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Fungos Contaminantes9 Walderez Gambale ECOLOGIA DOS FUNGOS Os fungos habitam os mais variados substra- tos. A maioria das espécies vive no solo, tendo um importante papel, ao lado de outros orga- nismos, na reciclagem dos materiais na natu- reza, mas há fungos que vivem nos vegetais, na água, e alguns fazem parte da microbiota normal do homem e de outros animais. No seu habitat natural, os fungos, a partir de nutrientes e condições ambientais adequa- das, como temperatura e umidade, entre ou- tras, multiplicam-se, crescem e reproduzem- se, assexuada e/ou sexuadamente, de acordo com a espécie e com as necessidades de seu ciclo de vida. Os fungos dispersam-se na natureza por várias vias, como ar atmosférico, água, insetos, homem e animais. A eficiência na dispersão dos fungos está estreitamente relacionada à alta produção de propágulos de disseminação, principalmente os esporos de origem asse- xuada. No processo assexuado de reprodução, os fungos produzem grande quantidade desses esporos. A título de exemplo: uma colônia de 2 em de diâmetro de Penicillium spp. produz mais de 400.000 esporos (conídios). Esses pro- págulos entram em contato, de várias manei- ras, com as vias de dispersão e são espalhados na natureza. Além dos esporos, fragmentos de micélio vegetativo ou outras estruturas fúngi- cas podem também se constituir em elemen- tos de disseminação dos fungos. Propágulos podem ser levados por grandes distâncias, pelos ventos, quando a via de dis- persão é o ar atmosférico. Embora seja essa a forma de espalhamento mais frequente, ou- tras vias podem ser utilizadas, de acordo com as circunstâncias. Quando as estruturas disseminadas atin- gem um substrato com condições adequadas, elas germinam e iniciam um novo ciclo do fungo. A Fig. 9.1 esquematiza o ciclo de dispersão dos fungos a partir do habitat, as vias de dis- persão, os substratos e os fatores interferen- tes no processo. Os propágulos fúngicos são encontrados em altas concentrações nas vias de dispersão. 100 Fungos Contaminantes \lIAS DE DISPERSÃO ar atmosférico água homem animais insetos HABITAT FUNGOS propágulos: forma, tamanho, quantidade e viabilidade solo água vegetais homem animais substratos diversos SUBSTRATO SUBSTRATO - nutrientes - fatores ambientais - suscetibilidade do hospedeiro Fig. 9.1 Vias de dispersão dos fungos. Quando encontram um substrato adequado e condições ambientais favoráveis, eles germi- nam, multiplicam-se e colonizam. Os fungos apresentam uma variabilidade enzimática muito grande e, em consequência disso, po- dem colonizar os mais variados substratos, como: madeiras, vidros, tintas, papel, borra- cha, roupas, alimentos e outros, eventualmen- te deteriorando esses materiais. Quando não encontram condições adequadas para coloni- zar, podem, dependendo da espécie, permane- cer invisíveis por longos períodos sem a perda da viabilidade. O homem e os animais, além de terem uma microbiota fúngica endógena, são importantes vias de dispersão de fungos. Na sua superfície corpórea, pele, pelos, unhas, mucosa bucal e nasal, são encontradas várias espécies de fungos em processo de dispersão, constituin- do uma microbiota transitória. Muitas vezes, num processo de isolamento do agente etioló- gico para diagnóstico laboratorial de uma mi- cose superficial ou cutânea, eles podem crescer rapidamente no meio de cultivo e atrapalhar o isolamento do agente em questão. FUNGOS CONTAMINANTES Fungos "contaminantes" são fungos que habi- tam o solo ou vegetais e são dispersos princi- palmente pelo ar atmosférico, embora possam utilizar outra via de dispersão. Esses fungos, especializados na dispersão pelo ar atmosfé- rico, são também chamados de fungos anemó- filos. Além de serem importantes como contami- nantes de substratos diversos, o conhecimen- to desses fungos interessa a várias áreas da medicina humana, principalmente como de- sencadeantes de alergias respiratórias, asma brônquica e rinites alérgicas (Quadro 9.1) e, eventualmente, como agentes primários de lesões oculares, otites, onicomicoses, entre ou- tras micoses. =ungos Contaminantes Quadro 9.1 Frequência de positividade de testes cutâneos com alérgenos de fungos ànemófilos em pacientes com asma brônquica e rinite alérgica EXTRATO ALERGÊNICO % POSITIVOS Candida 58,6 Aureobasidium 37,1 Penicillium 30,0 Curvularia 28,6 Fusarium, Mucor, Phoma 24,3 Aspergillus, Epicoccum, 22,9 Pestalotia Alternaria, Trichoderma, 21,4 Helminthosporium Ciadosporium, Geotrichum, 20,0 Rhodotorula, Rhizopus, Scopulariopsis Chaetomium 18,5 Circinella, Nigrospora 17,1 Neurospora 15,7 Cephalosporium. 14,3 Paecilomyces 101 Recentemente, esses fungos assumiram importância na denominada síndrome dos edifícios doentes, definida em 1982 pela Or- ganização Mundial de Saúde, e relacionada principalmente a ambientes climatizados artificialmente. Os principais sintomas de reconhecimento dessa síndrome são: fadiga, letargia, cefaleia, prurido e ardor nos olhos, anormalidades na pele, irritação do nariz e garganta e falta de concentração em traba- lhadores desses ambientes. Essa síndrome é multicausal, e os fungos anemófilos parti- cipam, junto com outros agentes, do desen- cadeamento dessa síndrome. No Brasil, esse assunto tem sido estudado a partir de 1998, quando a Agência Nacional de Vigilância Sa- nitária (Anvisa) publicou a Portaria 3.523 MS/GM(28/8/98)e em 2000, coma publicação da Resolução 176, que estabeleceu a utiliza- ção de fungos comomarcadores epidemiológi- cos de qualidade do ar interior. Nessa resolu- ção, a contagem de fungos dispersos pelo ar não pode ultrapassar 750 UFC/m3 ar (UFC = unidades formadoras de colônias), sendo ina- ceitável a presença de fungos patogênicos e toxigênicos. A relação IIE deve ser menor ou igual a 1,5 (I = quantidade de UFC fungos/mê ar no ambiente interior e E = quantidade de UFC fungos/rn'' ar no ambiente exterior). Fig. 9.2 Importância dos fungos contaminantes. 102 Fungos Contaminantes homem e animais, insetos; ou do isolamento em determinados substratos. As técnicas de isolamento desses fungos variam de acordo com a via de dispersão pes- quisada ou o substrato. Os Quadros 9.2 a 9.5 mostram a frequên- cia de isolamento desses fungos em várias ISOLAMENTO DE FUNGOS CONTAMINANTES O conhecimento dos principais fungos conta- minantes de uma determinada região pode ser feito através do isolamento desses fungos nas vias de dispersão: ar atmosférico, água, Quadro 9.2 Via de dispersão: ar atmosférico - frequência (%) de fungos anemófilos em algumas cidades brasileiras GÊNEROS SP RE BH BE RJ BS PI PA CO PP MA C1adosporium 65 21 90 18 15 49 50 - 33 74 14 Epicoccum 52 - 31 - - 24 - - 15 16 - Rhodotoru/a 49 7 28 8 10 - 13 - - 22 38 Penicillium 41 42 65 37 20 51 62 - 43 18 38 Aspergillus 23 59 59 64 10 24 44 47 43 56 29 Aureobasidium 20 11 32 - - 16 - - 7 37 31 Phoma 18 19 30 - - 9 - - - 14 - Alternaria 17 - 21 - - 7 - - 11 16 17 Candida 15 31 17 7 - - 31 - 5 21 55 Fusarium 14 20 - 15 - 17 - - 5 27 - Trichoderma 11 8 6 15 - - - - - 24 24 Cepha/osporium 11 6 - - - 6 - - 11 - 29 Curvu/aria 8 19 - 68 - 11 - - - 10 9 He/minthosporium 9 6 19 7 - 6 - - - - - Mucor - - - 27 - - - - - 17 64 Paeci/omyces - 6 8 10 - - - - - - 12 Rhizopus - 8 6 - - 10 18 - 11 27 29 Moni/ia - 13 - 9 - 12 21 - 29 36 - Pesta/otia - 6 - - - 6 - - - - - Geotrichum - 6 - - - - - - - - 2 Nigrospora 8 8 - - - - - - 5 - - Verticillium - - 8 - - - - - - - - Trichocladium - - 8 - - - - - - - - Hya/opus - - - 11 - - - - - - -, - Sirodesmium - - - 6 - - - - - - - Absidia - - - 5 - - - - - - 21 Monascus - - - - - - - - 6 44 - Botrytis - - - - - - - - 5 - - Trichotecium - - - - - - - - - 10 - Cryptococcus - - - - - - - - - 10 - G/iocladium - - - - - - - - - 10 4 Neurospora - - - - - - - - - 10 17 Não esporulados 68 1 - 13 - 33 - - - - - SP,São Paulo; RE, Recife; BH, Belo Horizonte; BE, Belém; RJ, Rio de Janeiro; BS, Baixada Santista; PI, Piracicaba; PA, Porto Alegre; PI, Piracicaba; CO, Curitiba; PP, Presidente Prudente; MA, Manaus. FungosContaminantes 103Quadro 9.3 Via de dispersão: água salgada e doce - frequência (%) de fungos em ~ Santos, Bertioga e rio Jacaré-Pepira, SP FUNGOS SANTOS BERTIOGA JACARÉ-PEPIRA Aspergillus 12 23 04 Trichoderma 21 12 15 Fusarium 07 03 18 Phoma 06 01 03 Penicillium 24 15 13 Cephalosporium 03 05 03 Curvularia 01 01 - Helminthosporium 01 - - Aureobasidium 02 - - Cladosporium 11 15 18 Alternaria 02 - - Paecilomyces 04 - - Mucor 01 - 02 Chaetomium 01 01 Geotrichum 01 03 02 Nigrospora 01 - - Epicoccum 05 10 - Neurospora 06 04 - Candida 33 12 - Rhodotorula 17 12 - Monascus - - 01 Não esporulados 36 26 20 vias de dispersão e substratos, de algumas regiões do Brasil. AR ATMOSFÉRICO Uma das técnicas mais utilizadas é a da sedi- mentação, que consiste na exposição, ao am- biente, de placa de Petri com ágar Sabouraud, ágar-malte ou outro meio de cultivo, durante 15 minutos. Os propágulos depositam-se no meio de cultivo, multiplicam-se é crescem, for- mando colônias. Essa técnica, embora quali- tativa, é muito utilizada, fornecendo algumas informações como variação sazonal, fungos mais frequentes e isolamento dos fungos para preparo de alérgenos utilizados no diagnósti- co de alergias (Fig. 9.3). Além dessa, há outras técnicas quantitati- vas com utilização de aparelhos de sucção do ar atmosférico, comopor exemplo o de Ander- sen de seis estágios, que permite selecionar também os propágulos pelo tamanho. Esse aparelho é muito utilizado no estudo das par- tículas alergênicas. 104 Fungos Contaminantes Quadro 9.4 Vias de dispersão: homem e animais - frequência (%) de fungos isolados da superfície corporal GÊNEROS HUMANOS CÃES GATOS EQUINOS PRIMATAS Trichosporon 0,9 0,9 3,0 0,5 12,1 Candida 10,0 0,9 - - - Geotrichum - 0,9 - - 1,1 Cephalosporium - 1,9 - 1,0 6,6 Scopulariopsis 0,9 4,7 18,0 0,5 - C1adosporium 7,0 - 72,0 14,0 24,2 Penicillium 8,0 - 48,0 19,0 47,3 AspergiJlus 2,0 - 22,0 10,0 46,2 Alternaria 4,0 - 19,0 2,0 3,0 Rhodotorula 3,0 - 7,0 2,0 25,3 Aureobasidium 2,0 - 7,0 2,0 4,4 Nigrosporo 4,0 0,5 .. - - - Mucor 1,0 - 4,0 2,0 13,2 Phoma - - 3,0 - 19,8 Chaetomium - - 1,0 - - Rhizopus 3,0 - - 16,0 13,2 Fusarium 3,0 - - 14,0 17,6 Trichoderma - - - 7,0 69,2 Epicoccum 3,0 - - 5,0 12,1 Neurospora 3,0 - - 2,0 - Monascus - - - 1,0 - Paecilomyces - - - 1,0 3,3 Não esporulados 3,0 - 19,0 2,0 6,6 OUTRAS VIAS DE DISPERSÃO E SUBSTRATOS o isolamento de fungos que utilizam a água como via de dispersão pode ser feito através de várias técnicas, geralmente quantitativas. Coleta-se a água em determinados volumes, que é então semeada em meios de cultivo ade- quados, através de diluições seriadas. Após o crescimento das colônias, fazem-se a conta- gem, o isolamento e a identificação. No homem e nos animais, dentre as várias técnicas, uma das mais utilizadas é a do car- Fig. 9.3 Placa da ágar Sabouraud com fungos anemófilos. pete, que consiste em se friccionar a superfície Fungos Contaminantes 105 Quadro 9.5 Substratos: aliment~s - frequência (%) de isolamento de fungos em alimentos - sp. MANTEIGA SUCO DE ARROZ RAÇÕES MILHOFUNGOS LARANJA Candida 62 22 - - - Cladosporium 18 3 19 6 1 Rhodotorula 18 16 5 - - Penicillium 12 15 35 29 68 Geotrichum 8 14 - 8 - Aspergillus 6 10 42 22 72 Cryptococcus 6 - - - - Trichoderma 6 - - 5 - Hansenula 2 - - - - Aureobasidium - 10 - - - Phoma - 3 - - - Rhizopus - 2 7 17 8 Mucor - 1 - 28 - Torulopsis - 344 - - - Saccharomyces - 5 - - - Pichia - 2 - - - Kloeckera - 2 - - - , Cephalosporium - - - 15 2 Syncephalastrum - - - 2 - Absidia - - - 2 - Fusarium - - - - 62 Não esporulados - - 27 - 6 corpórea comum quadrado de carpete estéril, colocá-lo em contato com um meio de cultivo adequado e retirá-lo. Após o crescimento das colônias, fazem-se o isolamento e a identifica- ção. O estudo desses fungos contaminantes em substratos também pode ser feito através de várias técnicas, de acordo comosubstrato. Em alimentos, por exemplo, pesa-se certa quanti- dade, de acordo com o substrato em questão, dilui-se em água destilada estéril e semeia-se em meio de cultura apropriado. Após cresci- mento, fazem-se a contagem das colônias, o isolamento e a identificação. INIBiÇÃO DO ISOLAMENTO DE FUNGOS CONTAMINANTES Na sequência laboratorial de diagnóstico mi- cológico,no item isolamento do agente etioló- gico,muitas vezes há necessidade de inibição da microbiota transitória (fungos contaminan- tes), principalmente em locais em que eles se encontram em altas concentrações, como nas superfícies corpóreas. Uma das substâncias utilizadas para isso é o antibiótico Actidione (ciclo-heximida), que, incorporado nos meios de isolamento em concentrações adequadas, inibe o crescimento da maioria desses fungos, 106 permitindo o isolamento do agente etiológico em questão. CARACTERíSTICAS MORFOLÓGICAS RESUMIDAS DE ALGUNS GÊNEROS DE FUNGOS CONTAMINANTES Esses fungos são, em sua maioria, anamorfos, ou encontrados apenas na sua fase assexuada. Os detalhes morfológicos para uma identi- ficação específica desses fungos contaminan- tes são muitos e requerem, na maioria das ve- zes, o auxílio de taxonomistas especializados ou de bibliografia pertinente. Porém, algumas características morfológicas, descritas a se- Fungos Contaminantes guir, podem auxiliar na identificação presun- tiva genérica de alguns fungos contaminantes comuns (Fig. 9.4). A. Alternaria: conídios escuros com sep- tos transversais e longitudinais dispostos em cadeia. B. Aspergillus: conidióforo com dilatação na extremidade (vesícula). Na vesícula estão dispostas as fiálides ou esterigmas, de onde saem os conídios unicelulares, globosos, em cadeia. C. Cladosporium: conidióforo escuro, ra- mificado no ápice, conídios catenulados, escu- ros, ovoides ou cilíndricos e ramificados com um ou dois septos. Fig. 9.4 Microscopia de alguns fungos contaminantes frequentes no Brasil. A. A/ternaria. B.Aspergillus. C. C1adosporium. D. Curvu/aria. E. Epicoccum. F. Fusarium. G. Penicillium. H. Nigrospora. I. Rhizopus. (Fotos de Shirley AV. Marques e W. Gambale.) Fungos Contaminantes D. Curoularia: conídios escuros com 3 a 5 septos, encurvados, cOIUa célula central maior que as outras. E. Epicoccum: conidióforos agrupados em esporodóquios escuros. Conídios grandes, es- féricos ou piriformes e muriformes. F. Fusarium: conidióforos em esporodó- quio, com conídios alongados, grandes, fal- ciformes, com vários septos. Eventualmente podem ser observados clamidoconídios. G. Penicillium: o conidiófiro não apresen- ta vesícula. As fiálides ou esterigmas saem do conidióforo, apresentando em conjunto um aspecto de pincel. Conídios catenulados (em cadeia). H. Nigrospora: conidióforos com ápice di- latado, conídios isolados, unicelulares, globo- sos e negros. I. Rhizopus: micélio sem septos; esporan- gióforo (hifa que carrega o esporângio) forma- do sobre um rizoide. 107 BIBLIOGRAFIA Cole GT, Kendrick B. Biology of Conidial Fungi. New York: Academic Press, 1985. Degobbi CM, Gambale W. Síndrome dos edifícios doentes. Microbiologia iri Foco 2008; 4:19-32. Fidalgo O. Fitopatologia e fungos. In: Lacaz C da S, Minami P, Purchio A. O grande mundo dos fungos. São Paulo: EdusplEd. Polígono, 1970. Hoog GS de, Guarro J, Gene J, Figueras MJ. Atlas of Clinical Fungi. 2nd ed. Centraalbureau voor Schim- melcultures/Universitat Rovira i Virgili, 2000. Lacaz C da S, Porto E, Heins-Vaccari EM, MeIo NT. Guia para identificação: fungos, actinomicetos, al- gas de interesse médico. São Paulo: Sarvier, 1998. Lacaz C da S, Porto E, Martins JEC, Heins-Vaccari EM, Melo NT. Tratado de Micologia Médica. São Paulo: Sarvier, 2002. Silveira VD. Micologia. 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