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Avaliação - CONCEPÇÃO DIALÉTICA-LIBERTADORA

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de~ e 
• -p~ 
CoNCEPÇÃO DIALÉTICA-LIBERTADORA 
Do PRocESso DE AVALIAÇÃO BcoLAR 
CELSO DOS S. VASCONCELLOS 
Caden1os Pedagógicos do Libertad - 3 
•• 
. . -
• 
' As crianças das escolas públicas brasi leiras, 
por t~o cedo experimentarem a exclusão. 
As crianças das escolas particulares, 
por tão cedo serem apavoradas com 
, o fantasma da reprovação. 
A Tiago, Bruno e Maíra, filhos queridos, na esperança de 
uma sociedade mais justa e uma escola mais legal 
' e democrática para todos. A Regina, na mesma luta. 
, 
SUMARIO 
Prefácio ......................................................................................................................... 9 
Introdução .................................................................................................................. 13 
I- Lógica do Absurdo ............................................................................................. 15 
TI- Questão Metodológica . .................... ................................................................. 19 
!-Possibilidade ........................ ............................................. ................. ..... .... ..... 19 
2-Perspectiva do Trabalho .................................................................................. 20 
3-Método de Trabalho ......................................................................................... 20 
III- Análise do Problema ......................................................................................... 25 
1-0 problema da Avaliação Escolar .................................................................. 25 
2-Análise do Problema na sua Totalidade ......................................................... 26 
3-Mediação entre o problema geral e o particular ............................................ 30 
IV- Finalidade da Avaliação ................................................................................... 43 
• 1-Sentjdo da Avaliação .................................................................................. ..... 43 
2-Repercussão para a Prática Pedagógica ..................... .. .................................. 47 
V- Em busca de algumas alternativas .................................................................. 53 
)-Alterar a Metodologia de Trabalho em Sala de Aula .................................... 55 
2-Diminuir a ênfase na Avaliação ...................................................................... 57 
3-Redimensionar o conteúdo da Avaliação ....................................................... 63 
4-Alterar a postura diante dos resultados da Avaliação ................................... 70 
5-Trabalhar na conscientização da Comunidade Educativa ............................ 75 
Anexos ... ............................................................. ......................................................... 81 
1. Superação da Reprovação Escolar ................................................................. 83 
2. O Fetiche do Vesti bular .................................................................................. 90 
3. Os Excluídos .................................................................................................... 95 
4. Roda Viva ......................................................................................................... 96 
5. Dia de prova: que sufoco! ............................................................................... 97 
l 
Referências Bibliográficas ...................................................................................... 99 
, 
PREFACIO 
A avaliação é, na prática, um entulho contra o qual se esboroam 
muitos esforços para pôr um pouco de dignidade no processo escolar. 
Ele foi eregido, junto com outros baluartes (corno o conteúdo morto do 
livro didático e o papelório da burocracia) para que pareça impossível 
realizar qualquer mudança na escola. 
Sentar-se sobre este entulho, examiná-lo, interpretá-lo e descobrir 
algumas aberturas por onde se possa passar é desagradável e frustante. 
Desagradável porque o autor da façanha será mal entendido; frustrante 
porque os resultados são pequenos e, mesmo que se abram algumas bre-
chas, é grande o risco de que elas sejam fechadas imediatamente pelo elã 
reprodutor da sociedade de classes. 
Celso dos Santos Vasconcellos não se assusta: analisa com rigor e 
abrangência, propõe firme e inovadoramente, aponta caminhos com tran-
qüila e, ainda assim, excitante dialeticidade. 
O que me parece corajoso é, justamente, a aliança deste pragmatismo 
com uma visão utópica 1 arga e profunda. O autor foge, ao mesmo tempo, 
daquela simples tentativa de suavizar a guerra, não se opondo a ela, e da 
mera conversa sobre democracia, libertação,justiça ... Ele compreende o 
monstro da avaliação em suas dimensões globais, cm suas relações com 
todo o fazer pedagógico reprodutor das classes sociais e é sensível às 
questões que o professor enfrenta todos os dias na sua prática estontean-
te. 
Aí está o principal dilema e o principal valor do livro: abrir hori-
zontes para que as escolas se transformem muito além dos procedimen-
tos de avaliação e propor esquemas de mudança para aplicação imediata, 
perfeitamente coerentes com os horizontes abertos . 
• 
Não é um livro para ler. Reúne textos para refletir, para aprofundar, 
para discutir e, sobretudo, para aplicar e viver. O livro leva em si mesmo 
a semente de sua superação: ao meditar sobre suas mensagens, sabemos 
que o autor deseja que nele não fiquemos e que a glorificação do texto 
será nossa declaração de que a crítica que ele faz e as propostas que apre-
senta já nada nos dirão porque estaremos num estágio muito mais alto . 
.. 
• • • 
Danilo Gandin 
- / 
CONCEPÇAO DIALETICA-LIBERTADORA 
-DO PROCESSO DE AVALIAÇAO ESCOLAR 
-INTRODUÇAO 
.. 
• 
• 
' 
"Quando vedes levantar-se uma nuveni no poente, 
logo dizeis: aí vetn chuva. E assim sucede. Quando vedes 
soprar o vento do sul, dizeis: haverá calor, e assim 
acontece. Hipócritas, sabeis distinguir os aspectos do 
céu e da terra; como, pois, não sabeis reconhecer o tempo 
presente? Por que não julgais por vós 1nesmos o que é justo?" 
Lc, 12,54-57 
• 
-INTRODUÇAO 
Fato nº 1: "Suicídio de aluno punido cria polêmica" 
"( ... )Celestino, 14 anos, aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro, foi 
pego 'colando' quando fazia uma prova de geografia. Por isso, foi suspenso por 
seis dias e perdeu seis pontos em cotnportamento. O aluno deu um tiro na cabeça 
na terça feira, morrendo no dia seguinte( ... )". 
Folha de São Paulo, 18 de maio de 1990 
Fato nº 2: "Diretora diz que puxão rasgou orelha de aluno" 
"( ... ) L.A., 8 anos, aluno de uma escola estadual da zona oeste de São 
Paulo, estava colando na prova de estudos sociais quando foi fia grado pela pro-
fessora, que Lhe deu um.puxão. O nzenino recebeu cinco pontos na orelha( ... )". 
Folha de São Paulo, 26 de setembro de 1990 
Fato nº 3: "Vice-diretor é acusado de bater em aluno no PI" 
"( ... )Os pais do estudante Alexandre, 17 anos, da ga série do Colégio Sinopse de 
Teresina, disseram que seu filho levou um soco no estômago do vice-diretor da escola, 
após protestar contra a aplicação de unia prova de inglês( ... )". 
Folha de São Paulo, 7 de dezembro de 1990 
Fato nº 4: "Chinês mata 4 e fere 2 na uni versidade de IO\\'a, nos EUA" 
"Gang Lu, estudante de física de nacionalidade chinesa, 1natou ontem 
quatro pessoas e feriu duas outras no ca1npus da universidade de Iowa, Estados 
Unidos, antes de suicidar-se.( ... ) Segundo as autoridades universitárias, Gang 
Lu estava irritado por não ter sido incluído no quadro de honrarias acadêmicas". 
Folha de São Paulo, 3 de novembro de 1991 
14 Conccpção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar 
Estes são alguns fatos que se tornaran1 públicos em função da gravidade ex-, 
treina a que chegaram. E claro que o cotidiano escolar não é marcado por esse grau 
de violência física. No entanto, se pensarmos em termos de violênciasimbólica, 
psicológica, já não temos tanta certeza ... O que estes fatos têm em comum? Todos 
estão relacionados a situações de avaliação. Concretamente, verificamos que a 
avaliação se tornou um dos principais problemas da educação escolar. Basta ver os 
elevadíssimos índices de reprovação 1 e evasão escolar ou ainda os efeitos de 
inculcação ideológica. Pode1nos trazer alguns dados2 aqui, a título de ilustração: 
-de cada 1000 alunos que iniciam a 1 ªsérie do primeiro grau, somente 204 termi-
nam a 8il série (21 % ), dos quais somente 58 não repetiram um ano durante os 8 anos (6o/o) 
-no 2° grau, dos adolescentes em idade de cursá-lo: 
.84% estão fora do sistema escolar e dos 16% que sobram: 
.10% fazem à noite 
.5% fazem de dia intercalando co1n trabalho 
.1 % somente podem fazer sem trabalhar 
-em média desperdiça-se 67, 7% do que é investido em educação: 
.47,5% em evasões 
.20,2% em repetência 
Infelizmente, estes números não são características recentes; dados do 
Serviço de Estatística Educacional da Secretaria Geral de Educação registravu 
53,52% de reprovação no 1° ano, em 1936 ... 3 
Evidentemente, o problema da avaliação tem que ser encarado no contexto 
da educação escolar, que, por sua vez, precisa ser encarada no contexto social mais 
amplo. Num país em que, segundo dados da UNICEF (Relatório "Situação Mundial 
da Infância - 1991 "),morrem cerca de mil crianças menores de 4 anos por dia(!) em 
conseqüência de causas sociais, falar em avaliação escolar pode parecer secundá-
rio, face a desafios tão urgentes como a preservação da vida. Entretanto, entende-
mos que a luta pela libertação passa por muitas frentes , inclusive a educação esco-
lar. Nesta visão de totalidade é que gostaríamos de tratar, em sua especificidade, a 
problemática da avaliação escolar. 
Percebemos que o problema da Avaliação é muito sério e tem raízes profun-
das: não é problema de uma matéria, série, curso ou escola; é de todo um sistema 
educacional4, inserido num sistema social determinado, que impõe certos valores 
desumanos como o utilitarismo, a competição, o individualismo, o consumis1no, a 
alienação, a marginalização, valores estes que estão incorporados em práticas soci-
ais, cujos resultados colhemos em sala de aula, uma vez que funcionam como "fil-
tros" de reinterpretação do sentido da educação e da avaliação. 
l.É interessante analisar a ocorrência da reprovação em função da classe social: enquanto na rede privada o índice de 
reprovação na J • série do 1 •grau é de 5%. nn rede pública este índice chega a 50% (Cr. Maria Laura P .D. Franco, op. cir. p. 63). 
Na própria rede particular, seria intercss:mte annlisar que segmento social a reprovação atinge; não scriu o dos mais pobres? 
2.Ct'. IBGE, h1tlict1dores Sociais, vol. 3, p. 44 e ss. 
3.Cr. M.H.S. PA ITO, A Pr11duçiio do Fraca.r.<11 F.scolar, p. 1. 
4.Existe alé uma ciênc;ia criada especialmente parn estudar as provas. O> exames: a ''DOCIMOLOGIA" (do grego tlnkim; 
= prova). Cf. P. FOUI .QU!E, Dicionári11 dt1 Unguo P~dogágica. Lisboa. Livro~ Horh.ome, 1971, p. 126. 
l 
, 
1-LOGICA DO ABSURDO 
Teses sobre a avaliação pervertida ou 
sobre a perversão da avaliação 
Do Caos ao Cosmos 
No princípio era o caos. Um dia, o professor descobriu que podia man-
dar o aluno para fora da sala de aula, que a instituição cuidava de 
ameaçá-lo coni a expulsão. Mais tarde urri pouco, descobriu que tinha 
em mãos uma arma muito mais poderosa: a nota. Começa a usá-la, en-
tão, para conseguir a ordem no caos. O caos se fez cosmos, o maldito 
cosmos da nota ... 
A situação que vivemos hoje no sistema escolar em termos de avaliação é 
tão crítica, que gerou uma verdadeira lógica do absurdo. Vejamos algumas des-
tas "pérolas": 
1-Tern sua lógica a escola valorizar muito a nota e dar-lhe grande ênfase, 
pois, afinal, ela é o que de mais importante ali acontece. A escola precisa au-
mentar as exigências em relação às notas, para que os alunos a valorizem e estu-
dem mais ... 
2-Tem sua lógica a escola montar todo um clima de tensão em cima das 
provas, pois, afinal, na sociedade também é assim, e a escola tem mais é que 
adaptar o aluno ao mundo que está aí. .. (o que ninguém confessa é que logo mais 
a escola terá matérias do tipo: "Estudos Avançados em Corrupção III", "Semi-
nários de Exploração Alheia II", "Técnicas Contemporâneas de como Levar 
Vantagem em Tudo IV", etc.). 
3-Tem sua lógica a escola ceder às pressões dos pais e de muitos professo-
res no sentido de não mudar o sistema de avaliação, pois, afinal de contas, sem-
pre foi assim ... 
4-Tem sua lógica as escolas usarem o argumento da transferência dos alu-
nos como justificativa de não mudança de suas práticas, pois assim garante-se 
que nenhuma escola mude e se perpetue o sistema ... 
5-Tem sua Lógica o professor fazer toda uma super-valorização das notas, 
pois, caso contrário, não consegue do1ninar a classe. O professor não pode dar 
muita nota no começo do ano, senão perde o controle da turma ... 
16 Concepção Dialética-Libcnadora do Processo de Avaliação Escolar 
6-Tem sua lógica o aluno ir mal no 4° bimestre, tirando só a nota que pre-
cisa, pois está interessado em passar e não em aprender. Trata-se da Síndro1ne do 
4º Bimestre: "Não quero deixar pontos para a secretaria" ... 
7-Tem sua lógica o professor só valorizar a resposta certa, pois, na socie-
dade, é isto que importa. O professor respeitado por pais, alunos e direção, o 
bom professor, não é aquele que dá boa aula, mas aquele que é "durão" ... 
8-0 fato dos alunos terem "branco". medo, nervosismo, ansiedade, etc., 
etc., é tudo culpa deles (e das famílias), por não terem o hábito de estudar todo 
dia. A escola nada tem a ver com isto ... 
9-0s alunos ainda não perderam esta terrível mania de acreditar mais no 
que fazemos do que no que falamos. Nós falamos toda hora que o importante não 
é a nota e eles não acreditam, só porque, com relação a provas e notas, fazemos 
semanas especiais, dias especiais, horários especiais, papéis especiais, dificul-
dades especiais, comportamentos especiais, rituais especiais, conselhos especi-
ais, assinaturas especiais dos pais, datas especiais para enlrega, pedidos especi-
ais de revisão, legislação especial, reuniões especiais com professores e pais, 
caderneta especial, ameaças especiais através da nota, rotulações especiais em 
função da nota, tratamento especial para os alunos de acordo com as notas que 
tiram, etc. Tem sua lógica o aluno dar muita ênfase à nota, pois sabe que, no 
fundo, é ela que decide sua vida ... 
10-Tem sua lógica o aluno não estudar todo dia, na medida que nem per-
cebe essa necessidade, já que o professor vai transmitindo tudo tão direitinho, 
"dando" tão bem a matéria, o ponto, que ele tem a sensação que, de fato, está 
aprendendo ... 
, 
11-E muito comum a prova tipo "Amazona aestiva" (ave psitaciforme, da 
família dos psitacídeos, mais conhecida como Papagaio); também chamada pro-
va "bate e volta" (bate no aluno e volta para o professor). O professor faz per-
gunta para ouvir exatamente o que disse na aula. Tem sua lógica o aluno estudar 
na véspera da prova, na medida que comumente a prova é decorativa e, como se 
sabe, o que é decorado fica pouco tempo na memória ... 
12-Tem sua lógica os professores desejarem "Boa Sorte" na prova, já que 
freqüentemente as questões são irrelevantes e arbitrárias, sem contar as vezes 
em que esta expressão tem um sentido velado de vingança ... 
13-Tem sua lógica os alunos fazerem bagunça durante as aulas, para "se-
gurar" o professor que quer despejar novas matérias, pois assim há menos pontos 
para estudar para prova ... 
14-Muitas vezes, diante de provas que não exigem reflexão, mas apenas 
nomes, classificações, datas, locais, etc., a "cola" representa u1na forma de re-
sistência do aluno ... 
1 - Lógica do Absurdo 17 
15-Tem sua lógica os professores fazerem avaliação sem ouvir os alunos, 
afinal, é assim que eles também são avaliados por seus superiores ... 
16-Tem sua lógica o aluno adularo professor, na medida que, de modo 
geral, os professores não têm maturidade para ouvir uma crítica ... 
17-As classes populares queriam escola e o governo deu. Agora, são re-
provadas e se evadem, porque "não têm condições" de acompanhar o "nível" do 
ensino. Tem sua lógica o aluno evadir-se da escola, na medida que sente que não 
adianta continuar, uma vez que, tendo sido rotulado, estabeleceu-se sobre ele 
unia "profecia auto-realizante" de íracasso ... 
. 
18-Tem sua lógica o aluno pouco falar e pouco escrever, na medida que, 
segundo muitos professores, quanto mais se escreve, mais se pode errar ... 
19-Tem sua lógica os pais prepararem os filhos para as provas na base do 
"questionário", na medida que é isso que acaba caindo mesmo ... 
20-Tem sua lógica os pais engolirem os "sapos" da escola e dos professo-
res, pois saben1 que se reclamarem muito, os prejudicados serão os próprios fi-
lhos, e, além do mais, o que interessa mesmo é o diploma ... 
21-Tem sua lógica os filhos estarem preocupados em tirar nota para os 
pais, pois sabem que existe uma relação direta entre a nota e a qualidade do 
presente ou o tamanho da surra ... 
22-Tem sua lógica o professor fazer a a vali ação dos alunos apenas cm 
determinados momentos, de forma estanque, pois também é assim que está acos-
tumado a avaliar o seu trabalho e o da escola (quando muito, nas famosas "reuni-
ões bimestrais") ... 
23-Tem sua lógica o professor "distribuir" nota no final do ano, pois as-
sim não fica com alunos para recuperação, nem tem chateação com pais, alunos 
e escola por causa de eventuais reprovações ... 
24-A escola tem desempenhado bem o seu papel, pois recebe crianças cu-
riosas, vivas, alegres e em poucos anos consegue deixá-las indiferentes, obedi-
entes, desgostosas, passivas. Onde já se viu ter alunos fazendo aquelas desagra-
dáveis perguntas: qual o sentido do que estou aprendendo? Para que serve isto? 
Qual a importância disso para meu futuro? 
25-Seria melhor que voltasse a violência física na escola (palmatória, be-
liscão, joelho no milho, etc.), pois ao menos o aluno poderia se defender, já que 
a violência simbólica, psicológica é mais difícil de ser denunciada e enfrentada, 
na medida que suas marcas são mais sutis e proíundas ... 
18 Conccpç."ío Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escol 
26-Antes de mudar o sistema de avaliação a escola precisa pensar ben 
pois, se de fato ele melhorar, vai causar desemprego para muita gente que sobr< 
vive do estrago que a nola faz nos alunos: professores particulares, empresas d 
aula de reforço, clínicas de recuperação, psicólogos, psicopedagogos, etc ... 
27-Dizem que um certo ministro da educação, querendo entrar na históri 
de qualquer jeito, resolveu acabar com o sistema de notas e reprovação. Ante~ 
porém, de solicitar Medida Provisória, atendeu a inúmeros pedidos de seus a~ 
sessores, no sentido de que fosse feito um estudo da repercussão de tal medida n 
rede escolar. Diante do "Relatório de Impacto Ambiental", o ministro teve qu 
voltar atrás, pois percebeu que entraria para a história sim, mas como aquele qu 
desmoronou o sistema escolar, tal seria a desorientação e o desespero que a au 
sência de notas provocaria num sem-número de professores ... 
As afirmações anteriores são desconcertantes, 1nas lamentavelmenle, têr 
sua "lógica"; expressam, o grau de perversão a que chegou a situação de avalia 
ção no sistema escolar. E possível reverter essa situação? O que se pode fazer 
Nossa opção por uma educação libertadora, não nos permite a acomoda 
ção ou a simples acusação e o cruzar de braços. Como os profetas, temos o deve 
de denunciar, mas também anunciar, buscar alternativas, mesn10 que limitada 
num primeiro momento. Assim é que é necessário colocar a avaliação em ques 
tão, para poder transformá-la. 
• • 
OPRESSÃO 
ou 
L18EnlAÇÀ07 
t 
! 
- ~ 
11-QUESTAO METODOLOGICA 
"Quem tem ouvido para ouvir, ouça ... " 
Os proble1nas estão aí colocados. E daí? Dá para fazer alguma coisa? Os 
professores andam angustiados, pois tem se feito muita crítica à avaliação, te1n 
se dito muito o que não deve ser feito. "Tudo bem, mas o que fazer?" 
Um dos limites que se observa na formação dos professores é que na gra-
duação até que se tem dado uma concepção teórica adequada do que deve ser a 
avaliação: contínua, diagnóstica, abrangente, relacionada aos objetivos, etc. No 
entanto, por um lado, f ai ta a crítica à realidade concreta (a crítica genérica se 
faz: "as coisas vão mal"; trata-se mais de Jamúria do que propriamente de críti-
ca). Por outro lado, até como reflexo do anterior, faltam indicações de media-
ções ("teoria de meio-de-campo"), de formas de concretizar uma nova prática 
de avaliação; falta clareza do que fazer no lugar da antiga forma de avaliar. 
1-Possibilidade 
O que é necessário para a transformação da realidade? Antes de mais 
nada, é necessário o querer, o desejar, o compromisso efetivo, enfim a vontade 
política. Muitos sujeitos querem a mudança desde que não precisem mudar ... 
Mas, se queremos ter os pés no chão, isto não basta. Outra questão precisa ser 
colocada: é possível a transformação da avaliação escolar? 
A nosso ver, para enfrentar esta questão, precisamos estar atentos a fim de 
não cairmos em duas posturas equivocadas: 
-voluntarismo: achar que tudo é uma questão de boa vontade, que depende 
de cada um: "Se cada um fizer sua parte, o problema se resolve". 
-determinismo: achar que não dá para fazer nada, pois o proble1na é estru-
tural, é do sistema; enquanto não mudar o sistema, não adianta. 
Apesar dos enfoques diferentes, as duas acabam levando ao imobilismo; a se-
gunda obviamente; a primeira por passar a idéia que mudar é muito fácil: ao se 
tentar mudar, vêm as dificuldades, levando, em pouco tempo, à acomodação. 
Nossa opção é por um enfoque dialético: há necessidade de análise, para 
se saber as reais possibilidades de mudança, tendo-se em conta tanto as determi-
nações da realidaqe, quanto a força da ação consciente e voluntária da coletivi-
dade organizada. E o homem que faz a história, mas sob as condições que herdou 
e não que escolheu. Esta análise é muito importante para se saber o tamanho do 
problema; precisamos ganhar consciência que nossa luta não é inglória, porém é 
contra um inimigo muito, mas muito grande, uma vez que estamos nos defron-
tando com todo um quadro de organização da sociedade, que é ferrenhamente 
20 Conccpção Dialéúca-Libertadora do Processo de A vali ação Escolar 
defendido pela classe dominante e seus cooptados. Se não li vermos esta compre-
ensão, podemos não valorizar os pequenos passos possíveis de serem dados . 
2-Perspectiva do Trabalho 
Nosso trabalho se coloca numa dupla perspectiva: inicialmente, tentar 
despertar o querer mudar em todos, através de uma crítica ao problema, para 
possibilitar o desequilíbrio, o acordar, o aprofundamento da compreensão, a to-
mada de consciência da contradição; em seguida, a partir de um 
redirecionamento de perspectiva, oferecer alguns subsídios para orientar con-
cretamente os que querem realmente rnudar (os que estão abertos, os que estão 
dispostos a abrir mão do uso autoritário da avaliação). Para os que não querem, 
os subsídios· de nada valem, pois falta-lhes vontade política; estes, provavel-
mente, serão atingidos por outro desequilíbrio: a pressão grupal (colegas pro-
fessores, alunos, pais), que vão cobrar uma nova postura a partir de novas práti -
cas que estiverem realizando. 
Entendemos que a mudança não se dá de uma vez (tudo e já); vemos a 
necessidade de passos pequenos, assumidos coletivamente, mas concretos e na 
direção certa, desencadeando um processo de mudança com abrangência cres-
cente: sala de aula, escola, grupo de escolas, comunidade, sistema de ensino, 
sociedade civil, sistema político, etc., a partir da criação de uma base crítica 
entre educadores, alunos, pais, etc. Trata-se de uma luta da educação, mas arti-
culada a outras frentes e setores da sociedade: desde novas práticasna escola, 
passando por mudanças de legislação, até a construção de uma nova sociedade. 
3-Método de Trabalho 
Para o enfrentamento desta situação toda em torno da avaliação, em pri -
meiro lugar, é necessário compreender efeli vamente o problema, captar o movi-
mento do real em termos da avaliação na prática (o que de fato ocorre nas esco-
las). Por falta de análise crítica lemos visto muitos e muitos esforços de educa-
dores irem terra abaixo. Se a aparência do fenômeno coincidisse com a essência, 
não haveria necessidade da Ciência; ocorre, no entanto, que no dia a dia temos 
contato com a aparência, que mais esconde do que revela a essência da realida-
de, do problema. Te1nos que superar a "pseudo-concreticidade". Devemos com-
preender o problema para negá-lo dialeticamente, para transformá- lo. 
Qual o procedimento que devemos ter diante disto? 
Se desejamos de fato colaborar com o processo de transformação da rea 1 i-
dade da avaliação escolar, precisamos buscar um procedimento metodológico 
que nos ajude. A construção de u1n Método de trabalho possibilita evitar tanto o 
fechamento do grupo (como uma "ostra"), quanto a dependência (de algum 
"guru"), em direção à autonomia. Entendemos que uma metodologia de trabalho 
na perspectiva dialética-libertadora deve compreender os seguintes elementos: 
- Partir da Prática - ter a prática em que estamos inseridos como desafio para 
a transformação. 
( • 
• , 
r • 
II - Questão Metodológica 21 
- Refletir sobre a Prática - através da reflexão crítica e coletiva, buscar subsí-
dios, procurar conhecer como funciona a prática, quais são suas contradições, 
sua estrutura, suas leis de movimento, captar sua essência, para saber como 
atuar no sentido de sua transformação. 
- Transformar a Prática - atuar, coletiva e organizadamente, sobre a prática, 
procurando transformá-la na direção desejada. 
No que se refere à Reflexão sobre a prática, esta deve ser feita em três 
dimensões: 
-onde estamos (o que está sendo) 
-para onde queremos ir (como deveria ser) 
-o que fazer (o que fazer para vir-a-ser) 
-onde estamos: saber onde/como estamos, como chegamos aqui; passar da 
sensação de mal-estar para a compreensão concreta da realidade: entendemos 
que o que vai dar o concreto de pensamento é o estabelecimento de relações, a 
busca de captação do movimento do real; 
-para onde queremos ir: saber o que queremos com a avaliação (avaliar 
para quê?); saber o que buscamos com a educação escolar; dependendo de nossa 
concepção de educação, teremos diferentes atitudes diante do problema (da sim-
ples conivência -ajustes técnicos, mudança de nomes-, à transformação radi-
cal); 
-o que fazer: estabelecer um plano de ação. A busca de "solução" tem que 
ser coerente com nosso posicionamento educacional. Não há solução boa "em 
si" (ex: semana de prova - é uma solução ótima para determinada concepção de 
educação; no entanto é uma aberração para outra ... ). 
Isto através de um processo de construção de conhecimento a respeito da 
realidade em questão, que se dá num movimento de: 
-síncrese: percepção inicial do problema, ainda de forma confusa, desar-
ticulada; 
-análise: captação do movimento do real, sua relações. O problema da 
avaliação não pode ser compreendido "em si" (nenhum problen1a pode). Assim 
como não dá para entender o problema da avaliação "em si", não dá para buscar 
soluções "em si" do problema, desvinculadas de oulras frentes de atuação; 
-síntese: compreensão do real nas suas determinações, contradições, ten-
dências, espaços de autonomia relativa, espaços de possíveis ações conscientes 
e voluntárias dos agentes históricos. 
A pergunta do professor, como vimos, é muito clara: o que fazer? Mas 
não podemos ficar só aí (ex: colocar questões a mais , não fazer semana de pro-
va). A condição para que o fazer seja efetivo, é acreditar naquilo que se está 
fazendo, compreender aquilo dentro de um processo maior, como um passo ou 
uma estratégia de resistência dentro de uma luta ampla. Daí a importância da 
Análise e Projeção de Finalidade, pois vai dar sentido, significado, relevância 
• 
22 Concepção Dialética-Libertadora do Processo de A vali ação Escolai 
para a ação do professor. Se não compreende o sentido da ação dentro de uma 
perspecti va maior, pode achar pouco, fazer por um tempo e depois deixar de 
fazer, uma vez que no fundo não está convencido. A questão é essa: dar elemen-
tos para que o professor possa se convencer de que é necessário e possível fazer 
alguma coisa; só que não dá para fazer tudo e de uma vez; é um processo. Sua 
ação tem que ser carregada de sentido, não pode ser alienada. Poderíamos che-
gar e dizer ao professor o que fazer. No entanto, se fizermos isto, continua alie-
nado do processo, só que agora ao invés de seguir uma determinada tendência, 
vai seguir outra. Em nenhum caso se supera a alienação, não se constrói a auto-
non1ia. Ao contrário, o que queremos é fazer uma reflexão, dando subsídios para 
entender o problema e vislumbrar alguns princípios que possam orientar seu tra-
balho. A partir de então, pode não só fazer o que foi proposto, mas ir além, criar, 
desenvolver, pois captou a essência, a dinâmica do processo. 
O presente trabalho é apenas a proposta de um momento de reflexão sobre 
a prática, e certamente não terá repercussão no cotidiano da escola, se não hou-
ver uma tomada de decisão quanto às necessárias alterações no Processo de 
A vali ação e uma continuidade desse trabalho, seja da escola como um todo, dos 
cursos, das áreas ou mesmo das disciplinas. 
- ,, 
CONCEPÇAO DIALETICA-LIBERTADORA 
,.., 
DO PROCESSO DE AVALIAÇAO ESCOLAR 
1ª PARTE 
,, 
ANALISE DO PROBLEMA 
" . 
• 
• 
A História do Rato 
Romão disse a um ratinho que ia passando por perto dele: "Pare aí. Temos 
já de ir ao juiz. Quero te acusar". "Vamos", respondeu o ratinho. "A cons-
ciência de nada me acusa e saberei defender-me". "Muito bem", disse o 
gato. "Aqui estamos diante do senhor juiz". "Não o vejo", disse o ratinho. 
"O juiz sou eu", disse o gato. "E o júri?", perguntou o ratinho. "O júri 
também sou eu", disse o gato. "E o promotor?", perguntou o ratinho. "O 
promotor também sou eu". "Então você é tudo?", disse o ratinho. "Sim, 
porque sou o gato. Vou acusar você, julgar você, e co111er você". 
Lewis Carrol! 
III-ANÁLISE DO PROBLEMA 
• 
• 
1-0 problema da Avaliação Escolar 
Existe o problema da avaliação! Disto ninguém parece discordar; ao con-
trário, percebemos um amplo consenso quanto ao fato que a avaliação escolar é 
hoje um grande desafio. Este consenso, no entanto, começa a se desfazer quando 
parte-se para sua análise, na medida que existem diferentes compreensões do 
mesmo. 
Co1no podemos explicar o problema da avaliação? Como surge? Como se 
desenvolve? Como se mantém? Por que perdura há tanto tempo? 
Quando ouvirnos os professores a respeito do problema da avaliação, suas 
respostas norrnalmente apontam que o problema fundamental, decisivo da ava-
liação está 1) nos alunos: porque são desinteressados, imaturos, carentes, po-
bres, preguiçosos, por só pensarem em nota e por não estarem preocupados em 
aprender;5 2) nas famílias: mães trabalham fora, não acompanham filho, pais 
são analfabetos, alcoólatras, etc.6 Outras vezes, a questão apontada é de ordem 
técnica: como preparar um instrumento que possa medir adequadamente, como 
avaliar tal componente curricular, como dimensionar o tempo, que peso dar às 
notas bimestrais, estabelecer média 5 ou 7, usar nota ou conceito, como fazer o 
arredondamento dos décimos da nota, como formular bem as perguntas, fazer 
avaliação objetiva ou dissertativa, como corrigir os erros de português, etc.? 
Aponta-se ainda que o problema da avaliação está na estrutura: número de alu-
nos por sala de aula, núrnero de aulas que o professor tem que assumir para poder 
sobreviver, o sistema que exige e cobra notas, etc. Alguns professores, que já 
fizeran1 uma certa caminhada, levantam o proble1na de "co1no avaliar o aluno 
con10 um todo" ou ainda"corno ser justo na avaliação". 
5.Não é que se percebe o problema e não se toma nenhu1n3 providênci3; é que se entende que o problema é do aluno! !J 
6.Cf., por cxemrlo, COI.LARES, Cecília A.L. e MOYSES. Maria A.A. Diagn6~uco da mcdicali zação do processo 
ensino aprendizagem na l" série do J• grnu no município de Campinas, p. 15. 
26 Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Es ... 
A nosso ver, no entanto, estes são problemas aparcnlcs; não que não se.1 
problemas; são, e precisam inclusive ser equacionados no processo. Mas não ' 
os problemas de fundo, determinantes. Há necessidade de se desmascarar o 
nismo reinante, a "trama inconfessável" (Cf. Margot Ott, 1986) em torno da a· 
li ação escolar. Entendemos que o grande entrave da avaliação é o seu uso co~ 
instrumento de controle, de inculcação ideológica e de discriminação soei 
Para compreender como se concretiza o problema, vamos fazer a análise a par· 
de duas abordagens: umadeordemmacroestrutural (relação da avaliação com o sister 
social) e outra de ordem microestrutural (concretização dos determinantes nos e 
ferentes agentes), evidentemente extren1amente imbricadas uma na outra. 
Todos nós sabemos a dificuldade que a avaliação escolar apresenta e 
conseqüências drásticas que pode trazer para a educação: de um modo geral p 
demos dizer que praticamente houve uma inversão na sua lógica, ou seja, a ª' 
liação que deveria ser um acompanhamento do processo educacional, acabe 
tornando-se o objetivo deste processo, na prática dos alunos e da escola; é 
famoso "estudar para passar". 
O novo senso comum pedagógico dos professores parece aceitar a afirm .. 
ção de que a avaliação está ligada à "estrutura de poder da sociedade", "é coi ' 
do sistema". No entanto, diante da prática, questionamos até que ponto est .. 
~ão de fato compreendidas pelos educadores ou até que ponto não rc 
presentariam a repetição de um novo discurso "politicamente correto". Isto por 
que, de um lado, não se percebe clareza do que significa ser "coisa do sistema" e, pc: 
outro, o professor não percebe o seu próprio envolvimento com esta realidade. 
2-Análise do Problema na sua Totalidade 
Como se chega ao problema da avaliação? Ocorre na sala de aula, mas su~ 
base está no sistema de ensino, que corresponde a interesses de um determinadc 
sistema social. Temos que buscar esta perspectiva de totalidade. 
a)Percepção inicial do professor 
Normalmente, o professor mais aberto coloca a avaliação em questão e 
partir de um apelo de sua sensibilidade, quase que no nível ético: percebe o~ 
ai unos sofrendo, preocupados em demasia com a nota. Não tem idéia, no entan-
to, da dimensão do problema com que está se deparando; está se aproximando de 
um dos pontos centrais da concretização do autoritarismo no sistema escolar. O 
que ele observa no aluno é o resultado de uma complexa cadeia de relações de 
reprodução das estruturas dominantes (é apenas a ponta do iceberg). 
O professor, de modo geral, não tem consciência de que é mais um agente 
desse jogo de discriminação e dominação social. Faz simplesmente aquilo que 
"sempre foi feito" na escola, para o que, além do mais, recebeu os fundamentos 
na sua graduação. Não percebendo, inicialmente, a real diinensão do problema. 
sua procura é de técnicas mais apropriadas, para que, tanto ele como seus 
alunos , possam se sentir melhor em relação à avaliação. 
t 
l 
ill - Análise do Problema 27 
b )Resgate histórico 
Sabemos que a reprovação não é u1na coisa nova; tem-se notícias de exa-
mes há 2.205 a.C., quando o imperador chinês Shun "examinava seus oficiais a 
cada três anos, com o fim de os promover ou demitir''.7 No entanto, com o caráter 
que tem hoje, sua história é relativamente recente. Data da constituição da bur-
guesia enquanto classe. Neste processo, com a formação dos estados nacionais 
modernos, passam a ser organizados os sistemas nacionais de ensino. Como sa-
bemos, a história da educação está mal contada, pois o que se fez 
freqüentemente foi relatar as idéias de grandes pedagogos, desvinculadas das 
reais condições de existência. Evidentemente, a escola existia antes do capita-
lismo, mas seu papel r:nuda substancialment~ a partir daí, em função da forma-
ção da mão de obra para a indústria. Desde de seu desenvolvimento neste novo 
contexto, a escola padece de uma ambigüidade: de um lado, é necessária para 
dar certos rudimentos da cultura, e principalmente co1no fator disciplinador, 
preparando a docilidade do futuro trabalhador; de outro, ao fornecer elementos 
da cultura corre o risco de formar pessoas mais conscientes e questionadoras. 
Enquanto classe revolucionária, a verdade interessava à burguesia, pois como 
afirma Hegel: "a verdade é revolucionária". Depois que ascende ao poder, não 
há interesse em propagá-la: passa ser propriedade particular, colocada à serviço 
da acumulação. Donde a fórmula: conhecimento sim, mas em doses homeopáti-
cas ... De fato, mais do que capacitar tecnicamente as classes populares para o 
trabalho, a grande finalidade da escola foi a de disciplinadora, ajudando apre-
parar o sujeito para a ordem, o ritmo, o controle, a hierarquia,8 o trabalho para o 
outro, características da indústria. A religião conseguia a submissão passiva; no 
entanto, do operário se espera a submissão ativa, envolvendo sua vontade. Con-
cretamente, ao contrário dos discursos oficiais, o objetivo da escola não era a 
. -instruçao. 
Mas por que se submeter à escola? Aí entra o n1ito da ascensão social, a 
ideologia da doutrina liberal: igualdade de oportunidades. O valor da escola 
passa a não estar nela mesma, mas na recompensa que, supõe-se, haverá depois. 
"Carente os alunos de 1notivos intrínsecos, dada sua impotência frente 
à seleção de seus fins e a determinação de seus processos, a escola -
juntamente com a poupança e o trabalho- representa o paradigma deste 
lugar comurn da ética protestante e da chamada moral vitoriana que é o 
adiamento das gratificações". 9 
Se todos "chegassem lá", obviamente o mito se desmontaria, pois não ha-
veria como "reco1npensar" a todos, já que o princípio básico é o da concentra-
ção; passa a acontecer, então, a reprovação, como decorrência "natural" das "di-
7. L. DEPRESBITERIS, O Desafia da Avaliação da Aprendiwgcm, p. 5. 
8. Cf.M.F. ENGUITA, A Face Oculra da Escola, p. 113 e ss. 
9. Cf.M.F. ENGUITA, op. cit., p. 179. 
28 Conccpção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar 
ferenças índividuais", cada sujeito sendo, portanto, responsável pelo seu fracas-
• • • so, Jª que outros conseguiram ... 
c)Papel Político da A valiação1º 
Sempre que se observa a organização da sociedade, não deixa de vir. à tona 
uma questão crucial: como é possível tão poucos dominarem a tantos?'' E claro 
que a resposta a essa pergunta demanda profundas análises, 1nas é certo também 
que podemos aí encontrar reflexos da avaliação escolar. A classe dominante, 
para a manutenção do status quo, prccísa contar com um certo consenso junto às 
classes dominadas (é muito desgastante e improdutivo ficar usando o aparelho 
de repressão-a toda hora). Para isto, lança mão da inculcação ideológica. Este 
processo visa que cada um se conforme com seu lugar na sociedade, pelo "reco-
hhecímento" de sua desvalia, de sua incompetência (com justificativas "cientí-
ficas", inclusive). Essa cooptação ideológica é terrível, pois interiorizá-se no 
sujeito, sem que ele se dê conta e, dessa forma, acaba levando a que apóie e 
colabore com seu domínador. Evidentemente, se o sujeito não tem consciência 
de sua dignidade, de seu valor, de seus direitos, se sente-se culpado, inferior, 
como pode ter ânimo para a luta? 
"O papel da escola, a função real e oculla que lhe é destinada, é preci-
samente esta: a partir dos fracassos escolares dos desfavorecidos, 
mergulhá-los na humilhação para que não renunciem a uma atitude de 
humildade". 12 
A avaliação esco1ar colabora com este processo de dominação, ajudando 
a for1nar um autoconceito negativo (incapaz, problemático,ignorante, etc.), 
desde a mais tenra idade, em milhões e milhões de crianças, jovens e adultos, 
especialmente das camadas populares, que têm o "privilégio" de passar pelos 
bancos escolares. 
O problema central da avaliação, portanto, é o seu uso como instrumento 
de discriminação e seleção social, na medida que assume, no âmbito da escola, a 
tarefa de separar os "aptos" dos "inaptos", os "capazes" dos "incapazes". Além 
disso cumpre a função de legitimar o sistema dominante: 
-junto aos "aptos": convidando-os a fazer parte, a tomarem seus "justos" 
lugares; 
-junto aos "inaptos": impingindo-lhes ainculcação, a domesticação, convencen-
do-os de que são incapazes e por isso "merecem" o lugar que têm na sociedade. 
O papel da ideologia burguesa é lançar a todos o convite, a sedução de 
chegar lá e convencer a quem "eventualmente" não chegar (ou seja, as grandes 
10. Por político enieodemos as relações de exercício de poder, que se dão na convivência dos homens (Cf. Polis. Cidade-
Estado grega). Não confundi! com poütica partidária. 
11.Cf. Etiennc La BOETIE, Discurso da Servidão Voluntária. São Paulo, Brasi licnse, 1982. 
12. G. SNYDERS, Escola, Classe e lutu de Classes, p. 71. 
• • 
r 
1 
m - Análise do Problema 29 
massas) de que, se não chegou, foí por sua própria responsabílídade ("Sou meío 
fraco das idéia"). 13 
"A avaliação, sob utna falsa aparência de neutralidade e de objetivida-
de, é o instrumento por excelência de que lança mão o siste1na de ensino 
para o controle das oportunidades educacionais e para a dissimulação 
das desigualdades sociais, que ela oculta sob a fantasia do dom natural 
e do 1nérito individuahnente conquistado" .14 
Não podemos, entretanto, cair no erro de considerar que a escola é ares-
ponsável pela organização social; na verdade, a escola apenas reforça e 
realimenta toda uma organização já exístente -da qual ela não é a origem nem a 
causa principal-, que tem uma base materíal muito concreta. Basta lembrar da 
"pedagogia do cotidiano" do trabalhador: pouco tempo de descanso, má alimen-
tação, ônibus superlotado, baixos salários, acidentes de trabalho, desemprego, 
hierarquia, burocracia, etc. 
Há urna base sócio-político-econômico-cultural dada na sociedade de 
classes. Esta é a raíz princípal do problema. A classe dominante utiliza de todos 
os meíos e instituições para se reproduzir e perpetuar, inclusive da escola. A 
escola ajuda este processo de discriminação social que deve necessariamente 
haver na sociedade capitalista, já que pela sua lógica, não é possível que todos 
cheguem lá (ex.: quantos Silvios Santos o Brasil comporta?). 
O caráter político da avaliação se traduz concretamente na possíbilidade 
de reprovação do aluno. A avaliação não seria este "bicho de sete cabeças", se 
não houvesse o respaldo legal para a reprovação 15 do ai uno por parte do profes-
sor. Objeti vamcnte, no sistema educacíonal, a avaliação é hoje o instrumento de 
controle oficial, o "selo" do sistema, o respaldo legal para a reprovação/aprova-
ção, para o certificado, para o diploma, para a matrícula, etc . 
./ Nota se tornou mais importante que aprendizagem 
/ (para alunos, professores, pais, escola, etc.) 
Problema aparente =perceptível (não que não seja real; é real, só que não é 
essencial) 
Problema essencial 
~Avaliação como instrumento de discriminação e seleção social 
Esquema: Problema Aparente x Problema Essencial 
13."Não dou para os escudo": "Tenho cabeça dura":"Eu tenho o miolo mole", etc. 
14.Magda B. SOARES, in lntroduçao à Psicologia E.rcoltir, p. 53. 
15.Qual o sentido da reprovaç5o? Quando um aluno deveria ser reprovado? Em pri ncf pio, a reprovação seria um instrumento 
de que dispõe a escola/professor para nno permitir o avanço de um aluno sem condições de continuidade do estudo cm graus mai< 
elevados. No entanto. a reprovação. que deveria ser uma exceção, acaba se transformando cm regra. Por outro lado,poderfamos 
questionar: é o aluno que está sem condições ou a escola que não lhe deu as condiçõe.1 necessárias? Ver anel(O sobre reprovação. 
30 Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Esc0 
A partir de uma análise mais profunda, faz-se, pois, essa descoberta 
avaliação escolar não é só avaliação! De instrumento de análise do proces~ 
educacional, a avaliação tornou-se instrumento de dorni nação, de controle, 16 e 
seleção social, de discriminação, de repressão, adquirindo até um carátt 
passional de vingança, de "acerto de contas". 
3-Mediação entre o problema geral e o particular 
a)Como se concretiza em sala de aula? 
Vhnos que o problema da avaliação é de todo o siste1na de ensino. Precisa 
mos, no entanto, responder a uma questão fundamental: como é que ocorre _ 
mediação desse problema numa realidade específica, ou seja, como se concreti· 
za essa determinação geral em cada caso particular, em cada escola, err 
cada sala de aula? Trata-se de uma análise difícil de ser feita, pois envolve 
diretamente os agentes da educação: pais, alunos das séries mais adiantada~ 
diretores, coordenadores, supervisores, delegados de ensino, inspetores de alu 
nos, e, em especial, os professores. Se não, vejamos: 
-Será que o sistema ten1 "agentes" infiltrados nas escolas, de tal form~ 
que, enquanto os educadores trabalham numa linha emancipatória, esses agen-
tes interferem no processo, dando ênfase e colocando medo nos alunos no que se 
refere à avaliação?17 
-Será que já há transmissão genética do problema, de geração para geração? 
-Ou será que esta distorção acontece em cada escola, em cada sala de aula 
a partir de práticas concretas com a mediação inclusive dos educadores, tenhair 
ou não eles consciência disso? 18 
Temos que ganhar clareza com relação a este fato, sob pena de ficarmos 
nos enganando e fazendo o jogo do "empurra-empurra'', tão comum na cultura 
brasileira (ninguém é responsável por nada, o que um faz é decorrência do que o 
outro faz). 
b)Gênese e desenvolvimento do problema 
Vejamos como se manifesta o problema na prática da escola. 
No começo, é tudo novidade e tudo não passa de uma brincadeira, sem 
maiores com pi icações: é uma gracinha ver aqueles toquinhos de gente já fazen-
do provas como os mais velhos ... Muitas vezes, as crianças fazem as provas e 
nem têm noção, não sabem que estão sendo avaliadas. Com o tempo, os pais. 
apreensivos em função das experiências anteriores, passam a questionar a esco-
la a respeito das datas das provas. Para evitar faltas nos dias de prova, passa-se a 
16."Sc a gente deixa.~sc livre. a escola ficaria vazia o uno inteiro". 
17.Existiria o "Centro Nacional de Treinamento em Oisiorçlío da Avaliaç~o"? Na verdade, todos nó~ podemos •crestes 
"agente!-.·· ... 
18.Não se trJta de "herança genética", ma> de herança cuhuraL 
, 
l 
1 
r 
III - Análise do Problema 31 
avisar a família, que se sente toda orgulhosa de ver seu filho já passando por 
esses rituais. A própria criança quer fazer prova para se igualar ao irmão ou 
colega mais adiantado, sentindo-se toda importante. Os aluninhos, por curiosi-
dade, passam a perguntar aos coleguinhas quanto tiraram. E assim vai. .. Tudo 
começa tão inocentemente, que mais tarde os professores, perplexos, não conse-
guem entender o que foi que houve, pois, dessa pequena brincadeira, chega-se à 
grande distorção do ensino: estudar para tirar nota e não para aprender! 
c)Contradições do sistema educacional 
Para uma melhor compreensão do problema, é necessário levarmos em 
conta o contexto maior, marcado por contradições sociais: 
-mudança no quadro de valores da sociedade: crescimento da licenciosi-
dade, queda da "autoridade natural" do pai, do padre, do patrão, do político e 
tarnbém do professor; 
-diminuição da motivação pelo estudo: desvalorização progressiva da es-
cola enquanto instrumento de ascensão social; 
-inadequação curricular: distância cultural-ideológica daquilo que é pro-
posto na escola e a realidade da maioria dos alunos, oriundos das camadas popu-
lares; conteúdos desvinculados darealidade; 
-não alteração da metodologia de trabalho em sala de aula: metodologia 
passiva, "blá-blá-blante"; 
-situação do professor: má fo rmação, baixa remuneração, carga excessiva de 
trabalho· , 
-situação da escola: super-lotação das classes, falta de instalações e equipamen-
tos, falta de projeto educativo, falta de espaço de reuniões pedagógicas, etc. 
d)A participação do professor 
Na análise microestrutural, vamos nos deter no papel do professor. Sabe-
mos que este percurso é um tanto delicado, por envolver uma figura "acitna de 
qualquer suspeita", mas o consideramos necessário. 
Nesta abordagem não queremos cair na armadilha de considerar o profes-
sor como vilão (por ser o único responsável pela fracasso da criança) ou vítin1a (por 
impossibilidade de fazer algo em função das deter1ninações estruturais). Entendemos 
que o professor, como qualquer agente social, está perpassado por contradições. 
"Por um lado, ele é a autoridade na sala de aula e, portanto, goza de 
certa liberdade para 'fazer o que quiser'; neste sentido, o professor é o 
responsável pelo sucesso ou fracasso de seus alunos. Por outro, esse 
'querer' está transpassado por determinantes presentes (regras 
estabelecidas pelo sistema escolar, as quais deve seguir em sua prática 
pedagógica) e passados (história pessoal e formação profissional)". 19 
19.L. FREITAS, A produção de lgnor{mc:ia na Escola, p. 110. 
32 Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escol ... 
A grande questão que se coloca é como vai dar conta dessa contradição 
cm que direção vai procurar a superação. Reconhecer suas 1 imitações pode pare-
cer muito ameaçador para o professor, dificultando o fluxo de emergência d .. 
consciência (fixação afetiva). Isto porque lhe falta u1na perspectiva de totalida-
de, onde compreenderia que a falha não é só dele e não é por causa dele. A idéia 
corrente que se passa é que as coisas estão normais, sempre foram assim, atribu-
indo-se a culpa às carências das crianças e não ao sistema educacional. 
Como vimos, normalmente, o professor percebe apenas a manifestação 
mais imediata do problema da avaliação, mas não conseque captar suas causas 
mais profundas. Falta-lhe compreender as causas determinantes desta situação. 
e especialmente sua participação neste processo. 
Vamos enfrentar um pouco esta questão: até que ponto o professor partici -
pa desta distorção da avaliação? até que ponto ele não é o "elo" fundamental 
entre "o sistema" e o aluno? Não se trata de acusar ninguém individualmente 
não se trata de julgamento moral (até porque freqüente1nente a ação não é cons-
ciente, decidida, voluntária), n1as sim de uma análi se sociológica para compre-
ender o papel desempenhado pelo professor. 
"O problerna rnais crucial está no lado do professor, inabilitado forrna 
e politicamente para exercer sua funç<lo, não por culpa, mas por ser 
vítitna de um processo adestrador defasado e apenas reprodutivo". 20 
Há uma engrenagem social que envolve a todos, de tal forma que não há 
necessidade de se tomar posição pela reprodução - basta não decidir pelo contrá-
rio e lutar fortemente. Trata-se, isto sim, de procurar explicar objetivamente 
como se dá o proble1na. Não queremos dizer que os professores são os únicos 
responsáveis pelo problema da avaliação. A determinação desse problema. 
como foi apontada, é mais gera l (de ordem política/econômica). No entanto. 
existe um fato concreto: com maior ou menor intensidade, com maior ou menor 
consciência, os professores têm colaborado para a reprodução da avaliação atu-
al. Queremos ver em que medida os professores são envolvidos neste esquema, 
para que possam lutar pela sua superação. , 
E claro que neste processo de distorção os professores não estão absoluta-
mente sozinhos, contando, por exemplo, con1 n1uito apoio dos pais (que muitas 
vezes são os prin1eiros a chantagear ou a aterrorizar os filhos con1 a nota),21dos 
diretores22 e supervisores (que freqüentemente dificultam as 1nudanças da prá-
tica),23 do sistema de ensino (que dificulta a transformação de uma escola, dis-
semina o medo de eventuais transferências e o que isto pode significar para os 
alunos, favorecendo que nada mude), do sistema de vestibular (que serve de 
20.P. DE~10, in Estudos ~m Aw1/iaçü11 Ed11carinnal, p. 23. 
21.i\lguns pais chegam afinnar: "E'~' escola nao presta, pois não dá prova''. 
22.0 que o professor recebe da "'coh1'. upoio pedagógico? Não, fiscalização: se veio ou \é foliou. se chegou no hornrio, i;e 
ussmou livro. se preencheu corrcmmeme o diário, ccc. Corno pode educar para a au1onomi<1. se é submetido o ccmpo todo ao 
controle, a desconfiança'/ 
23.É impressionance o medo do> cducudorcs cm termo' ele eventuais processos que f>O'"'"' ser feitos contra eles pelos pais 
eu fa ltu de upoio que podem vir a ccr por parte dn delegacia de ensino. Isto funciona como focor de rcsiscência à mudanç<i. 
ílT - Análise do Proble1na 33 
álibi para a reprodução, para o imobilis1no). Se, de um lado, o fato de apontar-
mos para as responsabilidades dos educadores pode ser algo que pese, por outro, 
significa que efetivamente têm um poder de mudança em mãos-limitado, mas 
real-, que, articulado com outras frentes de luta, pode levar a uma transformação 
da prática educacional, na direção de urn ensino de melhor qualidade e mais 
democrático. O limite, se assumido conscientemente, é também força de uma 
mudança que deve ser ensaiada desde a base. 
-Processo de alienação 
Um sério propl~_ma que afeta os educadores em geral é a distância entre a 
teoria e a prática, ou n1ais do que a distância, a não percepção ou a não 
tematização desta distância, o que os deixa sem instru1nentos de intervenção na 
realidade. Dá-se uma visão idealista, muito otimista, de que transformar a reali -
dade não é tão complicado assim. Com a avaliação não é diferente. 
De um modo geral, qualquer ser humano, quando julga suas atitudes no 
"tribunal de sua consciência" é absolvi do. Por isto, se queremos, de fato enfren-
tar o problema, temos que ir além das representações que os homens fazem para 
si mesmos; temos que ir para suas práticas, e mais do isto, temos que ver como os 
outros percebe1n suas práticas, para ajudar o processo de tomada de consciência, 
pela percepção da contradição entre seu discurso e sua prática. Neste campo há, 
pois uma grande ingenuidade; é comum ouvirmos das pessoas que elas fazem o 
que desejam, ou que não fazem o que não desejam. Sociologicamente falando há 
aqui un1a ingenuidade pelo fato de não se perceber a determinação da consciên-
cia pelas condições de existência. Esta determinação, é importante ressai tar, 
não é mecânica, não é toda poderosa, mas pode vir a ser se o indivíduo/classe 
não readiquire seu papel de sujeito, se não começa conscientemente a buscar 
assumir os seus atos e as rédeas de seu destino. O mundo não está parado, espe-
rando que o indivíduo decida para onde quer ir; o mundo tem uma dinâmica pró-
pria, dada pelo conjunto das relações sociais; diante dela, o sujeito deve se 
posicionar e lutar, e muito, se quer algo diferente, se deseja participar de uma 
perspectiva de transformação. Tudo isto para dizer que o professor não faz só o 
que deseja, ou melhor dizendo, não faz só aquilo que seu horizonte imediato de 
consciência lhe diz. Ele participa de um processo de alienação imposta a todo 
cidadão, uma vez que não domina mais nem o processo, nein o produto do pró-
prio trabalho. Está subn1etido à hierarquia do sistema educacional. Quando che-
ga à escola, já há todo uni clima, todo um cenário preparado, esperando que ele 
desen1penhe determinado papel; se ele assim o faz, tudo corre be1n; se tenta 
n1udar, co1neça sentir pressões, resistências. 
Aqui percebemos um agravante: o professor pelo fato de não ter intenção 
de distorcer a avaliação, acha que está isento do perigo de efetivamente, pela 
sua prática, estar colaborando para isto. Se a avaliação fosse o que os 1nuitos 
professores dizem que é, não haveria problema algum ...Precisan1os ser ajuda-
dos a ver o que realmente ela é, independente de nossa consciência ou vontade. 
A superação dessa distância entre concepção/realidade efetiva pode ser feita 
34 Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar 
por um exercício de análise crítica da prática, tanto individual como coletiva-
mente (com os companheiros de trabalho, bem como com os alunos). Diante 
deste fato, tomando consciência, pode se posicionar: deixar as coisas como es-
tão (afinal sempre foi assim, não vai adiantar mesmo, uma andorinha não faz 
verão) ou querer construir algo novo. 
-Como o professor participa da distorção do sentido da avaliação? 
O professor participa da distorção da avaliação: 
-num primeiro nível: dando destaque a ela, usando-a como instrumento de 
pressão, de controle do comportamento dos alunos; 
-num nível mais profundo: usando a avaliação -a reprovação- como ins-
trumento de discriminação social: para "selecionar" os alunos que tem "capaci-
dade". 24 
Ocorre que a primeira forn1a de distorção só tem força cm função da se-
gunda, que é decisiva; se não houvesse reprovação, o professor não teria como 
pressionar o aluno com a nota ... Portanto, a primeira forma de distorção é a ante-
sala da segunda, que como sabemos tem sido sisten1aticamente utilizada pelos 
professores (basta ver o inacreditável índice de 50% de reprovação naa 1 ªsérie 
do primeiro grau -média nacional dos últimos 50 anos). 
E por que o professor chega a isto? A nosso ver, por algumas grandes ra-
-zoes: 
• 
A-Por necessidade 
i)Proposta de trabalho não apropriada para os alunos. 
-Génese da necessidade de controle por parte do professor 
O professor tem uma tarefa a cumprir que lhe foi atribuída pelo conjunto 
da sociedade, com a mediação da escola, e para a qual está "habi 1 i ta do e autori-
zado", na medida que recebeu um diploma. Normalmente, esta tarefa está defi-
nida muito mais em função de uma tradição, do que de um projeto educativo 
(fundamentação pedagógica, psicológica, política, sociológica, filosófica). Em 
razão de sua formação deficitária, o professor não tem domínio de como o aluno 
se desenvolve, de como aprende, de qual o sentido último de seu trabalho. No 
entanto, quer cumprir sua tarefa e considera, por um lado, que ela é relevante 
(mesmo que o aluno não entenda no momento) e, por outro lado, que está bem 
preparado (afinal, conseguiu o certificado a duras penas). Acontece que os alu-
nos "não sabem" disto, ou seja, não vêem significado e nem se sentem mobiliza-
dos com aquilo que o professor propõe. 
-Redescoberta da nota como instrumento de coerção 
Tem-se, portanto, um quadro drarnático: de um lado, o professor cheio de 
24.0 pupcl do professor parece ser o de identificar quem ttm n capacidade ··imanente". "nutural"' de uprender, e 
evidentemente separar o~ que não têm .. 
III - Análise do Problema 35 
t boas intenções, mas mal preparado e com uma proposta equivocada; de outro 
lado, o conjunto dos alunos, que não têm consciência do que estão fazendo ali e 
não percebem o sentido daquilo que está acontecendo. Evidentemente, a situa-
ção é explosiva; os alunos das séries iniciais até que aceitam, 1nas o problema 
vai se complicando nas séries seguintes. O professor se vê desorientado diante 
de uma turma que rejeita aquilo que tem a oferecer. Reflete, então: o erro não 
está naquilo que está oferecendo; o erro não está nele; logo, o erro só pode estar 
nos alunos -que são desinteressados, sem base, dispersos, indisciplinados, cada 
vez mais 1nal-educados, irresponsáveis, etc. -. 
• 
f 
• 
Se é assim, o que pode fazer para conseguir superar a rejeição e ter clima 
para desenvolver o tr,abalho? Neste difícil momento redescobre25 o recurso à 
coerção da notai Passei.usar a avaliação para garantir a autoridade. 
Ao invés de ir fundo no problema (relação escola-sociedade, processo de 
construção do conhecimento), toma o caminho que lhe parece mais fácil e efi-
caz: a ameaça da nota. Vai tentar. reprimir as consequências sem tocar nas 
causas ... Na verdade, não elimina o problema, apenas o sufoca. O professor 
acha que exigindo nota, ameaçando com a nota, vai levar o aluno a se interessar, 
a se envolver mais com as aulas. O argumento de que a avaliação serve para 
"motivar" o aluno precisa ser bem analisado. De um lado, a avaliação pode ter 
um sentido positivo na medida que o aluno tenha oportunidade de ver o seu cres-
cimento e se animar a continuar. Por outro lado, achar que o aluno vai estudar 
para não ir mal -como de fato acontece- significa uma distorção no sentido da 
avaliação, já que há uma predominância do medo, o que não é formativo . 
"Achar que a nota é um estímulo para aprendizagem ou é ingenuidade 
ou é mal disfarçada defesa ideológica de uma postura autoritária".26 
Trata-se de um típico caso de confusão entre conseqüência e causa. O que 
de fato ocorre é que o professor e condiciona o aluno ase comportar de determi-
nada rnaneira, sob a mira de sua arma. 
ii)Alunos condicionados 
O professor pode ainda sentir esta necessiqade de usar a nota como instru-
mento de pressão a partir de urna outra situação. E o caso de quando tem uma boa 
proposta de trabalho, mas os alunos já estão condicionados, deformados pela 
ênfase à nota, ou seja, só se mobi lizarn, só "ficam quietos", quando são ameaça-
dos, pressionados pela nota (ex: os próprios alunos, diante da indisciplina dos 
colegas, mandam: "Tira ponto, professor!"). Nesta circunstância, a responsabi-
lidade não é daquele professor, mas de seus colegas anteriores , que levaram os 
alunos a tal condicionamento. Se quiser mudar, o professor terá que assumir 
uma luta inicial até conseguir desalienar os alunos deste tipo de relação com o 
25.Pois muitos já o fizeram antes dele. 
26.R.M. Ff.F.UKI, RcvisttJ de Educaç<io AEC (60) , p. 53. 
36 Concepção Dialélica-Libenadora do Processo de Avaliação Escolz. 
conhecimento e com a nota; dependendo da série, este trabalho pode te• 
pouquíssimos resultados, tal a deformação assimilada. 
B-Por ingenuidade 
Existe um outro caminho que pode ser trilhado na prática da deformação 
do papel da avaliação. Alguns educadores não sentem necessidade de utilizar a 
nota como instrumento de coerção, seja porque já realizaram uma mudança 
substancial na sua forma de trabalho em sala de aula, seja porque não senten: 
ainda a rejeição por parte dos alunos;27 no entanto, sem se darem conta do pape. 
autoritário que a avaliação desempenha no sistema de ensino, acabam mantendo 
o mesmo esquema de ênfase à avaliação: seguem a regra, fazem o que a escola 
pede, fazem o que seus companheiros fazem (não percebendo a necessidade de 
mudar). Falta-lhes a compreensão do que seria a avaliação numa perspectiva 
e1nancipatória, transformadora. Dessa maneira, introduzem ou mantém a defor-
mação no sentido da avaliação; o professor não decidiu dar ênfase à avaliação. 
fazer uso autoritário da avaliação, mas faz. Apesar de terem origem num "autoritarismo 
ingênuo", os resultados na formação do aluno são também funestos. 
No íntimo, o educador sente que não era bem isto que gostaria de fazer. 
mas, afinal, "o caminho deve ser este, já que é tão comum entre os colegas'' 
Procura, então, uma justificativa para tal atitude e a encontra e no "sistema". 
Quando não, afirma laconicamente: "a avaliação é um mal necessário!". 28 
C-Por convicção 
Por achar que a vida é cheia de momentos de tensão29 e que a escola tem 
que propiciar estes momentos para preparar para vida.30 Nesta linha, um dos 
argumentos mais fortes costuma ser a "preparação para o Vestibular": o aluno 
tem que se acostumar ao clima de tensão do vestibular; o tipo de avaliação que o 
vestibular exige tem que ser dado pela escola. Não se percebe que se prepara 
muito melhor para o vestibular investindo-se na formação integral do educando. 
Por outro lado, entende-se que há a necessidade de se fazer uma seleção 
social: nem todos tem condições de prosseguir! Cabe à escola, e em particular ao 
professor, identificarestes inaptos. Criam-se mitos para justificar a nota baixa, 
a reprovação: falta de capital cultural, desnutrição, dificuldades lingüísticas, 
deficiências físicas e mentais, problen1as fono-audiológicos, dificuldades 
psico-motoras, falta de interesse e estímulo das famílias, etc. 
Como afirma Paulo Freire, uma das coisas que a academia (e a sociedade) 
ensina ao professor é detestar o cheiro do pobre, considerá-lo incompetente, 
incapaz, indolente por natureza. Ora, a educação tem como fundamento justa-
27 Es1a situação é mais comum nas ~ries iniciais. 
28.Cf. J.M. Monarca PINHEIRO, A Ncuro~e da /\valiação, ln Jornal da 1'd11caçü<1. l..1>boa. ano VI. n. 72. dez. 
1983. p. 28. 
29.Mais à freme analisaremos es1e nrgumemo. 
30.Alguns chegam a afirmar categoricmncnlc que o homem só produz algo na ba.\c du prcS\ão mesmo ... 
• 
111 - Análise do Problema 37 
• mente a esperança na possibilidade de mudança do outro; se não há esta esperan-
ça por parte do professor, como pode educar? (vejam-se as "profecias auto-
realizantes" de fracasso). 
O professor mal formado, mal remunerado, desvalorizado socialmente, 
descarrega suas mágoas em quem está mais próximo: os "seus" alunos, em espe-
cial naqueles que "não vão bem". O problema está justamente aqui, pois o 
"amor", a "atenção", a "dedicação", o "respeito" que dedica a outros educandos 
serve de álibi para mascarar seu desprezo, seu preconceito para com estes que 
considera "perdidos". Ora, justamente estes é que precisam de sua ajuda; sabe-
mos que muitos alunos -das classes mais abastadas especialmente- desenvol-
vem-se "apesar da escola", ou seja, não precisam essencialmente da escola para 
seu crescimento intelectual. 
D-Por comodidade 
O professor pode distorler a avaliação por não querer "sarna para seco-
çar": "não vamos inventar moda"; ao se querer mudar, haverá necessidade de se 
mexer com muita coisa, o que vai dar muito trabalho e, afinal, "eu não ganho 
para isto". 
E-Por pressão 
Neste caso, já se iniciou uma tomada de consciência por parte do professor, mas 
está sendo cobrado pela instituição ou pelos colegas a fazer a avaliação de cunho 
tradicional. Pode ainda sentir-se pressionado pelo vestibular, pelos pais ou até 
pelos alunos. 
-Conclusão 
Por tudo isto, a aula passa a girar não em torno da preocupação com a 
formação e construção do conhecimento do aluno, mas sim em torno da preocu-
pação com a prova: "Olhem, prestem atenção, isto vai cair na prova". Os profes-
sores costumam reclamar que os alunos só pensam em nota, mas esquecem-se 
que a própria escola, que eles mesmos formaram o aluno assim ... 
A prática da avaliação escolar chega a um grau assustador de pressão so-
bre os alunos, levando a distúrbios físicos e emocionais: mal estar, dor de cabe-
ça, "branco", tensão, medo, angústia, insônia, pesadelo, vergonha, trans-
piração, enjôo, ansiedade, diurese, nervoso, confusão, esquecimento, preocu-
pação, "frio na barriga", decepção, introjeção de auto-imagem negativa, etc.31 
Uma escola que precisa recorrer à pressão da nota logo nas séries iniciais, 
é, certamente, uma triste escola e não está educando; é uma escola fracassada ... 
31 .Para perceber melhor a pressão que o nluno sente. o professor deve lembrar da prc.~slio que sente quando chega o fim 
do ano, na escola partjcu.lar, e o diretor vai decidir sobre sua "aprovação" ou "reprovação" ... 
• 
38 Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar 
Nossa ênfase ao papel do professor, insistimos, não vem do fato de 
considerá-lo o grande responsável, mas da perspecLiva de que possa haver o 
crescimento do grau de consciência e o assumir do seu papel de agenle histórico 
de transformação (articulado a outras frentes de luta). 
e)Localização do problema da Avaliação no campo Pedagógico 
O problema da avaliação é complexo, pois tem um duplo rebatimento, 
uma dupla ocultação, havendo uma particular dificuldade na captação da sua 
essência, pois é muito comum aqui confundir-se conseqüência com causa. Pri-
meiro, aparece como um problema técnico, quando na verdade é, antes de tudo, 
problema político; segundo, aparece co1no causa de outros problemas pedagógi-
cos, quando é, na verdade, conseqüência do problema da inadequação 
metodológica em sala de aula. Esvaziada de sua utilização autoritária (uso polí-
tico), a avaliação não chega a ser um problema tão difícil de ser equacionado do 
ponto de vista pedagógico; neste sentido, nos parece, a alteração da 
metodologia de trabalho em sala de aula é muito mais di fíci 1 e importante que a 
alteração da avaliação (sem perder de vista a mútua influência). Como vimos, o 
uso da avaliação como forma de pressão decorre da tentativa de contornar o pro-
blema disciplinar em sala de aula, que por sua vez é decorrência da inadequação 
da proposta de trabalho do professor e da escola. Assim, o principal problema da 
educação escolar, enquanto enfoque microestrutural, se encontra muito mais na 
metodologia de trabalho que na avaliação. 
remota : forma de estruturação do sistema que 
------ confere ao professor e à escola o poder de julgar (reprovar) 
Origem do Problema 
Manifestação Inicial: 
Tentativl de solução: 
Problem decorrente: 
próxima: inadequação da proposta de trabalho 
em sala de aula (conteúdo e metodologia) 
rejeição por parte dos alunos; desinteresse; indisciplina 
ameaça através da nota (mais ou menos conscientemente) 
Resultado: aceitação, interesse e disciplina aparentes 
elevados índices de reprovação, o que leva à dependência do 
aluno com relação à nota 
Inversão da Avaliação: Meio==> Fim 
Esquema: Desenvolvimento do Problema 
• 
Ili - Análise do Problema 39 
A avaliação, portanto, acaba desempenhando, na prática, um papel mais 
político que pedagógico, ou seja, não é usada como recurso metodológico de 
reorientação do processo de ensino-aprendizagem, mas sim como instrumento 
de poder, de controle, tanto por parte do sistema social, corno pela escola, pelo 
professor, quanto pelos próprios pais: 
-pelo sistema: corno forma de inculcação ideológica, domesticação, sele-
ção e discriminação social; 
-pela escola: como forma de legitimação da sua própria existência, como 
afirmação de sua importância (assumi-se em nível local a determinação do siste-
ma), bem como forma de controle do trabalho do professor; 
-pelo professor: como forma de controle da disciplina e/ou como forma de 
coerção para o aluno reproduzir a ideologia dominante, expressa no saber ali 
transmitido; 
-pelos pais: corno forma de controle e pressão sobre os fi 1 hos; a nota acaba 
sendo, rnuitas vezes, a única forma de aco1npanha1nento do desenvolvimento 
escolar das crianças. 
• 
- , 
CONCEPÇAO DIALETICA-LIBERTADORA -DO PROCESSO DE AVALIAÇAO ESCOLAR 
2! PARTE 
FINALIDADE DA AVALIAÇÃO 
• 
• •• 
• 
, 
"Para que serve a nota na escola? Obvio -responderão muitos- a n 
serve para indicar o quanto o aluno aprendeu! Desta forma, promo1 , 
aqueles que estiverem preparados para exercer sua profissão e refere. 
que não estiverem aptos. (. .. )Esta obviedade, porém, é contestada d 
riamente pela prática escolar em que os alunos aprovados demonstre 
a seguir, que não aprenderam o que sua notafazpressupor".32 
32.RM. FLEURJ, Educar para qu2?, p. 85. 
1 
-IV-FINALIDADE DAAVALIAÇAO 
A grande questão que se coloca, depois da análise do problema, é: 
AVALIARPARAQUÊ? 
Já que a avaliação está tão comprometida com o sistema, no sentido da 
marginalização e inculcação ideológica, não seria melhor eliminá-la da 
escola? Seria isto possível e desejável? A questão básica é avaliação ou 
o tipo de avaliação que se vem fazendo? 
1-Sentido da Avaliação 
a)A valiação x Nota 
Há que se distinguir, inicialmente, 'Avaliação' e 'Nota'. Avaliação é um 
processo abrangente da existência humana, que implica uma reflexão crítica so-
bre a prática, no sentido de captar seus avanços, suas resistências, suas dificul-
dades e possibilitar uma tomada de decisão sobre o que fazer para superar os 
obstáculos. A nota, sejana forma de número (ex.: 0-10), conceito (ex.: A, B, C, 
D) ou menção (ex.: Excelente, Bom, Satisfatório, Insatisfatório), é uma exigên-
cia formal do sistema educacional. Podemos imaginar um dia em que não haja 
mais nota na escola -ou qualquer tipo de reprovação-, mas certamente haverá 
necessidade de continuar existindo avaliação, para poder se acompanhar o 
desenvolvimento dos educandos e ajudá-los cm suas eventuais dificuldades. 
44 Conccpção Dialética-Libcnadora do Processo de A vali ação Esc<: _ 
A Prova é apenas uma das 
formas de se gerar Nota, , 
que, por sua vez, e apenas 
uma das formas de se Avaliar. 
Assim, podemos atribuir Nota 
sem ser por Prova, bem como 
podemos A vali ar sem ser por 
Nota (este dia parece não 
ter chegado ainda ... ). 
b)Superar a lógica do detetive 
PROVA 
Esquema : Avaliação x Nota x Prova 
Que espírito deve ter o professor, diante da avaliação: do policial que fic 1:. 
procurando o culpado, o errado, o fora do padrão ou o do pedagogo que acompa-
nha o crescimento da criança, procurando dar-lhe as melhores condições de de-
senvolvimento? O educador não pode se deixar levar pela "lógica do detetive·· 
ou seja, estar mais preocupado em verificar quem cometeu um "crime" ,33 do que 
em ajudar no processo de construção do conhecimento. Atualmente, os educa-
dores assumiram tanto esse papel de controle, de fiscais, que nem há mais neces-
sidade de controle do trabalho de sala de aula por parte dos inspetores do Esta-
do.34 Muitas vezes, desempenhamos, ainda que sem querer, o papel do detetive 
que procura avidamente entre os alunos aqueles que não são "capazes", que es-
tariam a "enganar" a sociedade. Localizados, nos reali zamos, punindo-os com 
nota baixa e reprovação ... De que pressuposto partimos: de que há "farsantes" 
no meio do grupo ou de que todas as crianças são capazes de aprender? 
Por detrás da maneira como a nota é trabalhada na escola, pode-se perce-
ber a presença de uma pedagogia comportamental ista, baseada no esforço-re-
compensa, no prêmio-castigo. Tanto o prêmio como o castigo são 
deseducativos, uma vez que o primeiro gera satisfação e dependência (se não 
tiver uma recompensa o sujeito não age ... ), e o segundo gera revolta e também 
dependência (se não tiver alguma ameaça o sujeito não age ... ). A nota, ao invés 
de ser um elemento de referência do trabalho de construção de conhecimento, 
passa a desempenhar justamente o papel de prémio ou de castigo, alienando a 
relação pedagógica, na medida que tanto o aluno como o professor passam a 
ficar mais preocupados com a nota que com a aprendizagem. 
33.0 aluno é culpado att que prove o contrário .. 
34 Por ironia do destino. o próprio Esmdo chega hoje u pedir que os profes.sores sejam menos autoritário~ na avaliaçno; veja-
se o caso da Deliberação 3/91 do Con<1elho Estadual de Educação de São Paulo. 
-- - --• a 
t 
t 
IV - Finalidade da Avaliação 
r-----Preocupação-----... 
o 
<:-
1 ~NOTA 
/\ 
~---> 
### 
##### 
o 
~<:------">> NOTA ç- 1 
1 /\ 
Professor Relação de Ensino-Aprendizagem Aluno 
"Quanto ele merece?" "Quanto eu preciso???" 
Esquema: Nota con10 fato r de Alienação da Relação Pedagógica 
c)Relação A valiação-Concepção de Educação 
45 
Para a pergunla "avaliar para quê?", podemos encontrar u1na gama enor-
me de respostas. Avaliar para: atribuir nota, registrar, mandar a nota para a se-
cretaria, cumprir a lei, ter documentação para se defender em caso de processo, 
verificar, constatar, medir, classificar, mostrar autoridade, conseguir silêncio 
em sala de aula, selecionar os melhores, discriminar, marginalizar, domesticar, 
rotular/estigmatizar, mostrar quem é incompetente, comprovar o mérito indivi-
dualmente conquistado, dar satisfação aos pais, não ficar fora da prática dos 
outros professores, ver quem pode ser aprovado ou reprovado, eximir-se de cul-
pa, achar os culpados, verificar o grau de retenção do que falamos (o professor 
ou o livro didático), incentivar a competição, preparar o aluno para a vida, de-
tectar "avanços e dificuldades", ver quem assimilou o conteúdo, saber quem 
atingiu os objetivos, ver como o aluno está se desenvolvendo, diagnosticar, in-
vestigar, tomar decisões, acompanhar o processo de construção do conhecimen-
to do aluno, estabelecer um diálogo educador-educando-contexto de aprendiza-
gem, avaliar para que o aluno aprenda mais e mclhor. .. 35 
A A vali ação Escolar é, antes de tudo, uma questão política, ou seja, está 
relacionada ao poder, aos objetivos, às finalidades, aos interesses que estão em 
jogo no trabalho educativo; numa sociedade de classes, não há espaço para a 
neutralidade: posicionar-se corno neutro, diante dos interesses conflitantes, é 
estar a favor da classe dominante, que não quer que outros interesses prevale-
çam sobre os seus. Afinal de contas, a favor de quem, contra quem se coloca 
nossa escola, o trabalho de cada educador? Se não sabemos para onde queremos 
ir, como podemos avaliar se estamos indo bem ou não? 
Um posicionamento fundamental quando se fala de avaliação é relativa-
mente aos objetivos da educação escolar, pois deles é que derivarão os critérios 
35.Cf. apresentação na Mesa Redonda: "Avulinr para quê?", em 12 de agosto de 1992, no II Congresso Municipal c.lc 
Educução, promovido pela SME de São Paulo. 
46 Conccpção Dialética-Líbcrtadora do Processo de Avaliação Escol~ 
de análise do aproveitamento. A avaliação escolar está relacionada a urna con-
cepção de homem, de sociedade (que tipo de hçmem e de sociedade queremo~ 
formar), ao Projeto Pedagógico da instituição. E justamente aqui que encontra-
mos uma distorção: de modo geral, não se percebe a discrepância entre a propos-
ta de educação e a prática efetiva. Em parte, isto ocorre cm função de uma práti-
ca de planejamento meramente formal, levando a que os professores simples-
mente "esqueçam" quais foram os objetivos propostos. 36 Temos que superar esta 
contradição através da reflexão crítica e coletiva sobre a prática. 
Evidentemente, o sentido dado pelo professor à avaliação está intima-
mente relacionado à sua concepção de educação: 
Concepção: 
/ Transmissor==> 
Professor 
~Educador ==> 
Tarefa: 
transmitir e fiscalizar a absorção do transmitido 
A vali ação= Controle/Coerção 
ensinar e fazer tudo para que aluno aprenda 
A vai iação =Acompanhamento/ Ajuda 
Esquema: Postura do Professor frente ao Ensino e à A vali ação 
Esta pedagogia tem como meta a construção da autonomia e da solidarie-
dade, e a avaliação passa ser uma referência para a própria criança, no sentido de 
superação das dificuldades que venha encontrando. Na pedagogia do esforço-
recompensa, a nota é algo fora do processo educativo, enquanto que na pedago-
gia da autonomia, a avaliação remete ao interior do próprio processo de ensino-
aprendizagem. 
Enquanto instituição, o papel que se espera da escola é que possa colabo-
rar na formação do cidadão (objetivo de que participam outras instâncias soci-
ais) pela mediação do conhecimento científico, filosófico (especificidade). O 
conhecimento não tem sentido em si mesmo: deve ajudar a compreender o mun-
do, e a nele intervir. Assim sendo, compreendemos que a principal finalidade da 
avaliação no processo escolar é ajudar a garantir a construção do conhecimento. 
a aprendizagem por parte dos alunos. 
36.Cf. Clarilza SOUZA, Al'a/iação do Rendi11U?nto Escolar. p. 85. 
1 
T 
IV - Finalidade da Avaliação 
Entendemos, pois, que o sentido da 
avaliação é o seguinte: 
Avaliar para que os alunos 
aprendam mais e melhor. 
2 - Repercussão para a Prática Pedagógica 
a) Mudança de Postura do Professor 
Esta nova concepção de avaliação vai exigir 
uma mudança de postura por parte do professor. 
.. .. 
47 
Entendemos que uma das mediações para .___ _____ ..;:,,.. __ _.j 
isto é37 o deslocamento do eixo de preocupação do 
professor (na verdade não só preocupação, mas fundamentalrnente de ação), 
qual seja, investir suas energias e potencialidades não no controle do transmiti-
do, e sim na aprendizagem

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