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Fichamento do texto “O que é o poder?” de Gerard Lebrun O texto intenta, mais do que conceituar, desconstruir o termo poder de seus sentidos usuais, procurando compreender as conotações atribuídas a ele e que construíram um sentido “vago e maléfico” (LEBRUN, 2000, p. 3) que hoje o reveste. Conceitos básicos Para o autor, a potência seria, por um lado, “uma virtualidade; por outro, uma capacidade determinada, que está em condições de exercer-se a qualquer momento” (LEBRUN, 2000, p. 4). No entanto, para que haja potência política, é preciso que esta se canalize, ou seja, que se transforme em força. Neste âmbito político, a potência se expressa enquanto a possibilidade de impor a própria vontade, segunda a concepção de Max Weber. Quando essa potência expressa-se no poder de ordenar e de muito provavelmente ser obedecido, surge o conceito weberiano de Herrschaft que o expressa. Embora alguns autores como Friedrich Hegel e Talcott Parsons tenham conceituado o poder relacionando-o mais fortemente com ideais de “fins coletivos” e diminuindo o papel exercido pela hierarquia e pela coerção, Lebrun reforça a importância desta última para a obediência política, que segundo ele, depende de uma consciência de possível coação. A hierarquia pressuposta pela dinâmica do poder, é também ressaltada pelo autor, embasada pela teoria do “poder de soma zero”. Isso significa que para que um sujeito A possua poder, um sujeito B não o possui, sendo essa tese tratada por autores como Marx, Weber, Raymond Aron, Nietzsche e Wright Mills. Em contraposição, Lebrun cita Michel Foucault, que considera o poder enquanto “um conjunto de relações que formigam por toda à parte na espessura do corpo social” (LEBRUN, 2000, p.8). No entanto, Lebrun ressalta o quão europeizada é a análise de Foucault, que certamente não abrange o Terceiro Mundo ou as colônias, que são dominadas pelo poder. Introduzindo o nascimento do poder, o autor considera-o enquanto consequência de sociedades que se ampliaram e se sofisticaram ao ponto de que a coerção passa a ser necessária para que as regras de justiça sejam cumpridas. A dominação suprema A ideia da dominação suprema é tratada por Thomas Hobbes na modernidade política. Discorre-se então, na teoria da Soberania, sobre o poder de um príncipe soberano de dar lei a todos sem limitações, não estando sujeito a outros poderes. Esse modelo assume sua materialidade na monarquia absolutista que instaura-se na Europa entre 1550 e 1650. O autor considera que este modelo político beneficiou o capitalismo, que ascendia na época, já que este não era compatível com a fragmentação feudal dos poderes locais. Alguns outros autores ressaltam a necessidade que a República tinha de um poder soberano, como o faz Bodin na seguinte citação: “A República, sem potência soberana que una todos os membros e partes, e todas as famílias e colégios, num corpo, já não é mais República” (BODIN APUD LEBRUN, 2000, p.12) . Desta forma, a constituição de uma soberania coincide com a transformação do povo em corpo político. No modelo hobbesiano, os cidadãos transfeririam seus direitos de governarem a si próprios ao Leviatã - que seria a República ou o Estado - e que possuiria poder absoluto e perpétuo, como garantia de conservação e prosperidade, que não conseguiriam no estado de natureza, em que há igualdade das forças em conflito. Segundo Lebrun, o “utilitarismo de Hobbes leva-o forçosamente a admitir como necessário um poder, capaz de decidir e legislar, que tenha o seu princípio apenas em si próprio, e não se refira a nenhuma legislação (divina ou humana) externa a ele. A única razão que pode me ‘convencer’ a obedecer à lei é que ela é a lei - é saber que serei castigado se a infrigir” (LEBRUN, 2000, p.14). Kant, assim como Hobbes, ressalta a importância de um soberano que discipline, utilizando-se de uma legislação, a insociabilidade natural dos homens, ainda que se indigne com o “despotismo” de Hobbes. A diferenciação entre as repúblicas descritas por Aristóteles e por Hobbes baseia-se fundamentalmente na histórica despolitização do homem, de forma que a paz passa a ser a prioridade dos cidadãos, e não mais o bem comum. Para Lebrun, o “conceito de soberania é o indício de uma profunda mutação no pensar a coisa política. A cidade antiga, que devia orientar os homens para a “vida boa”, cede lugar a um mecanicismo que, por piores que se suponha serem os homens, garantirá cada um contra todos e será capaz de transformar em cooperação os seus antagonismos.” (LEBRUN, 2000, p.21). O estado burguês John Locke desenvolverá uma teoria que lide com o poder de forma mais benéfica aos interesses burgueses e que é “condição sine qua non para o funcionamento de toda sociedade moderna” (LEBRUN, 2000, p. 23). Sendo assim, a finalidade da associação política seria a conservação das propriedades, em troca da renúncia dos poderes (de fazerem o que lhe for conveniente e de punirem infrações à lei natural) de que gozavam os homens no estado de natureza. Embora na teoria de dominação política de Locke ainda haja soberania, esta sofre severas limitações, transformando-se em um instrumento para promover os interesses dos proprietários, ou seja, ela é estruturada especificamente para uma função social necessária à sociedade de mercado, não sendo mais o Estado absoluto em sua soberania. Para Engels, o Estado seria da classe mais poderosa economicamente. No entanto, Lebrun destaca que há uma especificidade do âmbito do poder político que deve ser reconhecida, e que permite uma relativa independência do Estado com relação a essas classes. Sua análise é fundamentada pela tese de Jurgen Habermas que ressalta a ação fundamental do Estado em circunstâncias ou contextos em que falha o mercado. No entanto, para Kant e Hegel, a tarefa do Estado seria organizar a sociedade em que o indivíduo gozará de suas liberdades, e não priorizar a segurança material do cidadão. O liberalismo O liberalismo criticará, no século XIX, a soberania e seus excessos. Além disso, critica a concepção de Locke referente à capacidade do povo de julgar seus governantes. A corrente liberal busca também a estruturação de uma relação não repressiva entre a sociedade civil e o Estado. Desta forma, o Estado absorverá o indivíduo mais do que o dominará explicitamente. A limitação da soberania se fará necessária, especialmente em algumas instâncias como as liberdades individual e religiosa, sobre as quais não tem direito de legislar. Para Lebrun, a liberdade que os liberais reivindicam seria “a preservação da minha esfera privada contra as ingerências de poder” (LEBRUN, 2000, p.30). As liberdades civis reivindicadas foram aquelas relacionadas à propriedade principalmente, de forma que esta seria requisito para a cidadania. Embora, neste mesmo século, surjam teorias que concluam o fim do Estado, o autor ressalta a importância deste para o funcionamento da economia de mercado e a subestimação do político. Ainda que o Estado moderno tenha se transformado de forma a ser mais manipuladore menos repressivo, seu poder cresce, tal como denunciou Durkheim. Além disso, quanto mais forte e influente se torna o aspecto econômico, mais essencial se torna o Estado para garantir a segurança da maioria, fazendo-o com a intenção de conservar-se. Por fim, para que qualquer cidade moderna funcione, na concepção de Lebrun, é necessária uma ordem política e as relações de poder nela inclusa. A democracia Um problema importante que aflige e ameaça as democracias é destacado por Lebrun no texto: o crescente individualismo dos cidadãos nas sociedades democráticas gera um isolamento que aumenta os riscos de um poder político que não inclua o povo nos negócios. Desta forma, a participação efetiva que a reconstituição de uma comunidade orgânica oferece seria a solução que impediria governos absolutos.
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