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PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A REFORMA TRABALHISTA Como era esperado, a Lei Federal nº 13.467/17 nos traz muitas dúvidas sobre o início da aplicação das novas disposições trabalhistas. É possível destacar três questões principais, que devem ser enfrentadas logo no início do ano judiciário: i) aplicação da lei aos contratos em curso; ii) a liberalização da dispensa coletiva e; iii) a procedimentalização da criação de súmulas pelo TST. A aplicação da lei no tempo observa o que definido nos artigos 5º, XXXVI, da CF e 6º da LINDB. A rigor, portanto, as novas disposições têm efeito imediato e geral, com a exceção dos direitos já adquiridos, atos jurídicos perfeitos e o que protegido pela coisa julgada. Debate-se, no entanto, a distinção entre direito adquirido e expectativa de direito. Para a Comissão de Jurisprudência do TST (Pet. Nº 16901- 28.2017.5.00.0000), o direito adquirido diz respeito ao que prescrito em lei, não sendo possível que a lei que retire direitos afete contratos em curso. Com base na premissa, recomenda que a nova regulação sobre horas in itinere, (S. 90 e 320) e diárias (S. 101 e 318) não afete contratos em cursos. O contrário – aplicação imediata – se afirmou em relação às alterações à prescrição intercorrente, quadro de carreira, incorporação de gratificação de função e preposto empregado. Tão logo entrou em vigor a Reforma Trabalhista, várias instituições de ensino procederam a demissões coletiva sem a observância do requisito estabelecido por jurisprudência da prévia negociação com o sindicato da categoria (caso Embraer). Decisões de urgência se seguiram em ambos os sentidos. A mais visível delas foi a liminar dada pelo Presidente do TST no curso do recesso forense, reafirmando a validade da nova disciplina legal, artigo 477-A da CLT. Em seu despacho, o Ministro Presidente ainda mencionou que a decisão cassada animava-se em ativismo judicial (CorPar-1000011-60.2018.5.00.0000). Não é demais lembrar que, acaso interposto agravo regimental da decisão, caberá ao Órgão Especial do TST examinar a decisão. Por fim, é preciso não perder de vista que a reforma trabalhista regulou o processo de elaboração de Súmulas pelo TST (CLT, art. 702, I, f). Pela nova regra, a criação de súmulas está condicionada ao prévio pronunciamento de voltar ao sumário 5 2/3 das Turmas do Tribunal no sentido adotado pelo verbete (em ao menos 10 sessões, sempre por unanimidade). A regra, portanto, desautoriza, em si, os trabalhos da Comissão de Jurisprudência (Petições nºs 16901-28.2017.5.00.0000 e 18251- 51.2017.5.00.0000), por não ter havido prévia discussão nas turmas sobre os temas abordados. Ao que tudo indica, o Tribunal terá, antes de adentrar nesse debate, que enfrentar a validade do novo dispositivo legal. No particular, os ritos relativos ao controle de constitucionalidade (controle concentrado vs controle difuso e inércia do judiciário vs iniciativa ex ofício) serão temas a serem enfrentados em eventual questão de ordem. No dia 6 de fevereiro de 2018, houve uma sessão do Tribunal Pleno referente ao debate sobre as propostas da Comissão de Jurisprudência, este certamente foi um evento de grande interesse para comunidade jurídica. 6 2. REDESENHO DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO Três importantes e substanciais alterações atinentes à extinção do contrato de trabalho devem ser analisadas. O final da vida do contrato de trabalho foi objeto da atenção reformadora da Lei Federal nº 13.467/17. Três aspectos, dentre outros, podem ser mencionados, aqui escolhidos por representarem alterações de diferentes matizes: alteração legal; alteração à jurisprudência e criação de instituto inteiramente novo. A primeira diz respeito à superação da histórica rotina da homologação sindical, introduzida inicialmente em 1968, pela inclusão do § 1º do artigo 477 pela Lei nº 5.562. Segundo o texto, todo empregado que contasse com mais de um ano de serviço deveria, obrigatoriamente, ter seu termo de rescisão revisado pelo Sindicato da categoria. Apenas às parcelas aprovadas sem ressalvas na assistência recaria o efeito de quitação, nos termos do § 2º do mesmo dispositivo. Em respeito ao texto do referido § 2º, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula nº 330/TST, segundo a qual o efeito de quitação recaria sobre as parcelas não ressalvadas, e não apenas sobre os valores indicados. A Lei Federal nº 13.467/17 revogou de forma expressa os §§ 1º e 3º do artigo 477, mantendo íntegro, no entanto, o § 2º. Com isso, foi retirada do mundo jurídico a assistência sindical obrigatória. Foi mantido, no entanto, o efeito de quitação sobre a parcela, nos termos do § 2º, preservado. Com a ausência da assistência sindical, é possível que o TST, por política judiciária, revise o entendimento da S. 330/TST, restaurando o entendimento antigo, que limitava a quitação aos valores, nos termos da cancelada Súmula 41. Nada impede, de toda forma, que a chancela sindical seja voluntariamente procurada pelas partes. A segunda alteração a ser mencionada diz respeito à superação do entendimento construído pelo TST em relação à demissão coletiva. A partir do precedente Embraer, em 2009, a Corte Trabalhista passou a exigir, como condição de validade de dispensas coletivas, a ocorrência de prévia negociação coletiva. A repercussão geral foi reconhecida em 2013 (ARE 647651), o voltar ao sumário 7 legislador da reforma entendeu por se antecipar à questão. Assim, pelo novo artigo 477-A, foi expressamente registrado não ser condição de validade à dispensa coletiva a prévia realização de acordo ou convenção coletiva. Por fim, menciona-se a inovação legal da Lei nº 13.467/17, relativa à criação de uma nova modalidade de extinção do contrato de trabalho: a figura do distrato. Trata-se de redação acolhida no novo artigo 484-A da CLT,o qual estabelece que, havendo consenso entre empregado e empregador sobre a adoção da modalidade, o empregado terá direito, por metade, do aviso prévio, indenizado, e 20% da multa do FGTS, sendo garantidas as demais verbas rescisórias na integralidade (saldo de salário, 13ª proporcional e férias proporcionais). Igualmente, o empregado poderá movimentar 80% dos valores depositados no FGTS. O empregado não terá direito, tampouco, ao seguro desemprego. Segundo revelam os debates do parlamento, a ideia do legislador era reduzir situações em que, por acordo, é simulada a extinção sem justa causa, apenas para o empregado levantar o FGTS e colher o benefício do seguro desemprego. Apenas o tempo poderá esclarecer se a medida alcançará seu intento. 8 3. A FIGURA DO TRABALHO INTERMITENTE Uma franca inovação da Lei Federal nº 13.467/17 – a Reforma Trabalhista –, é a regulamentação da figura do Trabalho Intermitente. A modalidade de contratação, inédita no direito brasileiro, estabelece entre nós o que, no Reino Unido, ficou conhecido como contrato zero hora (zero-hour contract). Em síntese, na modalidade do Trabalho Intermitente, empregado e empregador, ao celebrar o contrato de trabalho, não precisam ajustar, de antemão, o tempo de efetivo trabalho a ser realizado pelo empregado. O tempo de trabalho, pois, apresenta-se como cláusula contratual aberta, que será livremente negociada entre as partes já ao longo da execução do contrato de trabalho. A remuneração só será devida quando da ocorrência de efetivo labor. A nova disciplina encontra-se regulada nos artigos 443, caput e 452-A da CLT. Embora seja certo que nova figura trará questionamentos acerca de sua efetiva extensão e aplicação, nesta altura é pertinente identificar o que emana da legislação aprovada, em sua essência. Duas questões merecem ser ressaltadas. A primeira diz respeito à regulamentação da rotina de trabalho. Como a duração do trabalho não é fixa ou pré-estipulada, incumbirá ao empregador, em face de uma demanda pelo trabalho, comunicar o empregado sobre o interesse em seus serviços. Relembre-se que, não havendo trabalho, não haverá remuneração, a despeito da vigência do contrato de trabalho. A comunicação deverá ser realizada por qualquer meio eficaz, devendo ser informado nessa oportunidade qual será o tempo de trabalho a ser executado. O contato deverá ser realizado com no mínimo três dias de antecedência, tendo o empregado o prazo de um dia útil para responder. Transcorrido o prazo para a resposta, é presumida a recusa. Tal recusa não traz consequências jurídicas ao contrato, que segue vigente. É prevista, ainda, uma cláusula penal legal para o caso de inobservância de um trabalho ajustado, no importe de 50% da remuneração que seria devida no período. Assim, confirmada a realização de certa atividade, com indicação do tempo de prestação de serviços, a parte – empregado ou empregador 9 – que não honrar com a contratação fixada, será devedora da pena, a ser paga no prazo de 30 dias. A lei autoriza a compensação do valor, em igual prazo. Aparentemente, pretendeu o legislador autorizar que tal dívida seja paga pelo empregado por meio da prestação de serviços, algo como o pagamento in natura da dívida. Em segundo lugar, é oportuno tratar também da remuneração própria à figura. Estabelece a norma que o contrato de trabalho deverá especificar, necessariamente, o valor da hora de trabalho, condicionado ao valor do salário mínimo hora. Há, igualmente, uma cláusula de isonomia. Havendo no estabelecimento empregados que exerçam a mesma função – contratados ou não sob o regime do trabalho intermitente – deverá ser assegurada a identidade de remuneração. Sobre a cláusula de isonomia, é oportuno o registro de que o legislador a limitou espacialmente ao estabelecimento. Assim, ao menos do que emana da regra legal, não é o empregador legalmente obrigado a garantir a isonomia salarial em relação a empregados lotados em estabelecimentos diversos. A indicação, aliás, confirma o novo teor do caput do artigo 461 da CLT, que restringe a equiparação salarial a empregados do mesmo estabelecimento. No caso do trabalho intermitente, que por sua própria natureza é dotado de grande flexibilidade, é preciso que o empregador se atente a situações nas quais o trabalho seja exercido em múltiplos estabelecimentos. Nesse caso, é certo que o empregado terá direito à equiparação em relação à maior remuneração praticada nos diferentes espaços. Uma última consideração parece, ainda, pertinente. À primeira vista, o trabalho intermitente pode ser antevisto como um meio de formalização de trabalhos eventuais. Já se disse que se trataria de formalizar o conhecido “bico”. Embora seja possível, evidentemente, que tal utilização seja emprestada ao instituto, é preciso não perder de vista que o escopo da modalidade de contratação pode ser bem mais amplo. A figura do trabalho intermitente, ao expressamente autorizar que empregados e empregadores façam acordo acerca de variações do tempo de voltar ao sumário 10 trabalho, mitiga a rigidez da lógica atual derivada da regra da inalterabilidade contratual, prevista no artigo 468 da CLT. Para a nova lei, a irredutibilidade salarial é assegurada pela manutenção do salário hora ajustado no contrato, mas não se estende ao valor nominal percebido pelo conjunto da atividade desempenhada no mês. Não há, igualmente, fixação em relação a horário de trabalho. Com isso, empregados e empregadores podem, doravante, contratar e recontratar o montante e a distribuição das horas de trabalho. É possível, por exemplo, um empregado trabalhar em janeiro 100 horas distribuídas pelas manhãs; em fevereiro, 100 horas distribuídas pelas tardes; em março, 220 horas distribuídas ao longo de todo o dia e, em abril, nada trabalhar. Na hipótese, tanto o valor nominal percebido no mês como o horário de trabalho sofrem alterações, sendo alcançado por eventual flexibilidade exigida na administração do negócio. Em contrapartida, o empregador deve ter em mente que ao contratar sob o regime do trabalho intermitente, o empregado pode recusar certa oferta imediata de período de trabalho, sem que com isso haja rompimento do vínculo empregatício. Como se vê, a figura do trabalho intermitente, bastante questionada por entidades sindicais em países onde já aplicada, como na Nova Zelândia e no Reino Unido, representa uma expressiva novidade na legislação pátria. 11 4. A CONTRAPARTIDA EM NEGOCIAÇÕES COLETIVAS A Lei nº 13.467/17 avançou como nenhum outro diploma legislativo antes dela na famosa questão do negociado vs legislado. De uma forma ampla, criou um rol exemplificativo de temas que podem ser objeto de ajuste coletivo, independentemente de existência de lei (artigo 611-A), seguido de um rol taxativo de temas infensos à negociação (artigo 611-B). A par da questão do que pode ou não ser objeto de negociação coletiva, há um relevante aspecto que a lei trouxe que precisa ser bem compreendido: a nova disciplina das contrapartidas. A regulação encontra-se nos §§ 2º a 4º do artigo 611-A. A contrapartida, em síntese, é o benefício auferido em uma negociação coletiva em resposta a aceitação de uma demanda da categoria econômica. Ela pode ser, portanto, desde um feriado assegurado pela negociação em decorrência da aceitação do banco de horas anual, como o próprio reajuste salarial, acaso fique ele atrelado a aceitação, pela categoria profissional, de certa e específica demanda (como a paralisação de promoções previstas no regulamento pelo tempo de vigência da norma,por exemplo). No âmbito do TST já chegou a haver, no período anterior à reforma, certa preocupação com a figura. No caso da Súmula nº 423 do TST, ficou determinando que o aumento da jornada de regime de turnos ininterruptos de revezamento a que se refere do artigo 7º, inciso XIV, da CF pode ser realizado independentemente do ajuste de contrapartida específica. Já no caso de redução do valor de salários (CF, art. 7º, inciso VI), a jurisprudência majoritária do TST indica a necessidade de definição de contrapartida razoável, sob pena de se configurar mera renúncia ao direito. A reforma trabalhista, assim, trouxe contornos específicos sobre a matéria, com o propósito, é provável, de se trazer estabilidade e previsibilidade à questão. Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que o ajuste de contrapartida não é obrigatório, por expressa previsão do § 2º do artigo 611-A da CLT. Eis a norma: 12 2º A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico. A partir do dispositivo, portanto, é possível afirmar não ser mais autorizada a conclusão de que a falta de indicação de contrapartidas importaria em vício da negociação coletiva por configuração da renúncia. Em regra geral, pois, não há obrigatoriedade de definição de contrapartidas. Uma segunda preocupação do legislador foi definir uma contrapartida obrigatória para uma situação específica: a hipótese de redução salarial. Com isso, toda negociação com vistas à redução nominal dos salários dos empregados, em exercício da prerrogativa conferida pelo artigo 7º, inciso IV, da CF, ou a jornada, deve garantir a estabilidade aos empregados afetados pelo ajuste no período de vigência do contrato. Eis o texto legal: 3º Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo. Por fim, no § 4º do legislador definiu que, indicado certo benefício como contrapartida a uma demanda empresarial, acaso tida por nula a demanda, deverá ser anulada também a contrapartida. Confira-se o dispositivo: 4º Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito. Duas questões merecem atenção. Em primeiro lugar, como dito, a contrapartida não é obrigatória. Contudo, acaso ajustada, deverá ser anulada por arrastamento acaso tida por nula a concessão conferida pela categoria profissional. A segunda diz respeito ao efeito da nulidade da contrapartida. Pela lei, não haverá repetição do indébito, de forma que os empregados não terão de devolver (repetir) eventual benefício econômico auferido em decorrência da contrapartida. O efeito da nulidade, assim, será prospectivo: não precisará o voltar ao sumário 13 empregador, ao longo do restante da vigência da disposição coletiva, continuar observando a contrapartida. 14 5. DIMENSÕES DO TELETRABALHO NA REFORMA Não há dúvidas de que o teletrabalho representa, na atualidade, uma das mais relevantes tendências de organização produtiva. O desenvolvimento da tecnologia da informação e comunicação, aliado com os ganhos de produtividade e mobilidade, ampliaram de forma significativa o interesse pela figura. A despeito de tudo, a legislação trabalhista, é possível afirmar, representava um ambiente de risco ao empregador optante da figura. Basta relembrar que a única disposição da CLT diretamente relacionada ao teletrabalho consta do artigo 6º da CLT, com redação dada pela Lei nº 12.551/2011: Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. (Redação dada pela Lei nº 12.551, de 2011) Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (Incluído pela Lei nº 12.551, de 2011) Ao equiparar de forma plana o trabalho realizado por meios telemáticos e aqueles realizados sob o controle direto e presente do empregador, a legislação impunha grandes riscos à utilização da figura, sendo possível indicar, preponderantemente, três aspectos: i) a questão da duração do trabalho; ii) a questão da alteridade dos custos do trabalho (dispêndios com máquinas, etc); iii) a questão da responsabilidade civil, principalmente no tocante ao meio ambiente do trabalho. A Lei nº 13.467/17 enfrentou as três questões. Em relação à duração do trabalho, o teletrabalho não gozava de disciplina própria. Quando muito, era possível imaginar que o teletrabalho poderia estar abrangido na figura do trabalho externo, e, com isso, sujeito à regra do artigo 62, inciso I, da CLT. A jurisprudência, no entanto, por entender que no teletrabalho subsiste algum tipo de controle da duração do horário do empregado, resistia em dar plena liberdade em relação à duração do horário (é preciso 15 lembrar que o referido inciso I refere também à incompatibilidade de controle de horário). Nessa perspectiva, a reforma trabalhista acrescentou um novo inciso ao artigo 62, o inciso III. A redação, que não poderia ser mais simples e direta, se limita a estabelecer que aos empregados em regime de teletrabalho não se aplicam as disposições relativas à duração do trabalho. Com isso, aparentemente, a nova redação afasta os problemas que decorriam do entendimento de haver controle na figura. Com isso, ao menos do prisma legal, é possível afirmar que, estipulado formalmente o regime de teletrabalho, nos termos do artigo 75-A e seguintes, não haverá espaço para discussões sobre questões relativas à duração do trabalho. A segunda questão diz respeito à alteridade em relação aos custos da realização remota do trabalho. De forma geral, o Direito do Trabalho sempre determinou que custos e riscos da atividade econômica sempre se impunham o empregador, impreterivelmente No particular, a reforma inova de maneira significativa. Segundo o artigo 75-D da CLT, tais valores serão alvo de livre estipulação contratual. Eis o dispositivo: Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado. O texto determina, assim, que caberá as partes definirem contratualmente o que é necessário à realização remota das atividades. Há, portanto, uma mitigação da regra geral de alteridade, de forma que o empregado não poderia afirmar que, embora estipulado certo valor indenizatório, os custos da atividade seriam superiores. Pelo novo texto, se deu uma mitigação na regra geral, transferindo-se ao contrato a estipulação dos valores a título de cobertura voltar ao sumário 16 dos custos remotos da atividade. Igualmente, foi definida a natureza indenizatória do montante contrato. Em terceiro lugar, há a questão da responsabilidade civil, principalmente em decorrência de acidentes que ocorram ao tempo da realizaçãodo trabalho remoto. Nesse particular, a legislação não foi tão contundente como nos casos anteriores. Ao invés de criar critérios para a definição mais clara da responsabilidade civil, o legislador se limitou a determinar incumbir aos empregadores que instruam o empregado acerca das precauções a serem seguidas. Eis o dispositivo: Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.’” Não houve, assim, uma definição muito clara e específica sobre eventual nexo de causalidade entre a atividade realizada remotamente e a responsabilidade do empregador. Tal aspecto, portanto, deverá ser tema de aprofundamento e maturação pela jurisprudência. 17 6. APLICAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA DO NCPC AOS PROCESSOS TRABALHISTAS Diversas ambiguidades giram em torno da aplicação supletiva e subsidiária do CPC aos demais ramos do Direito. Nesse sentido, sem a pretensão de detalhar todas as nuances que esse amplo tema envolve, não se pode deixar de registrar algumas observações acerca do artigo 15 do CPC de 2015, que assim dispõe expressamente: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. De início, cumpre destacar a pertinente observação de Teresa ARRUDA ALVIM WAMBIER, Maria Lúcia Lins CONCEIÇÃO, Leonardo Ferres da Silva RIBEIRO e Rogério Licastro Torres de MELLO: “O legislador disse menos do que queria. Não se trata somente de aplicar as normas processuais aos processos administrativos, trabalhistas e eleitorais quando não houver normas, nestes ramos do direito, que resolvam a situação. A aplicação subsidiária ocorre também em situações nas quais não há omissão. Trata-se, como sugere a expressão ‘subsidiária’, de uma possibilidade de enriquecimento, de leitura de um dispositivo sob outro viés, de extrair-se da norma processual eleitoral, trabalhista ou administrativa um sentido diferente, iluminado pelos princípios fundamentais do processo civil. A aplicação supletiva é que supõe omissão. Aliás, o legislador, deixando de lado a preocupação com a própria expressão, precisão da linguagem, serve-se das duas expressões. Não deve ter suposto que significam a mesma coisa, se não, não teria usado as duas. Mas como empregou também a mais rica, mais abrangente, deve o intérprete entender que é disso que se trata.” (Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 75). Superada essa questão terminológica de clara influência pragmática, insta ressaltar que a autorização expressa para a aplicação supletiva e subsidiária do CPC já existe, por exemplo, no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como no artigo 3º do Código de Processo Penal. Como não houve previsão expressa no CPC em relação ao processo penal, ressalta-se o comentário de Cássio Scarpinella BUENO: “A questão, voltar ao sumário 18 pertinentíssima, é saber se, não obstante esse silêncio, a aplicação continua a ser autorizada pelo art. 3º do CPP. A melhor resposta parece ser a positiva, o que se justifica até mesmo pela amplitude do texto da referida regra processual penal. De resto, nos casos em que o Código de Processo Penal faz expressa remissão ao Código de Processo Civil (art. 139 [depósito e administração de bens arrestados]; art. 362 [citação por hora certa]; e art. 790 [homologação de sentença estrangeira]), é irrecusável o prevalecimento da disciplina trazida pelo novo CPC.” (Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 52). Em relação aos processos eleitorais, importantíssimo o papel do CPC, por exemplo, nos procedimentos voltados à tutela cautelar (agora tutela de urgência de natureza cautelar) e nos recursos eleitorais, conforme decisões do TSE nesse sentido (REspe 4221719.2008/RN e AgR-AI 692.2011/MG). No âmbito do processo do trabalho, destacam-se também os artigos 836 (ação rescisória), 896, §3º (dever de uniformização da jurisprudência por parte dos TRTs), 896-B (recursos de revista repetitivos), 896-C, §§8º (amicus curiae na Justiça do Trabalho) e 14 (recurso extraordinário interposto perante o TST), todos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por fim, quanto ao processo administrativo, inegável a aplicação dos dispositivos relacionados às modalidades de intervenção de terceiros (com as necessárias adaptações) e também das garantias processuais, notadamente em relação aos processos administrativos disciplinares (cf. STJ, RMS 29.036/ES). Não há dúvidas de que a Parte Geral do CPC, ao tratar das “Normas Fundamentais do Processo Civil”, pretende ser mais abrangente e direcionada, em muitos pontos, à conformação de premissas de uma Teoria Geral do Processo revisitada, que certamente encontrará espaço em todos os “tipos” de processos, até por razões de uniformidade e respeito aos ditames constitucionais pertinentes. voltar ao sumário 19 A Medida Provisória nº 808/2017 foi editada a partir de um acordo político entabulado ainda no curso da tramitação do projeto de lei da reforma trabalhista. Assim, certos aspectos que não eram de consenso poderiam ser alterados sem impacto no tempo de aprovação do projeto. Temas como gorjeta, trabalho intermitente e trabalho autônomo receberam nova roupagem. Introduziu- se, ainda, dispositivo fixando, de forma expressa e explícita, a aplicação da Lei nº 13.467/17 aos contratos em curso: Art. 2º O disposto na Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes. A estratégia, no entanto, não foi bem sucedida: não só o governo não conseguiu a aprovação da medida provisória, como sua caducidade deu mais um argumento àqueles que advogam pela não aplicação das inovações aos contratos vigentes. Diante desse quadro, o governo adotou um outro caminho. Editou, no dia 15/05/2018, despacho do Ministro do Trabalho aprovando parecer técnico que dispôs sobre a aplicação da lei no tempo. Trata-se do Parecer nº 00248/2018/CONJUR-MTB/CGU/AGU. Com isso, o entendimento nele firmado tornou-se vinculante à Administração Pública, notadamente, o corpo da Auditoria Fiscal do Trabalho, nos termos do artigo 42 da Lei Complementar nº 73/1993. Em síntese, o parecer conclui que, a despeito da perda de eficácia da MP 808/2017, a reforma trabalhista, efetivamente, se aplica aos contratos em curso. A posição, talvez seja oportuno relembrar, foi a mesma que defendemos na aula deste curso sobre a questão. O parecer está fundado nas disposições legais relativas à aplicação da lei no tempo, notadamente o inciso XXXVI do art. 5º da Constituição da República 7. A PERDA DA EFICÁCIA DA MP 808/2017 E A REPOSTA DO MINISTÉRIO DO TRABAHO voltar ao sumário 20 e artigo 6º da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Segundos tais dispositivos, novas disposições legais têm aplicação imediata, estando a salvo de sua incidência apenas o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido. Como as relações de trabalho ostentam natureza continuativa, se renovando cotidianamente, são elas apanhadas pelas novas disposições legais. Apenas os direitos já constituídos em face das situações fáticas anteriores à vigência da lei são inalcancáveis pelas novas disposições, o que não se passa em relação a fatos futuros. Para um exemplo, é possível tomar um trabalhador que já tenha, quando do início da vigência da norma, acumulado10 (dez) anos de percepção de gratificação de função. Nesse caso, a novidade legal, que retirou do mundo jurídico a figura da incorporação, não deve ser a ele aplicada. É possível apontar a seguinte passagem como síntese do entendimento: 19. Portanto, as obrigações do direito do trabalho têm ciclos de renovação que ocorrem continuamente, o que faz com que o direito se torne adquirido, também periodicamente. E, assim, igualmente, não restam dúvidas de que os atos jurídicos, decorrentes de obrigações de trato sucessivo fundadas em normas cogentes, como as estabelecidos pelas leis trabalhistas de forma geral, devem ser realizados segundo as condições da nova lei, não havendo o que se falar, nesse caso, em retroatividade legal, mas, simplesmente, de aplicação de lei nova no momento da realização do ato, ou da consubstanciação do direito. É preciso alertar, por fim, que a posição externada pela cúpula do Poder Executivo, embora vinculante à Administração Pública, não ostenta o mesmo efeito em relação ao Poder Judiciário. voltar ao sumário 21 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015. BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr, 2018. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. 2. ed. São Paulo: LTr, 2018. SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. 10 volumes. São Paulo: RT. Página em branco
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