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AGRADECIMENTOS Nos últimos remates deste trabalho, lembro e rememoro todos os caminhos trilhados para a sua realização, pelo que se torna claro o quanto tenho a agradecer pelo auxílio incontestável de muitos os que me rodeiam. A todas essas pessoas, uma calorosa gratidão. Agradecimentos especiais, Ao professor Rui Corredeira pela sua ajuda na descoberta e no acreditar em mim enquanto pessoa com competências, contribuindo deste modo para a reestruturação da minha identidade pessoal e profissional; À professora Adília Silva por contribuir, de forma irrefutável, na minha formação de base condicionando, com certeza, a minha prática profissional; À minha aluna, que já faz parte da minha vida; A todos os elementos de equipa da U.I.E. que me acompanharam, com total apoio e colaboração, de salientar as professoras Emília e Emanuela; A todos os professores que participaram na minha formação académica; Aos meus colegas de curso, de estágio e outros pela amizade e companheirismo que sempre demonstraram; À Paula, pelo carinho, compreensão e conhecimento que, ao longo deste ano, foi acrescentando ao meu processo de aprendizagem; Aos meus pais, irmã e tia Lena pela compreensão e amizade que mostraram ter em relação a tudo o que o trabalho implicou. Pela confiança e por me lembrarem de que era capaz; Ao Daniel, companheiro e amigo, pela enorme disponibilidade e prontidão demonstrada ao longo deste trabalho. Pelas horas mais difíceis de desânimo em que estiveste sempre presente. Pelo teu Amor. Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência RESUMO A educação pelo movimento, como acção psicomotora, evidencia a relação do próprio corpo através da sua prática, com a utilização das funções motoras, perceptivas, afectivas e sócio-motoras. Este estudo centrou-se na importância da educação psicomotora como base para outras aprendizagens mais ou menos complexas, no sentido de reforçar o carácter preventivo e o fundamentalismo da sua existência, visando o desenvolvimento integral e harmonioso dos alunos. A presente investigação pretende, deste modo, verificar a influência das 1ª, 2ª e 3ª Unidades de Luria e do perfil psicomotor (PPM) na multideficiência, através de uma avaliação psiconeurológica que ambiciona averiguar o progresso, as dificuldades e as capacidades efectivas. Tratando-se de um estudo de caso, a amostra foi composta por uma criança com multideficiência de nove anos de idade, portadora de deficiência mental, epilepsia, atraso motor e estrabismo. O instrumento utilizado foi a bateria psicomotora (BPM) elaborada por Vítor da Fonseca (1975), à qual recorremos em duas fases do trabalho: no momento inicial do estudo, a fim de se conhecer o estado inicial da aluna e conseguir adequar os objectivos às necessidades da aluna; e no momento final em que foi permitido constatar de forma quantitativa e explicativa esses mesmos resultados. Após a análise dos resultados, tornou-se possível verificar que a aluna em causa, na primeira aplicação da BPM, possuía um perfil psicomotor satisfatório com tendência a fraco. Contudo, durante a segunda aplicação apurou-se a sua adequada manutenção num perfil psicomotor satisfatório, no qual se evidenciaram melhorias em todos os factores, embora apenas o da lateralidade se revelasse com a significação desejada. Em suma, parece poder-se concluir que a criança com Multideficiência ao ser submetida a um trabalho psicomotor contínuo, demonstrou melhorias ao nível psicomotor. PALAVRAS-CHAVE: MULTIDEFICIÊNCIA, PSICOMOTRICIDADE, NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS, INTEGRAÇÃO ESCOLAR, BATERIA PSICOMOTORA DE FONSECA (1975). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência ÍNDICE Agradecimentos III Resumo V Índice VII Índice de Quadros IX 1. Introdução 1 2. Revisão da Literatura 5 2.1. Evolução do Conceito de Deficiente 5 2.2. Conceito de Necessidades Educativas Especiais 14 2.3. Abordagem de diferentes tipos de deficiências 17 2.3.1. A Multideficiência 17 2.3.2. A Deficiência Mental 21 2.3.3. A Epilepsia 26 2.3.4. Problemas Associados – o Atraso Motor e o Estrabismo 29 2.3.4.1. Perturbações no Desenvolvimento Motor 29 2.3.4.2. Estrabismo 29 2.4. Psicomotricidade 30 2.4.1. Conceito 30 2.4.2. Objectivos 32 2.4.3. O Sistema Psicomotor Humano e as Unidades Neuropsicológicas 33 Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência 3. Objectivos e Hipóteses 37 3.1. Objectivos do Estudo 37 3.1.1. Objectivo Geral 37 3.1.2. Objectivos Específicos 37 3.2. Hipóteses do Estudo 37 4. Material e Métodos 39 4.1. Caracterização da Amostra 39 4.1.1. A aluna 39 4.2. Instrumentos e Procedimentos de Aplicação 41 4.2.1. Estudo de caso / Observação do comportamento 41 4.2.2. Bateria de Testes Psicomotora – Vítor de Fonseca, 1975 42 4.2.3. Procedimentos Metodológicos 44 4.2.4. Procedimentos Estatísticos / Tratamento de dados 45 5. Apresentação e Discussão dos Resultados 47 5.1. 1ª Aplicação da Bateria Psicomotora – Vítor de Fonseca, 1975 47 5.2. 2ª Aplicação da Bateria Psicomotora – Vítor de Fonseca, 1975 51 5.3. Discussão dos Resultados 55 6. Conclusões 67 7. Referências Bibliográficas 69 8. Anexos I 8.1. Anexo 1 – Bateria Psicomotora – Vítor de Fonseca, 1975 III 8.2. Anexo 2 – Planos das Sessões realizadas XIII Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1: Alguns testemunhos que elucidam a origem do conceito de escola inclusiva 12 Quadro 2: Evolução até à inclusão (Rodrigues, 2001:127) 13 Quadro 3: O que incluir durante a realização de um programa educativo para as crianças/jovens com Multideficiência… (Adaptado de Saramago, 2004: 33-40) 20 Quadro 4: Etiologia da Deficiência Mental (Adaptado de Blasco et al, 1991:213-216) 24 Quadro 5: Características da Deficiência Mental (*Mantoan, 1992:217 e **Jasme e French, 1994 cit. Maia, 2002:31) 25 Quadro 6: Classificação das crises epilépticas 27 Quadro 7: Medidas a serem adoptadas durante uma crise epiléptica (Nielsen, 1999:87) 28 Quadro 8: Sistema Neuropsicológico (Adaptado de Fonseca, 1996:113 e 2004:210) 34 Quadro 9: Apresentação da relação entre as unidades de Luria com os factores e subfactores da BPM (Adaptado de Fonseca, 1992) 43 Quadro 10: Escala – Relação entre os pontos da BPM e o tipo de perfil psicomotor (Adaptado de Fonseca, 1992: 128) 45 Quadro 11: Escala – Cotação de cada uma das provas da BPM (Adaptado de Fonseca, 1992: 118) 46 Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência FORÇA DO AMOR “ (...) Existo porque um dia O amor pensou em mim E quis que fizesse parte Dos milhares de criaturas Deste universo. Muito antes de nascer Tive a alegria de ser amado. Do amor nasci, Para o amor converge Toda a minha vida. Eu amo a vida Que em mim renasce Abençoo e bendigo o amor, Nele me realizo plenamente. Amo e sou amado. Isso me torna profundamente feliz.” Carlo Bessa ,(aluno da APPACDM 29 anos) Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência1. INTRODUÇÃO Os sistemas e contextos sociais, especificamente no âmbito educativo, mantêm um conjunto de variáveis que nos permitem constatar e adquirir consciência sobre a essência de uma vida com qualidade. Algumas dessas variáveis são a integração e a inclusão dos indivíduos com deficiência e respectivas acessibilidades, as quais podem ser avaliadas através dos recursos disponíveis para a instrução de alunos com necessidades educativas especiais (N.E.E.), nos distintos estabelecimentos com propósito educativo. A escola é considerada, por um leque diversificado e abrangente de autores, um meio privilegiado de socialização. O sistema educativo define as estratégias e as práticas que, quando podem ser colocadas em prática, conduzem com bastante probabilidade ao sucesso, permitindo, neste sentido, um desenvolvimento o sobremaneira harmonioso para a criança. A principal meta das escolas inclusivas é o alargamento e o acesso a uma educação análoga para todos os alunos, contribuindo na correcção de atitudes discriminatórias e na criação de uma sociedade mais acolhedora e solidária. No caso particular da criança com N.E.E., essa perspectiva integracionista deve ser ainda mais enraizada em situações educativas (Bailão, Oliveira e Corbucci, 2002), até porque, tal como o conceito indica “só algumas das necessidades educativas da crianças são especiais, podendo uma maioria destas necessidades ser respondidas pelos meios habituais da escola, e desta forma, incentivar a integração escolar” (Rodrigues, 1997:204). As crianças com Multideficiência são caracterizadas por possuírem “atraso mental severo ou profundo, com uma ou mais deficiências sensoriais e/ou necessidades de cuidados especiais” (Orelove e Sobsey in Nunes, 2001:16). Todavia, outro aspecto deve ser considerado – a sua grande heterogeneidade. Nessa medida, o ensino e a intervenção devem ser altamente especializados e individualizados, observando com especial atenção todas as características, capacidades e limitações dos alunos. Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência A criança com Multideficiência, elevando as limitações anteriormente enunciadas, passa a apresentar problemas de expressão. Dentro das diversas e abrangentes áreas de intervenção, a psicomotricidade emerge como um meio da criança se relacionar com a acção e de expressar os seus sentimentos. Através de uma análise global, podemos inferir que a psicomotricidade, para além de educar o movimento dirigido, possibilitando que a criança lhe atribua um significado ou finalidade, também permite a estruturação, o mais regular possível, das funções cognitivas e afectivas (Fonseca, 1988). Preocupada com a problemática concernente à “criança com Multideficiência” no âmbito da educação motora e psicomotora, optamos por dar continuidade ao trabalho desenvolvido no ano precedente pelas minhas colegas de curso, realizando uma pesquisa sólida sobre uma aluna com multideficiência. O trabalho consistiu num estudo de caso na Unidade de Intervenção Especializada (U.I.E.), duma escola do Ensino Básico do Centro da área Educativa do Porto (C.E.P.), inserida na Direcção Regional da Educação do Norte (D.R.E.N.). Esta iniciativa foi possível através de um protocolo celebrado entre a Junta de Freguesia, onde se localiza a referida escola, e a Faculdade de Ciências de Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto, com prevalência da participação pelo Gabinete de Educação Física Especial. Foram leccionadas quarenta sessões no âmbito da expressão da Educação Física e da psicomotricidade, através da estimulação do domínio sensorial, da mobilização articular e das capacidades coordenativas. No que concerne à estruturação do estudo, salientamos que este se encontra organizado em cinco grandes etapas: revisão da literatura, objectivos e hipóteses, material e métodos, apresentação e discussão dos resultados e conclusões. Na primeira etapa, realizaremos uma revisão à literatura disponível, no qual serão sequenciados e desenvolvidos os cinco períodos na Educação Especial e delimitado o conceito de Necessidades Educativas Especiais. Posteriormente, faremos uma referência teórica à problemática da multideficiência, incidindo com brevidade e objectividade, nas deficiências e nos problemas associados da aluna em estudo. Pretendemos com esta Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência teorização dar a conhecer um conjunto de particularidades e individualidades próprias, que transformam a referida aluna num caso singular dentro da população que a caracteriza. Por fim, abordaremos ainda a psicomotricidade, no que respeita à sua conceptualização, objectivos e organização do sistema psicomotor humano e das unidades neuropsicológicas. Na segunda etapa, apresentaremos os objectivos e as hipóteses do presente estudo, enquanto na terceira parte, indicaremos a metodologia adoptada, bem como demonstraremos o instrumento aplicado e os procedimentos metodológicos e estatísticos utilizados. Na quarta fase são apresentados os resultados que obtivemos após as duas aplicações da referida bateria, pelo que de seguida se verificará a sua discussão e reflexão. Para finalizar, numa quinta fase apresentaremos as principais conclusões de forma sumária e sucinta, que deverá servir apenas para caracterizar e exprimir quantitativamente a nossa amostra, não devendo portanto ser generalizada. Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DEFICIENTE “Aristóteles definia ética como «O sentimento prevalecente duma comunidade, como o alicerce duma instituição ou sistema».” (Bento e Marques, 1990: 143) Ao longo dos tempos têm-se atribuído às pessoas com deficiência distintos papéis sociais, que vão ao encontro de valores e atitudes que são conservados e preservados no seu contexto social. Nessa medida, as pessoas que partilham a mesma estrutura social têm tendência a espelhar valores semelhantes, fomentando relações e contactos de igual forma. Daqui podemos inferir que “a forma como a sociedade ao longo da história foi encarando as pessoas com deficiência está intimamente ligada a factores económicos, sociais e culturais de cada época” (Bairrão et al., 1998:15). Muitas foram as concepções e práticas aplicadas, verificando-se períodos que permitiram, por um lado, evoluções muito significativas na sua integração, e por outro, afastamento e rejeição da sociedade. Neste contexto, parece-nos importante abordar, ainda que de forma sucinta e breve, a forma como se tem processado o atendimento a esta população. Esta abordagem histórica pode ser dividida segundo Lowenfeld, Kirk e Gallagher (Marques et al., 2001), em cinco grandes períodos: Separação, Protecção, Emancipação, Integração e Inclusão. 1º Período (até à Idade Média): FASE SEGREGACIONISTA “O deficiente mental é um criminoso em potência; quanto às mulheres deficientes mentais, são, em geral, agentes de propagação das doenças venéreas.” (Rosen, 1976 cit. Simon, 2000:13) Num primeiro período a sociedade tendia a separar os indivíduos ditos “normais” daqueles que possuíam algum tipo de deficiência. Esta época, vivida Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência até aos primórdios da Idade Média, parece ser caracterizada segundo Jimenéz (1997) e Sprinthalle Sprinthall (1998), por um conjunto de políticas de exclusão, separação e segregação, tais como a ignorância e a rejeição do indivíduo com deficiência. Estávamos na presença de uma época mágica, na qual se verificava a exaltação do valor da superstição, pelo que esta ideologia facilmente se tornava perceptível nos costumes e hábitos da sociedade então vigente. Nesse sentido, o divino – os deuses – constituíam-se como a base explicativa de todas as deficiências humanas sendo geralmente associadas “à imagem do diabo e a actos de feitiçaria e bruxaria” (Correia e Cabral, 1999a:13) e consideradas “possuídas pelo demónio e outros espíritos maléficos” (Jimenéz, 1997:22) que, uma vez aprisionadas, lhes eram aplicadas práticas de exorcismo como forma de salvação e de rendição. No entanto, ao entrar na segunda metade da Idade Média, sentimentos como a bondade e caridade sobrepuseram-se a outros que insistiam em evidenciar esta teoria teocentrista, pelo que a principal consequência parece ter sido a redução da atribuição da causalidade de demonologia e anormalidade às pessoas com deficiência (Leitão, 1980). 2º Período (Segunda metade da Idade Média): FASE PROTECCIONISTA “Os deficientes mentais eram internados (…) ali ficavam junto de delinquentes, velhos, pobres… indiscriminadamente.” (Jiménez, 1997:22) A alteração relativa de ideias e percepções dos seres racionais em relação às pessoas com deficiência conduziu a que, na segunda metade da Idade Média emergisse uma nova fase caracterizada pelo proteccionismo. Surgem então as primeiras religiões monoteístas, que fundam obras de caridade através da construção de asilos e hospitais. A vida começa a ser encarada como um dom sagrado, de tal forma a que, todos aqueles que agissem contra esse princípio, seriam sentenciados e condenados. Acreditava- Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência se que esta acção permitir-lhes-ia a obtenção de um bom lugar no céu (Blasco et al., 1993 e Marques et al., 2001). As pessoas com deficiência eram agora acolhidas e assistidas nessas instituições especiais, juntamente com pessoas idosas ou pobres, sem qualquer perspectiva educativa ou contacto social (Blasco et al., 1993). As primeiras intervenções e aplicações de carácter educativo, em ambientes segregados, já começam a evidenciar-se no terceiro período. 3º Período (1801): FASE EMANCIPADORA “Mas, ainda no século XIX, médicos e outros homens da ciência, dedicam-se decididamente ao estudo desses seres diferentes – os deficientes, como na altura eram chamados.” (Correia e Cabral, 1999a:13) No presente período, no qual predominavam valores renascentistas, os conceitos impregnados na cultura da Idade Média, tais como o divino ou o sobrenatural, foram substituídos pela valorização do Homem e da natureza. Começaram então a emergir, de forma gradual, inovações interessantes no domínio das artes, da literatura e das ciências (Borges e Vieira, 1994). O desenvolvimento da racionalidade em detrimento do sagrado, naturalmente associado à emergência da valorização do ser humano, convergiu na elaboração e apresentação dos primeiros estudos e experiências neste âmbito tão desconhecido como era o das pessoas com deficiência. Todas estas realizações objectivavam essencialmente o seu ajustamento “à sociedade, num processo de sociabilização concebido para eliminar alguns dos seus atributos negativos, reais ou imaginados” (Correia e Cabral, 1999a: 13). Um exemplo dessa diligência foi o distinto trabalho desenvolvido em 1801 por Jean Itard, considerado o “pai da Educação Especial”, ao realizar a primeira tentativa científica para educar uma criança com deficiência mental profunda, através do desenvolvimento de programas específicos de acordo com as necessidades educativas apresentadas (Correia e Cabral, 1999a). Outros estudos foram aparecendo, como são os casos publicados por Valentin Henri (abade da Epée), Simon e Louis Braille (Simon, 2000). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Dá-se, desta forma, início à institucionalização especializada das pessoas com deficiência, surgindo a Educação Especial. “A sociedade toma consciência da necessidade de prestar apoio a este tipo de pessoas embora esse apoio se revestisse, a principio, de carácter mais assistencial do que educativo” (Jimenéz, 1997:22). Em 1882, com a promulgação da lei sobre a obrigatoriedade do ensino primário e com a definição dos conteúdos de ensino, começa-se a debater e a argumentar, com maior profundidade, a problemática da educação da criança com deficiência (Marques et al., 2001). Mais tarde inauguram-se as primeiras classes de aperfeiçoamento, onde paralelamente se promovia a formação de professores com vista à posterior melhoria das condições de ensino e de aprendizagem desses alunos. A educação especial, neste período em tão rápido progresso e desenvolvimento, começou a ser ministrada em escolas especiais. Estas caracterizavam-se pela adopção de um ensino em regime de internato e especializado em cada tipologia de deficiência, de forma a responder às capacidades intelectuais das crianças (Marques et al., 2001). Nessas classes, ainda de forma segregada, poderiam estar presentes crianças com deficiência mental, sensorial e motora (Simon, 2000 e Marques et al.). Todavia, observar-se ainda neste período, defensores do ensino integrado, onde essas crianças são inseridas “a tempo total ou parcial em classes regulares, visando a sua integração escolar, familiar e social” (Marques et al., 2001: 75), através da criação das primeiras escolas regulares e classes especiais. Anteriormente à entrada no período da Integração, ainda se verificaram estudos de carácter investigativo, no sentido de permitir um saber mais elucidativo e sustentado sobre os diferentes tipos de deficiência e das classificações associadas (Simon, 2000 e Marques et al., 2001). No nosso país, inicia-se o debate sobre o Ensino Especial apenas no século XIX, o que permitiu a essas crianças formas de ensino mais organizadas, apesar de ainda se verificar um regime segregado (Bairrão et al.,1998). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência 4º Período (Início do século XX) FASE INTEGRADORA : “Já não é necessário que o aluno se adapte à escola, agora é a escola que tem de adaptar-se ao aluno.” (Turnbull e Turnbull, 1986:s/p cit. Correia e Cabral, 1999b:25) As Grandes Guerras do século XX originaram o aparecimento de um número colossal de pessoas “mutiladas, mentalmente perturbadas e estropiadas” (Silva, 2004:278). Consequentemente, estes acontecimentos promoveram nas sociedades atingidas, novos olhares sobre a Educação Especial, pelo que foi possível observar uma relativa igualdade de oportunidades para as crianças com necessidades educativas especiais (NEE)1 no interior das escolas regulares (Correia e Cabral, 1999b e Silva, 2004). A Integração desta população é encarada com bastante relevo e importância pelas pessoas “ditas normais”, o que impulsiona uma filosofia de mudança de Educação Especial, gerando grandes reformulações que, segundo Correia e Cabral (1999b), são fundamentadas num princípio básico: “a escola está à disposição de todas as crianças em igualdade de condições e é obrigação da comunidade proporcionar-lhes um programa público e gratuito de educação adequado às suas necessidades” (pág. 14). O seu propósito prende- se essencialmente na ampliação de oportunidades, assumindo deste modo uma necessária redução dasbarreiras que, de forma incontestável, tinham vindo a contribuir substantivamente para a sua exclusão e segregação (Sprinthall e Sprinthall, 1998). O principio da Integração, anteriormente enunciado, baseia-se nos objectivos que regem o conceito de normalização – desenvolvido por Nirjke (1978) cit. Rodrigues (2003) –, uma vez que este, através de um conjunto de medidas legislativas e educacionais, defende que todos os alunos devem usufruir dos mesmos direitos, sejam eles alunos com ou sem NEE (Silva, 2004). Daqui se subentende que a normalização pretende a igualdade de todos e para todos, através da “afirmação do direito à diferença” (Marques et al., 2001:75). 1 Novo conceito que será abordado posteriormente a este capítulo. Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Em 1975 foi publicada uma lei designada por Public Law 94-142, isto é, Lei da Educação para todas as Crianças Deficientes, que veio marcar este período. A inclusão desta Lei na legislação vigente, tem como desígnio supremo que todos os sistemas educativos melhorem os seus serviços de Educação Especial, a fim de possibilitar que as crianças com NEE sejam sujeitas às mesmas condições de realização. Desta forma, reforçamos a ideia que essas crianças passaram, a partir deste momento, a ter o direito a um plano educativo especializado, multidimensional e individualizado, no qual todo o processo de ensino e de aprendizagem deverá ser adequado, tanto no que concerne à intervenção como no que respeita à avaliação (Correia e Cabral, 1999b). Integração escolar define-se como “um processo que pretende unificar a educação regular e a educação especial com o objectivo de oferecer um conjunto de serviços a todas as crianças, com base nas suas necessidades de aprendizagem.” (Birch, 1974 cit. Jiménez, 1993:29) Rodrigues (1995) acrescenta que a “integração é o resultado da relação entre as características individuais e as características do meio” (pág. 529), na medida em que as primeiras se manifestam como limitações, dependendo do meio onde se encontram. Ou seja, a mesma pessoa pode manifestar as suas possibilidades de formas distintas, quando confrontada com envolvimentos divergentes. Nesta ordem de ideias, torna-se fundamental que o processo educativo se efectue num espaço, o menos restrito possível, a fim de responder eficazmente a cada um na sua individualidade, alargando-se progressivamente ao lugar onde a criança passa o seu quotidiano, mobilizando recursos de ordem humana e material (Sanches, 1995). Portugal começou a manifestar algum interesse nesta área através da criação de «classes especiais», que posteriormente na década de 60, se alargaram para domínios de maior cariz integracionista. Este comportamento tem vindo a permitir uma plena participação dos alunos com NEE em classes regulares, apesar de lhes ser prestado apoio educativo, de forma permanente ou temporária nas “salas de apoio” (Correia, 1995; Bairrão et al., 1998 e Correia e Cabral, 1999b). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Neste clima de progresso e desenvolvimento das concepções integracionistas, é proclamada em Maio de 1989, a Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência. Esta focaliza a sua preocupação na promoção e na aplicação integral dos direitos desta população enquanto inserida na comunidade, onde se torna por demais evidente a importância das áreas “da prevenção da deficiência, do tratamento, da reabilitação e da equiparação de oportunidades” (Decreto-Lei n.º 9/89, Assembleia da Republica). Posteriormente a esta, é publicado no Diário da República o Decreto-Lei 319/91, que pretende actualizar e alargar os campos de acção de todas as crianças com NEE, sobretudo aquelas que “frequentam os estabelecimentos públicos de ensino” (Correia e Cabral, 1999b:29), prescrevendo, inequivocamente, o direito à integração dentro dos seus três níveis – físico, social e académico (Correia, 2003). 5º Período (A partir de 1994): FASE INCLUSIVA “O princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentem.” (UNESCO, 1994:15) Quadro 1: Alguns testemunhos que elucidam a origem do conceito de escola inclusiva DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (1948) “Toda a pessoa tem direito à educação. (…) o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade” DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA (1959) “Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de oportunidades - desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral”. “REGULAR EDUCATION INITIATIVE (REI)” Defende ”a adaptação da classe regular por forma a tornar possível ao aluno a aprendizagem nesse ambiente” (Will, 1986 cit. Correia e Cabral, 1999b:32). Quadro 1: Alguns testemunhos que elucidam a origem do conceito de escola inclusiva (cont.) DECLARAÇÃO DE SALAMANCA Pretende-se “promover o objectivo da Educação para Todos, examinando as mudanças fundamentais (…) para desenvolver a abordagem de educação inclusiva, nomeadamente, capacitando as escolas para atender todas as crianças, sobretudo as que têm necessidades educativas especiais” (UNESCO, 1994:iii). Como podemos observar no quadro n.º1, existiram vários movimentos e testemunhos que contribuíram para a consagração do princípio da Inclusão, que apesar de controverso para alguns pensadores, gerou grandes evoluções e deu lugar à proclamação da «Declaração de Salamanca». Esta foi assinada por um conjunto de 92 governos, incluindo Portugal, e 25 organizações internacionais (UNESCO, 1994 e Oliveira, 2002). Esta mútua preocupação constituiu-se como uma verdadeira “magna carta da mudança de paradigma da escola integrativa para a escola inclusiva” (Rodrigues, 2003:75), uma vez que questiona três grandes aspectos intrínsecos à educação: o papel de todos os intervenientes do ensino regular e do ensino especial; a natureza das NEE; e a adequação do currículo às necessidades educativas dos alunos (Correia, 2003). A Inclusão deve sustentar a sua expansão numa pedagogia centrada na criança (Bailão et al., 2002), na qual cada uma deve ser encarada como um “enigma a ser desvendado” (Oliveira, 2002:s/p), por forma a seguir a máxima de Delfim Santos (s/d): “Educar é imundar”. Neste contexto, e para que a criança com NEE consiga maximizar as suas aprendizagens, tanto a nível académico como social, devem ser proporcionadas distintas formas de participação. Para que se torne um procedimento que prime pela exequibilidade, ter-se-á de recorrer a serviços de apoio especializados que consigam ir de encontro às suas características e necessidades (Correia, 2003, Pereira et al., 2004 e Rocha, 2004). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Quadro 2: Evolução até à inclusão (Rodrigues, 2001:127) SEGREGAÇÃO INTEGRAÇÃO INCLUSÃO Exclusão da corrente principal Juntar as partes num todo (implica o ingresso de alguém na corrente principal, que poderá ter sido previamente excluído) Fazer parte de um todo (implicao desenvolvimento de um sentido de comunidade onde, em apoio mútuo se fomente o sucesso escolar para todos os alunos) Fase I Integração física nas escolas públicas Fase II Integração social nas escolas públicas (a via comum) Fase III Integração cognitiva (envol- vimento académico nas classes regulares das escolas públicas) Através de uma análise cuidada do quadro n.º 2, e tendo por base o que foi enunciado, podemos contactar que até chegarmos ao princípio da inclusão passamos por distintos períodos, os quais pretendiam nortear o lugar da pessoa com deficiência. Os primeiros caracterizavam-se pela segregação destas pessoas, apesar de já se evidenciarem alguns traços proteccionistas e emancipadores. Posteriormente, estas pessoas começam a ser inseridas, dispondo de um suporte legal, embora continuem a ser “intitulados” como “deficientes”, o único que carece de NEE. Actualmente já se procura responder “de forma apropriada e com alta qualidade, não só à deficiência mas a todas as formas de diferenças dos alunos (culturais, étnicas, entre outras) ” (Rodrigues, 2003:75). Estamos portanto em presença de um ensino que pretende valorizar a diversidade e a heterogeneidade, gerando processos de ensino e de aprendizagem integrais e globais (Correia, 2003). “Potenciar a inclusão (…) pressupõe o desenvolvimento de uma política educativa não segregacionista, com estratégias de educação susceptíveis de assegurar uma diferente e eficaz promoção do princípio da igualdade de oportunidades.” (Patrício, 2004:45) Podemos inferir deste modo que todos os pressupostos enunciados só evidenciam distinta relevância se os principais actores da educação agirem com vontade e responsabilidade perante os objectivos da inclusão, “pelo que o destino desta poderá depender muito mais da liderança e do clima de inclusão que cada escola for capaz de criar” (Rocha, 2004: 319). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência 2.2. CONCEITO DE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS No percurso trilhado pela Educação Especial deparamo-nos com evoluções e progressões relativas aos conceitos e direitos estabelecidos para as pessoas com deficiência. Segundo Correia (1999), estas modificações que vêm presenteando as sociedades, têm vindo a enaltecer e a assinalar a importância da igualdade de oportunidade e de liberdade. Estes conceitos começaram a observar-se com o início da normalização, no qual se considerava que essas pessoas deveriam manter um quotidiano o mais “semelhante possível ao do indivíduo dito «normal»” (pág. 47). Posteriormente, e no que concerne aos dois últimos períodos - a integração e a inclusão -, foi- se verificando soluções mais apropriadas no atendimento, principalmente no campo de acção educacional (Jiménez, 1997 e Correia, 1999). Compreende-se, neste âmbito de raciocínio, que a escola é entendida como um espaço de educação e, principalmente, de sociabilização para a cultura, pelo que as trocas interpessoais enriquecem e permitem que várias soluções sejam colocadas face aos problemas que aparecem no quotidiano da criança. Este agente educativo tem vindo a promover uma pedagogia centrada no aluno, através da implementação de conteúdos curriculares e métodos de ensino adaptados às suas necessidades individuais, educando-os com sucesso e com respeito pela diferença (UNESCO, 1994). Surge, neste contexto, o termo “integração escolar” (Jiménez, 1997:9), o qual deu inicio à associação do Ensino Regular com o Especial. Esta relação é efectuada através da progressiva conversão de conceitos e de práticas discriminatórias e homogéneas, objectivando outras que primem pelo respeito, pela diversidade e pelo princípio da integração (Jiménez, 1997). Uma das alterações, assumida por Rodrigues (1995) como essencial, foi a do termo de «aluno deficiente» por «aluno com Necessidades Educativas Especiais». O conceito de NEE surge pela primeira vez em 1978 no Relatório de Warnock. Decorrem daqui outros movimentos de ordem legislativa, os quais dão lugar ao Decreto-Lei nº 319/91. Este normativo veio permitir o preenchimento de algumas lacunas presentes no sistema educativo, pelo que, Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência para além de abordar um conjunto de direitos que as pessoas com deficiência podem desfrutar, também introduziu conceitos como o de «NEE» e o de «meio menos restrito possível», incidindo a sua atenção na possibilidade de concretização das suas reais potencialidades (Correia, 2003). Muitos foram os estudiosos e investigadores que tentaram inovar e conferir uma abrangência e diversidade de sentidos e alterações ao conceito de NEE. Contudo, a maioria parece convergir para esta ideia de educação, na medida que se direcciona para as crianças, e cujo diagnóstico se revela sempre pelo menos um dos três níveis de caracterização da pessoa com deficiência – deficiência, incapacidade ou desvantagem (Rodrigues, 1995). Daqui podemos concluir que este grupo é nitidamente heterogéneo, pelo que duas pessoas com o mesmo nível de deficiência podem apresentar distintas desvantagens ou incapacidades. “Uma Deficiência corresponde a toda a perda de substância ou alteração duma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatómica. Uma Incapacidade corresponde a toda a redução (resultante duma deficiência), parcial ou total, da capacidade de executar uma actividade de maneira normal ou nos limites considerados normais para um ser humano. Um Handicap é uma desvantagem social para um dado individuo, resultante de uma deficiência ou duma incapacidade que limita ou proíbe o cumprimento dum papel normal.” (Conselho da Europa, s/d:16) Segundo o Ministério da Educação (2002), alunos com NEE são aqueles que “exigem recursos ou adaptações especiais no processo de ensino e de aprendizagem que não são comuns à maioria dos alunos da sua idade, por apresentarem dificuldades ou incapacidade que se reflectem numa ou mais áreas de aprendizagem” (pág. 6). Pressupomos então que uma escola regular deve ser capaz de oferecer um conjunto de necessidades educativas e de necessidades educativas especiais. Estes dois tipos devem-se manter associados e harmoniosamente articulados, para que seja possível oferecer respostas adequadas e apropriadas (Rodrigues, 1995 e Jimenéz, 1997). Rodrigues (1997) chega mesmo a esclarecer que “só algumas das necessidades Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência educativas das crianças são especiais, podendo uma maioria destas (…) ser respondida pelos meios habituais da escola e, desta forma, incentivar a integração escolar” (Rodrigues, 1997:204). Por este motivo, será necessário proceder a “adaptações curriculares, mais ou menos generalizadas, de acordo com o quadro em que se insere a problemática da criança ou do adolescente” (Correia, 1999: 48). Quando se destaca que as adaptações curriculares podem ser «mais ou menos generalizadas», pretende-se transmitir a ideia de que podem ser classificadas num dos dois tipos de NEE: as permanentes e as temporárias, consoante o grau da problemática que a criança demonstra (Correia, 1999). “As NEE permanentes são aquelas em que a adaptação do currículo é generalizada e objecto de avaliação sistemática de acordo com os progressos do aluno no seu percurso escolar” podendo-se encontrar essencialmente “crianças e adolescentes cujas alterações significativas no seu desenvolvimento foram provocadas (…) por problemas orgânicos, funcionais e, ainda, por défices socioculturais e económicosgraves.” (pág.49) “As NEE temporárias são aquelas em que a adaptação do currículo escolar é parcial e se realiza de acordo com as características do aluno, num certo momento do seu percurso escolar. Geralmente podem manifestar-se como problemas ligeiros de leitura, escrita (…) atrasos ou perturbações menos graves ao nível do desenvolvimento motor, perceptivo, linguístico ou socioemocional.” (pág.52) (Correia, 1999) A subsistência das crianças com NEE dentro das escolas regulares, ou seja, a aplicação do princípio da Integração, é conotada com uma importância desmedida, na medida em que eleva e permite a obtenção de alguns dos seus direitos fundamentais, como por exemplo: o direito à educação; o direito à igualdade de oportunidades; e o direito à participação social (Rodrigues, 1995). Todavia, concordando com o pensamento de Correia (2003), ao nos encaminharmos para a aplicação do princípio da Inclusão, ou seja, “a inserção do aluno com NEE, em termos físicos, sociais e académicos nas escolas regulares” (pág. 11), verificamos que heterogeneidade e diferença são conceitos bem consolidados no acto educativo, acabando por permitir o desenvolvimento de sociedades escolares mais ricas e mais profícuas. Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência 2.3. ABORDAGEM DE DIFERENTES TIPOS DE DEFICIÊNCIA A Multideficiência é caracterizada por englobar um grupo de pessoas cujas particularidades e especificidades demonstram uma grande heterogeneidade e diversidade, podendo demonstrar maior ou menor complexidade, sendo portanto um conceito, cuja manifestação depende sobremaneira das interacções e das relações estabelecidas entre as diferentes deficiências. Neste contexto, pensamos que uma caracterização da amostra utilizada, com base na definição e concepção de multideficiência per se, tornar- se-ia, com grande probabilidade, redutora e, desta forma, limitaria o desenvolvimento e entendimento do nosso trabalho. Neste sentido, parece ser fundamental atender às combinações, interrelações e interacções, não nos cingindo à irreal adição que as distintas deficiências naturalmente comportam, pelo que o principal fito desta parte do nosso trabalho é o de demonstrar as possíveis influências, quanto ao tipo e grau de gravidade, que cada deficiência poderá expressar no desenvolvimento da criança, com individualidade própria e única de si mesma. Assim, começamos por classificar a multideficiência, a deficiência mental e a epilepsia, passando posteriormente para a consideração do atraso motor e do estrabismo. 2.3.1. A MULTIDEFICIÊNCIA A multideficiência é definida por alguns autores como uma condição que abrange indivíduos com significativas limitações no domínio cognitivo, apresentando igualmente uma associação de limites sensoriais (audição e visão) e de limites motores (Contreras e Valência, 1997 cit. Nunes, 2002 e Orelove e Sobsey, 2000 cit. Saramago et al., 2004). No entanto, a criança com multideficiência “é mais do que uma mera combinação ou associação de deficiências” (Nunes, 2001:16), na medida em que cada uma delas possui particularidades e individualidades próprias, transformando-as num caso singular dentro da população que a caracteriza (Ministério da Educação, 2004). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Perante a caracterização apresentada, podemos verificar que dada a interacção das dificuldades e necessidades da criança com multideficiência, o sistema educativo depara-se com um conjunto de desafios, aos quais terá de encontrar respostas (Nunes, 2001 e 2002). Segundo Saramago (2004), sustentando-se numa declaração da The Association for Persons with Severe Handicaps (TASH), esta população necessita de um apoio permanente aquando da aprendizagem de actividades da vida diária, com o intuito de poderem participar activamente no seu contexto social e escolar. Relativamente ao último contexto enunciado, a criança ou jovem com multideficiência apresenta NEE permanente, transformando-se num ensino que deve ostentar estratégias e formas de intervenção abrangentes, diversificadas, complexas e, necessariamente, específicas para cada aluno (Nunes, 2001 e 2002; e Ministério da Educação, 2004). “A interacção entre as diferentes limitações influencia, não só o seu desenvolvimento, mas também a forma como aprendem e como funcionam nos diferentes ambientes de vida, daí decorrendo necessidades únicas e excepcionais.” (Saramago, 2004:29) As causas da multideficiência são importantes para compreender esta condição, sendo com frequência, sustentada e baseada em etiologias congénitas ou adquiridas. Como já foi referido, esta população caracteriza-se pela sua heterogeneidade e diversidade, dependendo o seu grau de complexidade das interacções entre as deficiências que lhe estão associadas. Torna-se elementar abordar e conhecer algumas das características que cada criança ou jovem pode apresentar de acordo com a sua problemática (Nunes, 2002 e Saramago, 2004), com o objectivo de serem proporcionadas formas de ensino e de intervenção efectivas. No entanto, apresentam-se ainda em número insuficiente, o que poderá originar algumas dificuldades na posterior compreensão do referido grupo. “Os alunos que ele trabalha na escola provêm da comunidade e a ela regressam, nela vivem. É um vaivém quotidiano e é um vaivém essencial” (Patrício, 1993:28) Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Segundo Orelove e Sobsey (2000) cit. Nunes (2002), a educação das crianças com multideficiência carece de três grandes blocos de necessidades, sendo estas físicas e médicas; educativas; e emocionais. No que respeita às primeiras necessidades – físicas e médicas – pensa-se que a multideficiência pode ser essencialmente originada pela ocorrência de Paralisia Cerebral, o que conduz a posteriores limitações no domínio motor, como é o exemplo de posturas e mobilizações incorrectas. As limitações sensoriais, os problemas respiratórios e as convulsões são muito frequentes, pelo que um educador/familiar deverá apresentar uma preocupação adicional nestes domínios de conhecimento, pois estas limitações podem condicionar outros durante a sua aprendizagem. Assim, compreende-se que possam apresentar maior vulnerabilidade a doenças, uma vez que apresentam uma menor resistência física. No que concerne às necessidades educativas, estas assemelham-se às das pessoas com deficiência mental profunda. Contudo, poderá ser ainda agravada, em virtude de problemas associados no domínio motor e / ou sensorial, como é o exemplo da frequente impossibilidade do uso da comunicação verbal. No entanto, as NEE irão depender do aluno com que se actua, direccionando-o para um ensino especializado, adaptado e ajustado às suas capacidades e características pessoais. Por último, as necessidades emocionais passam pela capacidade de estimulação constante, em ambiente de grande afecto e atenção, de forma a proporcionar oportunidades de interacção entre os distintos intervenientes que estão presentes no seu quotidiano. Pelas necessidades e limitações apresentadas constatamos que as crianças e jovens com multideficiência podem manifestar dificuldades, tanto no seu desenvolvimento, como na sua aprendizagem e interacção com as pessoas que a rodeiam. Qualquer uma das deficiências associadas vão contribuir de forma crucial para a não concretização de determinadas capacidades. Aqui encontra-se explicitada a importância de uma intervenção que consiga explorar o ambiente natural eque mantenha uma comunicação, sobretudo através de estímulos simples e direccionados para o que é realmente relevante, que se Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência ajuste e adapte ao aluno, no sentido de conseguir obter a informação necessária, mesmo que de uma forma casual ou acidental (Saramago et al., 2004). Segundo os mesmos autores, as crianças e jovens com multideficiência poderão apresentar certas limitações, que poderão ser superadas através do reconhecimento e adopção de um programa educativo que responda efectivamente às necessidades do aluno com multideficiência. Para estes indivíduos é necessário trabalhar sobre dois grandes objectivos: as dificuldades de aprendizagem e a competência comunicativa (Saramago, 2004). Quadro 3: O que incluir durante a realização de um programa educativo para as crianças/jovens com Multideficiência… (Adaptado de Saramago, 2004: 33-40) Experiências significativas, organizadas e diversificadas – proporcionar vivências e experiências que dote a criança de saberes disciplinares e não disciplinares, que promovam a interacção e a comunicação. Independência na vida futura – associar a intervenção utilizada nas características e ambientes onde o aluno está ou irá estar inserido (relação escola vs. sociedade). Generalização das aprendizagens realizadas – garantir que as distintas capacidades ensinadas possuem significação na sua utilização e possibilitem um transfer para as seguintes, servindo de suporte para aprendizagens futuras. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Interacções comunicativas – ser capaz de reconhecer e interpretar os estímulos e sinais enviados pelo aluno, a fim de incrementar a oportunidade de respostas. Proximidade social – ser capaz de reconhecer e interpretar os estímulos e sinais enviados pelo aluno, a fim de incrementar a oportunidade de respostas Troca de informações – ser capaz de reconhecer e interpretar os estímulos e sinais enviados pelo aluno, a fim de incrementar a oportunidade de respostas COMPETÊNCIA COMUNICATIVA Rotinas de comportamento social – ser capaz de reconhecer e interpretar os estímulos e sinais enviados pelo aluno, a fim de incrementar a oportunidade de respostas Através do quadro n.º 3 verificamos que muitos são os campos e dimensões susceptíveis de intervenção, permitindo assim o aumento e a potenciação das respostas das crianças e jovens com multideficiência. No entanto, para que estes objectivos sejam alcançados, o professor terá de intervir com base numa conjuntura de saberes e conhecimentos teórico- práticos, que tenham em consideração as características próprias e individuais do seu aluno (Saramago, 2004). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência 2.3.2. A DEFICIÊNCIA MENTAL As tentativas de conferir uma definição única de deficiência mental primam pela diversidade e abrangência sobretudo pela persistência com que surgem. Porém, é conhecido que estamos perante um tema gerador de pouca consensualidade, o que induz naturais divergências entre vários autores de diferentes áreas, como por exemplo, a Medicina, a Psicologia, o Serviço Social e a Educação. Jean Itard parece ter sido o primeiro profissional que tentou realizar um trabalho com um menino portador de deficiência mental. Não obstante os resultados encontrados se revelarem menos positivos que o ambicionado, um dos seus alunos, Edward Seguin, após vários estudos neste ramo, conseguiu desenvolver um trabalho bastante complexo com crianças e adultos portadores desta deficiência. Este, fazendo progredir as suas conquistas relativas à temática em causa, criou condições para que as pessoas com deficiência mental se integrassem na sociedade (integração / inclusão). Actualmente, segundo Grossman (1977) cit. Kirk e Gallagher (1991), existem cinco correntes teóricas que definem a deficiência mental. Apresentamos primeiramente as três mais antigas e, de seguida, as duas mais representativas da nossa actualidade: 1. CORRENTE PSICOLÓGICA OU PSICOMÉTRICA: Binet e Simon defendem que o indivíduo com deficiência mental manifesta um défice das suas capacidades intelectuais. A quantificação dessas capacidades são feitas por testes e expressas por valores de Quociente de Inteligência (Q.I.). 2. CORRENTE SOCIOLÓGICA OU SOCIAL: Kanner, Doll, Tredgold, entre outros autores, defendem que a deficiência mental se expressa de acordo com o maior ou menor ajustamento aos comportamentos adaptativos, isto é, a quantidade de eficácia ou o grau segundo os quais o indivíduo realiza os padrões de independência pessoal e de responsabilidade social esperados pelo seu grupo cultural e etário. Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência 3. CORRENTE MÉDICA OU BIOLÓGICA: A deficiência mental e, segundo esta corrente, dominada por factores biológicos, anatómicos ou fisiológicos, manifestando-se durante o período de desenvolvimento (ou seja, até aos 18 anos de idade). Estas três correntes surgiram a partir das duas definições abaixo apresentadas: AADM (Associação Americana da Deficiência Mental): “A deficiência mental refere-se ao funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, que coexiste com falhas no comportamento adaptador e se manifesta durante o período de desenvolvimento.” (Grossman, 1977 cit. Kirk e Gallagher, 1991: 120) OMS (Organização Mundial de Saúde) – CID.10: “As pessoas portadoras desta doença possuem uma capacidade intelectual sensivelmente inferior à média, que se manifesta ao longo do desenvolvimento e está associada a uma clara alteração dos comportamentos adaptativos”. Para uma melhor adaptação dos reais factores intervenientes na classificação desta população, em 1992 e posteriormente em 2002, foram propostas algumas redefinições pela A.A.D.M. do conceito de deficiência mental. Para um melhor esclarecimento, apresentamos a definição mais actual: “A característica essencial do Retardo Mental é um funcionamento intelectual significativamente inferior à média (Critério A), acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em, pelo menos, duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, auto cuidados, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, auto-suficiência, habilidades académicas, trabalho, lazer, saúde e segurança (Critério B). O início deve ocorrer antes dos 18 anos (Critério C)” (in www.psiqued.med.br/cid/ cid10.html). Com a redefinição dos conceitos apresentados anteriormente, também foram completadas e reformuladas algumas das correntes teóricas. Como tal, torna-se necessária a sua análise e compreensão ao nível das linhas actuais pelas quais se circunscrevem, no sentido de as inserir num contexto adequado de realização desse estudo. Assim, como foi já referido, serão explicitadas em seguida, as duas ideologias mais em voga: Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência http://www.psiqued.med.br/cid/ http://www.psiqued.med.br/cid/cid10.html/ http://www.psiqued.med.br/cid/cid10.html/ http://www.psiqued.med.br/cid/cid10.html/ http://www.psiqued.med.br/cid/cid10.html/ http://www.psiqued.med.br/cid/cid10.html/ http://www.psiqued.med.br/cid/cid10.html/ 4. CORRENTE COMPORTAMENTALISTA: Os investigadores da Análise Experimental do Comportamento apontam a influência do ambiente como a causa da deficiência mental. “O défice mental é um défice decomportamento que deverá ser interpretado como produto de interacção de quatro factores determinantes: Factores biológicos passados – genéticos, pré, peri e pós-natais; Factores biológicos actuais – drogas ou fármacos, cansaço ou stress; História anterior de interacção com o meio – reforço; Condições ambientais presentes ou outras situações actuais”. (Cuberos, 1997: 211) 5. CORRENTE PEDAGÓGICA: Para os autores defensores desta ideologia, o indivíduo portador de deficiência mental é considerado aquele que possui maiores ou menores dificuldades em seguir o processo de ensino-aprendizagem no ensino regular. Assim, mediante as suas limitações, o processo terá de ser constantemente adaptado para que o aluno, como pessoa individual, consiga acompanhar o ensino (regular ou adaptado) e possa atingir o sucesso. Os conhecimentos das causas que conduzem à deficiência mental revelam-se fundamentais na prevenção desta perturbação. Segundo Grossman, podem ser identificados nove agentes que a podem induzir: infecção e intoxicação; trauma ou agente físico; metabolismo ou nutrição; doença cerebral grave; influência pré-natal desconhecida; anormalidade cromossómica (Kirk e Gallagher, 1991). Será então apresentada de uma forma profícua e pormenorizada, os factores acima mencionados, para que nos seja possível obter uma melhor compreensão da deficiência mental. Parecem existir diversos modos de classificar os indivíduos com deficiência mental, que assentam em diferentes perspectivas. Uma destas baseia-se no critério de graus de deficiência, na qual podemos considerar o ligeiro, o moderado, o grave (ou severo) e o profundo (A.A.D.M.). Por outro lado, quando direccionamos a nossa atenção para uma perspectiva essencialmente educacional, compreendemos a existência de uma escala que percorre as classificações de atraso ligeiro, moderado, severo e profundo ou então, de educável, treinável e dependente. Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Quadro 4: Etiologia da Deficiência Mental (Adaptado de Blasco et al, 1991:213-216) Alterações genéticas – metabolopatias, endocrinopatias, síndromes polimalformativos, outras genopatias FACTORES GENÉTICOS Cromossomopatias – síndromes gonossómicos, síndromes autossó- micos específicos, síndromes autossómicos não específicos. Factores pré-natais: embriopatias e fetopatias (infecções, endócrino- metabolopatias, radiações e perturbações psíquicas). As intoxicações, ou seja, o uso de drogas, de medicamentos, de produtos tóxicos, etc., ingeridos por parte da mãe, vão influenciar indirectamente o código genético. Factores peri-natais e neo-natais: prematuridade, metabolopatias, síndrome de sofrimento cerebral, anóxias e hipóxias de parto, convulsões, infecções e incompatibilidade ao factor Rh. FACTORES EXTRÍNSECOS Factores pós-natais: infecções, endocrinometabolopatias, convulsões, intoxicações, traumatismo crânio-encefálicos, factores ambientais e abuso físico. Apresentaremos a classificação defendida pela A.A.D.M. de uma forma mais complexa e incisiva. Esta classificação, no seu início, atendia unicamente aos valores de Q.I., mas a partir de 1992, a classificação é complementada com a verificação de concretização dos diferentes comportamentos adaptativos, para que se pudesse concluir acerca das necessidades de apoio que seriam necessárias. Posteriormente, essas necessidades foram avaliadas e definidas em função da sua duração e extensão – apoios intermitentes, apoios limitados e apoios passivos. Segundo Kirk e Gallagher (1991), é possível relacionar os valores de Q.I. com os níveis de deficiência mental: a D.M. ligeira encontra-se entre 50-55 a 70; a D.M. moderada é assumida entre 35-40 e 50-55; a D.M. severa é compreendidade entre 20-25 e 35-40; e por fim, a D.M. profunda é colocada nos valores abaixo dos 20-25. Com estes testes torna-se possível a realização de uma avaliação do funcionamento intelectual, que se encontra relacionada com as áreas académicas ou didácticas. Isto é, estes testes medem unicamente a capacidade do indivíduo em resolver problemas e acumular conhecimentos, pelo que podemos assumir que se trata de uma avaliação incompleta e redutora. Assim, parece-nos que se torna essencial a existência de uma segunda área, os comportamentos adaptativos, que consiga adaptar o indivíduo ao meio onde está inserido, de acordo com o seu grupo etário e cultural. Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Em resumo, na actualidade, à luz da última definição da A.A.D.M., a deficiência mental é observada não como uma condição pessoal que implica uma incompetência funcional e relacional, mas ao invés, como um conjunto de limitações que condicionam a forma como o indivíduo se adapta ao meio social envolvente e às condições de vida que possui. “Não existem duas pessoas, deficientes ou não, que possuam as mesmas experiências ambientais ou a mesma constituição biológica”. (Pacheco e Valência, 1997:217) A população com deficiência mental prima pela heterogeneidade, pelo que para que seja possível compreender e trabalhar uma pessoa com tal particularidade, é necessário enfatizar e ter presente que todas as características aqui apresentadas não podem ser generalizadas a toda a população. Ou seja, simplesmente não existem duas pessoas iguais e os indivíduos com deficiência mental não fogem a esta máxima. Quadro 5: Características da Deficiência Mental (*Mantoan, 1992:217 e **Jasme e French, 1994 cit. Maia, 2002:31) FÍSICAS* Falta de equilíbrio; dificuldades de locomoção; dificuldades de coordenação; dificuldades de manipulação. PESSOAIS* Ansiedade; falta de auto controlo; tendência para evitar situações de fracasso mais do que para procurar o êxito; possível existência de perturbações da personalidade; fraco controlo interior. COGNITIVAS* Problemas de memória (activa e semântica); problemas de categorização; dificuldades de atenção; auto-regulação; problemas de aprendizagem escolar; problemas de resolução de problemas; e défices linguísticos. SOCIAIS* Atraso evolutivo em situações de jogo, lazer e actividade sexual. SOCIAIS** Adquirir desempenhos vocacionais; acertar desempenhos de comunicação e de sociabilização; poderão necessitar de apoio quando estão em situações depressivas; poder obter empregos, casar e viver muito perto daquilo que as pessoas “ditas” normais vivem. PSICOMOTORAS** 2 a 4 anos abaixo das crianças ditas “normais”. As características apresentadas reportam-se a um conjunto de observações e análises experimentais realizadas à referida população. Estes indivíduos apresentam determinadas particularidades, que os distinguem dos Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência demais, e que, de certa forma, as poderão prejudicar se não forem devidamente estimuladas pelos diferentes programas educativos onde estiverem inseridos. Deste modo, apresentamos duas ideologias concernentes às características desta população, que entendemos serem as mais significativas. Para Auxter et al. (1993) e para Kirk e Gallargher (1991), a implementação de um ensino sistemático e posterior aplicação das estratégias e das técnicas de ensino, deve orientar-se por um conjunto de princípios, que passam essencialmente pela promoção ajustada e adaptada de todas as características que possa apresentar. 2.3.3. A EPILEPSIA A forma como o epiléptico tem vindo a ser entendido pelas diversas sociedades assemelha-seà apresentada no atendimento das pessoas com deficiência, pois são-lhes atribuídas características incorrectas e desajustadas, levando à sua posterior exclusão (Nielsen, 1999). Segundo o mesmo autor, a epilepsia é definida como uma “afecção crónica, sinal ou sintoma de uma desordem neurológica latente” (pág. 83), que se exterioriza sob a forma de crises compulsivas recorrentes e espontâneas. Scotoni et al. (1999) cit. Lima (2001) acrescenta que a epilepsia pode ser entendida como uma desordem do sistema nervoso central, derivada de uma anormal descarga eléctrica dos neurónios. Comummente, a epilepsia ocorre no período que decorre desde a infância até aos vinte e cinco anos e também a partir dos sessenta e cinco anos de idade, com maior predominância sobre o género masculino (Lima, 2001 e Liga Portuguesa contra a Epilepsia – LPE, 2004). Sabe-se que a criança ou o jovem epiléptico, por se encontrar em fase de crescimento, pode ser excessivamente prejudicado, sobretudo se as suas crises compulsivas forem prolongadas, pois podem originar a redução da oxigenação do cérebro, afectando gravemente o seu desenvolvimento, mais especificamente, a inteligência (Nielsen, 1999). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência A etiologia desta desordem pode ser de diversas ordens, podendo suceder de problemas neurológicos divergentes, de forma essencialmente congénita e, menos frequente, adquirida. No entanto, são escassos os casos em que se conseguem identificar a sua causa – epilepsia sintomática –, pelo que a sua maioria é explicada por suspeitas de existência de uma causa – epilepsia criptogénica – ou não chega a ser explicada – epilepsia idiopática (Lima, 2001 e LPE, 2004). As crises epilépticas podem ser desencadeadas com maior probabilidade quando os indivíduos se confrontam com algumas situações ou factores, como é o exemplo da ingestão de alguns medicamentos ou de álcool, cansaço e privação de sono, febre, hiperventilação, entre outras (Lima, 2001 e LPE, 2004). “Os indivíduos com epilepsia não devem ser superprotegidos, dado que tal atitude levanta obstáculos ao seu crescimento psicológico e social”. (Nielsen, 1999:88) Parece ser muito importante proceder à classificação das crises epilépticas, no sentido de permitir ao educado/família, a percepção e o entendimento da tipologia da desordem em causa, podendo assim inferir acerca da quantidade de células nervosas afectadas ou da zona do cérebro que foi atingida pela descarga eléctrica (Lima, 2001 e LPE, 2004). Segundo a Liga Internacional Contra a Epilepsia, cit. Lima (2001), esta pode ser classificada em crises parciais e crises generalizadas. Para fundamentarmos um pouco mais esta classificação, far-se-á uma breve abordagem de cada uma, bem como uma referência aos tipos de epilepsias que estão presentes. Quadro 6: Classificação das crises epilépticas CRISES GENERALIZADAS: A descarga eléctrica envolve todo o cérebro (Nielsen, 1999) A. 1. Crises de ausência 2. Crises de ausência atípica B. Crises mioclônicas C. Crises clônicas D. Crises tônicas E. Crises tónicas-clônicas F. Crises atónicas (ILAE, 1981 cit. Lima, 2001) Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência CRISES PARCIAIS: A descarga eléctrica envolve uma área limitada do cérebro (Nielsen, 1999) A/B) A. Crises parciais simples B. Crises parciais complexas C. Crises parciais secundariamente generalizadas (ILAE, 1981 cit. Lima, 2001) C) Na esfera da intervenção pedagógica com alunos com epilepsia, o professor deve-se mostrar dotado de certos saberes referentes às características da desordem em causa. Uma dessas características parece ser o domínio da actuação, ao nível da presença da capacidade de adoptar as medidas adequadas, na situação de crise. Nessa medida, realizaremos um resumo, no qual serão enunciadas algumas medidas que, segundo Nielsen (1999) devem ser seguidas: Quadro 7: Medidas a serem adoptadas durante uma crise epiléptica (Nielsen, 1999:87) • Manter a calma e não tentar reanimar o aluno; • Colocar o aluno no chão e pôr algo suave sob a sua cabeça; • Virar o aluno de lado, a fim de manter as vias respiratórias desimpedidas; • Permitir que o fluido existente na boca possa ser drenado; • Remover os objectos duros, com arestas ou quentes das áreas mais próxima; • Não tentar restringir qualquer movimento do aluno; • Aliviar a pressão da roupa desapertando-a; • Não dar a beber ou a engolir durante a crise; • Não forçar a boca do aluno para que esta se mantenha aberta, nem introduzir nela qualquer objecto; • Não travar a língua do aluno porque ele não a engolirá; • Se o aluno caminha sem destino durante a crise, remover da área quaisquer objectos potencialmente perigosos. Perante a consulta e análise do quadro n.º 6, percebemos que o papel do professor durante uma crise epiléptica passa essencialmente pela segurança do aluno, dado que não deve manter uma intervenção directa sobre o mesmo. No entanto, este pode contribuir de forma significativa na prevenção, informando o aluno dos aspectos que podem desencadear uma crise e fomentando nele hábitos que promovam a continuidade desses hábitos e dessas rotinas. O professor também parece ser fundamental na fase de recuperação após crise, essencialmente através de massagem ou de exercícios de relaxamento e de descontracção, visto que o aluno poderá sentir-se extremamente cansado. Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência 2.3.4. PROBLEMAS ASSOCIADOS 2.3.4.1. Perturbações do Desenvolvimento Motor As perturbações do domínio motor podem ser caracterizadas por apresentarem limitações ao nível das funções e das estruturas corporais, tanto ao nível das articulações e das estruturas ósseas, como ao nível muscular ou do movimento. Essas características podem influenciar a realização, parcial ou total, de algumas actividades e interacções entre as condições de saúde e os factores contextuais, e condicionar o nível de actividade e de participação nos distintos domínios motores básicos e específicos (OMS, 2001 e Pereira, 2004). Pereira (2004) concorda com Silva (2000), ao referir que o conceito de perturbações no desenvolvimento motor se aplica quando se verifica índices de competência, na realização das habilidades motoras básicas, abaixo do desejado para o seu grupo etário. Pelas razões apresentadas, será de prever a observação de eventuais desajustamentos na cronologia do processo de desenvolvimento das conexões e da maturação do sistema nervoso (Silva, 2004). 2.3.4.2. Estrabismo A visão caracteriza-se por ser o sentido que consegue captar o maior número de impressões sensoriais (Holle, 1979). Contudo para que essas consigam possuir uma significação, torna-se necessário a interacção de todos os intervenientes deste sistema, que passa essencialmente pela retina e pelas áreas occipital e córtex cerebrais (Ladeira e Queirós, 2002). Quando se verifica uma diminuição excessiva da capacidade da visão, podemos constatar a presença da deficiência visual (Nielsen, 1999). Entre os dois extremos da capacidade visual, podem-se encontrar um conjunto de patologias, como o estigmatismo, a hipermetropia, a miopia, o estrabismo, entre outros, que não estabelecem uma relação directa com a deficiência visual, mas que devem ser alvo de atenção, principalmente na fase da primeira infância (Gil, 2000). Contributo da Psicomotricidade no DesenvolvimentoGlobal de uma Criança com Multideficiência O estrabismo é concebido pelo posicionamento desacertado do globo ocular o que deriva num desvio dos eixos globais e numa deficiência na visão binocular, que se traduz na dificuldade ou na incapacidade de focalização convergente de ambos os olhos (Ladeira e Queirós, 2002). Nielsen (1999) pensa que esse desvio pode ser explicado pela descoordenação dos músculos exteriores do olho. As consequências desta perturbação sob o domínio motor podem exteriorizar-se quando a criança tropeça nos objectos ou apresenta nítidas dificuldades em avaliar as distâncias (Holle, 1979). Neste sentido, o diagnóstico e a avaliação são momentos que devem acompanhar todo o processo educativo e reabilitativo, para evitar que se atinjam situações irreversíveis (Ladeira e Queirós, 2002). 2.4. PSICOMOTRICIDADE 2.4.1. CONCEITO O conceito primitivo de psicomotricidade surge com contornos que parecem divergir das concepções hoje defendidas. Esta evolução esteve directamente relacionada com o progresso da significação do corpo ao longo da civilização humana (Fonseca, 1992). Ou seja, nos seus primórdios, em meados de 1870, a psicomotricidade envolve o corpo, mais concretamente em relação às funções motoras, que através da sua coordenação e sincronização no espaço e no tempo, derivar em estímulos que dão significação ao movimento (Molinari e Sens, 2003 e Rozario, 2004). Actualmente pensa-se que a palavra «psicomotricidade», já contextualizada no âmbito científico, se deve a Wallon em 1925. Este mesmo autor acaba por ser o principal responsável pelo movimento da reeducação psicomotora, pelo que em 1963 o seu trabalho foi reconhecido ao certificar a psicomotricidade como um meio de reeducação2 (Fonseca, 1992). 2 A reeducação psicomotora é “dirigida às crianças que sofrem perturbações instrumentais (dificuldades ou atrasos psicomotores” (Meur e Staes, 1989:21). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Antes de tentarmos encontrar uma definição de psicomotricidade, teremos de a distinguir e de a diferenciar de outro conceito, clinicamente distinto, a motricidade. Este último encontra-se relacionado com o défice, essencialmente ligado a perturbações motoras e neurológicas. Já a psicomotricidade se distingue por abordar múltiplas informações, como são exemplo as motoras, neurológicas, perceptivas, linguísticas, cognitivas, entre outras (Bergés, 1985). A definição de psicomotricidade é, contudo, entendida como imprecisa, multidimensional e pouco objectiva, pelo que o seu objecto de estudo não pode resumir-se “num conhecimento tão egocêntrico” (Rozario, 2004:16 e Fonseca, 2001). Foram vários os autores que a descreveram e a conceituaram, tais como P. Vayer (1986) e Le Boulch (cit. Bagatini, 2002), como uma acção pedagógica e psicológica que existe para normalizar ou potenciar o desenvolvimento da criança; J. Ajuriaguerra (1970) que a define como uma ciência do pensamento e da mente através da entidade corporal; ou J. Costa (1978) e C. Bignon, cit. Viana et al. (1981), que observaram na psicomotricidade o resultado de uma combinação de múltiplos pontos de vista, de ordem biológica, psicológica, psicanalítica, sociológica e linguística (Molinari e Sens, 2003). Segundo Fonseca (1992), a psicomotricidade é entendida como a “integração superior da motricidade, produto de uma relação inteligível entre a criança e o meio, e instrumento privilegiado através do qual a consciência se forma e se materializa” (pág. 16). Ou seja, este autor tenta-nos transmitir que todo o movimento é construído com um objectivo, que se transforma em comportamento através das estruturas psicomotoras – capacidade de expressão (Fonseca, 1988). No entanto, e indo ao encontro do que já foi referido anteriormente, este autor parece estar convicto que este conceito tende a ser reconceptualizado, visto se encontrar numa época de constantes evoluções e progressões, e por ser uma área que estabelece uma grande integração nos distintos domínios do saber, originando assim, inúmeras explicações multidisciplinares, passíveis de serem rectificadas e actualizadas. Neste contexto, apresentamos alguns investigadores que nortearam as suas pesquisas para este ramo, tais como Lièvre e Staes (1992), Núñez e Vidal (1994), Berruezo (1995) e Muniáin (1997). Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência Em 2000, Barreto declara que a psicomotricidade é uma forma de educação através de um movimento direccionado e consciente, pelo que o seu objectivo passa por permitir o menor dispêndio de energia possível privilegiando a manutenção ou o incremento da qualidade. Por sua vez, Molinari e Sens em 2003 acrescentam que é a capacidade de se relacionar “através da acção, como um meio de tomada de consciência que une o ser corpo, o ser mente, o ser espírito, o ser natureza e o ser sociedade” (pág. 86). “A psicomotricidade conquistou, assim, uma expressão significativa, já que se traduz em solidariedade profunda e original entre o pensamento e a actividade motora.” (Molinari e Sens, 2003:86) 2.4.2. OBJECTIVOS Uma intervenção ostentada pelos parâmetros intrínsecos da psicomotricidade permite que alguns objectivos possam ser alcançados, sejam eles do domínio motor, sensorial, perceptivo ou cognitivo. Berruezo (1995) defende esta concepção, pelo que considera que a finalidade da psicomotricidade passa pelo desenvolvimento das capacidades motoras, expressivas e criativas, do indivíduo na sua globalidade, a partir do corpo. Assim, este é conduzido a convergir a sua actividade e investigação sobre o movimento e o acto, incluindo tudo o que deriva dela, como são os casos das disfunções, patologias, estimulações, aprendizagens, entre outros. Segundo vários autores, a psicomotricidade possibilita que a criança possa alcançar um conjunto de benefícios básicos ao nível das suas estruturas psicomotoras, ou seja, a locomoção, a manipulação e o tónus muscular, os quais interagem com a organização espaço-temporal, as coordenações finas e amplas, a coordenação óculo-segmentar, o equilíbrio, a lateralidade, o ritmo e o relaxamento (Molinari e Sens, 2003 e Núñez e Berruezo, 2003). “Em sua prática, a psicomotricidade empenha-se a mostrar que o homem é o seu corpo. Sendo assim, como ser falante, fala por seu corpo e seu corpo também fala por ele.” (Bignon cit. Viana et al., 1981:XVII) Contributo da Psicomotricidade no Desenvolvimento Global de uma Criança com Multideficiência A psicomotricidade também se encontra associada ao desenvolvimento dos valores sociais e afectivos, uma vez que o indivíduo para se expressar com o próximo necessita de utilizar o seu corpo (Meur e Staes, 1989 e Molinari e Sens, 2003). Torna-se deste modo importante salientar que esta capacidade não se encontra tão desenvolvida nas crianças com deficiência devido às dificuldades e lacunas presentes no domínio motor (Molinari e Sens, 2003). No que respeita aos objectivos provenientes da educação, com mais propriedade designada de reeducação psicomotora, observa-se um consenso relativamente às suas vantagens, principalmente na capacidade de reorganização dos processos de aprendizagem dos gestos e acções motoras, através de uma extensa e sucessiva promoção dos aspectos sensório- perceptivo-motores (Núñez e Berruezo, 2003; Núñez et al., 2002; Berruezo, 1995 e Fonseca, 1995). Bagatini (2002), na sua obra, apresenta um conjunto de
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