Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CONCEITOS ▪ Pré-carga: fatores que determinam o comprimento inicial da fibra cardíaca antes da sístole (ou seja, contração) → retorno venoso, enchimento ventricular e volume diastólico final ▪ Pós-carga: fatores que se opõem ao encurtamento ventricular, ou seja, pressão da aorta durante a sístole, válvulas aórtica e pulmonar e volume sistólico final ▪ Inotropismo: força de contração cardíaca ▪ Débito cardíaco: volume de sangue ejetado pelo ventrículo esquerdo em um minuto ICC (Insuficiência cardíaca congestiva) A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica, não uma doença, que resulta de uma interação patofisiológica entre o coração e os sistemas endócrino e vascular. Quando o coração não consegue bombear o sangue para suprir as necessidades metabólicas teciduais, ou o faz com pressões de enchimento elevadas, o resultado será a piora da função dos órgãos, redução da qualidade e do tempo de vida, e morte. Em cães, as doenças cardíacas que mais comumente levam a ICC são a doença valvar mitral mixomatosa (DVMM) e a cardiomiopatia dilatada (CMD). “É a cardiopatia de maior ocorrência em pequenos animais , além dos cães da raça Cocker Spaniel.” A DVMM, também denominada valvopatia mixomatosa mitral, doença valvar mitral crônica, degeneração valvar crônica de mitral ou endocardiose, é a cardiopatia de maior ocorrência em pequenos animais, sendo responsável por cerca de 75% dos casos de doença cardíaca em cães. Acomete principalmente cães idosos de raças de pequeno porte, sendo aproximadamente 1,5 vezes mais frequente nos machos do que nas fêmeas. A DVMM caracteriza-se pela progressiva degeneração da valva mitral, de forma isolada ou em associação à da valva tricúspide, promovendo a coaptação incompleta de seus folhetos com consequente regurgitação valvar. Em torno de 60% dos casos, apenas a valva mitral é afetada, em 30% as duas valvas atrioventriculares (mitral e tricúspide) são acometidas e, em apenas 10%, somente a valva tricúspide está degenerada. A DVMM é considerada uma condição relativamente benigna na espécie canina, devido à progressão lenta da doença e o baixo risco de morte súbita. Em alguns casos, o cão pode ter a doença, porém, nunca evoluir para ICC. “Os cães de raça pura e de porte grande são os mais acometidos” A cardiomiopatia dilatada (CMD) é uma doença miocárdica caracterizada por contratilidade reduzida e dilatação de um ou ambos os ventrículos. Os cães de raça pura e de porte grande são os mais acometidos, além dos cães da raça Cocker Spaniel, que podem também apresentar a doença. A CMD pode acontecer em cães de todas as idades, mas o risco aumenta em idades mais avançadas. Assim como na DVMM, machos são mais acometidos do que fêmeas. A CMD é uma condição grave e na qual a possibilidade de morte súbita é maior do que na DVMM, principalmente naquelas raças como Dobermann e Boxer, que apresentam grande quantidade de arritmias de origem ventricular. A insuficiência cardíaca se refere ao coração que bombeia volume inadequado de sangue, ou na má distribuição do sangue bombeado, resultando em entrega inadequada de oxigênio tecidual. Neste caso, o retorno venoso cardíaco é adequado, o que diferencia a IC do choque. A IC congestiva é caracterizada por uma função cardíaca deficiente, com aumento das pressões venosas e capilares, o que faz com que os órgãos fiquem congestos com sangue ou carregados com fluido de edema. Portanto, o objetivo da presente revisão é entender como diagnosticar e tratar os cães com IC. Para tanto, precisamos rever os mecanismos patofisiológicos da IC, e quais informações os métodos de diagnóstico nos trazem sobre a doença cardíaca causadora da IC. A partir do diagnóstico, veremos como selecionar os melhores fármacos para tratar o paciente com sintomas da enfermidade cardíaca. PATOFISIOLOGIA DA ICC À medida que a doença cardíaca progride, há redução do fluxo que deixa o coração por meio da artéria aorta (volume sistólico). Com isso, são ativados os sistemas compensatórios (Figura 1) na tentativa de manter as necessidades vitais do organismo. Esses mecanismos incluem: • Aumento da atividade do sistema nervoso central e atenuação do tônus vagal, que induzem aumento da frequência cardíaca e da contratilidade miocárdica, redirecionamento seletivo do fluxo de sangue para os centros vitais e vasoconstrição arteriolar. Porém, a exposição crônica a altos níveis de norepinefrina contribui para o desenvolvimento de mudanças vasculares patológicas e do remodelamento cardíaco, promove arritmogênese, induz a morte prematura dos miócitos e estimula o sistema renina-angiotensina-aldosterona. • Ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona: a renina é secretada pelas células justaglomerulares dos glomérulos renais em resposta a redução do volume circulante efetivo de sangue. Esta condição é detectada pela redução da pressão arterial sistêmica, da pressão de perfusão renal, ou da entrega de cloro para a mácula densa. A renina circulante age no angiotensinogênio, produzido pelo fígado, levando a liberação da angiotensinaI, que é convertida em angiotensina II (AT II) pela enzima conversora de angiotensina (ECA), localizada na superfície endotelial e na circulação. A AT II causa vasoconstricção imediata e potente, com aumento na resistência vascular periférica, além de estimular a reabsorção de sódio pelo néfron e a síntese e liberação de aldosterona pela glândula adrenal. Já a aldosterona estimula a reabsorção de sódio e água pelo túbulo coletor. Além disso, AT II é um determinante primário de fibrose ao órgão final, enquanto a aldosterona é conhecida por piorar as propriedades de lesão tecidual da ATII. Portanto, a exposição elevada a ATII e aldosterona tem sido associada a pior prognóstico. Porém, o papel do SRAA é controverso, pois enquanto sua ativação mantém a pressão arterial na insuficiência cardíaca, ao mesmo tempo constitui-se num dos fatores patofisiológicos no desenvolvimento da insuficiência cardíaca. • Liberação de peptídeos natriuréticos, incluindo ANP e BNP, liberados de seu estoque atrial (pro-ANP e pro-BNP) pelo estímulo do estiramento atrial e ventricular, respectivamente, têm efeito contrário ao do sistema renina-angiotensina-aldosterona, inibindo a liberação da renina e aldosterona e apresentando efeitos vasorelaxantes, diuréticos e natriuréticos. Os fragmentos N-terminais do proANP (NT-proANP) e proBNP (NT-pro BNP) são marcadores mais sensíveis da insuficiência cardíaca e podem ser utilizados para diferenciar doença cardíaca de doença primária respiratória. Estudos demonstram aumento da concentração plasmática de NT-proANP em cães, pouco antes da descompensação cardíaca secundária à regurgitação mitral, e uma forte correlação positiva entre NT-proBNP com a fração regurgitante, com o aumento de átrio esquerdo e com o volume diastólico do ventrículo esquerdo em cães com regurgitação mitral assintomáticos, sugerindo que esse marcador pode estar relacionado com a gravidade e prognóstico da doença valvar. Apesar de necessários a curto prazo para manter a perfusão sanguínea nos órgãos mais importantes, os mecanismos compensatórios acabam por piorar a condição hemodinâmica, sobrecarregando assim o coração já doente. Por isso, o tratamento da insuficiência cardíaca baseia-se em combater esses mecanismos, reduzindo com isso a retenção de líquido e melhorando a perfusão sanguínea em todo o organismo. Portanto, a doença causadora da IC não é o foco do tratamento, mas sim as suas consequências cardiovasculares. CLASSIFICAÇÃODA ICC O sistema de classificação mais conhecido para IC em cães e gatos foi proposto pelo “International Small Animal Cardiac Health Council - ISACHC”, e separa os animais de acordo com a presença ou não de remodelamento cardíaco e de sintomas, como descrito abaixo: Classe IA Doença cardíaca presente, sem manifestações clínicas, sem sinais de compensação (sem aumento de câmaras ou sinais de sobrecarga). Classe IB Doença cardíaca presente, sem manifestações clínicas, mas com sinais de repercussão no ecocardiograma ou radiografia torácica (sobrecarga de volume do VE ou aumento do AE). Classe II Doença cardíaca presente, com sinais manifestações clínicas discretas ou moderados de IC, sinais de baixo débito na agitação. Ao descanso, nenhum sinal de disfunção sistólica. Indicado tratamento. Classe IIIA Doença cardíaca presente, com sinais de IC avançada. Manifestações clínicas até mesmo ao descanso. Cardiomegalia significativa ao ecocardiograma e radiografia de tórax. Morte provável ou debilitação grave caso não seja tratado. Tratamento em casa é possível. Classe IIIB Doença cardíaca presente, com sinais de IC avançada. Sinais clínicos até mesmo ao descanso. Cardiomegalia significativa ao ecocardiograma e radiografia de tórax. Morte provável ou debilitação severa caso não seja tratado. Necessário internação e tratamento intensivo. ESTÁGIO A Identifica pacientes com alto risco de desenvolver doença cardíaca, mas que ainda não apresentam alterações estruturais identificáveis no coração (p. ex.: cães Cavalier King Charles Spaniel sem sopro cardíaco). ESTÁGIO B Identifica pacientes com doença cardíaca estrutural, mas que nunca desenvolveram manifestações clínicas de insuficiência cardíaca. Este estágio é subdividido em: Estágio B1: pacientes assintomáticos, que não apresentam evidências radiográficas ou ecocardiográficas de remodelamento cardíaco em resposta à doença valvar, assim como aqueles cães cujo remodelamento está presente, mas não é importante o bastante para início de tratamento. Estágio B2: pacientes assintomáticos que apresentam regurgitação valvar mitral hemodinamicamente significante, evidenciados por achados radiográficos e ecocardiográficos de aumento de átrio e ventrículo esquerdos. Este grupo de paciente inclui apenas indivíduos que apresentem, ao ecocardiograma, a relação átrio esquerdo/ aorta > 1,6 e diâmetro diastólico interno do ventrículo esquerdo normalizado para o peso corpóreo > 1,7. ESTÁGIO C Pacientes com sintomas clínicos prévios ou atuais de insuficiência cardíaca associados à alteração estrutural do coração. ESTÁGIO D Pacientes com doença cardíaca em estágio final, com sinais de insuficiência cardíaca que são refratários à terapia principal. Esses pacientes necessitam de estratégias de tratamento especiais ou avançadas para se manterem confortáveis, independentemente da presença da doença. DIAGNÓSTICO DA ICC O diagnóstico da IC baseia-se na avaliação das manifestações clínicas, exame físico e pesquisa da doença cardíaca e suas consequências, por meio de exames complementares. Manifestações clínicas As principais manifestações clínicas apresentadas pelos cães cardiopatas são: • Tosse e/ ou angústia respiratória (dispneia): acontecem devido ao aumento da pressão atrial e venosa pulmonar, levando ao edema pulmonar e à compressão do brônquio principal; • Fraqueza, síncope e/ou intolerância a exercício: acontece por redução do volume sistólico ventricular esquerdo ou direito; • Ascite e/ou efusão pleural: secundário a insuficiência cardíaca congestiva direita; • Morte súbita: que ocorre após edema pulmonar agudo fulminante ou fibrilação ventricular. Com isso, as principais queixas do proprietário são diminuição da capacidade de exercício, tosse e taquipneia ao esforço. À medida que a congestão e o edema pulmonar pioram, a frequência respiratória em repouso também aumenta. Nos casos mais graves, os animais ficam geralmente ansiosos, não conseguem deitar para dormir, recusando-se a ficar em decúbito lateral e preferindo a posição esternal (posição ortopneica). A tosse acontece principalmente à noite e pela manhã, assim como quando o animal se agita ou durante o exercício. O edema pulmonar grave provoca angústia respiratória e tosse, geralmente produtiva, podendo manifestar-se de forma gradual ou súbita. Também é comum a manifestação de sintomas relacionados com o edema pulmonar, intercalados com períodos de insuficiência cardíaca compensada, o que pode acontecer por meses ou até mesmo anos. Episódios de fraqueza transitória ou síncope podem ocorrer secundariamente à presença de arritmias, tosse excessiva, redução do volume sistólico direito ou esquerdo, hipertensão arterial pulmonar ou esgarçamento atrial. Manifestações clínicas de regurgitação tricúspide, muitas vezes subestimados por aqueles da regurgitação mitral, incluem ascite, efusão pleural com esforço respiratório associado e, raramente, edema tecidual periférico. Sinais de doença gastrintestinal podem acompanhar a congestão mesentérica. EXAMES COMPLEMENTARES Radiografia de tórax As radiografias torácicas podem indicar alguns graus de aumento atrial e ventricular, que progridem em meses ou anos. Porém, a habilidade de avaliar o aumento de câmara cardíaca pela radiografia de forma precisa é provavelmente superestimada. Variações no tamanho e formato do coração podem acontecer por fatores técnicos, posicionamento e conformação racial, e não apenas por aumento causado por doenças cardíacas. As radiografias torácicas são o indicador clínico mais sensível da hemodinâmica pulmonar. Com o aumento da pressão venosa pulmonar, as veias pulmonares distendem-se, tornandose mais evidentes centralmente e nos campos pulmonares periféricos. Com a evolução, há o desenvolvimento de edema pulmonar, primeiramente intersticial e, posteriormente, alveolar. A distribuição radiográfica do edema pulmonar cardiogênico é classicamente hilar, dorsocaudal e bilateralmente simétrico; porém, uma distribuição assimétrica pode ser vista em alguns cães (Figura 2). A presença e gravidade do edema pulmonar não se correlacionam, necessariamente, ao grau de cardiomegalia. Figura 2: imagem radiográfica de paciente apresentando edema pulmonar de origem cardiogênica, antes (A e B) e após o tratamento (C e D). Notar acentuado aumento da silhueta cardíaca esquerda e direita, sendo mais evidente em topografia de átrio esquerdo, átrio direito e ventrículo direito com deslocamento dorsal da traqueia e compressão do segmento terminal traqueal. Nas imagens A e B, os campos pulmonares apresentam padrão radiográfico intersticial focal, mais evidente em lobo pulmonar caudal direito e esquerda. Foto gentilmente cedida pela Dr.a Ariane Marques Mazini, diretora de publicidade da Sociedade Brasileira de Cardiologia Veterinária. Os achados pulmonares podem ser inconclusivos, pois alterações radiográficas iniciais de edema pulmonar intersticial e o padrão radiográfico brônquico de doença crônica respiratória podem ser semelhantes. A tendência é de se diagnosticar um maior número de casos de edema pulmonar de origem cardiogênica. Portanto, é importante ter uma série de radiografias, se possível, e avaliar a presença de outras evidências de insuficiência cardíaca esquerda, como por exemplo, distensão venosa pulmonar, antes de dar o diagnóstico definitivo. Eletrocardiograma O traçado eletrocardiográfico em cães com doença cardíaca pode ser normal; porém, pode denotar aumento de câmaras cardíacas, principalmente atrial e ventricular esquerdas. Na IC direita, pode haver sinais de aumento atrial direito, ventricular direito e desvio do eixo elétrico cardíaco para a direita. Nos casos de doença cardíaca avançada, pode-se observar a presença de arritmias, pelo estiramento das câmaras ehipóxia do miocárdio, especialmente taquicardia sinusal, complexos supraventriculares prematuros, taquicardia supraventricular sustentada ou paroxística e fibrilação atrial. Complexos ventriculares prematuros e taquicardia ventricular são achados mais comuns na cardiomiopatia dilatada. Essas arritmias podem estar associadas com descompensação da doença cardíaca, desenvolvimento de quadros congestivos, fraqueza ou síncope. Nos estágios iniciais da doença cardíaca, o cão geralmente mantém a arritmia sinusal. Já nos casos de insuficiência cardíaca, a perda da arritmia sinusal e o desenvolvimento de taquicardia sinusal são comumente observados. Ecocardiograma A ecocardiografia tem um papel importante na avaliação cardiovascular, fornecendo informações não invasivas sobre a função e estrutura cardíaca e a dinâmica do fluxo de sangue. O exame ecocardiográfico é utilizado para se obter um diagnóstico definitivo da doença cardíaca e suas consequências para o coração; porém, não pode diagnosticar insuficiência cardíaca, cujo diagnóstico é clínico e baseado em um conjunto de informações que englobam história clínica, exame físico e exames complementares. Além do diagnóstico da doença cardíaca, o exame ecocardiográfico pode auxiliar no reconhecimento precoce da ICC, com otimização da terapia medicamentosa, e facilitar o monitoramento terapêutico. Sabe-se que os cães cardiopatas que apresentam edema pulmonar são aqueles que têm aumento significativo de átrio esquerdo (Figura 3), aumento ventricular esquerdo, e alterações no enchimento ventricular esquerdo que refletem o aumento da pressão atrial esquerda e, consequentemente, venosa pulmonar. Portanto, pacientes com doença cardíaca, porém, com tamanho normal de coração, têm possibilidade quase nula de desenvolver, naquele momento, um quadro congestivo. Figura 3: imagem ecocardiográfica, janela paraestermal direita, corte transverso, com foco na avaliação do tamanho do átrio esquerdo (AE). Notar a diferença do tamanho do AE em cão estágio B1 (A) e cão estágio C. TRATAMENTO A maioria dos esquemas de tratamento de cães com IC são baseados em manifestações clínicas e achados radiográficos. As informações sobre o tamanho do coração, grau de regurgitação e/ou grau de disfunção de contratilidade fornecidos pela ecocardiografia em conjunto com a história, exame físico, eletrocardiograma e radiografia de tórax permitem um acesso mais cuidadoso à gravidade da doença e à necessidade de tratamento. PACIENTES SINTOMÁTICOS Os pacientes com IC sintomáticos têm o tratamento baseado no uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA), pimobendan e diuréticos. Inibidores da ECA (iECA) Os inibidores da ECA são as medicações mais utilizadas em cães no tratamento de insuficiência cardíaca sintomática. Apesar dos inibidores da ECA não serem agentes vasodilatadores arteriolares puros, sua habilidade em modular a resposta neuro-hormonal da insuficiência cardíaca é vantajosa para uso a longo prazo, o que pode melhorar a tolerância a exercícios, tosse e o esforço respiratório.15 Os estudos que avaliaram o uso do maleato de enalapril em cães com ICC sintomáticos, tanto na DVMM quanto na CMD são conhecidos há bastante tempo. Os estudos IMPROVE16 e COVE17 demonstraram que cães com DVMM ou CMD sintomáticos apresentam melhora dos sintomas, por melhora nas condições hemodinâmicas, quando tratados com maleato de enalapril na dose de 0,5 mg/kg BID, em comparação ao placebo. O estudo IMPROVE foi o único que avaliou os efeitos hemodinâmicos dos iECA em cães com ICC. Neste estudo, os cães que receberam enalapril tiveram redução na pressão capilar pulmonar, frequência cardíaca, pressão arterial sistêmica média e pressão arterial pulmonar média no início do estudo, mas não houve nenhuma diferença entre os grupos de tratamento (enalapril 0,5 mg/kg BID em comparação a placebo) após 21 dias. Já o estudo LIVE mostrou que a associação do enalapril no tratamento de cães com valvopatia mitral mixomatosa (VMM) ou CMD é benéfica a longo prazo, com aumento significativo na sobrevida desses animais, e menor falha no tratamento com recidiva da ICC nos cães que receberam o iECA. O estudo BENCH avaliou a eficácia e a tolerabilidade da administração a longo prazo do iECA em cães sintomáticos com ICC. Neste estudo, a taxa de sobrevida dos cães que receberam o fármaco aumentou em 2.7 vezes em comparação ao placebo e, além disso, o risco relativo do paciente morrer ou ser retirado do estudo por ter desenvolvido ICC foi reduzido em 49% nos cães com VMM e 20% nos cães com CMD, quando esses animais receberam o iECA. Esses animais que foram submetidos ao tratamento com iECA obtiveram melhora da tolerância aos exercícios e da condição clínica a curto prazo. A conclusão principal deste estudo foi que o iECA aumentou a expectativa de vida dos cães com ICC discreta a moderada. Portanto, são claros os benefícios de inibir o SRAA em cães com ICC. Por essa razão, é recomendado pelo Colégio Americano de Medicina Interna Veterinária a administração dos iECA nos cães com DVMM e ICC. Pimobendan Outro fármaco liberado para uso em cães cardiopatas é o pimobendan. Trata-se de medicação com duplo efeito de ação: aumenta a contratilidade miocárdica por aumentar a sensibilização do cálcio à troponina C e promove vasodilatação pela inibição da fosfodiesterase III. Seu uso era inicialmente indicado nos casos de disfunção sistólica, pois se sabe que esses pacientes podem ser beneficiados com o uso de inotrópicos positivos. Novas evidências levam a acreditar que o pimobendan pode melhorar as manifestações clínicas provocadas pela doença valvar crônica de mitral mesmo quando a função sistólica ainda não está prejudicada. Essa medicação, em associação com a terapia convencional, pode aumentar o tempo de sobrevida dos cães cardiopatas, reduzindo o insucesso no tratamento de cães com insuficiência cardíaca congestiva secundária à doença valvar crônica de mitral, quando comparada ao uso do benazepril com a terapia convencional. Além disso, a adição do pimobendan à terapia convencional (Petpril e diuréticos) em cães com cardiomiopatia dilatada reduz a mortalidade e pode ser usado como agente de primeira linha no tratamento dessa enfermidade. Diuréticos A terapia diurética deve ser utilizada aos primeiros sintomas de insuficiência cardíaca congestiva (ICC), com intuito de eliminar o excesso de líquido retido no organismo e aliviar a congestão pulmonar. Furosemida é o diurético de escolha para o tratamento da ICC por ser efetivo e bem tolerado por cães. Trata-se de diurético de alça que reduz o volume de sangue circulante total e, consequentemente, reduz a pressão no átrio esquerdo, proporcionando assim a melhora clínica dos pacientes em quadro congestivo. Essa redução da pressão atrial esquerda em cães é proporcional à dose administrada. Em casos menos graves, deve-se iniciar com a menor dose e manter aquela com a qual o animal apresente mínimos sinais de ICC. Apesar da dose média indicada para esses pacientes ser 2 mg/kg BID via oral, ela pode variar de 0,5 mg/kg via oral a cada 12 horas até 4 a 6 mg/ kg a cada 8 horas. Em casos de edema agudo de pulmão e desconforto respiratório do paciente, é necessário a administração parenteral, subcutânea ou intravenosa, e a escolha da dose e via de administração vai depender da condição clínica do paciente. Torsemida é um diurético de alça desenvolvido recentemente, com atividade mais potente e de maior duração do que a furosemida. Ela é caracterizada por ter maior meia vida (8 horas), duração de ação (12 horas) e biodisponibilidade (80 a 100%) do que a furosemida; além de seu efeito diurético, tem outras ações benéficas, como propriedades vasodilatadoras e melhora da função e remodelamento cardíaco pelo seu efeito antialdosterona.25 Estudo mostrou que torsemida administrada a cada 24 horas é efetiva emcães com ICC discreta a importante secundária a DVMM. A dose atual recomendada de torsemida para cães é 0,1-0,2 mg/Kg SID ou BID, ou aproximadamente 5 a 10% da dose total da furosemida administrada naquele período para o paciente. Estudo realizado em cães com DVMM sintomáticos demonstrou que a adição da espironolactona (2 mg/kg SID) no protocolo de tratamento convencional (inibidor da ECA com furosemida ou digoxina, se necessário) reduziu em 55% o risco de morbidade e mortalidade desses pacientes, podendo chegar a mais de 69% de redução quando apenas as causas cardíacas de morte são consideradas. A Espironolactona é um antagonista seletivo do receptor da aldosterona. Sabe-se, atualmente, que a aldosterona, além de mediar a retenção de sódio e água, também promove fibrose do miocárdio e do endotélio vascular, o que é considerado deletério na doença cardíaca. Os inibidores da ECA suprimem a cascata do SRAA, porém, a supressão da enzima conversora de angiotensina parece ser insuficiente para prevenir completamente a secreção de aldosterona em cães com insuficiência cardíaca congestiva recebendo a terapia convencional.26 Portanto, atualmente recomenda-se a adição da espironolactona na dose de 2 mg/ kg SID em todo paciente sintomático com doença degenerativa crônica (estágio C e D), em associação à terapia com inibidores da ECA. Resumindo, atualmente as recomendações de tratamento do cão com IC incluem Petpril (inibidor da ECA), pimobendan e diuréticos. A espironolactona é recomendada nos cães com DVMM devido ao seu efeito cardioprotetor e não diurético, porém, a mesma função em cães com CMD ainda não foi comprovada, apesar de acreditarmos ter o mesmo benefício nessa enfermidade. Outros Tratamentos Quando o tratamento padrão não é capaz de manter o paciente estável, temos que fazer uso de outras manobras na tentativa da estabilização. O uso de dieta hipossódica pode diminuir a necessidade do uso de diuréticos e, consequentemente, reduzir a ativação neuro-hormonal. Porém, até mais do que o cuidado na ingestão de sódio, deve-se preocupar com o risco de caquexia nos estágios mais avançados da doença cardíaca (Figuras 4). A liberação de citocinas inflamatórias e a redução da absorção adequada de nutrientes devido à congestão do trato intestinal podem induzir o cão com IC à redução exagerada de peso com perda significativa do escore corporal. Para evitar que isso aconteça, devem ser oferecidas dietas altamente palatáveis, hipercalóricas e que contenham proteína de alta digestibilidade. Figuras 4: cão da raça Boxer portador de cardiomiopatia dilatada. Notar escore corporal ruim, com intensa perda de massa muscular. Foto gentilmente cedida pelo Dr. Lucas Navajas, diretor de regionais da Sociedade Brasileira de Cardiologia Veterinária. Outro caminho que podemos usar é a adição de outros fármacos vasodilatadores ao tratamento inicial. Esses medicamentos agem reduzindo a pressão arterial sistêmica, facilitando a saída de sangue do coração pela artéria aorta e aumentando, assim, o volume sistólico e débito cardíaco. Com isso, há redução da pressão atrial esquerda e veias pulmonares, melhorando o quadro congestivo. Devemos apenas ter cuidado de não utilizar esses fármacos em pacientes hipotensos. Os fármacos mais conhecidos deste grupo são a hidralazina (0,5 a 2 mg/kg BID) e a amlodipina (0,05 a 0,1 mg/kg SID ou BID). Pacientes que apresentem arritmias devem ser avaliados e tratados especificamente de acordo com o tipo e gravidade da arritmia detectada. PACIENTE ASSINTOMÁTICO O tratamento de pacientes com doença cardíaca, sem sintomas de insuficiência cardíaca descompensada, constitui-se num grande dilema. Os inibidores da enzima conversora de angiotensina (inibidores da ECA) – Petpril eram frequentemente prescritos para cães com DVMM antes do início da manifestação de insuficiência cardíaca. Porém, não há evidências de que a administração dessa medicação a um paciente com DVMM tenha um papel preventivo no desenvolvimento e progressão dos sinais de insuficiência cardíaca, ou que aumente a sobrevida. Nas diretrizes atuais para doença valvar, alguns especialistas indicam o uso do iECA naqueles animais que apresentem aumento marcante no tamanho do átrio esquerdo em avaliações ecocardiográficas sucessivas, e com alto risco de descompensação. Nos cães com CMD, pouco se sabe sobre os benefícios deste fármaco nos pacientes assintomáticos. Estudo retrospectivo realizado em cães da raça Doberman Pinscher assintomáticos com CMD mostrou benefícios no uso do inibidor da ECA, com aumento do período pré-clínico dos animais que receberam este grupo de fármaco. Porém, estudos prospectivos são necessários para validar esses achados, tanto em cães da raça Dobermann Pinscher, como em outras raças. Já na DVMM, um estudo realizado com cães em estágio B2 (que apresentam aumento de AE e VE) demonstrou que o tratamento com pimobendan aumentou em quase 15 meses o período pré-clínico, com segurança e boa tolerância pelos cães. Em cães com CMD, a administração do pimobendan prolongou de forma significativa (média de 9 meses) o tempo para o início da ICC ou morte súbita. Não há evidências de que cães com DVMM em estágio B1 (sem aumento de câmara cardíaca ou com aumento hemodinamicamente insignificante) se beneficiem com qualquer tipo de tratamento. Os tutores cujos cães se apresentam assintomáticos em estágio B1 devem ser orientados com relação ao início das manifestações clínicas de insuficiência cardíaca e, no caso de animais reprodutores, alertar que a doença pode ter caráter genético importante envolvido. Neste estágio, a doença deve ser monitorada a cada três a 12 meses, na dependência do grau de regurgitação. Além disso, cães assintomáticos não precisam de restrição dietética ou de exercícios, porém, exercícios muito exaustivos ou dietas com muito sal devem ser evitadas.
Compartilhar