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Cidadania Digital: Educando para o uso consciente da internet. (07.10.2020) A partir das mobilizações pioneiras da SaferNet, o tema "uso seguro e responsável da Internet" foi ganhando relevância, além de ampla cobertura da imprensa nacional. Em 2012 o Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br) montou um grupo de especialistas no Brasil e fez uma parceria com a London School of Economics and Political Science (LSE) para iniciar a TIC Kids Online, importante pesquisa que anualmente revela detalhes sobre os hábitos de uso da Internet por crianças e adolescentes com entre 9 e 17 anos de idade. A SaferNet Brasil, ao lado de outros especialistas e organizações brasileiras, têm trabalhado nos dados da TIC Kids Online para melhor compreender as variações nos usos e os novos desafios para a educação relacionada ao uso seguro e consciente da Internet. A presença constante da Internet na vida dos alunos, aspecto da realidade cotidiana na maior parte das escolas, é confirmada pelos dados da pesquisa, indicando que 89% das crianças e dos adolescentes de 9 a 17 anos são usuários de Internet no Brasil, o que equivale a mais de 25 milhões de crianças e adolescentes (CETIC.br, 2019). Uso privativo Uma das mudanças importantes nos últimos anos em que a pesquisa foi realizada é o aumento do acesso à Internet várias vezes ao dia e cada vez mais por meio dos celulares. O acesso a partir das escolas tem caído gradativamente. Desafios para mediação Há necessidade de mudança na dinâmica de orientação e prevenção quando comparamos o uso móvel com o que era feito por meio dos computadores de mesa nas lan houses e nas residências. Crianças e adolescentes percebem os riscos As crianças e os adolescentes reconhecem tanto os aspectos positivos quanto as situações de perigo que podem encontrar na Internet. 83% dos entrevistados com idade entre 11 e 17 anos reconhecem que há muitas coisas boas na Internet para pessoas da sua idade e 68% acham que sabem mais sobre Internet do que os pais (CETIC, 2019). É preciso estimular mais oportunidades Não podemos menosprezar sua capacidade de desfrutar dos novos recursos, mas precisamos mediar esses usos para que eles tenham melhores condições de otimizar as oportunidades e lidar com situações de risco para não produzir danos. Risco é diferente de dano. Educar para uso seguro e consciente não depende de pleno domínio sobre os aspectos técnicos da Internet, mas é muito importante que todos nós tenhamos noções básicas. Quanto mais tivermos noções gerais relacionadas à Internet, melhor poderemos trabalhar as questões de responsabilidade e uso cidadão. Certamente há diferenças entre nossos comportamentos dentro e fora das redes digitais, mas nunca podemos menosprezar a dimensão pública das redes sociais e de outros ambientes compartilhados na Internet. Isso não quer dizer que a Internet é sempre mais perigosa ou arriscada. O importante é perceber que, assim como em outros ambientes frequentados por muitas pessoas, nas redes também podemos estar expostos a um conjunto de riscos. Por exemplo, a habilidade instrumental que crianças e adolescentes têm de usar os botões do celular ou do tablet não garante que tenham condições de reconhecer os riscos que correm. Da mesma forma que uma criança de cinco anos não conseguirá reconhecer todos os potenciais riscos ao frequentar uma rua movimentada, nem sempre ela perceberá os riscos on-line. Na Internet não são apenas os amigos e familiares que podem entrar em contato, sugerir conteúdos ou mesmo ensinar coisas para crianças e adolescentes. Antes de apresentarmos uma tabela resumo de situações de risco para crianças na Internet, vale destacar a diferença entre risco e dano na rede. Risco ≠ Dano Nem toda situação de risco provoca um dano. Uma criança de cinco anos que vá sozinha de sua casa até a padaria, por exemplo, pode estar numa situação de risco que tem potencial para desencadear danos concretos: ficar perdida, sofrer um assalto, ser violentada ou até ser sequestrada. Estar diante de uma situação de risco não obrigatoriamente quer dizer que se sofrerá o dano. Nesse exemplo ilustrativo, haveria dano caso efetivamente alguma dessas situações se concretizasse. A chance de uma situação de risco se desdobrar em danos concretos depende do grau de mediação / proteção ou acompanhamento dos responsáveis pela criança e do grau de maturidade / habilidade da própria criança para a autoproteção. O equilíbrio entre mediação dos adultos e autocuidado varia de acordo com cada faixa etária e estágio do desenvolvimento, mas a efetiva proteção dependerá sempre de uma capacidade da própria criança saber discernir as situações de risco para evitá-las e/ou pedir ajuda para não sofrer nenhum dano. Os tipos de danos também variam muito. Na Internet, precisamos saber diferenciar as situações de risco potencial dos danos efetivos. Por exemplo, uma publicação imprópria não é obrigatoriamente uma publicação danosa. Os conteúdos impróprios, por exemplo, seriam conteúdos e expressões que soam desrespeitosos para alguns usuários e para outros não, sob o argumento de que as pessoas possuem valores, culturas, credos e pontos de vista diferentes, sendo necessário ponderar a liberdade de expressão de cada um no ambiente de diversidade. Já a publicação danosa seria aquela que causa algum dano ao discriminar pessoas ou grupos, violando seus direitos fundamentais. Nos últimos anos, o Cyberbullying tem sido um tema recorrente em reportagens publicadas na imprensa e também no cotidiano escolar. Para que possamos ter clareza sobre esse fenômeno, é sempre bom termos uma definição mais clara sobre ele. Cyberbullying Definição: A palavra Bullying é derivada de outro termo em inglês, "bully", que significa tirano, valente, truculento. Bullying representa uma relação de intimidação, de supremacia e controle de uma pessoa ou grupo sobre um indivíduo, buscando produzir a ideia de que há algo de errado ou inferior com a vítima, desqualificando-a e humilhando-a de maneira repetitiva e sistemática. Ele pode ocorrer por meio de agressões físicas, roubo de pertences, lanche ou brinquedos, isolamento em atividades coletivas, piadas e apelidos discriminatórios. O Cyberbullying é a modalidade virtual do Bullying, que é identificado pelas intimidações repetitivas entre crianças e adolescentes, mas com características próprias, pois tem um efeito multiplicador e de grandes proporções quando acontece na Internet. Na modalidade digital, as ferramentas tecnológicas (celulares e câmeras fotográficas, por exemplo) e os ambientes das redes e aplicativos sociais servem para produzir, veicular e disseminar conteúdos de insulto, humilhação e violência psicológica que provocam intimidação e constrangimento das crianças e dos adolescentes envolvidos. O Cyberbullying diferencia-se das brincadeiras e brigas comuns entre crianças e adolescentes por ser uma prática repetitiva que gera uma discriminação permanente, podendo comprometer a socialização e a autoestima das vítimas por toda a vida. Podemos enfatizar três aspectos centrais que caracterizam tanto o Bullying quanto o Cyberbullying: ○ Comportamento intencional de perturbar, intimidar e/ou agredir; ○ Repetição ao longo do tempo; ○ Desequilíbrio de poder. Trata-se de um problema mundial, muitas vezes subestimado pelos adultos quando encarado como uma “brincadeira de crianças” ou “zoeiras normais”. Cyberbullying não é brincadeira. Só existe brincadeira quando todos os envolvidos se divertem. Quando há uma relação desigual de poder, em que uns se divertem e outros sofrem e são maltratados, é preciso queos adultos tomem uma providência. O Cyberbullying não é um problema entre duas pessoas ou apenas entre agressores e vítimas. Uma visão sistêmica sobre o fenômeno nos ajuda a perceber e compreender suas manifestações complexas. Ele envolve não apenas as pessoas, mas sempre tem um contexto e está relacionado a valores, a normas e à cultura do local no qual ocorre. Parte 2 Dando prosseguimento a uma abordagem mais geral, vejamos os atores que precisam ser reconhecidos nos casos de Cyberbullying: Atores ○ Agressores (pessoas ou grupos); ○ Vítimas (pessoas ou grupos); ○ Mediadores (agressores ou defensores); ○ Espectadores / Testemunhas (ativos ou passivos). Ao buscarem reconhecimento, validação social e exercício de poder, os agressores dependem dos espectadores para que tenham algum retorno com relação à prática dessa violência. Há espectadores que participam ativamente curtindo, compartilhando e disseminando as humilhações e intimidações às vítimas, e existe o grupo de espectadores mais passivos que apenas assistem sem reagir, seja por medo ou por aceitarem a situação. Todos eles são atores diretamente envolvidos e que precisam ser sensibilizados, pois conquistar a validação social e/ou intimidar os espectadores são algumas das principais motivações dos agressores. Os mediadores podem ser considerados aqueles que participam colaborando indiretamente na produção das ofensas e agressões, estimulando, dando insumos, criando conteúdos que são usados diretamente pelos agressores. Há também situações de mediação em defesa da vítima, com intervenções que visam interromper a violência ou buscar ajuda, denunciando nos sites, apagando os conteúdos, mobilizando os colegas para não participar e desestimulando a replicação das humilhações. Como o problema está ligado diretamente a uma dinâmica de relacionamentos interpessoais e a um contexto de interações, vítimas e agressores não são papéis estanques. Algumas vítimas podem ter atuado como agressoras e agressores podem ter sofrido violências semelhantes no passado ou mesmo no presente, em outro contexto. A mudança nos papéis, caso a caso, exige que tenhamos sempre um olhar cuidadoso para não personalizar as situações. Ao reconhecer essa dinâmica complexa, as intervenções dos educadores, e mesmo das famílias, podem ser mais eficientes quando atuam nas referências que as crianças e adolescentes usam para seus relacionamentos interpessoais. Trabalhar com as habilidades individuais e coletivas para gerenciar conflitos, lidar com as frustrações, controlar a agressividade, desenvolver empatia e reconhecer suas próprias emoções são caminhos mais complexos, porém mais eficientes para prevenção de novos casos. Mais adiante, trataremos da importância da educação socioemocional como uma das estratégias de prevenção e enfrentamento ao Cyberbullying. Brincadeira ≠ Violência Como vimos, diferenciar Brincadeira de Violência é um dos maiores desafios, especialmente nos casos de Cyberbullying. Precisamos sensibilizar nosso olhar para conseguirmos diferenciar situações pontuais de brincadeiras violentas ("zoeiras"), violência pontual e agressões sistemáticas que efetivamente se enquadram como Cyberbullying. Brincadeiras violentas: é necessário frisar que há situações em que o tipo de brincadeira está no limiar da expressão da agressividade entre pares. Por mais que sejam irrepreensíveis pelos adultos, ou mesmo proibidas nos ambientes escolares, há situações que podem ser consideradas apenas brincadeiras quando a resposta é sim para as perguntas: ○ Todos estão se divertindo e gostando da brincadeira? ○ A brincadeira tem começo, meio e fim? ○ Todos têm o mesmo poder para escolher participar ou não? ○ Há regras e todos são iguais diante dos limites estabelecidos? Se a resposta a uma dessas questões é não, podemos dizer que não se trata mais de uma brincadeira e sim de uma violência. Nesse caso, precisamos seguir com outras perguntas: ○ Essa situação foi pontual? ○ As mesmas pessoas são constantemente alvo das "zoeiras" e agressões? ○ São alvos mesmo sem querer participar da brincadeira? Em algumas situações, a agressão, a humilhação ou a intimidação ocorre de forma isolada. Nesses casos podemos considerar que não há um caráter sistemático e repetitivo, mas uma violência pontual. Mesmo esse tipo de violência precisa ser rigorosamente tratado pelas escolas e por familiares, podendo gerar um conjunto de responsabilizações. Na Internet, um dos complicadores é justamente a dificuldade de algo ser pontual, pois uma vez no formato digital, mesmo uma brincadeira fora de contexto pode se multiplicar, persistir no tempo e atingir uma grande audiência rapidamente (“viralizar”), gerando intimidação e humilhação de grande intensidade, caracterizando Cyberbullying. Ainda que sejam violências e precisem ser tratadas com seriedade, não são exatamente Cyberbullying situações de: ○ Episódio único de rejeição ou desagrado ○ Ato isolado de desrespeito ou aborrecimento ○ Agressão ou intimidação aleatória ○ Episódio de briga ou desentendimento mútuo O fato de identificarmos uma brincadeira violenta como diferente do Cyberbullying não diminui a gravidade dos fatos e a necessidade de intervenção, porém ajuda a pensar em respostas que sejam proporcionais e adequadas a cada caso. Devemos sempre buscar um caminho de resolução pacífica dos conflitos para que haja algum aprendizado e não apenas punições aos envolvidos. O fenômeno do Cyberbullying é um assunto sério, e precisamos reconhecer que pode ter graves consequências jurídicas tanto para as famílias quanto para os próprios adolescentes envolvidos. Antes de explicar alguns aspectos jurídicos envolvidos nas situações de intimidação e humilhação pública praticadas por crianças e adolescentes usando os recursos digitais, vale destacar a noção de proteção integral aos direitos humanos de crianças e adolescentes que amparam o Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil (ECA). Como sujeitos de direitos, crianças e adolescentes não podem ser considerados apenas tutelados pelos pais, mas também atores, protagonistas de direitos e deveres. A lei estabelece limites em respeito às diferentes fases de desenvolvimento e prevê uma autonomia relativa que precisa ser mediada e protegida pelos pais, pelo Estado e por toda a sociedade com prioridade absoluta, seguindo o que está previsto no Art. 227 da Constituição Federal. Na perspectiva jurídica, são considerados adolescentes os jovens entre doze e dezessete anos e, segundo o ECA, podem ser responsabilizados, junto com os pais, pelos atos praticados quando ferem alguma lei. Nesse sentido, a Lei nº 13.185 de 2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), é um grande estímulo para que educadores e pais atuem na educação para uma cultura de respeito e de paz. Em vez de buscar um novo enquadramento jurídico para o Cyberbullying, esta lei institui o dever de implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação para enfrentar o Bullying e o Cyberbullying. Acreditamos que os principais papéis das escolas devem ser a sensibilização, conscientização e prevenção aos casos de Cyberbullying. Uma vez identificados entre os alunos no contexto escolar, a recomendação é que haja um protocolo claro para enfrentar o problema com medidas de mediação de conflitos e, no extremo, orientaçãoàs famílias para denúncia formal às autoridades. Dentro de seus limites, as escolas têm um papel central em: ○ criar ambiente seguro e positivo ○ melhorar o relacionamento entre pares ○ ampliar a conscientização ○ reduzir oportunidades e recompensas para os agressores ○ encaminhar casos graves às autoridades Antes de seguir para o fluxo de denúncias, vamos detalhar algumas alternativas pedagógicas. Se o papel das escolas é justamente apoiar na formação crítica dos alunos para que possam diferenciar brincadeiras de violências, não podemos deixar de pensar em estratégias que envolvam os alunos na resolução do problema. Nesse sentido, algumas estratégias diretas podem ser desenvolvidas pelos educadores e gestores: Ações possíveis ○ Debater o tema a partir de reflexão crítica de vídeos e textos na área de linguagens (português, inglês ou espanhol); ○ Promover uso seguro e responsável das tecnologias; ○ Envolver representantes de alunos na criação e revisão das políticas de uso das Tecnologias Digitais na Escola; ○ Elaborar relatórios periódicos sobre ocorrências e planejamento de ações no Projeto Político-Pedagógico; ○ Realizar enquetes sobre o tema para trabalhar conceitos matemáticos; ○ Buscar a origem e o significado das palavras "empatia", "conflito" e "respeito" para então refletir sobre o que significam no mundo digital; ○ Desenvolver estratégias de mediação de conflitos com os representantes de turma e coordenação da escola para atuar também nos casos de Cyberbullying; ○ Elaborar com os alunos uma proposta de fluxo de notificação anônima para os casos de Cyberbullying que tenham implicação na convivência escolar; ○ Debater sobre as leis relacionadas e casos concretos de responsabilização das famílias e dos próprios alunos; ○ Convidar especialistas e autoridades para palestras e atividades de sensibilização. A formação de pessoas conscientes e responsáveis começa na infância. A adoção de condutas pacíficas, inclusivas e de convívio harmonioso passa pela participação direta dos pais e responsáveis, bem como dos educadores. Para que as escolhas on-line também sejam inspiradas nesses princípios da convivência pacífica, quanto antes iniciarmos o trabalho diretamente com os alunos, maiores serão nossas chances de sensibilizar para prevenir e enfrentar o Cyberbullying. Considerando a complexidade do fenômeno do Cyberbullying, temos trabalhado com uma visão mais sistêmica que envolve: PREVENIR - MEDIAR - REPORTAR - ACOMPANHAR. PREVENIR PREVENIR para ajudar os alunos, e mesmo as famílias, a perceber as diferenças entre brincadeiras e violências. Estimular maior autocrítica sobre as publicações nas redes e evitar consequências mais graves. MEDIAR MEDIAR: Antes de denunciar, vale apoiar os envolvidos a buscarem uma resolução pacífica. Uma conversa franca de desculpas, remoção da publicação ofensiva e uma publicação de apoio podem ser alternativas eficientes nos casos mais pontuais. O mesmo vale para as audiências, que devem remover o conteúdo em vez de compartilhá-lo. REPORTAR Nos casos graves nos quais não conseguimos atuar na mediação e não há engajamento dos envolvidos, REPORTAR pode ser necessário. A denúncia mais formal de casos de Cyberbullying deve ser feita pelos responsáveis legais dos alunos. As escolas podem ajudar na orientação dos passos a serem tomados tanto pelas vítimas quanto pelos espectadores que querem colaborar na interrupção e em denúncias dos casos. Na próxima unidade, apresentaremos um tutorial sobre como denunciar as situações mais graves. ACOMPANHAR Envolve não apenas monitorar os desdobramentos de casos concretos que foram mediados ou reportados, mas também acompanhar a saúde dos relacionamentos entre os alunos no contexto escolar. O acompanhamento pode ser feito em relação às mudanças repentinas de comportamentos de determinados alunos, um possível sinal de algum tipo de sofrimento emocional. Ainda que nem sempre estejam diretamente relacionadas a episódios de Cyberbullying, acompanhar as mudanças de comportamento com foco no bem-estar e na saúde emocional dos estudantes é sempre uma boa forma de prevenir e evitar que casos graves se desenvolvam. Os trabalhos de prevenção acabam sendo também uma maneira de realizar o acompanhamento em grupo, dando oportunidade para que os alunos eventualmente relatem incômodos ou desconfortos antes mesmo de se tornarem problemas mais graves. Como vimos, o trabalho de prevenção pode ser feito em diferentes disciplinas da grade curricular. Um dos recursos mais interessantes para disparar uma discussão sobre o tema são os vídeos com linguagem acessível e direta para os alunos. Parte 1 Nos últimos anos você já deve ter ouvido algumas vezes a expressão “manda nudes” ou então ter tomado conhecimento de casos de vazamento de nudes de pessoas de diferentes idades. Há alguns anos o termo mais conhecido para esse tipo de imagem era sexting. A fim de podermos compreender melhor essas práticas, é sempre bom termos uma definição mais clara sobre o que exatamente estamos falando. Como já vimos nos módulos anteriores, nosso foco é pensar em estratégias que possam ajudar os alunos a ter maior capacidade crítica sobre suas escolhas on-line, desenvolvendo maturidade para evitar situações de dano para si ou para seus pares. Isso nos leva a considerar alguns aspectos da sexualidade de crianças e adolescentes como parte da educação socioemocional. Vamos iniciar com algumas definições para compreender essas práticas e amparar nossas ações preventivas. Sexting: fruto da junção das palavras sex (sexo) + texting (torpedo), tem origem inglesa e surgiu para descrever a troca de mensagens de texto por SMS (Short Message Service) de caráter erótico e sexual. O termo é um dos exemplos de uso da Internet para expressão da sexualidade na adolescência. É uma prática na qual as pessoas, incluindo adolescentes e jovens, usam redes sociais, aplicativos e dispositivos móveis para produzir e compartilhar imagens de nudez e sexo. Envolve também mensagens de texto eróticas com convites e insinuações sexuais para namorado(a), pretendentes e/ou amigos(as). A palavra sexting já indica uma lacuna entre o discurso adulto e a experiência dos jovens. Quando se pergunta aos adolescentes sobre ela, nem sempre eles a conhecem ou usam. Com a popularização dos celulares com câmeras e conexão à Internet, o que antes era feito apenas com o recurso de texto hoje pode ser feito com vídeos e fotos de alta definição, em algumas ocasiões com compartilhamento ao vivo. Aí que entram os nudes. Nude: basicamente significa “nu”, mas o termo em inglês se popularizou para se referir às imagens de nudez e outros tipos de conteúdos íntimos produzidos principalmente com as câmeras dos celulares. Os nudes são contemporâneos das selfies. Selfie: é um tipo de foto tirada por si mesmo e de si mesmo por uma câmera, ou dispositivo móvel, para ser compartilhada pela web. Geralmente os nudes são selfies tiradas de partes íntimas do corpo. Em 2013, o comportamento ficou tão popularizado, inclusive entre celebridades, que o Dicionário Oxford escolheu selfie como a palavra do ano. Um dos motivos para a escolha foi o fato de o uso da palavra em inglês ter crescido 17.000% em 2013, o que confirma o seu estatuto de uma das palavras mais procuradas em um ano. O neologismo que ganhou a rede tem origem no termo self-portrait, que significaautorretrato. A particularidade de uma selfie é que ela é tirada com o objetivo de ser compartilhada em uma rede social ou aplicativo de mensagem. Ela pode ser tirada com apenas uma pessoa, com amigos, celebridades, estranhos ou paisagens de fundo. A prática de tirar selfies ganhou popularidade global, e algumas tiveram milhões de visualizações. Alguns exemplos famosos são aquelas tiradas por um grupo de jovens com o Papa Francisco e aquelas tiradas em premiações do Oscar, em que aparecem várias estrelas de Hollywood. Uma selfie também pode estar no centro de uma polêmica, como é o caso de uma tirada no funeral de Nelson Mandela. Fazer uma selfie não é um problema em si, mas é importante avaliar sempre a situação em que se encontra para refletir sobre os comportamentos apropriados para cada ocasião social. Vazamento de nude Uma vez que um nude é enviado, ainda que para uma única pessoa, muito facilmente podemos perder o controle sobre seu conteúdo. Aquele que recebeu pode ter o celular roubado, perdido ou invadido por alguém mal intencionado e que pode replicar os conteúdos íntimos, gerando enorme dano à vida das vítimas. Para além dos casos de perda ou roubo, infelizmente temos visto muitas situações nas quais os nudes são vazados, compartilhados sem consentimento e com intuito de humilhar e intimidar. Há situações nas quais os nudes são compartilhados com melhores amigos, depois com outro amigo e o que era restrito ao parceiro ou à parceira passa a circular por toda a escola, por todo o bairro ou cidade, sem limite de exposição das vítimas. Ainda que a motivação inicial não seja, por exemplo, a vingança pelo término de um relacionamento, qualquer exposição sem autorização ou fora dos acordos estabelecidos pelos donos das fotos é também uma violência grave que precisa ser prevenida e combatida. Em 2018 o compartilhamento deste tipo de imagem sem autorização passou a ser crime no Brasil, como veremos a seguir. Pornografia de vingança (revenge porn) Um dos casos mais frequentes de violência envolvendo nudes é o vazamento de conteúdo íntimo depois do término de um relacionamento. Uma das partes, geralmente os meninos/homens, torna públicas as imagens íntimas que foram compartilhadas em uma relação de confiança com o(a) parceiro(a). Quando o compartilhamento não consentido é feito com intuito de vingança, a prática é popularmente chamada de pornografia de vingança. Aqui cabe uma observação importante: não consideramos o termo apropriado, pois a publicação de conteúdos sem autorização é um crime e não um tipo de pornografia, ainda que o agressor publique o conteúdo em sites pornográficos ou simule a oferta de serviços sexuais em nome das vítimas. Quando envolve menores de 18 anos, esse ato criminoso é ainda mais grave, pois se trata de produção e divulgação de imagens de um crime contra a dignidade sexual de crianças ou adolescentes, um tipo de violência sexual. Pornografia infantil Pornografia infantil é um tipo de violência sexual contra crianças e adolescentes que se refere a qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais (Decreto 5.007, de 08/03/2004). Podemos considerar que é mais adequado falar em imagens de crianças e adolescentes sendo abusados, imagens de exploração ou violência, já que na pornografia se supõe participação voluntária dos atores na cena. Quando há imagens de crianças ou adolescentes, há abuso ou exploração, logo, não são imagens de pornografia e, sim, de crime e violência praticados. A Legislação Brasileira em vigor tipifica como crime a(s) conduta(s) de: "Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou Internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente". Fonte: Art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Outro ponto que merece destaque é a necessária diferenciação entre Pedofilia e Pornografia Infantil. Pedofilia ≠ Pornografia infantil A palavra "pedofilia" vem do grego e é fruto da união de duas palavras: Pedo, que significa infância, criança, juventude e Filia, que é a atração, filiação, amizade ou gosto. A pedofilia é um distúrbio do comportamento classificado como uma parafilia. As parafilias representam diferentes formas de perversão sexual. A característica principal de uma parafilia é a recorrência de comportamentos, anseios e fantasias sexuais intensas, geralmente envolvendo: ○ Objetos não humanos; ○ Sofrimento e humilhação de si mesmo ou do seu parceiro; ○ Crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento. A pedofilia é a atração sexual compulsiva por crianças e adolescentes. É classificada no DSM IV, livro que define os critérios de diagnóstico, no item F65.4 - 302.2. Pedofilia em si não pode ser tida como crime, ela é um transtorno da personalidade. Já o abuso de crianças e adolescentes praticado por pedófilos é considerado prática criminosa. Portanto, a prática criminosa é a passagem ao ato: dos desejos impulsivos ao abuso sexual. O crime é o abuso de crianças ou produção de pornografia infantil. Outro exemplo para diferenciar a prática criminosa do transtorno de personalidade é o caso da cleptomania (transtorno impulsivo). O cleptomaníaco é o sujeito que sofre de um transtorno impulsivo que o leva a roubar compulsivamente certos tipos de objetos. O crime é o furto dos objetos. Nem todos os sujeitos que têm o transtorno praticam os atos criminosos, mesmo tendo um sofrimento psíquico. Além das severas punições definidas pela justiça, esses criminosos precisam de tratamento médico e psicológico para evitar que façam novas vítimas ao saírem da prisão. Assim como discutimos as consequências jurídicas nos casos de Cyberbullying, aqui também adolescentes podem responder pelo ato infracional equivalente a posse, produção e divulgação de pornografia infantil, conforme artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Parte 3 Apesar de tanto meninos quanto meninas produzirem e compartilharem nudes, um aspecto muito cruel no que diz respeito a essas práticas é o fato de que a maioria absoluta dos casos de violência (compartilhamento não autorizado) tem as meninas e as mulheres como vítimas. A violência contra a mulher se manifesta de maneira muito explícita nessa temática e é lamentável perceber que as novas gerações estão reproduzindo esse tipo de agressão contra a dignidade das mulheres desde a infância. Essa dimensão de violência precisa ser incluída em nosso trabalho de prevenção aos casos envolvendo alunos nas escolas. Novamente voltamos para aspectos da educação socioemocional, incluindo relações afetivas, empatia, respeito e noções de ética, que também são necessárias para pensar sobre a sexualidade de crianças e adolescentes. É um grande desafio, mas temos alguns caminhos educacionais que ajudam a quebrar o silêncio, sem precisar passar pelopânico moral nem pela inclusão de conteúdos impróprios para os alunos. Um passo importante nessa direção é perceber a diferença entre sexo e sexualidade. Sexualidade ≠ Sexo Sexualidade e sexo não são a mesma coisa e precisamos perceber suas diferenças para educar nossas crianças e adolescentes sobre seus direitos sexuais sem confundir as coisas. Sexo é uma das expressões da sexualidade já amadurecida que envolve a escolha de um(a) parceiro(a) e que pode acontecer a partir do desenvolvimento da puberdade, quando já conquistada certa maturidade psicológica. Já a sexualidade é uma dimensão da vida humana que está presente em todo o desenvolvimento do indivíduo, mas com características diferentes em cada etapa da vida. A sexualidade na criança, por exemplo, é muito diferente da sexualidade no adulto. Ao reconhecermos essas diferenças, acreditamos que é muito importante desenvolver atividades de reflexão crítica sobre as expressões da sexualidade na Internet nas escolas e nas famílias. Sabemos que esse é um tema sensível e que cada família tem suas abordagens, mas é preciso ter consciência da importância de haver diálogo sobre sexualidade desde a infância, sem repressão, com esclarecimento e orientação para evitar que, também na Internet, crianças e adolescentes fiquem expostos a situações de extremo risco como a exposição não consentida ou mesmo violência sexual. É muito importante que adolescentes e jovens tenham acesso à informação e à educação sexual com foco no autocuidado, na saúde, no respeito e na ética para relações de amizade e intimidade. Falar sobre sexualidade na juventude não é incentivar o sexo, é informar e orientar para o desenvolvimento sexual saudável. Alguns fatores de risco no âmbito da sexualidade são justamente o silêncio e o tabu que priva adolescentes de orientações e referências confiáveis para que desenvolvam gradativamente sua maturidade também na dimensão de intimidade e de respeito com a intimidade dos seus pares. A mediação tecnológica pode favorecer uma exposição maior do que aquela que é feita na interação presencial. Diante do computador ou do celular, as crianças e adolescentes nem sempre percebem a extensão da publicidade e exposição ao compartilhar uma foto ou um vídeo. Os nudes não são compartilhados apenas em um aplicativo ou site específico. Os serviços preferidos pelos adolescentes mudam muito. Os aplicativos de mensagens usados para conversar com amigos e/ou partes de um relacionamento afetivo tendem a ser os mesmos usados para trocar conteúdo íntimo, uma vez que essas imagens passam a compor o repertório conversacional de muitos adolescentes no mundo contemporâneo. No caso dos nudes, o usuário perde o controle sobre a imagem de si com muita facilidade. Imagens de nudez podem se tornar virais, sendo distribuídas rapidamente fora dos limites previstos. Elas podem permanecer por anos na Internet e aparecer vinculadas ao nome do(a) envolvido(a) durante um longo período de sua vida. Quando não há espaços mediados pelos educadores nem pelos pais, a descoberta da sexualidade na adolescência acaba contando apenas com a ajuda de amigos nas próprias redes sociais, de respostas obtidas nos buscadores ou de conversas íntimas feitas com estranhos considerados amigos virtuais. Especialmente na adolescência, é fundamental que haja referências para que essas questões sejam abordadas de forma saudável, segura e com respeito às etapas do desenvolvimento. As habilidades de segurança dos adolescentes têm melhorado nos últimos anos, mas ainda temos muita urgência na promoção de atividades sobre uso seguro para que as novas gerações incorporem as dicas de segurança em seus hábitos. Vejamos algumas dicas básicas que todos nós precisamos seguir quando estamos on-line ou quando usamos aparelhos digitais. Proteção dos aparelhos e contas é um elemento básico para ampliar nossa segurança on-line. Um passo inicial e que vale tanto para as contas quanto para os aparelhos é usar sempre uma boa senha. As senhas são necessárias não apenas nas contas de redes sociais, e-mails e jogos, mas também em aparelhos celulares, tablets, modems, roteadores e até pen drives. Com o advento da chamada Internet das Coisas, precisamos começar a pensar em senhas para todo e qualquer objeto que se conecte à Internet, como câmeras de vigilância, televisões e outros aparelhos. Infelizmente, muitas pessoas ainda não levam suas senhas a sério e ficam vulneráveis a: Senhas fracas facilitam... ○ invasão de contas; ○ roubo de dados pessoais; ○ ter o perfil ou e-mail usado por criminosos. Existem rankings das piores senhas em uso, com base em listas de contas atacadas ao redor do mundo. Alguns exemplos de senhas muito fáceis e que nunca deveriam ser usadas: ○ senha ○ 123456 ○ data de aniversário ○ nome de time ou esportistas ○ número da residência ○ fusão de nomes de casais ○ nome do animal de estimação
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