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O_SUPREMO_TRIBUNAL_FEDERAL_E_A_NOVA_SEPA

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O Silt'i,i' t.:i, lililiili\',,l itli;it,],"., i j' rJ{ j"rr' \;i'irl\i¡ì!'åiir i'i i'i-ri}iiri'!
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-
PRocesso À Luz o¡ Ccrlsr:r¡lÇÀo Fro¡R¡rL 1 5
14 Rrvrsrn ¡r Psoc¡sso 2014 . REPRÕ 233
cìa separação de poieres desenvolvlc¿ por Bruce
Ackermz n-
Pnr¡vR¡s-crevr: Constitucionalismo - 5eparaçâo
de poderes - Limitação do poder - Constituição Fe-
deral - Presioencialismo - De.nocraci¿
backcrcp the new theory of pcwers separalicn
cieveloped by Bruce Ackerman.
K¡ywonos: Constitutionalism - Powers separatron
- Authority lrmitation - Federal Const;tution -
Presìdentia ism - Democracy
Sumário: 1. Consideraçöes preparatórìas - 2. Sobre a separação de poderes como técnica de llmi-
tação do poder político: breves apontamentos históricos: 2.1 A herança medieval e o tratamento
da questão no contexto do Estacjo Absolutista;2.2 0s processos Ce critlcoe cr¡seenvolvendo o
Estado Absolutìsta e as revoluçôes burguesas na perspectiva das questoes ligadas à limìtação
do poder;2.3 Baianço conclusivo: a separaçào de pooeres como instrumenro de limrtação do
poder - 3. A novo seporoçõo de poderesno Brasil: uma criação oa Jurisprudência cio STF?: 3.i A
nova separação Ce poderes de Bruce Ackerman;3.2 A nova separaçâo Ce poCeres à brasiletra;3.3
Ajuristocracia e os riscos do SiF ampliar seus poieres a partir de sua própria jur.isprudência. 0u
aind¿ ?s razoes pelas quais o STF não compreerCeu o teorema dos cioìs corpos do reì.
Um astranomo que discute Filoscfio, um quimico que discorre sobre Músico,
au um paeto que converso sob're lvlotemotico noa emitem mencs obsurdas
do que o cidodoo comum quondo entrevistodo sobre palitico. A diferenço
esto em que a ostronomo, o quimico e o poeto evitoroo geralmente o popel
de tolos olegondo desconhectmento, enquonto que o cidodoo é forçodo o
preocupor-se com o politico e no meio do rncompetêncio gerol ele jo noo
percebe que é um osno. Assim, o único diferenço reside em que nos outros
zonas do ìgnorôncio samos ovisodos poro pensor em nossos proprios
ofozeres, enquonto que no reino politico somos encorojodos o ossumir
ot¡tude oposto, e osstm ocobomos por nao sober que desconhecemos tudo.
(Grovnnrur Snnronr, Teorio democrotico)
1 . ColsrornnçoEs PREPARATóRIAs
Na últirna década, assistimos a uma acentuada valorização o STF como ator po-
lÍtico. Esse fenômeno, que já foi chamado "proragonismo judicial", acirra-se, ainda
mais, no contexto daquilo que vem sendo nomeado como judi cialtzação da política
e das relaçöes sociais.r Trata-se, em apertada síntese, de um deslocamento da agen-
da decisória tradicionalmente associada à esfera de atuação de outras lunçoes clo
Estado e de diversas forças sociais para o ârnbito dajurisdição.
Nesse sentido, as demandas que são levadas ao Judiciário são dos mais diversas
mâtizes.
Sobre o tema, Cf. Or¡vanq Rafael Tomaz de; T,r.ssrNenr, Clarissa. Ativismo .judicial e .judi-
cializaçào da política: notas para uma necessária diferenciação In: G,qro Jusror, Antônlo
Pereira; sarros, Márcio Gil rosres dos (org.). cons¿i¿uicaobrøsileira àe 19BB - Reflexocs ent
comenloraçao ao seu 25.o aniversario. Curitlba: Juruá, 2OI4. p.71-92.
Recentemente , o Supremo Tribunal 
passou a ser chaìrado a aluar' cada vez com
¡raior frequên cia, para 
se pronunciat 'obr" 
questoes que envolvem diretamente
a relaç^o do Judiciárlo 
to- o' dernais poderes - ern especial o legislativo - bern
como para firmar sua posição 
na arena polÍtica' Em abrii de 2014'a corte foi acio-
nada,peìoMS32.889'paraapreciaraConstituciollalidadecieurnapropostadeins-
tauraçâo dc CPI no senado'r 
Lm de'embro de 2013' o Supremo Tribunal iniciou o
;î;;;*," da ADin +.oio que rrara 
de possível inconsrirucionalidade que viciaria
t sistema de financiame,.,,o ä" .uropunúas eleitorais 
no ponto específico em que â
leeislação permite doação realizadaPor 
pessoas jurídicas'3 Em dezembro àe 2012'
-.1 ;.'loamento de liminar do MS 31 816, 
o trlbunal determinou a suspensão da
::":i:il.i;;*ì;;;;;.i" àong""o Nacionalpara \orar o uet:10 Projeto dc lei
åy;i::"*ä 
" 
ai" ir t ltut " d o pltroleo' 
N a m.esma o portunldade fi co u assentado'
iä"^r.i".t,'tin. Luiz F;;,; entendimento 
de que os vetos deverlam ser analisa-
dos pelo congresso .* otd"* cronológica de aplesentaçâo' 
determinando assim' o
modo como o legislativo deveria p'otãd"' no exercício 
de uma competência cons-
titucional.
Outro exemplo signifrcativo desse mesmo contexto 
pode ser retirado do MS
37.033.Nesse caso, foi reafirmada pelo tribunal 
a possibilidade de utilizaÇão do
"rr,,,.o*limitaçàodelegitimidadeativa-paraadmitirapenasainterposiÇãopor
parlamenrares , p^ru ,1rt Z, controle jurisdìcional preventil,to de 
constitucionalidade
iontra projetos àe emenda à Constituição ou 
projetos de lel que se apresentem em
contrariedade com a constituição. Nesse caso, 
vale lembrar, que a fonte de uma
tal competênciu a u p'op'iu ¡utìspr"dcncia do Supremo 
Tribunal Como é cediço'
não existe _ no texro ¿å constituicão d.e rggg - quaiquer menção a 
urn controle
jurisdicional preventivo de constitucionalidade'
Por frm, podernos mencionar, ainda' a Rcl 4'335 - juigada pela Corte 
no pri-
meiro quadrante de 2014 - no interior da qual o tribunal assentou' 
por maioria
devotos,o..,t".'dl-".'todequeaeûcáciadasdecisöesqueaCortepfofereno
exercÍcio do controle difuso de constitucionalidade, 
passou a ser dotada de efrcácia
ergaomnes.Issoemui,t.-.d.deumasériedealteraçöeslegislativasqueampliaram
adimensãovinculativaetranscendentedosefeitosdasdecisÕes,nãoapenasdo
STE mas, também, ¿o, f.iUttt'ui' Superiores (u'g'' o caso das-"súmulas 
impeditivas
de recursos",.ârt- 38 da Lei 8'038/f 
ggo; o arÏ";57 ' 
g 1''-A' do CPC' entre outros)'
;r,,.j, ;;; ärro.,.,;*lf pronunciamento do Senado (nos termos da competência
2. Cf. Srmcx Lenro Luiz; Ltne, Martonio Mont'Alverne Barreto- As 
CPIs e a falta que faz o
Ministro Paulo Brossard Consultor luríàico DisponÍvel 
em: [r,l'ww.conjur'com' br/2014'
-abr- I 4/lenio-streck-martonio- lima-cpis-falta- | az-P aul
o-brossardl. Acesso em: 19 04.2014
3.. C.f. Our'¡lt¡, Rafael Tomaz de Financiamento de campanha
e o STF como motor da his-
tórra. Consultor Juríàíco. Disponívei ern: [www.conjur.com.
br / 20 1 4 - jan -O 4,/d i a ri o -c I asse -
-fi nanciamento-campanha-stf-motor -historiaì. Acesso 
em: 19 04 2014
16 R¡vrsr¿ r¡ P¡ocrsso 2014t RrPno233 Prcc¡sso À Llz c¡ Coi'¡siirurcÂo FicçR¡rl 17
fixada pela Constìtuição. no arr. 52. X) patn que a decisão do Tribunal. no âmbjto
do controle dìfuso, puclesse atinglr outros câsos, que não aquele julgacio pelo srF
Todos esses casos, pinçados aqui por amostragelx, aÌrontam não apenas para
uma incisividacle maior da jurisdiçâo na relação con-r o legislativo - chegando às
\¡ezes no limite da ingerência - como. também. para urna transformação. âté certo
ponto velada, na configuração cle nossa separação de poderes.
Neste artìgo, pretendcmos refletìr sobre os efeitos dessa nova realidade constitu-
cional que estamos vivenclando desde o início da prir.neira década clos anos 2000.
Para isso. colocamos a scguinte pergunta: cm todas cssas hipóteses. o supremo
Tribunal tem atuado em sua competência de intérprete cla constituiçâo. ou,por
outro lado. tem praticado atos que levam a uma alteração jurisdicional dus eng.e-
nâg€ns que compõem a configuraçâo constitucional de nossa dìr'isâo de pocieres?
Queremos saber que tipo de resultado podernos projctar no que tangc a potencìâis
alteracoes €r'll llossa engenl'taria constitucionaL Aqui. utilizamos a expressão citada
no sentido que lhe dá Giovanni SarrorÌ. em livro homônil.no.* Nessa medida, pocle-
mos antecipar uma conclusão de nosso trabalho: as decisões quc o pr€tório excelso
1em tomado nos casos mencionados acima estâo operando uma transforìnação ern
nossa engenharia constitucional; modificando as engrenagens que movimentam
nossa divisâo de poderes.
Para isso, trabalhamos colr as seguintes hipóteses cie trabalho:
I - o conceito de separação de poderes não é um conceito natural, de modo que
só exista sua ocorrência nos casos em que visualjzamos uma divisào de funçoes,
normalmente de forma tripartite. Vale dizer, não se trata de um conceito estático,
mas, sim, dinâmico. Não existe uma fórmula definida e deÊnitiva sobre o que seja e
como funciona a divisão de poderes. Na verdacle, como conceito histórico-político,
a separaçào de poderes sofre alterações de sigr.rificado constantes, principalmente,
no contexto das experiências constitucionais de curta duração
Todavia. o elemento subjacente que permanece com uma carga reguladora clo
conceito * e que, por isso, desdobra-se em uma dimensão de expectativa ou de
longa duração - é a ideia de limitação do poder, classicamente pr"r"nr" na fórmula
de Montesquieu a respeito do "poder que controla o poder". portanto, o concejto
que nos orienra na análise da separação de poderes é o de lirnitação efetiva do poder
polÍtico e não a velha tentativa de análise que se apoia na configuração tirparrire.
II - Assim, qua'do trabaÌhamos com o conceito de separação de poderes opc-
ramos' ao mesmo tempo, com uma perspecriva descritiva e co*r urra parspectiva
pre scriLira.'
4. Cf. S¡aronr, Giovanni Engr:dlaria constitucional. BrasÍlia: Ed. UnB, 1 996. p. 9.
5. A dualidade, apresentada no texto, e que envolve descrícòto e prescriçao é retirada de Gio_
vanni Sartori e das consideraÇoes por ele tecidas sobre a polemica acerca do rcaLtsrno po-
Do ponto de vista descritivo. a análise procura estabelecer. a part'ir de aborda-
gens histórico-cornparatìvas, o modo colrìo as mais diversas experiências consti-
tucionais estabelecem critérios de divisão das funções que cornpÒem o poder dc'
Estado e operam com elas. Tiata-se de urna microanálise de experiências materiais
que envoivem distintas reaiidades constitucionais.
.Já na perspectiva prescritiva - ou regulatória - perguntamo-nos até que ponto cr
modelo de divisâo de poderes efetivamente operante em uma dada realidade cons-
titucional cumpre o seu principal desiderato: limitar o exercicio do poder polÍtrco
III - Desse r¡odo, o conceito de divisão cle poderes pode apresentar-se de forma-.
muito variadas. comportando, inclusìve. a previsão de organisrnos e funçoes que
não se enquadram perfeitamenle na clássica ideia tripartitc. mas qu€, ainda assim,
perseguem o ídeaì de concretização de um governo lìrnitado.
l.\o momento em quc as rnodificaçÕes estruturais - que alteraur colnpetências.
órgãos ou funcionalidades - se apr€sentam nâo como técnìcas de limitacão do exer-
cício do poder. mas. sim, como artifÍcios para o exercício autocrático do governo.
teríamos. neste caso. uma afronta à separaçâo de poderes e. por consequência. acr
próprio Estado Constitucional.
Conforrne será demonstrado ao longo deste artigo, as decisoes tomadas pelc'
Supremo Tribunal, nos casos citados no início desta introdução, podem - e deveml
- ser criticadas. pelo menos, sob dois aspectos: (a) em primeiro lugar, do ponto de
vista interpretativo, cujo problema envolve a deterrninação clo sentido e significadc,
da concretizaçào da Constituição. Neste primeiro caso, a questão fulcral diz res-
peito aos limites da interpretação constitucional e as possibÍlidades, teóricas, de se
encontrar respostas constitucionalmente adequaclas para os casos em que a corte
é chamada a atuar; e (b) cuidando de analisar as consequências de deterrninadas
decisoes para a engenharia constitucional de separação de poderes que pode ser
descrita a partir dos quadros estruturais que regimentam o nosso Estado Constitu-
cional. Por certo que. tambem aqui, estamos diante de um problema ¡nterpretativo.
Como referimos acima, a separação de pod.eres é um conceito que sofre transfor-
maçoes significativas numa perspectiva de curta duração justamente por se tratar
Iítíco.Para Sartoh, o realismo polÍtico - cujo rnarco é as vezes representado pela obra de
Maquiavel - está assentado em ufira falácia, tanto quanto a sua antÍtese que é o idecirsnro
politico. No prin-reiro caso, há un.ìa exaÉ{ero descritivo que acaba levando a anahse po1ítica
a se perder em meio a particularismos estéreis; no outro, há uma exagerada hipostasiaçãc,
que acaba ¡ror lcr.ar o pensamento polÍrico para o campo de ur.n ingônuo planejamento ra-
, cional, incapaz de condicionar r.ìormativaÌnente a realidade. Assim, a análise política devc
estar envoh,ida em uìna circularidade virtuosa caysaz de lidar ranto com as questoes descri-
tivas, como prescritivas que envolvem conceitos polÍticos como dentocracia, septracao d.t
podues elc. (Cf. S¡nloru, Giovanni. Teoria dentocraticr. Rio deJaneiro: Fundo de Cultura.
1965. p. 46 e ss.).
7-
1 B Rrvisr¡ o¡ Pnccrssc 2Ai4 e RrPea 233 Pqocrssc À Luz c¡ CcrrsriiurcÀo FrcE¡¡L 1 I
de um conceito controverso € que pode levar a compreensões renovadas em suas
diversas possibilidades de concretização. Todavia, há cleterminadas decisoes do Po-
der Judiciário, em especial do STE que acarr€tan unra akeraçào nas engrenagens
da máquina. Nesse aspecto, tais decisoes apresentar-se-iam corno violadoras do
núcleo do conceito de separação de poderes, pois estariam transformando nosso
sistema constitucional em um modelo de governo judicial. Vale dÌzer. r,iolaria a
ideia n.rot¡iz da separação de poderes que é a de iimitação do poder.
2. SosnE n sEpARAçÃo DE poDEREs coMo TÉcNtcA DE LtMtTAÇÃo D0 eoDER
POLÍTICO: BREVES APONTAI\4ENTOS HISTÓRICOS
2.1 A heronço medievo I e o trotomento do questoo no contexto do Estodo
Absolutisto
Conforme afirmamos acima. o ponto de estofo das discussões envolvendo a se-
paração de poderes pode ser representado pelo ideal de lirnitaçâo do poder político
que aparec€, eÌn seu maior esplendor. no ambient€ constitucionalista do Estado de
Direito liberal.r'
6. Na c1ássica formula proposta por MatteuccÍ, o constitucionalismo moderno - e seu con-
sequerìte modelo de constituição - cuida, basicamente, de dois assuntos: organizaçdo
do poder e afrmaçao àcLs liberdades. Assim, temos como problerna central o desenvol-
'imento de técnicas de limitação do poder polÍtico que passa por desenvolvinrento de
fórmulas ou engrenagens de organização do poder e, ao mesmo tempo, añrmação de
direitos fundamentais aptos a limitar o exercício do poder por maiorias eventuais que se
encontram no governo (Cf. Merr¡uccr, Nicola. organiz ación del poder y libertad. Madrid:
Trota, 1998. especialmente p. 23 e ss.). Outro elemento que pode ser apresentado como
técnica de limitação do poder inaugurado pelo consritucÌonalismo moderno diz respcito
à concepção da supremacia constitucional e de uma consequente hierarquia no inrerior
do sistema de fontes. como alìrma Goyard-Fable, a ideia de constiruição não foi in-
ventada pelos modernos, porém, é possível afirmar que foj transformada por eìes. Em
verdade, as modificaçÕes estruturais levadas a cabo pelo direiro político moderno na se-
mântica do conceito de Constituição apresenta certo tom de ruprura e clescontinuiclade
corn o modo como ele projetava significados em tempos históricos anteriores. Seguncìo
a autora,'para a filosofia polÍtica antiga, quaisquer clue fossem as divergências entre o
platonisnro e o aristotelismo, é a Constituicão ou Poli¿eia que, na Cidade ou na I,olis,
determinava a articulaÇão entre o fim visado pelapolítica e os meios que tinham de ser
empregados para realiza-la. A ideia de Constituição designava assìm a lìnalidade politi-
ca - o justo - enquanto as leis eram os meios pelos quais se buscava o estabelecimento
dajustiça. (,..) Ainda que essa concepção da ideia de constituição tenha sido en.r geral
acolhida pelo pensamento polÍtico da ldade Média, delineou-se uma alteração semânrica
no século XllI quando a palavra'Constituiçào'foi empregada rro senrido cìe'instituìq:ào',
termo esse que se aplicava, por exemplo. às disposiçoes adotadas pelas municipalidades.
Posteriormente, no século XVl, a palavra'Constituição' foi utilizada coit.iuntal¡ente com
a metáfora do'corpo politico'para desigr.rar sua organização. (...) Nessa maneira nova de
Todar,ia. asraízes desse elemento de limitacào do poder encontram-se deìtada:
no perÍodo de outono da ldaàe Médía, ¡omando aqul emprestado o tÍtulo da magis-
tral ohra deJol.rar.r Huizinga.T Na verdade, colr Nìcola Matteucci, podemos falar dt
utrra "herança medieval do cor-rstitucionalisuro moderno" que deságua na constru-
ção do Estado Absolutista.s
Com efeito, o conc€ito de constituicao equilibrada, que está naÍaiz da ideia dt
especiaÌizaçâo de funçoes e. consequentemente, de divisão de poderes, é algo que
já se encontra retido no modelo de governo misto que começa a tomar forma, espe-
cialmente na Grã-Bretanha, a partir do século XIIL Depois, já em um ambiente dt
Estado Absoluto, soìidifica-se a conformaçâo dos poderes do rei em torno de duai
chaves conceituais, que são o gubennculum e a iurisdicfio.e Embora não se poss:l
falar aqui em divisão de poderes - ao contrário, nesse contexto o poder do rei e¡¿
indivisÍvel. é possÍvel perceber algo como uma especiaiizaçào de funçoes que, por
um iado. autorizam ao rel tomar decisoes polítlcas que estão fora de qualquer con-
trole jurídico (gubemaculum) e. no outro caso, impoem já uma limitaçâo jurÍdica
ao poder do rei a exigir que. nos casos de clareza ejusteza do direito positivo, pro-
ceda o rei ajulgamentos secundumlegem (iurisdictio).
Por meio do gubernaculum, o rel relacionava-se com outros Estados e cuidavj
internamente dos chamados assuntos de Estado (arcanaimperü), cuja própria na-
tureza determinava que eles fossem confrados a urna única pessoa para que pudes-
sem ser decididos de forma rápida. Esse poder, por sua própria natureza, era discd-
cionário, extralegem, e não podia ser exercido com base nas leis estabelecidas, aiém
compreender a Constituição, conjuga-se duas ideias mestras e complementares, que ¿
doutrina, desde entâo, fi¡mou e aprimorou constanteÍnente. Por um lado, a Constituiçå:
define o estatuto orgânico do Estado e é nela que reside a base da potência estatal. Por
outro lado, o aparelho jurÍdico do Poder se delineia segundo o esquema da 'hierarqui;
das normas"' (Cf., Gor,qno-F¡gnr, Simone. Os princípíos flosófcos do direito político mc-
derno. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p, 102-103).
7. Cf., Hutzrsc;¿,Johan. O outono daldade Médía. São Paulo: Cosacnaifl,, 2010. passim.
8. C[., M.qrrEuccr, Nicola. Organizdcioll del pocler y libertad cit., p.29.
9. Sobre o governo limitado dentro da iconografia medier.al, Matteucci escreve o seguinte
"aparecen aquí l'o,s dos poderes que convierlen al el rey en jefe: por un lado las armas, es
declr, el gubernaculunt (o la prerrogativa), que se referia a las relaciones con los ot¡os Es.-
tadoS, llan-rados también arcana intperii, cuya naturaleza requerÍa que fuesen confiados ¿
una única persona para poder tomar decisiones rápidas y efrcaces. Por su naturaleza este
poderesdisc¡ecional, extralegem,nopuedeserejercidomedranteleyesestabelecidasyx
, confÍa a la prudencia y la sabiduría del rey Por otro lado las leys, es decir, \a iurísdictio (:
juslícc): es el deber de administrar la justicia lo que convierte aì rey en 'soberano'. En est€
campo el rey está limitado por el derecho 1'debc pronunciarse secund.untlegcm. (...) Sir' ãrnbargo el derecho puede presentar lagunas, ;'su aplicación puede producir injusticias
Por ello. de manera excepcional, se reserva al rey eì derecho de se pronunciar según equ:-
dad " (Merrruccr, Nicola. Organizacion àeI poder y libertad cit., p. 39) .
Pnoctsso n Li;z l¡ Corsriru,çÂo FroruL 21
20 Rtvrsi¿ o¡ Pnocrsso 2O14 o RrPac 233
de ser confrado à prudência do rei. Tratava-se. verdadeiramente de um poder arbi-
trário porque, ao exercê-lo, o rei não prestava conta de Seus atos para ninguém.r('
Em contrapartida, ao gubemaculunt havia a iurisdictio. que consistia no dever
cie administrar a justiça. Ao exercer esse poder, o rei estava lilnitado ao direito e
deveria pronunciar-se secundum legem.tl
Essa realidade. como afirma Maurizio Fioravanti, ieva a ulna concepÇão de Es-
tado .lurisàicional que, ao menos no contexto inglês, abre espaço para afirmação
- cada vez mais evider-rte - de uma autonomia do parlamento.r2 Na verdade, como
vereûtos a seguir. a ideia de limitação do poder. na Inglaterra, está muito mais li-
gada a um controle exercido pelo parlamento sobre a atuaÇão do monarca do que.
propriamente. a uma concepÇâo de dlvisão de funÇoes ou separação de poderes
?ulgo q.,. será decisivo. por outro lado, para a experiêncÍa constitucional estaduni-
dense). l\.-o caso da Grã-Bretanha. a questão dos limites ao poder poiítico está ligada
ao iogo de forças que se instala na relação parlamento-monarquia. isso como um
processo histórico mais contínuo que ruptural.
2.2 0s processos de crítica e crise envolvendo o Estodo Absolufisto e os revoluçoes
burguesos no perspect¡vo dos questoes ligodos o Iimitoçoo do poder
os instrumentos de limitação do poder e de racionalizaÇao do governo obe-
decem a um eixo histórico que liga a retoluÇao inglesa; a retoluçao Jrancesa; e a
revoluçao americana. Do ponto de vista globai, é possivel afrrmar que as revoluções
inglesas e francesas tiveram que iidar, guardadas as peculiaridades de cada uma das
realidades históricas. com o problema das guerras civis religiosas no contexto da
conformação do governo estatal; ao passo que, nos Estados Unidos, a revolução
está mais ligada ao desligamento das colonias com relação à metrópole e a necessi-
dacle de afirmaÇão de um governo autônomo, desvinculado do rei e do parlarnento
inglês. Essa constatação não descarta a influência que cada um destes movimentos
exerceu entre si. Pelo contrário, é certo que há uma mútua infìuência na construção
dos ideais constitucionalistas. Todavia, cada uma dessas realidades irá criar meca-
nismos muito especíñcos para o controle do exercÍcio do poder.
Vejamos mais de perto como essa teia de acontecimentos se desenvolve. Para
isso, teremos que passar em análise, ainda que de modo superficial, ao primeiro
momento de afìrmação do Estado Moderno: o Absolutismo. Como já anotado no
10. M,qrrruccr. Nicola. Oiganización delpoder y libertad cit., n. 2, p. 39
Ainda sobre aspectos contextuais da Idade Méclia, ver: HutztNca,Johan. O outotto àaldatle Media.
Sào Paulo: Cosac Naifl', 2010. n. 20, p. 479 e ss
I l. Merlruccr, Nicola, Organitacíon àd pocler y libertod cit., n. 2, p. 39
12. Cl., FronqvAxt.t, Maurizio. Estado y Constitución. In: 
- 
(ed.). El Estado Moderno en
Europa: ínstiLuLiones y derecho. Mad¡id: Trota, 2004. p. t7-18.
item anterior, é nele que se encontfam as raízes da experiência 
constitucionalista
que. Por ora. estamos a investigar.
Nos ternros propostos por Reinhart Koselleck, A Estudo Modento europeu ergue-
-se como resposta as guerràs cit,ís religíosas.Ìr Essa resposta se dá de maneiras 
di[e-
rentes nos principais expoentes d.a construçào deste novo modelo 
institucional: a
lnglaterra e a FranÇa.
É possÍvel dizer que. na lnglaterra, as guerras religiosas e as revoluçÕes burgue-
sas c;incid.em. Há uma irnbricação constante entle a formação de 
uma monarquía
ubroirrtu, do ideal de monarquia iimitada com a afirmaçâo do poder 
do parlamento
iu.ju-r.. nesse sentido, a paulatina construÇão das cartas de direitos) 
e um contexto
à. äirp.rau, religiosas q.,. ,. p".p.tuam até a consagraÇâoda rnoluçao gloriosa.i'
Já na França, o Estado Absolutista permaneceu um acontecimento 
iigado aos
conflitos posteriores à reforma religiosa. \-o caso francês, o Estado Absoluto é 
fruto
.rp".ifi.À"nte de uma guerra religiosa - que tem como ponto de eclosào o mas-
sacr" do, principaìs "rpo".r,., 
da aristocracia Hugnote" no evento conhecido como
noite de 5ào Baitotomeu (I572) - na qual se encontravam pres€ntes dois extremis-
mos: o carólico e o hugnote. surgido gradativamente como resposta a esse con{ìito'
o Estado Absoluto francês será aniquilado por um outro tipo de "guerra" civil, que
foi a revoluçào francesa.
Independentemente dessas vicissitudes, é possívei encontrar um fio condutor
pu.u u få.*ução do Estaclo na experiência extrema das guerras civis reìigiosas. Por-
,u.rro, pu.u compreencler tais movimentos, torna-se necessário um emergir históri-
co das situaçÕes políti.as, frlosÓficas e sociais que levaram às guerras e aquelas que
ofereceram uma resposta a esse probiema.
o ponto de partida, evid.enremenre, será a perãa da uniddde da igreja que tem
,r,u .upi,,rlução finaì com a reforma protestante. No século XVI, a ordem tradicio-
nal - como se costuma nomear o medievo - estava em declínio.15 Como a igreja
13. Kostrr¡c.r,Reinhart. ctítictl ecríse.[Jntacontribuiçaoapato!êl1€se domundo burgues-Rio
deJaneiro: Contraponto, 1999. p. 19.
14. Nesse sentido, Cf. M.qrteucc.r, Nicola. organizacíÓn del poder y libertad cit., p. 113 e ss.
Koselieck, sobre esta queslão, afìrma o seguinte: "na i'lha o Estado Absoìutista foi destru-
Ído pela guerrí'civil ráligioru, e as lutas religiosas já signifìcavan a revolução burguesa"
(Crjtíca e crise cit.. P. 20).
15. Para entender como se dava essa unidade do poder oferecida pela igreja, são importantes
as liçÕes de Marcelo Neves qtte, baseado no conceito de diferenciaçao Jutcional de ¡-iklas
Luhmann, afr'na: "o poder iegitimava,se nrediante o direito sâcro, que era indisponÍvel.
. Essa ir.rclispor-ribilidacie não significava, a rigor, uma limitação jurÍdica do poder. o direito
.sacro senìa antes como justificati",a da invesLidura. tituìaridade e exe¡cÍcio do poder pelo
. ' soberano (indÍviciual ou coletivo). Mas prevalecia a máxima princeps legibus solutus est'
(...) não haviam ìimitaçoes jurÍclico-positivas referentes ao soberano no exercÍcio do jus
' ímperium,ou seja, limiraçÕes normativas estabelecidas e impostas por outros homens a sua
P¡ccrsso I lt:z at Cclisll.ilcÀo Fto¡Rri 2322 R¡visre re Pncctsso 2014 . REPF.a 233
perdia a centralidade que até então exercia na vida das pessoas, a ordem social
cono um todo perdeu o polo de atração e saiu dos eixos. Alianças foram quebra-
das, Ìaços antigos desfeitos e, como diz Koselleck, "alta traiÇão e luta pelo bern
comum tornaram-se conceitos inte¡cantbiár'eis, confotme as frentes de iuta e os
homens que nelas se locomoviam".i6 Disso, seguiu-se uma anarquia generalizada,
cujas consequências são conhecidas: vioÌência e assassinatos.
A pluralização da lgreja, que a luta pelalíberdade religiosa instaìou, fez com
que tudo aquilo que antes era coeso passasse por um profundo processo de exaus-
tão € depravação. PaÍses, estamentos, {amílias e povos - tudo passava pelo enfren-
tamento de igre.ias inlolerantes que se perseguiam ìnutuamente, de modo cruel
e completamente destrutivo. em meio a frações estamentais ligadas pela religião.
Num contexto como esse. a pergunta que pairava no âr era a seguinte: como ('ra
possível restabelecer a paz? O que fazer para se construir uma nova ordem para
as coisas humanas?
O Estado Absolutista foi essa resposta. Como? Basicamente. por meìo de uma
poÌÍtica baseada em critérios seculares qu€ expurgava de seu âmbito de aÇào os
conceitos religiosos que tradicionalmente povoavam esse campo. Ou seja, nesse es-
paço aberto pelo absolutismo, criou-se o ambiente propício para a separação entre
di¡eito e polÍtica, de modo que o direito, principalmente no que tange a experiência
inglesa,rT passou a agir como elemento limitador da atividade política.18 Tudo isso
em um contexto em que o ambiente intelectual ainda era dominado pela estrulura
do medievo, no interior do qual as discussões polÍticas eram monopolizadas por
teólogos e letrados, em ambos os casos ligados à lgreja.re
ação coercitiva" (Cf. N¡vrs, Marcelo. Transconstitucionalísmo. Sào Paulo: Martins Fonles,
2012. p. 8).
16. Kos¡ntcx, Reinhart. Crítica e crise cit., p. 21.
1 7. É sempre importante lembrar que na Inglaterra houve, durante todo o período cle transi-
ção do medier.o para o Estado absoluto e desta para o Estado liberal, uma constante tensào
entre monarquia e parlarnento. Isso é extremamente importante para que se possa ter
presente que, no caso inglês, os instrumentos de limitação do poder do monarca são fn-ltos
de uma paulatina construÇão histórica. Esse fator é completamente singular com relação à
experi€ncia francesa, por exemplo, na qual o Absolutismo despótico atingru o paroxismo.
No continente - mas especificamente na França - somer.ìte com a revolução francesa e c¡ue
os ldeais de limitaçâo do poder poderão e letivamente tomar fomra.
18. Nesse senrido: Gnrvv, Dierer. ConstitLtiÇd.o e política. BeÌo l{orizonte: Del Rey, 2008; tam-
bém sobre esta questão, rnas falando em diJerencíacao fwtcional entre direilo e política, Cf.
Nsr,¡s- Marcelo. TransconstíLucionalisrno cit., passìm.
19. É neste ponto que surge a importância de Hobbes. Com eleito. como afirnra RenatoJanine
Ribeiro, Hobbes é um pensador contra o seu tempo (Cf., Rronno, Renaro Janine. A o leitor scm
medo. Hobbes escrevendo contra seu tentpo.Belo Horizonte: UFMG, 1999). Ele escreve contra
seu tempo exatarnente porque pretende tratar o problema da polÍtica e do governo senr o
Portanlo, o Estado Absolutlsta t€rn sua razào de ser pelo (necessário) enfrenta-
mento do estado cie caos gerado pela fragmentaçào religiosa e as guerras que daí
se seguiranl. Assirn, e possível notar uma reiação de conexão entre a conquista cla
liberdade religiosa - forjada a partir de cluras lutas histórjcas, conforme ressaltado
acima - e a fc'rmação do Estado Absolutista. Há um dupìo embate nesta intrlcada
reiaÇão. De um lado. o desenvolvimenlo do mercantilismo e as descobertas pro-
movidas pela expansão marÍtima, exigem utna nova estruturação social. a criaÇâo
de novos ofÍcios. propiciando o aparecitnento de uma burocracia estatal que, aos
poucos, se descola da figura do rei e se autonomiza; por outro lado, a afirmação da
liberdade religiosa acaba por reivindicar um controle de uina instância superior aos
indivíduos tendo como lnote. ou palavra chave. a ideia de segurança: existe Estado
para gararrtlr e segurança individual dos súdito-s.
Um outro tipo de excesso fará com que as estruturãs do Estado Absolutista
sejam rernodeladas para que os iimites do poder possaa ser aperfeiçoados. Com
efeíto, o abuso do poder do monarca, seja ao dilapidar os súditos com Ìeis que ins-
tituíam tributos de toda ordem. confrsco de bens etc.. temos. como no caso francês.
um rei que se locupletava com os lucros obtidos por outra classe social, que então
se aÊrmava e se definia: a burguesia. A partir disso, a discussão sobre os modos de
limitaÇão do poder se torna mais clara e precisa, e as flguras assumidas pelas ideias
consl il ucionalistas corneçam a se pareccr muilo mais corn aquelas que vivenciarnos
contempora ne amen te.
Jon Elster propoe um modo bastante elucidativo para compreender essas estra-
tégias limitadcras desenvolvidas nesse período. O autor estabelece uma sequência
de três estágios, que podem ser visuaiizados de modo distinto nos tres modelos
constitucionais (FRA, lNG, EUA):
"No primeiro, há uma forte monarquia que é percebida como arbitrária e tirâni-
ca. No segundo, esta é substituÍda por urn regime parlamentar sem restriçÕes. No
pressuposro teoìógico que condiciona\.a todas as refÌexÕes de cntão. Desse modo, baseado
enr um nrodelo metodoiógico inspirado pela geometria (more geomeLrico), Hobbes constróí
um fundamento lacional para o Estado, sendo, porisso, o fundador da Teo¡ia do Es¡ado. Mas
há algo que precisa ser lembrado: Hobbes não é o justificador da monarquia despótica, como
queräm alguns intérpretes apressados. A construÇão do Estado para Hobbes está ligada mais
a uma possibilidade, do que a urna realidade. Explicarnos: no LeaiLa, Hobbes não se propoe
a desenvoìve¡ uma justrficativa para o Estado Absoluto que - faticamente - existia na Ingla-
i terra, mas demonstrou, matematicalnente poderíamos dizer, que é possÍvel construir um
governo e:<ercido pela centralidade cle uma figura não-teológica: o Estado e o soberano que
fÍpersor.rifica (iinportante lembrar que * e Ísso nào se dá apenas em Hobbes, mas em todas
manifestacÕes do Estado Absolutista - o rei será, ao mesmo tempo, o suje ito que personifica
a soberania, o protagonista da poìítica e aquele responsável peia unidade polÍtica da naçào,
cf.: Merrruccr, Nicola. Organi¿acíon del poder y libertad cít., p. 29-30).
Pnccrsso A Lrl- DA Ccrrs;;ruicÂo Frlr¡¡,i 25
24 R¡t'isr¡. ct P¡ocgsso 2A14 ' REPFC233
terceiro, quando se descobre que o parlamento poclc ser tão tirât-tict'r e arbitrário
quarlto o rei, são introduzidos freios e conlrapesos" 
]('
o prínrciro e o segundo eslagios, descritos por Elster, represental-t] a experiência
lrancesa. Isro porque, a.evolução francesa é uma resposta ao poder arbitrário do
monarca absoluto. Mas a resposta que eìa oferece. conro freios ao poder do rei, é
uma aposta total no regime parlamentar de formação da volwtÍé getreral. i\esse
contexto, na FranÇa. a particular desconlìanÇa com relação aos juízes advém do
fato de que eles eram braÇos estendiclos do rei. lsso é de grande importâncìa' Note-
-se qu€. ao tempo das revoluçoes. o termo malistra(lo servia tanto para se referir
ao monarca quanto para osiuízes itinerantes do rei. que constituía1n o embrião do
mocìerno poáerJudiciário. lsso indica. não âpenas uma proximidade polítíca entre
a pessoa do rei e a p€ssoa do juiz" mas, também. uma proxitnidade institucional.
na medida eln que a execuÇão da lei e sua aplicação eram tarefas quase indistintas'
Daí a clesconfianÇa revolucionária em torno closjuÍzes e a necessidade da criação de
instruìnentos que separassem completatrlente a atÌvidade executivã da jurisdicio-
nal. colocando conlo gra1rde epicentro clo poder o parlamcl"tto (Pode¡ legislativo)'
Somente muitos anos depois e que a França incorporará o modelo de freios e con-
trapesos e, mesmo assim, de tnodo muito incipiente 
2l
Cl. Ersrrn,Jon- [/lisses lib¿r¿o. Estudossobre racionttlidoàe,pré-cotnpromisso c r¿s¿riÇo¿s 
Sào
Paulo: Unesp, 2009. P. 167
Importante lembrar que, no exemplo paradiSmático da Europa contiìl{]rìtal' a desconlìan-
ca 
"*isr".tte 
em lorno dos juizes - herança da revoluÇão francesa *' obstruin por muito
rempo a consagração de um Yerdacleiro controlejurisdlcional de constitucionalidade, que
sigrifica um imporrante instrllmento de fieios e contrapesos. Assinr, ilustrativa a lição de
Álvaro Ricardo cie Souza Cruz, que, na esteira cle Mauro Cappellert'i, assevera: 
"no fim do
século XVll e princÍpio do século xVlll, as antigas cortes superiores de Justiça, deno-
nrinaclas Parlaments, ao reconhecerern a superioridade clas leis llttldamentais do Reino,
passaram a examinar a valiclade cle éclitos reais e de outras leis. Esses tribunais adolafaÌl]
u reoria da hcureuse im¡tuissance . ou seja, leliz irnpotêr.rcia do sol¡erano cm violar leis
lundament.ais. contuclo, cssa ação explic'ava-se muito tnais como unla postura retrÓgradâ
do Judiciário rejeitar qualquer iniciatjva real de limitar os pocleres/direÍtos da 
Nobreza
e dã nlto Clero. Essa conduta consen'aclora marcou profutrdamente o povo francês' ge
rando enorme desconfianÇa a respeito de sua parcialidade. Este contexto cultural ajuda
a explicar por que as visoes jusnaturalistas de Monresquieu e Rousscau tiveraÌì.ì taÌìta
..p"i.,urrao. Logo, a ideia cle unra separaÇão de poderes, na qual inegaveltnente predo-
-inuvu u podei legislativo; a concepÇão de que a lei cotno regra abstrata 
e unìversal'
fruto da racionalidãde da vontade geral, era illcontrastá\'e1. sendo portanto, intocávcl e,
fìnalmente, uma visão mecanicista doJudìciário, qlle se cxpressou na escola da excgesc,
constituÍram os elementos que colaboraram para que nao fosse possÍr'el a consagração'
na Franca, do surgimenro dÀ cont.ole jucllcial da constitucionalidade. A despeiro disso,
Bon anota duas iniciativas favorál,eis à introclução do colltrole da constitucionalidade
no perío<ìo rer.olucionário. A prir-neira, menos conhecida, o'Projeto Kersint" àe \792,
up.år".,tudo à Assembleia Nacio'al. A seguncla, proposta pelo Abade Sicyés aos 2 e 18 dc
20
7T
Na Ingiaterra, pot outro laclo, o parlamento sc impôs gradativamenle coÍìtra
a ordem do rei. E nào só. Também o Judiciário clesafiava o poder 
do monarca ao
'afrrmar,em 
dìversas oportunidades, cìue as orclens do rei não poderiam confrontar-cotfr 
o cotnnlonlaw.)l Muito embora oS elementos gestores de um sistema colnplexo
de freios e contrapesos tenha suas remotas orisens no dileito ingiês e no desenvol-
.,r-"r-r,o clo ideal cle "tnonarquia linitada", esse sistema só ganhará forma nÍtida
com o desenvolvimento do constitucionalismo estadunidense'23
Tlrermiclor. clo ano 1ll. Ambas foram rejeitadas. Em verdade, o conslituinte Jron(êstlatoNiu
jusrifrcatita para tcü1tt). pois tnna lei, Jruto åa yontade tlo pot,o. nao poàeria set injusta- ilegi--fima 
ou intonstitucionctl, porque n¡nF;ur!.tlr podctirt ser injusto para cortsigo proprio" ( Cf. Cnuz.
Álvaro Ricardo de Souza. lurisàiçao const¡lucional dtn'tortqlico. Belo Horizonte: Del Rey,
200a. p. 8l-82). Tenclo em visra ainda a preponderância do parlamento sobre os denlais
po,l".es- sendo inclusívc despido de qualquer limitação, Streck preleciona qne "as pri-
rnerras Consrituiçtìes clo mundo (com exceção do consritucionalismo americano) tratam
cie cìar resposta ou sul¡.netet ao controle o poder do monarca absoìuto. Elas respondem ao
esquenÌa ào princÍpio Inonárquico, através clo qual, Irente ao pocler absoluto deste, o par-
lamento aparece conro uln limite à garantia da propriedade e da liberdade dos cidadãos: é
compreensíveì, assinr, quc esse parlametrto' que representa o povo e lhe representa para
.ontiolar e limirar o poder do monarca absoìuto, não tenha, en] princÍpio, nenhum tipo
de linriração" (C[. St nr.c.x, Lenio Luiz. Jur isr]içao constitucional e hermenêutica. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forcn'c. 2004. P. o/)
22. Nesse senticlo, inlportanre esclarecer o seguinte: a célebre decìsão de Marshall em Mar'
bury vs. Maclisott não pode ser considerada como ìÌm rnarco jnicial absoluto da judicial
ro'ielr,. Inclubitaveh¡renre, as raÍzes nais remotas do controle de constitucionalídade clas
leis (instrumento importantÍssimo no contexto clos problemas envolvendo a limitação do
poder), ao menos elrt Seu aspecto teórico-do€lmático. são encontradas em Edu'ard Coke,
juiz inglês, que, e,-,-' 1610, desafiava o pocler clo rei e do parlamento com a construÇão de
uma reoria cla limiração do poder público por normas jurÍdicas superiores e intangÍ\'eis,
sem reyelar qualquer preocupaÇão com a natureza, a origem ou a legitimidade política do
goyerno. N*esle caso, as norrnas utiiizadas pcla cortejudicial para sustentar a invalidade
à" u- nto clo governo adr,iriall da conrunr Iatu, sendo consideracla como ìimite externô
à ação do go\¡erno. Em Coke, a decisão que tornou celebre sua cloutrina e influc-nciou o
constitucionalisnto americano em toclas slras Vertentes, eÌìcontra-se lapidado no Bonha¡nb
¿as¿, clatar:lo exatamente do ano de l6l0 (sobre o assunto, C[. Brr-r, David T. T]1(HísLori-
cal Origins oJ'ltx)iúalReview, 1536 - l8O3. Nor.a York: Edrvin Mellen Press,2001). Nessa
ortlem cle ideias. também Matreuccì afìrnra que: "para Col<e 1os jueces e¡an los leclnes que
delJÍan cusrocliar, frenre al rey, los clerechos dc los ciudadarlos: para defcnder los derechos
cle los ingleses, a menudo nego los cicrcchos del re1," (Cf. ì!lalllrccl, Nicola.OlSanizarióri
del pocler y libertad cit., P. 89).
23. Defìninclo co¡ìtexlualn.ìente a anáLise clr¡s lrês ¿sl¿igios de limitação do poder (ou do gtl-
vcrno cla maioria), ElsLer afirma o scgttinte: "em 1789. a França loì do primeiro para o
.'seguncìo estágio. As patologias c a rransi(:ào para o tercciro estágio vieralî r.i¡ais larde. Essa
é a raz^o principal para a dilerença dc tonr entre os tJrlis dcbates. Os norte-americant)s es-
. ta\.apl preocupados el.n se ìlroteger conlr¿ì a solrtção que os lrancescs estavalì-l lÌo Processo
dc inr.entar, ou reinventar" (CI. Er srln, ]on. llli-sscs líbcrto. cit ' p 168)'
Pnccrsso I Luz o¡ fç¡51¡1¡rç¡,6 Ftornr,L 27
26 R¡v'sr¡ ¡¡ Pqoc¡ssc 2A14 a R*¡c 233
2.3 Botonça conclusivo: o separoÇoa dt poderes coma ¡nstrumenta de limttoÇoc
do poder
Por todo o exposto até aqui. ficou demonstrado que o núcleo da questão cnvoì-
venclo a separaÇão cle pocleres não se encontra ligado a urr-r problerna de triparticitr
cle luncoes € as relaçoes inrerinstitucionais entre ambas. De forura mais radical,
o processo histórico de formaÇão das lnodernas democracias constituciollais nos
-Àrrru que o fator essencial se apresenta na ideia de limitaçåo do poder Político.
Mais precisarnente, a separaCão de poderes é uma concepÇão consectária do prÓ-
prio fcnorneno do constifucionalisrllo. Por conseguinle. Stta perspe(liva e scmpre
a limitação do poder.
t.\a realidade, é possível afrrmar qì.re o constitucionalisrno se desenvolver.t por
séculos. tenclo como mote princi¡tal coibir os exc€ssos do Pode r Público.
É o fenômeno político-jurídico do constituclonaiismo que coloca freios e ra-
cionaliza o poder. Daí que. nas palavrrrs de Peter Häberle. a função da jurlsdiCão
constitucional consiste na limitação. racionalizaÇâo e controle do poder estatal e
social; ua proteção das minorias e dos débeis; e na repalação dos novos perigos
para a dignidade humana.2a
A história por detrás clo constitucionalismo é mais bem Vislumbrada no direi-
to inglês, que teve na jurisprudência seu verdadeiro fator cie unidade e <:oesão da
historia nacional constitucional inglesa. Nesse tnodelo, são os juízes, e não os prtn-
cipes ou os legisladores, os responsá\'eis pela construção do direito comum inglês
(common law). Assim, ela é o instrumento princiPal de elaboraÇão das regras de tu-
tela clas liberclacles que foram evoluindc desde a ldade Média até a ldade Moderna'
Desse modo, formou-se no modelo inglês a convicção de que o tema das liber-
dades, enquanto expressão da jurisprudência e manifestaçâo das regras do common
law, é substancialmente indisponÍr'el por parte do Pocler Púbìico, seja ele Executivo
ou Legislati",o. vale dizer que a Inglaterra, ao contrário da França, não admitiu a
figura do Legislador Absoluto, mesmc a partir da Gloríotts Revolutiott, a soberania
parlamentar que surgiu para limitar o Poder Real nunca se desvirtuou em poder
soberano e ilimitado.2t
Assim, uma análise mais rigorosa do problema de nossa atual separação de po-
deres deve ficaI atenta não apenas a questões nominais, ìigadas àquÍlo que classica-
mente representa as funçoes do poder estatal, mas, sim, se há, eln algurl grau, r'io-
24. H¡s¡nl¿, Perer. La jurisdicción consti'-ucional en la lase actual de desarrollo del estado
constitucional. ln: _. Est¿r¿lios sobre Ia jurísclictío1l cotl.sliLLtcionr¡1. México: Editorial
Porrúa, 2005. n.11.4, p. 142.
Ver também: H¡¡¡mE, Peter. El Estqdo cotlstiLuciorutl cit., ê 6ì p. 285.
25. Fronar'.q^*1, Maurizio. Los dcrechos t'urtaantaúalts cit., Cap. 1, n l, p. 32-33.
lação ao ideal de limitação do poder por força da ação de uma dessas instituiÇÕes.
No caso do presente artigo, essa perguntâ tem lugar em face da relaÇão que o Poder
Judiciário exerce, hoje, com os demais poderes da Repúbiica 
brasileira.
Desse modo, faz-se necessário enfrentar - de forma mais detida - o probìerna
que pretendemos tratar a partir da experiêr-rcia do constitucionalisrno pátrio.
3. A uovn sEpARAÇÃl DE poDEREs N0 BRASIL: UMA cRlAçÃo DA
JunrspnuoÊructA Do STF?
3.i A novo seporoçlo de poderes de Bruce Ackerman
"O primeiro grande tema do constitucionalismo moderno é a democracia; o
segundo é sua lirnitação." Essa é uma das inúmeras frases de efeito que compòern
o livro A nova separação ãe poàeres. de Bruce Ackerman.2Ó O texto, como o próprio
nome está a indicar, defende uma renovada cornpreensão âcerca da vetusta ideia
de separaçâo de poderes na perspectiva de refletir sobre um modelo no interior do
qual o exercÍcio do poder político sofra controles internos mútuos - não n€ces-
sariarnente vinculados às três clássicas funções - tendo como mote o ideal de um
governo efetivamente limitado.
No iivro de Ackerman, a questão é colocada a partir do inexorávei ponto de in-
tersecÇão que vincuia o conceito de separação de poderes ao de sistema de governo.
E o autor não esconde suas principais intençoes: quer expor criticamenfe as "ttu-
merosas desvantagens dos sistemas presidencialistas" em relação aos modelos par-
lamentaristas mais contemporâneos (que incorporam mecanismos de limitação das
maiorias eventuais e controle sobre excessos e'leitorais). Mais especificamente, sua
critica está dirigida à exportação do modelo estadunidense de presidencialismo para
outras realidades culturais, cuja América Latina talvez seja o maior exemplo.27 Claro
26. Cf. AcrcEnl"tAN-, Bruce. La nueva àiyision dc poàeres. Cidade do México: Fondo de Cultnra
Económica, 2011. Kindle Edition, pos. 996.
27. O sisterna presider-rcialista no corte que lhe dá o sistema constitucioltal brasileiro e apre-
sentado por Ackçrman como uma modalidadr toxíca de prrsiàcncíalismo. A afirmaÇão ba-
seia-5e no lato cle-que, entre nós, articulamos o presidencialisÌno cotll o sistenla eleitoral
propqrcional para composição de uma das casas do congresso (lto caso, a câtnara dos de-
putados). Esse modelo gcra dificuldade cle anrìros os lados do goveruo. E possivel observar
um executivo acuado frente a unì cougresso cm que ele não dispÕe de traioria - que ler.ará
ou a um abuso do poder normativo do pl'esidente âtra\,és do uso da chat.nada "legislacão
-governamental" (Canotilho); ou a unl al¡bjcnte de lroca de {ãvores na perspecliva de as-
se€urâr governabilidade. Ou ainda, por outro laclo. unr executivo r.ìluito lorte, impondo-se
diante de uln congresso facilmente dirigido por urn goYcrno qLle se lìovilìenta el¡ um
espaço de amplas nraiorias, geralmcnte aclvindas de blocos suprapaÌ"tidáríos. DaÍ que cr
rhodelo de presidencialismo existente entre nós tenha sjdo nonieado por Sórgio Abrancires
28 Rrvis¡¡ ¡¡ Pnocrsso 20i4 ' REPFa233
que tais desvantagens sâo vistas a paltil de um ponto especÍfrco: a questão da llmita-
ção do pode r e da realizaçao no maior grau possível da concepÇão de autogoverno.
O modelo por ele defendido representa. na verdade, uma provocaçâo ao debate.
É chamaclo parlantentarismolimitatlo - que não existe etn completude ern nenìrum
sistema político contemporâneo - mas que é pensado a paltir de uma análise com-
parada de uma série de engrenagens que compõetn os sistemas constilucionais
ãemocráticos atuais. O resultado é urn modelo complexo de controles de maiorias
evenluais - por um Tribunal especializado. nos ¡roldes dos Tribunais Constitucio-
nais adhoc - somado À recalls legislativos, adoção de corpos legisiativos com duas
casas que se relacionam. cada qual, de forma diferente com o Sabinete do Executivo
e, ainda, um órgão externo. não vinculado a nenhuma das funçoes tradlcionais, e
especializado na função de exercer o controle do cumprimento das regras eleitorais
(desde financiamento de campanhas, até a formação de coalisoes etc )'
A análìse de Ackern-ran reconhece. porém. qu€ o modelo que mais se aproxima
de sua proposta de pariamentarìsmo limìtado seria aquele observado no âmbito da
engenharia constitucional alemâ. por ele nomeado proto-parlamentarismo limitct-
do.2, A experiência do parlamentarismo alemão assume, portanto, uma condiÇão
privilegiada. Segundo o autor, a formataÇão dossistelnas de governo dos países
que perderam a guerra - Alemanha, ltália eJapão - servem como amostra de que,
embora a elaboração dos textos das Constituições ou Leis Fundamentais durante
o governo de transição tenha sido profundamente inlluenciada por juristas estadu-
nidenses, os sistemas implantados pelos novos Estados Constitucionais foi o par-
lamentarismo. Para Ackerman, isso é um indÍcio de que o presidencialismo - e seu
sistema de separação de poderes - nâo pode ser exportado para outros contextos
culturais, sem sofrer corrupções e deformidades estruturais.
como presidencialismo de coalisão. Ackerman relata, tambén.ì. algo que ele chama de "pe-
sadelo de Lins", para se refe¡ir ao cientista polfico espanholJuan Lins que, ao lor.rgo da
década de 1980 estudou os sistemas políticos latino-americanos e concluiu que muitos de
seus problemas poderiarn ser debitados à adoção do sistema presidencialista de governo'
As investigaçÒes de Lins rambénr sào objeto de atenção por parte de Giovanni Sartori. Este
último questiona se, diante de tais formulaçoes, seria possÍr'e) concluir que a alternati-
va para os sistemas polÍricos latino-americanos seria uma troca do presidencialismo pelo
parlamentarismo. É irnportante perceber que a resposla de Sartori vai contra essa opçào
apressada de resoluçâo do problema. Para este autor, não é possÍvel obsen'ar na América
Larina parridos poìíticos organizados e que aLuern, de forma mais ou menos coerente, enl
tOrno de um eixo comum de propostas polÍticas. O que se obsen'a - e neste caso o Brasil
pode novamente ilustrar a afrrmação - é uma geleia disforme de partidos que não tcriam a
consistência necessária para viabilizar um sistenla parlamentarÍsta de governo (Cf. Acxr,n-
v,rr:, Bruce. La nuua àivísion de poderes cir., passim; s,tnroni, Giovanni. Engenharia consti-
tucional comparada cit., parte lI).
28. Cf. AcxenuA\-, Bruce. La nueva dfiision de poderes cit., pos. 703 e ss.
Paocrs-çc A Luz DÁ, Cr-rtisrriutçno Frcrnni 29
\a verdade . Ackerman se mostra muito mais afinado com o sistena parlarnen-
tarista de governo do que como presidencialismo 
de tipo estadunidense. sua pfo-
J;ta e u ã" u,o pat.lamentarísmo linlitdào do qual o caso alemão seria um eÍì-
l.*. OO"'. diferåre*ente daquilo que ocorre no tradicional rnodelo britânico 
de
l."rtmir",tt.t, o sistenla possui uma série de controles recíprocos 
que se apresentam
como freios para as minorias ocasionais. E isso se 
opera tanto com relaÇão à dinâ-
i.iau gou..nà-parlamento, quanto com relaÇão aos atos 
nortnati\/os aprovados pelo
governo e seu impacto sobre as minorias eleitoraìs'
No prirne.iro caso. a Lei fundamental cria regras para quaiificar as maiorias 
par-
larnentares que se apresentam contráIÍas ao gabinete do chanceler. 
No caso, 1lào
b^rru u simpies vontade da maioria para dissolver o 
gabinete do Executivo com a
lonraq"""* queda do chanceler. Havendo desacordo entre a maioria parlarnentar
. o gubir].,. do Execurivo, a eventuai dissoÌução deste último deve ser proposta
áP€naSseessamesmamaioriajáestiveren]condiçoesdeobterumconsensoem
torno de um no\¡o nome para ocupar o carSo' É o que se chama moKto 
àe censuta
construtira.2s Algo que .or.f.r., ináubitaveìmente. maior estabiiidade institucional
para o regime democrático aqui praticado. Nos casos de outros modelos 
pariamen-
,*r"r, .oÀo é o caso de Westminster, a maioria pode dissolver o gabinete do primei-
roministrosemprequenãohouvercondiçoespolÍticasqueofaçampermanecer
no cargo. Vale dizer: não existe, a Pdncípio, um mecanismo de limitaçào para 
a
formuiáçao do vofo de dcsconfançd. E certo que, por questoes especÍficas, Iigadas 
à
cultura poÌÍtica britânica, *"r-o dentro dessa absoluta adversidade, há exemplos
históricos de governos estáveis e duradouros. Por outro lado, temos exemplos de
outros paÍses europeus que, por terem adotado um mecanismo não Lão eficaz de
bloquei,o de maiorias ocasionais, acabaram por passar por pefÍodos de grande ins-
tabilidade política, com a troca sucessiva de governos'
De outra banda, a relação entre as maiorias ocasionais e as minorias eleitorais
encontra-se presen,ada, também, pela concepÇão de um Tribunal constitucional
qle se apresenra como um órgào com a função de garantir os dileitos das minorias
Esse é um fator primordialpara a compreensão da engenharia constitucional dos
p¡Íses que passaram por um processo de redemo cfatízação durante o segundo Pós-
-Grr"..u. Sem embargo dos eventuais problemas, a Alemanha oferece a experiência
mais bem-sucedida desse modelo.
3.2 A navo sepor0çoo de poderes o brosileiro
para além da discussào sobre a viabilidade do modelo proposto por Ackerman,
o elemento mais signifrcativo projetado Pelo texto ap^rece na mensâgem' implÍcita
29 Conferir, nesse aspecto, s¡moR], Giovanni. Ingeniería cotlstitLtLional comparada. cidade do
México: Fondo de Cultura Economica, 20t I Kindle Edition'
30 R¡visrp, o¡ P¡octsso 2014 . RiPFc 233
eln todo o argum€nto do autor. de que a engenharia coïtstitucionai que presidc
a concepÇão de separaçâo de poderes não pode ser pensada con-ro uma máquina
com engrenagens frxas e que, coll1 o tempo, acabam por se tornar obsoleta. Ao
contrárlo, esse arranjo político está sujeito a revisòes periódicas que podem levar a
transformações profundas no modo como cada elemento desse sistema se relaciona
corn os outros e corro se estabelecem mecanisr-nos de controle.
Se esse aspecto mecânico pode apreser-rtar transforllla(ões t€mporais, há um
traço que se apresenta como elemento nuclear e essencial na articulaÇão de todos
esses fatores: a concepção de democraciâ e sua necessária ìimitação. O centro do
debate é determinado, então, nâo pelos aspectos €struturaìs que caracierizam cada
uma das lunçÒes do governo, mas. sim. sobre o que é necessário {azer para concre-
tizar uma fórmula política democrática e o ideal de um governo limitado. Na linha
daquilo que defendemos no tópico anterior. Nada novo, portanto. Algo que cìeita
raízes no conceito de governo misto e que está retido em Montesquieu e nas suas
observaçoes relativas à necessidade de um poder que conrrola o próprio poder. O
que há de novo sâo as possibilidades de se ieva¡ esse ideário à realização. Nesse
aspccto. a cngenharia constilucional produz nor os nlateriais. engrcnagens que säo
interessantes do ponto de vista jurídico-político.
Toda essa discussão está na ordem do dia, levando-se em conta as recentes ten,
dências da jurisprudência do STF VaÌe dizer, prevalecendo o entendimento adota-
do pela maioria dos ministros no julgamento da Rcl 4.335/AC e da ADln 4.650/
DÌl nâo há dúvidas de que a arquitetônica da separação de poderes que oferece os
contornos de nosso modelo constitucional está sofrendo um processo de reforma.
E, é irnportante frisar, isso não está acontecendo na perspectiva de urn planejarnen-
to adequado, cuidando para evitar rachaduras em nosso edifício democráiico. pelo
contrário, no modo como estamos fazendo, a reforma está seguindo meslno e a
iógica do "puxadinho".
Na Rcì 4.335/AC" a maioria decrerou, embora por diferentes motivos, o enterro
da remessa ao Senado (art.52, X, da CFl1988) corno um instrumenlo de verifica-
ção polÍtica das decisÕes de inconstitucionalidade exaradas pelo srF em sede de
controle difuso de constitucionaìidade. Ressalte-se que, mais além do aspecto prag-
mático que reveste o problerna da generalização dos efeitos da decisâo do supremo
Tribunal nos casos de suspensão da execução da lei, o instituto da remessa ao se-
nado deve ser encarado, também, colno uma possibilidade de controle da atividade
do STF pelo Senado Federal.
No caso desta reclarnação, há de se consignar que o resultado que agora se con-
firmou já se projetava como provável desde os idos dc 2007. Naquele rnornento, â
doutrina jurÍdica - que tem a tarefa de constranger os significados articulados pelo
Judiciário em suas decisoes - queclou-se praticamente silente com relação ao pro-
blema posto. saÌ.r'o as exceÇões do texto de Lenio streck, Marcelo cattoni eMarto-
lrio Barreto Lima e de Neisor-l NeryJr..rt'boa parte do constituiionalismo brasilejro
ou aderiu à posicão ou adolou uma postura nlcramentc descriiiva para o caso.
Na Rcl 4.335/AC, pretencletr-se conferir eficácia erga on:rnes a essa decisão in-
cidental de conlrole cle constitucionalidade. Os Ministros Gilmar Mendes e Eros
Grau acolheram essa tese, fhndamentando na "tnutação coÌlstittlcional" do art. 52,
X.r, no sentido de que todas as clecisoes cìe incor-lstitucionaliclade proferidas pelo
STF no controle concrelo e incidental possueÌn. por si só. eficá,:ia erga omnes, inde-
pendentem€nte da atuação do Senado, que. por conta da mutaçâo constitucional,
apenas publica essas decisc-les (a grande questão é: por que o Senado deveria publr-
car, se jâ existe o Diario clct lustka?) .
Essa decisão é gravÍssìma do ponto de vista jurÍdico. Aléln de desrespeìtar tex-
to constitucional expresso, o inc. X do art. 52 da CF. o clae já é grar'Íssimo ern
qualquer democracia do mundo. ela também den-role as bases de nossa engenharia
constitucional.
O inc. X clo art. 52 da CF é claramente urna atribuiçâo conferida ao Senado
para equilibrar a ìnvasão que a juâicial review das leis promove em seu cam¡ro de
atuação. Ou seja, esse dispositivo pocle ser vislumbraclo como verdadeiro lreio do
Legislativo em face doJudiciário. Ocorre que o julgamento la Rcl 4.335 o próprio
STF retirou a limitação constitì.rcionalmente in.rposta a sua própria atividade. Sem
nenhum exagero, seria o mesmo que o Presidente da Repúblìca, mediante r-nalaba-
risrnos interpretativos, resolvesse modificar as restriçÕes impostas pelo art. 62 da
CF para edição de rnedidas provisórias.
30. Cf.NrnvJusron,Nelson.Anotaçoessobrerlìutaçãoconstitucional-AlteraçãodaConstirui-
çâo serÌì modificaçào clo texto, decisionismo e Ve rfassungsstaat. h.r: S¡nr-rr, Ingo Wolfgang;
Lrnr, Geot'ge Saìouão (org.). DiicilosJuntlomcnLais t:Estcttlo Cot,stitucíonal. São Paulo: Ed.
RT, 2009. p. 94
31. Nesse ponto, cuu.ìpre esclarecer que laria sentido, mencionannos a mutaçào constitucio-
nal do art. i." XLVI (in¡iir.idualização da pena). Isso porqr.re, antes o STF enrenclia que
a Lei de C¡imes Hedionclos, ao impedir a progressão de reginte, r-rão olendia tal cìispo-
sitivo constitucional. De¡rois, a Ìnesûìa Lei de Crimes Hediondos, conÌ o mesn.ìo texto e
a mesnla interpre¡ação" "passou a ofender" o art. j.u, XLVI. Ou seja, a interpretaçào do
art. 5.', XLVI, nrudou, mas o seu texlo, nào. Antes, esse dis¡tositivo constitucional era
ìnterpretado de urn jeito que implicava tornar a Lci de Crimes Hediondos compatÍvel
com ele. Depois, a interpretação do art. 5.n, XI-VI, mudou, inconl;atibilizando a Lei de
Crimes Hediondos corn ele. Essa n.rodificação interpretativa aré p,oderia ser considerada
"mutação constitucional" (corn todas as reservas que tal fenor.rLeno merece). Já no que se
tefere o art- 52. X, nada disso aconleccu. Não l.iavia rrrna interpremçào antes, que mudou
depois. Ou lnelhor, essa scgunda intcrpÌetação só existe ern um lugar: nos dois votos
mtncionados na RCL 4335. liara-sc de urna tentativa de lazer c texto dízeljustamente
o que é avontade cios Ministros. Essa qucstão configura verdadeiro ativismo em sede de
juiisdição constitucional.
PRcc¡sso A Ltz Dl, Ccr'isl;ruicÂo F¡cr¡,¡L 31
Procrssc t'.Ltz cp Co,istlt¡rcÀo F¡Dr¡¡l 33
32 F¡vsr¡, ¡r PRoc¡ssc 2014 ' REPÊ)233
conlorme citamos acirna, foram poucas as voz€s que critlcaram essa absurda
decisão, merecendo destaque Nelson NeryJunior, que lez artigo para evidenciar. a
partir da cloutrir-ra aiemã. qual a origern e a firnÇão da legítima mutação colrstitr-ìcio-
,-rul, puru coucluir que na Rcl 4.335 l-rouve fratlde e não ìnutação à Constituiçào' A
o.r,rä r,o, que merece destaque é a de Lenio Streck, que aponta os riscos 
de tal de-
cisão e o que eta simboliza. Afinaì, se o sTF pode proferir decisoes que contraricrn
te"to cot-istitucional expresso, quaì o lirnire da atuação do Supremo?'
As clecisoes comentadas são verclacleira muLaclo conslitucional ri brasileira' que
é uma tentativa de pequeno s€tor do STF cìe criação de inviár'el e inconstitucional
rnoclaliclade de mutação constitucional. que ultrapassa o único limite que sc impoc
a toda e qualquer afirmação de mutaÇão constitucional: o t€xto constitucional'
o mais elaborado estudo já feito sobre mutação constitucional foi escrito pelo
Hsù Dau-Lin.]r De acordo com o autor" mutação constitucional é a contraposiçào
produzlcla na Constituição escrita com a situaÇão jurÍdica reai'
os votos dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau "anunciam" a lnutaçào
constilucional. A intencionalidade é a diferenÇa que exìste (rnlr€ mutação collstitu-
cional e alteração constitucional.
Para eles, não haveria diferença entre controle clifuso e controle concentrado de
constitucionalidade. 5e o STF decidisse ern sede difusa, por se tratar do mcsuro or-
gão, essa clecisão passaria a ter o mesmo feito. O que nos laz concluir que é o órgão
[uem defi.re o tipo cle controle, e não a sua própria natureza 
jurídica, se o controle
é difusct ou concentrado.
Aliás, essa inexistência cle diferença entre o controle difuso e concentrado é uma
estultice sem tamanho que, infelizmente, tem ganhado seguidores em sede doutrinária-
Enr nenhuln lugar do munclo eles se equiparam 
Não queremos dizer coln isso
que não deventos ser originais, 
contudo, nossas teses originais Precisatn ser coll-
úârtas a Constituiçào?
Essa pseucloteoria' que equipara os dois controles, 
é cì-ramada "objetivação do
controle difuso"' E1a carrega a ideia 
de que o STF e o STJ não julgam lides' Suas
atúações seriam tão somente 
objetivas. Desafiamos alguém a demonstrar a atuaçao
objetiva desses tribunais quando eles 
juigam procedente ttmhqbeas co'Tus' enfrrn
Na realidade. a chamada obietivação permite ao STF
[azer o que ele quiser, in-
Tal ideia sirnplesmente joga fora toda a riqueza de quase um século de t:onstitu-
cionalismo, porque não consegue entender que o controle diluso se diferencia do
concentrado, etÌaseu objeto, na forma de análise da lei e, inclusive, de seus efeitos'
clusive afastar-se do texto constitucional'
AideiadequeaatuaçãodoSTFedoSTJestariareduzidaapenasaumafunção
objetivanãoencontrarespaiclonotextoconstitucional'i'\emmesmomediante
inì.r.l¿u consrirlrcional seria possívcì rransformar 
o srF e o srJ em tribunais
que julgarn questões exclusivamente de natureza objetiva' 
uma vez que' mesmo
.o- u ãt,.ruaão da CE arts. 102 c 105' aincla assim' não estaria autorizado 
tal
entendimento. lsso ocorte porque solr€ntc seria possível 
afirtnar que o STF e o
iij ,to tribunais d. ,]ut.rr"ru jurisdicional exclusivamente objetiva se 
fossem
suirimidos do texto constitucional todos os Itri¿s constitucionais 
previstos na
CF, art. 5.", tais como: mandado de segurança, mandado de injunção' 
habeas
corpus ehabeas data' 
l'rar Mendes e Eros Grau' na RclVale salientar que os votos dos Ministros Gi
4.335, [erem frontalmente texto constitucional expresso, itr casu, 
a CF, art. 52, X,
porquanto neles restou decidido que a Resoluçâo do Senado da República 
nào mais
ieria o condao de suspender a execução da lei declarada inconstìtucional 
pelo STF
em sede cle controle àifrrro, mas tào somente em con{erir pub}icidade 
ao acÓrdão
do STF!
Ocorre que a CI1 ar:. i2, X, que estabelece essa competência para o Senado
Federal, é dispositivo da tradição do direìto constitucional brasileiro, no sentido
de conferir-se à Cãntara Alta o pocler, legítimo' de suspender a execução da leÍ'
masnãoderevogá-la'seoatoetípícodoPoderLegislativo,oPoderJudiciário
(STF) só pode sindica-lo no mérito, vale dizer, examiná-lo e decidir sobre sua
higidez .orrrtitrr.io.tuì ou não, em sede de controle abstrato' mediante o devido
processo legal.
Em outros termos, nossa Constituição não equipara controle abstrato ao contlo-
le concreto e, por consequência, é defeso ao intérprete fazè-lo' mesmo-- e princi-
palmente - que esse intéiprere seja o STF A Constituição Federal não deu 
poderes
para o sTE"* 
,",1" de controle concreto, de aniquilar a iei que entende inconsti-
tucÍonal, mas apenas o pocler de, em assim reconhecendo, deixar de aplicá-la na
solução da lide. Nesse caso concreto, o STF decide a lide existente entre as partes
do processo. Tiata-se de processo subjeti,o, cttjo objeto litigioso está limitado pela
peticao inicial do autor e não pode ser aumentado de ofício'
32. Nrnr JUNrcrn, Nelson. Anotaçocs sobrc n'tutaCûo tons:ilttt:ional altcraCúo rlct Constituiçitt¡ sem
nod]ftcacao do ]exto cir., p. 79-109. Ver ainda: Nent.JLrt'rttln, Nclsor-r; Nenv, Rosa Ma¡ia dc
Anclrade'ConsliLui(aoFedtralconrc¡tLctda.4.cd.SãclPaulo:Ed.RT-20]3'cor-l-rents']1/17
CF 52, p. 52i-528.
,Çrrrcr. Lenio. Yerckulc t cojì-sc,1-so. 4. ed. são Paulo: saraiva. 20l l. n. '1.2. p. 5ì e ss. srtri,t t .
Leltio: or.N.l.rn.i. Marcelo At.rclrade Cattoni de; B¡t¡x¡ro, MartÔnio N4olrt'Alverne. A nova
conlpreet.ìsão clo STI, sobre controlc djluso cle constitucionalicìaclc: rì.ìutaìÇào constitrtcjo-
nal c lintitcs cla legitintìclacìe cla jurisdiçâo constitucional, Rn'is¿a ¿l¡t Fttculdttàe \4intitu tlt:
Dii-cil¿;. Belo HorizottLt. vol. i0, p J7-58'7007 '
Tambónr já tivelîos a oportunidade de examinar ess¿r decisão, r'cr: Asilt¡t o. Gcorgt's.Jliris-
rlic,ao constitttcional c dirtitos t'urtdantentais. são Paulo: Ed. RT, 2011 . n.2.7.1, p. 130 e ss.
ll. D¡U,Lrr, Hsù. N4u¿r¿c¡ón dc la co¡tsLilucion, Oñati: lnstituto Vasco de AdminlsrraciÓn Públi-
ca. lracluçáo dc Pablo Lucas Verdú e Cirristian FÓrstcr, l99B passitn'
PRoc¡ssc ¿ Luz c¡ CoirsiritriçÂo FrcrRel 3534 Rrvrsr¡ ¡r, Pncc¡ssc 2C14 . RrPF.c 233
Para os propósitos deste artigo. os efeitos nefastos oriundos do julgarrento da
Rcl 4.135 que pretendernos evidenciar referem-se a enfraquecimento da ideia de
Separação de Pocìeres e a cons€qlrente lin-ritação de poder necessária para assegu-
rar a democracia constitucional. Esse julgarnento está calcaclo num sellso comurlt
teórico que pode ser expresso por máximas do laez a separaçao de. poderes e um
conceito quc deve ser superado; todo esytaço nao preenchido pelo Legislativo deye ser
ocupaào pelo lurlicíário; todas as opinioes r in¿er"sses devent poder str judicíalizados
numa democracía.
Nesse contexto. o julgamento do STE ora comentado. apresenta-se altamente
nocivo para nossa engenharia constitucional e a necessidade de controle do poder.
O STF - na qualidade de órgão máxilr.ro do Judiciário - exerce papel crucial no
tenso equiiíbrio entre os Poderes. sendo sua a responsabilidade em assegurar que
o poder mantenha-se sob controle. Todavia, a Constituiçâo também impÕe lirnites
ao próprio STE inclusive para impedir que ele pratique Lrnra invasào indevida na
esfera de atuação democrática do Legislativa. Nessa perspectiva. devc ser compre-
endida a funcionalidade do inc. X do art.52 ð.a CF.
Já em relação à ADIn 4.650/DF, o que ficou determìnado pela já forrnada maio-
ria dos ministros, implica uma ciara intervenção do Supremo Tribunal no âmbito
eleitoral, conferindo ao PoderJudiciário uma lunção de controle que vai além de
suas atribuiçoes constitucionais. Já foi dito, inclusive pelo Min. Roberto Barroso,
que inconstitucionalidade, a princípio, não há (no financiamento eleìtoral por
pessoas jurídicas). Por tudo o que já foi exposto, a atividade do Judiciário na
ADIn 4.650 está fora do âmbito do controle de constitucionalidade. No caso, o
Judiciário está agindo como saneador do processo eleitoral realizando um controle
do próprio modelo de financiarnento de campanhas vigente no direito brasileiro.
A possibilidacle - de frscalização do processo eleitoral, inclusive no que tange ao
financiamento de campanhas - pode ser algo salutar para aperfeiçoamento demo-
crático do processo e fortalecimento da ideia de ìimitacão do poder. Sen-r dúvida,
trata-se de algo que cabe dentro desse debate acerca da noNa stpat-6Ção de poderes.
O próprio Bruce Ackerman propoe algo que nomeia como poder supervisor da de-
mocracia: um órgão burocratizado com lunçào especíÊca de controle do processo
eleitoral mas que está fora da estrutura orgânica do PoclerJudiciário ou de qual-
quer outra das lunçóes tradicìonais de governo. Todavia, no julgamento da referi-
da ADln, o Supremo reservou para si essa tarefa de controle do processo eleitoral
dando ares de que a decisão que se tomava representava um exercÍcio cle controle
de constitucionalidade.
Na realidade, a ADln 4.650/DE não deveria nos surpreender porque ela não
é uma decisào ativista isolada no âmbito eleitoral. No.julgamento da reunião da
ADIn 3.999/DF e ADIn 4.086/DE houve o quesrionamenro da consritucionalida-
de da Res. 22.610/2007, do TSE, que disciplina a hipótese de perda de manclaro
polÍtico por desÊìiaçao partidária sem jnsta causa. Alegou-se que tal Resolução
¡eria criado nova hipótcse dc perda de ¡nandato. 
nào prcvisla na constiluiÇâo
,iå.rrt, porque a desfihação partidária sem justa causa não consta 
no art. 55 da
Constituição'
A não previsão pelo arr. 55 dessa hipótese macularia a Res. 22.610/2007, 
do
TSE, de inconstitucjonalidade formal. Alegou-se, 
ainda' usurpaçào da competência
åãã*...,,iuo e do Legislativo para disciplinarem matéria eieitoraì 
O STF rechaçou
å-du, "rru, 
alegações e, em conformidade com o entendimento já firmado em deci-
,ã", ur,..iot.s (Mandados de Segurança 26.602,26'603 e26'604)' declarou 
a Res'
22.6IA / 2007 cons tituc ion aì'
A decisão de improcedência da ADIn se fundamentou, prin.reiro, no entendi-
mento de que, nas eleiçÕes pelo sistema proporcional, o voto peltence 
ao paltido
folitico, e não ao parlamentar eleito. 
Com isso, se o pariamentar se desfiiia do
iartido sem justa causa. o partido não 
pode perder 
^ 
"vaga" até então ocupada
io,.rr" parlamentar, porque tal "vaga" pertence à agremíaeão 
partidária, nào ao
paria*.ntur. E para assegurar esse direito do partido político a \¡aïa. e preserval
ä fr¿.ll¿u¿. parridária. a perda de mandato deve. sim. seguir o procedimento
previsto pela Res. 22.610/2007, do TSE. Embora nenhum dispositivo constitucio-
l-,ut pr.,r.¡u essa hipótese, o STF entendeu que uma interpretação constitucional
que leve em conta que o Sistema eleitoral brasileiro Segue o sistema proporcio-
nal autoriza tal entendimento e a Perda do mandato por desfiliação partidáIia
sem justa causa. Além disso, como ficou estabelecido na ementa do acórdão, a
Res.22.610/2007 surgiu em um "contexto excepcionaì e transitÓrio, tão somente
como mecanismo para salvaguardar a observância da fidelidade partidária en-
quanro o Poder Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões tÍpicas da
matéria, não se Pronunciar".
Tiàta-se de uma decisão "duplamente ativista":r4 ela é ativista porque chancela
o ativismo do TSE e porque fornece uma razâo adicional para justificar esse ativis-
mo. Em primeiro lugar, o TSE foi ativista porque "aditou" a Constituição. De fato,
a CF simplesmente não prevê a infidelidade Partidária como hipótese de perda de
mandato. Trata-se de questão grave, de grande repercussão polÍtica e sensível re-
laçâo com a democracia, que não deveria ter sido decidida de nodo inovador por
um Tribunal.
Por mejo da decisão da ADIn 3.999, o STF invade a competência legislativa no
Congresso, A usurpação não ocorre em razâo de o STF deciarar a fidelidade parti
dária corno um valor constitucionalmente abrangido.
A invasão da esfera do Poder Legislativo se dá quando o STF determina que o
descumprimento da fideiidade partidária ocasiona a perda do mandado, ainda que
34. Essadecisãojáfoiobjetodeanálise,ver:Aoeouo,Georges.Jurisdiçãocottstítucionaledírei
toi t'wúamentais cit., n. 3.5.2, p. 246 e ss.
I
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l,
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I
I
Procrssl; r' Lirr Dri Co¡tsriturcÀc Fro¡R¡i 31
36 Riv,sr¡, i,i Pnocrsso 2A14' RtPt't23:
essa putlrçao não estela prel'ista exPressaÛlente 
em lci aigulna Talnbéln ercedeu
suas lunçoes quando " 
s{;-;Ja aplicabilidade cias Resolr'rçoes 22'610/2007 
e
22.733/.OOBclo TSt O*t åt"t'tt""* o þ'ottdit.'.'ento 
cle iustificação da desfiliaçao
partìdária e cìa perdado cargo elettvo'
outrosslll.ahxaÇãodepenalidacleconstituimatéfiadereserva-legal(CF,art,
5.", XXXIX e XL), espaco.r-ti q"t é problemática 
a inserção rìe clecìsÕes dotadas de
efeito aditivo. convérn d.rtu.à, que a doutrina, 
em regra. nega a possibilidade de
o Judlciário proferir ¿t¡'ãt' "¿iii'as 
acerca .e mat¿rùs compreendìdas como de
reserva legal.
Alias, a questão demanda ta'ranha regularnentação. 
por exempio. se un'l
governador tem seu mandato cassado em razào 
da inficlelidade partidária'
quem deve ocupaï sua vaga' o segunclo 
mais votado? Ou se promoven noYas
e Ìeiçõe s?:'5
Portanto.évedaciaautilizaÇãodoefeitoaclitivoel1lnatéIiasqueexigemttprct_
dacie legal - e.g ' meditias qrle prescrevam 
sanções (administrativa ou pe nal)
Há uma razão histÓrica Para seÏ ullla regra 
quase unive-rsal das democl'aclas cle
que a aplicaÇão de penalidàe clemancla uma 
previsão ìegal para ser imposta'
Essa razão histórìca tenì seu cerne na 
propria limitação. clo ,Poder' 
lmpeclir o
PoderPúblicodeaplicarpenalidade,.'-,-'u,-'..,io.previsãolegal,inrpoequeì'raja
urna deliberaÇão cìo *.;; denocrático cie maneira 
prér'ia para feitura da lei
sancionaclora' nu.u Uu", "* seguida' 
o cidaclão seja informado do que pode 
ou não
realizar para só tllt'", 'oã''" 
á?utao p'ot"'so legal s(rr concretizado' ser-lhe 
itnpos-
to. oLl não. um aPename
Nor,amente,torna-seclaraacaracterizaçàclclaatuaÇãorloSTFclemolindonossa
engenhariaconslitucional'Noafadecontribuirparaademocracia'asrefericlascle-
cisoescloSTFtrverampo"o.'aaoinvadiraesferacloLegislativo'logo'doespaÇo
ãemocráLico, seln nenhurn respalcio 
jurídico-cor-rstitucional para tanto
3..? Á;uristocracie € os riscos do STF omplior seus poderes o port¡r de suo propria
jurisprudêncto. Ou oindo os rlzoes pells quo¡s o STF naa compreendeu o
teore mo dos dois corPos da rei
Ern suma. na norìd seltaraÇao àe poclcres à brasileira. o qì.1e se aprescnta diante
de nós não é un-ra fírmula qr-re r-adicalize a concepÇão de urn governo lìtnitaclo. rnas
un carninho - sem vc¡lta?! - em direçào a un1 fortalecimento cadavez maior dos
podercs concentraclos em tolllo do STE Mais um capítulo de nossa juristoclacia E
o rnais inquietattte dessa história é que essa marcha da concentraÇão do poder terl
corno fonle a própria .jurisprudência da Corte. Além dos dois julgan'rentos acima
retratados. é possír,el incluir também o entendilnento .já sedirnentado e que foi
reprisado no MS 32.033 a respeito da posslbilidade cle conrrole de constitucionali-
dade preve ntit'o.
De [ato. é preciso reconhecer que somos lnesìl-lo premiados uo quesito engenha-
ria constitucionai. Alem cìe sofrermos com os problenras decorrentes do nosso pre-
sidencialismo cle coalisão - <1ue Ackennan entende cotno unla "lnodalidacle tóxica
de Ì-.resicienciaiisnro", porque faz urn ririx entre prcsidericialrsmo e 
sistelna eleitorai
proporclonal - convi'r'endo cotll uûla osciìação institucionaì perniciosa em que ora
o E"ecutiuo é muito forte e coopta o Legislativo; ora o Executivo é muito fraco e é
co,:ptado pelo Pocler Legisìativo, temos também quc llos preocupar com essa ten-
dência autocrática que parece prevalecel no STE
Certanlente , nos dedicamos muito a falar dos riscos de uma juristocracia no
pìano cla interpretaçâo constitucional, cujo marco conceitual é dado pelo ativisino
juilìcial. No entanto, ó preciso perlnaneccrlnos vigilantes tambem llo que tange
às transformaçocs na nossa engenharia constitucional de separação de poderes.
O Supremo Tribunal, nessas novas lendências jurisprudenciais que tem adotado,
não está praticando apenas uma modificaqrão interpretativa. Está alterando a "má-
quina". revoltcndo a cngrcnaßcnì rluc rnovimenla o govcrrìo cnÌ unla clcntot'racia
Vale perguntar: o que estamos ganhanclo com isso? Há maior limitaÇao do ¡roder c
consequente valorizaçào do ideal democrático de autogoverno? Parece-nos que llão.
PoclerÍalr-ros,talvez,apeliclaroPretórioExcelso deprít'rcipe. colnosesabe,uma
das justifìcativas qqÊ davarn ao prÍncipe todos os pocleres clue lhe eranr peculiares
ac tel-llpo clo Estaclo Absolutista era exatanente o fato de que ele se apreselltâva
cc,mo o gtria suprcmo cle todo o Estado. responsár,el pela gar-ar-rtia do bem conltllll.
Ern alguns nlomentos, crcio que depositamos no Supretrro Tribunal as exPectativas
de que cle t-ros guie, tatnbém. ct11 direçao ao betl-t collllllr.
ña rcalidacle , quanclo o STF utiliza sua própria jurisprudência para aumentar
seus põrleres acaba por repristinar o teorema dos dois corpos do rei'
Ernst Kantorou'icz, em seu livro clássico, os Dois cttrpos do t-ei, resgatava o te-
,oremå he urístico rlo rei gêmeo que explicava o conceito de poder na idade média
35. Enr conformicìade colìl o qrte . 
a iìegaliclade quandtr cc¡meticla Pelo STI' Podc
a[irmativar¡enle à Con-
crentplo, ¿1 saÌlção
expLtsclllos
suìta L407 que tallì
cla pcrcla do manclato caso
rruLlo llaltirlo. t a Ruc 22
bén exPós os Gtlrertl
onais
gcr"ar rcpercLtssoes
Res 22.610 (proPorci
in calcul áveis. Por cxemPio, o
lcnras alrals
TSI: responcleti
adtrrcs (majorit árìos), Por
cla filiacào oLì a 1raìlsfcrellciiì
iÌ.loyaÇào cìa Consulta I j68 qltc
ou scja é u1.ì14 lnco
do clcittt para
haja cancclatrento
600. Não l)astassc a
), o TSF, "ìegisla" rlo\allìenlc'
nstitrtcitlna
major.it ário. P:rl Lido. Rt-s1-rostü
L Min. Carios Augusto A1'res
rcsulton na ,
ìidade gcr:ando outl.a Col.ilcril: ConsuìLa 
\4arlclato Calgo
407. Res.22.(¡00' de i6 l0 2007' rc
I2.2007, P t)
anCre l-ima. lnfìdeìi
afirruativa. (Consuìta Ì
de Frerras Britro. PublicaÇão: D/ 28
Sclb¡e o tellìa. \'ef: R{sr¡:i, Alex
)2.61 0/ZOA7 TSE) : legitinridaclc ativa
r,r, Daniel C-ast¡o Gomes da (org )
clacle partidária
do tr4inistério Público c lcmas relaci
de dir¡:iro eleilorr¡l: ¿sl¿idos cnt
ll
onados.1n: C'os-
( Iìesolução
P¿ruio: Piìlares,2008 P l6l-ì9;
ao MinisrroJosc Augusto Delgado São
hontenagettt
Ppoc¡sso pL¿z a", Coilsllurçnc FrorRni 39
38 Rrvisrn or Pnocrsst' 2A14 t BEPRI233
De acordo com essa teoria, o rei teria dois corpos o físico e o mÍstico ou o corpo
natural e o político.36
ocorponaturaleraocomumconcernenteatodasaspessoas_elepoderia
adoecer, ser ferido, vale dizer, sujeitava-se a todas as agruras da vida' Já o corpo
polÍtico não poderia ser visto ou tocado. Ele era comPosto de polÍtica e governo' O
corpo político não pode ser atingido por nenhuma intempérie que acomete o corpo
,,ut.r.u1. Os dois corpos do rei ãessa forma estão contidos um no outro. Todavia,
não pode haver dúviàa da superioridade do corpo político sobre o natural. O corpo
naruial é finlto, enquanto o corpo mÍstico nunca morre, nåo adoece e em nenhuma
hipótese erra.rT
por meio dos dois corpos do rei, Kantorowicz identifica fundamento teológico
no ato do poder. Tanto assim é que, não obstante, a teoria dos dois corpos ser cria-
çao do diråiro medieval inglês, Kantorowicz associa a ideia dos 
dois corpos à figura
deJesus Cristo, uma vez que as religiOes monoteÍstas até o cristianismo não tinham
intermediação direta enrre o humano e o divino. Assim. somente com Cristo é que
surge um ponto entre Deus e os homens. Até €ntão, os homens e Deus ficavam em
planos separados.
Quandonãoháadistinçãoentreosdoiscorpos,oreigovernaeéogoverno.Do
mesmo modo, quando o sTF julga contra texto constitucional expresso, ele deixa
de ser guardião da constituição e sua jurisprudência passa a ser a própria consti-
tuição. Frise-se que nossa crÍtica não parte de um viés ideológico, o objeto de nossa
preocupaçào é fundamentalmente os riscos criados pela recente jurisprudência do
Sfn q"" tem ignorado a importância da separação de poderes como elemento para
a controle do poder.
E note-se que, aqui, não se trata de Íazer uma opção entre esquerda e direita;
liberalismo ou socialismo. Do jeito que a coisa se projeta' a "supremocracia" de que
faia oscar Vilhena Vieira, ou aÍnda, a Juristocracia" que Lenio streck denuncia a
partir de Ran Hirshl, leva-nos a um lugar equivalente ao Poder Absoluto.
36.

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