técnicas e tecnologias sul-africanas; · Acentuada circulação do rand em Moçambique. Em suma, as receitas de transporte e do trabalho migratório constituíram a mais importante fonte de divisas para a economia colonial de Moçambique, através de vários os acordos, entre 1890 – 1930. Exercícios de aplicação 1. A partilha de África foi discutida em uma mesa de reunião sem que as potências intervenientes conhecessem o território em questão. a) Localiza no tempo e espaço a reunião em referência. b) Menciona os países que se fizeram presentes. 1.1 Nessa reunião o princípio mais importante estabelecido foi o da ocupação efectiva da África. a) O que visava? 1.2 Para além do acordo que Portugal assinou com Grã-Bretanha, o que lhe garantiu a continuação no processo da ocupação africana, sendo uma potencia com piores condições financeiras? 2. O governo português tentou instalar um sistema administrativo, tendo iniciado com a ocupação militar e a instalação do Aparelho do Estado colonial, mas, devido à insuficiência de capitais, foi difícil alcançar seus objectivos. a) Explica como Portugal, sendo uma potência financeira e economicamente debilitada, conseguiu concretizar o colonialismo na sua 1ª fase? 2.1 No contexto da ocupação efectiva de Moçambique, Portugal estabeleceu as companhias para atenderem a sua situação económica. a) Que tipo de companhias foram criadas em Moçambique? Diferencia-as e dá exemplos. b) Uma vez que nas zonas de actuação das companhias o capital investido era maioritariamente estrangeiro (não português), que estratégias Portugal encontrou para garantir a sua presença? c) Aponta as formas de exploração nas companhias. 2.2 O que preconizava a política concessionaria na companhia de Moçambique?2.3 Na Companhia da Zambeze para a robustez da sua bolsa económica, recorria-se ao Mussuco e ao trabalho do trabalho nas plantações. a) Indica três aspectos do impacto destas formas de exploração. 3. Ligado ao trabalho migratório, as zonas de Maputo, Gaza e Inhambane transformaram-se em zonas de influência quase ilimitada dos interesses económicos sul-africanos a partir dos meios do século XIX. a) Refere-te as causas do trabalho migratório no sul de Moçambique. 3.1 A partir dos finais do século XIX, o governo colonial português e a África do sul, através do Transval, assinaram vários acordos para legalizar e rentabilizar o trabalho migratório. a) Quais foram os mais importantes? b) Fala do Modus-Vivendi de 1901 e da convenção de 1909. 3.2 Aponta 3 efeitos do trabalho migratório. 4. Indica as principais fases de acumulação do capital colonial em Moçambique. IMGECF – História Económica de Moçambique -2017 | O Sul de Moçambique e o Trabalho Migratório por Andrade Conjo e Ananias Langa 7