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Resumo: o trabalho de conclusão de curso tem o objetivo de entender melhor o fenômeno jurídico da paternidade socioafetiva e da multiparentalidade, assim como reconhecimento jurídico, abordando ao mesmo tempo as consequências desse reconhecimento nos efeitos sucessórios. Mas antes de abordar o tema dos efeitos sucessórios são feitas reflexões e considerações sobre a família de modo geral, tanto antigamente como na atualidade, abordando as novas composições que o tempo vem trazendo com a evolução cultural, avaliando e refletindo sobre as formas de vínculo entre pais e filhos ou até mesmo outros parentes, sejam eles biológicos ou socioafetivos. Contudo, é preciso também analisar a influência da socioafetividade dentro do lar e os efeitos positivos que trazem aos filhos (fisicamente e psicologicamente). Fez-se necessário trazer o entendimento jurídico do que é família e o seu poder segundo a lei, com o fim de definição de paternidade e a questão de: “o vínculo afetivo prevalece sobre o biológico?”. Por fim, delimitando o tema da multiparentalidade, e paternidade socioafetiva e suas consequências jurídicas no direito sucessório. Palavras-chave: Multiparentalidade. Paternidade Socioafetiva. Filiação. Sucessório, Efeitos. Abstract: the course conclusion work aims to better understand the legal phenomenon of socio- affective parenting and multiparenting, as well as legal recognition, while addressing the consequences of this recognition on succession effects. But before addressing the theme of succession effects, reflections and considerations about the family are made in general, both formerly and today, addressing the new compositions that time has brought with cultural evolution, evaluating and reflecting on the forms of link between parents and children or even other relatives, whether biological or socio-affective. However, it is also necessary to analyze the influence of socio-affectivity in the home and the positive effects it brings to children (physically and psychologically). It was necessary to bring the legal understanding of what a family is and its power according to the law, in order to define paternity and the question: “does the affective bond prevail over the biological?”. Finally, delimiting the theme of multiparenting, and socio-affective paternity and its legal consequences in succession law. Keywords: Multiparenting. Socio-affective fatherhood. Affiliation. Succession, Effects. Sumário: Introdução. 1. Conceitos e Evolução de Família. 2. Paternidade Socioafetiva como forma de multiparentalidade. 2.1 Princípio da Afetividade. 3. Os Reflexos Jurídicos da Multiparentalidade. 4. Multiparentalidade e o Direito Sucessório. 4.1 Direito Sucessório. 5. Considerações Finais. 6 Referencial Bibliográfico. OS EFEITOS SUCESSÓRIOS DEVIDO AO RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE. THE SUCCESSORY EFFECTS DUE TO THE RECOGNITION OF MULTIPARENTALITY. Gabriella Pinho Gomes e Juliana Rodrigues Azevedo. Academia em Direito do Centro Universitário Icesp. INTRODUÇÃO O surgimento da Constituição Federal de 1988 quebrou paradigmas dentro do Direito de Família, instituindo a igualdade de cônjuges e companheiros, reconhecendo a união estável como modelo de formação, a igualdade entre os filhos e o afeto que passou a ser o elo das relações de parentesco. (DIAS, 2016). O instituto família sofreu diversas mudanças, novos grupos familiares nasceram e foram surgindo novos conceitos, tornando-se mais flexível em relação ao parentesco. A filiação passou a ser baseada não apenas pelo vínculo sanguíneo, mas também pelos laços afetivos que unem pais e filhos. Devido a constate mudança dentro do direito de família, as pessoas passaram a valorizar o afeto e considerar como figura materna ou paterna mais de um destes representantes. Contudo, ainda não consta na legislação vigente a possibilidade de reconhecimento além dos pais biológicos, os socioafetivos em conjunto, por exemplo, na certidão da criança. Com a falta de amparo na lei, há uma grande demanda de ações envolvendo tais situações, contudo, já existem decisões judiciais sobre o caso. O STF ao reconhecer a não existência de hierarquia entre as paternidades biológicas e socioafetivas, em uma decisão de repercussão histórica como a de nº 622 de 2016. O Direito de Família visa sempre amparar os vários tipos de famílias existentes para não deixar de tutelar nenhum caso da realidade presente destas. Porém, o real problema é definir os limites jurídicos para reconhecer a multiparentalidade, assim como seus efeitos. Apesar de ser uma questão ampla pelo direito familiar ser tão extenso, se encontra poucas fontes de doutrinárias sobre o assunto. Através da filiação socioafetiva, surge um novo conceito, a multiparentalidade, que se tornou um assunto de grande relevância no campo jurídico. Este instituto aborda a possibilidade de inclusão em conjunto no registro de nascimento, bem como a paternidade biológica versus socioafetiva e o direito sucessório tendo como propósito levar sempre em consideração o interesse dos filhos. À vista disso, como o reconhecimento da multiparentalidade produz efeitos no direito sucessório? Logo, o sistema jurídico de Direito não deve ignorar a existência das diversas filiações que surgem, assim como a multiparentalidade. O melhor entendimento é o que visa a possibilidade de reconhecer as múltiplas relações filiais por meio de registro público. Para responder o problema e atingir o objetivo principal foi feita uma revisão bibliográfica centrada em Maria Berenice Dias (2015, 2016), Rolf Madaleno (2015, 2018), Christiano 1 Cassettari (2015), Roberto Gonçalves (2017) dentre outros pensadores que acrescentam seu embasamento acerca do tema. Para melhor compreensão sobre o tema, utilizou-se documentos legais como: A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), o Código Civil de 2002, enunciados do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), bem como jurisprudências que complementam a literatura. Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo analisar como o reconhecimento da multiparentalidade produz efeitos no direito sucessório. Bem como objetivos específicos compreender o conceito e evolução de família em relação a Constituição Federal e o Código Civil brasileiro, analisar sobre a paternidade socioafetiva desde o vínculo biológico ao socioafetivo, bem como abordar o princípio da afetividade, examinar os reflexos jurídicos da multiparentalidade e investigar quais os efeitos que o reconhecimento da multiparentalidade produz no direito sucessório, por fim foram tecidas as considerações finais. 1. IDEIA BÁSICA EVOLUÇÃO DE FAMÍLIA ATÉ OS DIAS ATUAIS Todo ser tem origem na família, pois não há ninguém que não descenda de uma geração familiar mesmo que distante, a família é o primeiro agente socializador do ser humano. Ao longo da história de toda a humanidade sabe-se que existem variados agrupamentos de pessoas e com isso surge conceitos variados do que é família, ou seja, a noção do que é família sofre mutação no decorrer do tempo, à medida que a sociedade muda e evolui. Antes da Constituição de 1988 considerava-se família apenas aquelas do matrimonio decorrente de uma única mulher ou um único homem, e onde a filiação era reconhecida apenas aos filhos havidos dentro do casamento, legalmente chamados de legítimos, e os que não eram concebidos dentro do casamento chamados de bastardos, com isso esses eram excluídos e chamados também de ilegítimos. Rolf Madaleno (Madaleno, 2017, p. 45) diz que: A família do passado não tinha preocupações com o afeto e a felicidade das pessoas que formavam seu principal núcleo, pois eram os interesses de ordem econômica que gravitavam em torno daquelas instâncias de núcleos familiares construídos com suporte na aquisição de patrimônio. Sabe-se que a humanidade estásempre em constante evolução, com isso surge a necessidade de repensar, mudar e readequar as leis. O direito de família é um dos ramos jurídicos que mais 2 sofre pressão em ser mudado ou em muitos casos readequado, modificando-se e adquirindo novos conceitos em relação individualização de estilos de vida. A diversificação do conceito de família vamos entender um pouco o que é família no sentido: biológico que é “o conjunto formado pelo pai, a mãe e os filhos recebe, algumas vezes, a denominação de família biológica” ou seja são aqueles que nascem de um mesmo tronco familiar (filhos de mesmo pai e mesma mãe). Contudo, as mudanças sociais trouxeram para a atualidade novos exemplos de organização familiar, e após a promulgação da Constituição de 1988, surgiu-se finalmente nossa querida constituição com a nova ideia de Estado Democrático de Direito, mudando os conceitos e ideologias sociais do conceito de família, onde deve prevalecer as relações de afeto, visando a valorização individual de cada membro. Em uma tentativa de conceituar a instituição família, trazemos também para complementar o entendimento dessa evolução e conceito de família o seguinte conceito que se encontra nas palavras da Doutrinadora Maria Berenice Dias (Dias, 2015, p. 29). A família é um agrupamento informal, de formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do direito. No dizer de Giselda Hironaka, não importa a posição que o indivíduo ocupa na família, ou qual a espécie de grupamento familiar a que ele pertence - o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade. Ainda sobre a visão de Rolf Madaleno (Madaleno, 2017, p. 45): Se a família tem atualmente outro perfil que se alargou para além das fronteiras enlaçadas pela Constituição Federal com o casamento (CF, art. 226, § 1º); a união estável (CF, art. 226, § 3º) e a família monoparental, representada pela comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes (CF, art. 226, § 4º), cumpre então localizar essas famílias denominadas plurais e concluir sobre suas formações e seus efeitos. O que se entende é que a família atual ampliou-se para além dos preceitos constitucionais, visto que os novos modelos encontram-se sob o pilar da afetividade. A família tem o papel de exercer tanto direitos como obrigações, como proteger e mantê-la estável. A Constituição não difere obrigações, tanto o pai quanto a mãe, são iguais em direitos e obrigações como expõe o parágrafo 5º do artigo 226 da Constituição Federal, “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”, logo, ambos possuem iguais condições de autoridade sobre o filho, não havendo prevalência de um sobre o outro: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 3 § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Diante dos parágrafos 3º e 4º, podemos referir como definição da entidade familiar, no entanto, conceituar família não é algo fácil, pois, atualmente, existem inúmeros formatos. Logo, o conceito citado neste artigo, não reflete na sociedade atual pelo simples fato de o casamento ser fundamental para a formação da família, o que não encaixa nos variados tipos de família existentes. O capítulo sétimo da Constituição vigente, refere-se ao conceito de família conforme seu artigo 226, que passou a ter a proteção do Estado mesmo sendo formada por um dos pais e seus descendentes. Contudo, vale ressaltar que nas Constituições anteriores não havia tal referência pois a família era baseada apenas pelos laços biológicos advindos do matrimônio. Podemos conferir as mudanças do conceito de família e caracterização histórica na própria lei comparando os seguintes artigos “criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns antes dele nascidos ou concebidos” (Art.229 do código civil de 1916), já o seguinte artigo: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.” (Art.1.593 do Código Civil de 2002). Com isso, deve-se levar em conta as novas composições familiares e seus conceitos e contribuições para ditar a parentalidade biológica ou socioafetiva, tendo sempre em vista o bem estar e interesse da criança. Mesmo com todas as mudanças nas últimas décadas até os dias de hoje sabemos que a instituição família esteve presente em todas as sociedades conhecidas, pois é através desta convivência familiar que são formados os laços em que a criança desenvolve suas ações mais importantes, suas ações físicas, mentais e afetivas. (Cassettari, 2014). Para o autor (Tartuce, 2019) foi por meio da evolução histórica do direito de família desde a tradicional família, ou seja, a constituída através do casamento, até os dias atuais, existe um Novo Direito de Família, constituído por várias formas de família. Compreende-se da nova Constituição Federal que a família não é mais apenas um conceito, onde há um único responsável e “juiz”, mas sim um conceito de liberdade. Com toda essa nova idealização de família acabou que as relações patrimoniais passaram por modificações no código civil de 2002, dando escolha aos cônjuges de escolher o regime de bens que desejariam 4 casar-se. Para finalizar esse entendimento de que o conceito de família se modifica constantemente, uma família que ganhou legalidade na lei foi a Homoafetiva, onde o STF declara que o Art. 226, § 3º também o protege sobre a união homoafetiva como entidade familiar como abordado em jurisprudência (STF, 2011): A norma constante do art. 1.723 do Código Civil brasileiro (“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”) não obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entidade familiar apta a merecer proteção estatal. Essa foi a conclusão da Corte Suprema ao julgar procedente pedido formulado em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas, respectivamente, pelo Procurador-Geral da República e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. Prevaleceu o voto do Ministro Ayres Britto, relator, que deu interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 1.723 do Código Civil para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Para enfatizar a proteção familiar, temos como legislação também o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), este estatuto tem o intuito de proteção a todos os seus tutelados com a intenção de que os mesmos vivam em um ambiente saudável, fornecendo uma evolução mental e tranquila sem distúrbios emocionais. 2. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA COMO FORMA DE MULTIPARENTALIDADE Existem inúmeros tipos de famílias que passam por diversos conflitos entre a tradicional e os novos modelos ou conceitos que vão surgindo. Sabe-se que biologicamente a filiação se dá pelo pai e pela mãe, porém com o desenvolvimento do ser humano a necessidade de proteção e o desejo de se sentir amado, o conceito de família tradicional já não é o único existente e com cunho de valor, criou-se, portanto, ligações de famílias sociais e afetivas. A multiparentalidade engloba os vários parceiros e parceiras quese relacionam ao longo da vida. Com essas diversas convivências, em alguns casos acontecem inúmeras vezes, acabam trazendo à aquele que é filho um sentimento de parentesco que pode vir tanto de um fator biológico quanto social, acarretando para aquele que está na posição de filho e até mesmo pelo parente, um sentimento de cuidado. Sendo assim, fatos que não podem ser deixados de lado pelo direito. A paternidade está vinculada ao afeto, ao amor, a estar presente no dia a dia, dando carinho, educando, defendendo o bem estar social e os interesses do seu filho, seja biológico, adotivo ou afetivo. 5 A função do pai socioafetivo diverge do pai biológico, do ponto de vista afetivo. Diante disso, Maria Cristina de Almeida (Almeida, 2001, p. 142.) leciona o seguinte: O reconhecimento de situações fáticas representadas por núcleos familiares recompostos vem trazer novos elementos sobre a concepção da paternidade, compreendendo, a partir deles, o papel social do pai e da mãe, desapegando- se do fator meramente biológico e ampliando-se o conceito de pai, realçando sua função psicossocial. A vinculação socioafetiva prescinde da paternidade biológica. No sentido da paternidade de afeto, o pai é muito mais importante como função do que, propriamente, como genitor. Com o aumento da taxa de divórcio atualmente, o abandono afetivo se tornou motivo de muitas discussões judiciais, sobre a responsabilidade civil do pai que nega afeto ao filho, seja ele biológico ou não. O abandono está presente na maioria das vezes em famílias desestruturadas, gerando a existência de danos na criança.1 Afiliação socioafetiva é motivo de debates no ordenamento jurídico no que se refere aos efeitos patrimoniais resultante de seu reconhecimento e em relação a paternidade biológica e socioafetiva se sobrepor uma a outra, mesmo que não haja em jurisprudência ou doutrina qual deva prevalecer. Algumas decisões admitem que há a soma das filiações sem nenhuma hierarquia, pois não há como exercer a paternidade, seja ela biológica ou não, sem a presença do afeto. Logo, existe a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe com reconhecimento jurídico legal, restando assim, configurada a multiparentalidade. Todas as famílias e seus descendentes podem conviver e aprender uns com os outros. Evoluir as gerações posteriores com bons exemplos e costumes, é um dos pilares da nossa Constituição Federal como princípio da dignidade da pessoa humana, que traz à tona o sentimento e direito de igualdade entre filhos, sejam eles socioafetivos ou biológicos. Isso se encontra de forma explícita no artigo 227, § 6º, da CF/88, na qual tornou-se proibida quaisquer ações discriminatórias relativas à filiação. Além disso, o Código Civil ressalta esse artigo da constituição em seu artigo 1.596, vedando qualquer distinção entre os descendentes sem diferenciação entre a origem, aplicando neste dispositivo a igualdade entre os filhos. Ao analisar a multiparentalidade no direito de família, o reconhecimento da posse de estado de filho com mais de duas pessoas, acarreta o dever de todos assumirem os encargos decorrentes do poder familiar, pois não há outra forma de resguardar o seu melhor interesse e proteção integral. Neste sentido afirma o enunciado nº 9 do (IBDFAM): A multiparentalidade gera efeitos jurídicos. 1 IBDFAM - Enunciado 08: O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado. 6 A multiparentalidade nasce da perfilhação socioafetiva, ou seja, do reconhecimento legal em que uma pessoa declara ser pai ou mãe de alguém tendo como base uma convivência duradoura de laços afetivos como o amor, o carinho e respeito entre ambos. Esses laços fazem com que as pessoas se reconheçam como família (pai/mãe e filho) mesmo que não sejam parentes consanguíneos. Quando não há uma pratica de paternidade responsável, acaba gerando no filho a conhecida Síndrome da Alienação Parental2, o que torna apenas um dos vários problemas gerados pela falta de afetividade, que não necessariamente é, ou precisa ser advinda da paternidade biológica. O código civil aborda em seu artigo 1.593 “o parentesco natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem”, e é aí que podemos buscar o direito desse reconhecimento de socioafetividade, no termo “outra origem”, pois podemos concluir que essa relação de parentesco, nasce de uma verdade praticamente absoluta, por puro prazer em cuidar de alguém, mesmo esse alguém não tendo o mesmo DNA. A família e suas novas formas devem ser protegidas pelo Estado nos termos do artigo 226 da Constituição de 88 e pelo artigo 1.593 do Código Civil quando expressa “outra origem” a qual da margem para estabelecer como tutela jurisdicional a filiação socioafetiva como outra origem de parentesco. Assim, a filiação socioafetiva vem ganhando força no ordenamento jurídico brasileiro e hoje é fundamento da jurisprudência dominante para dirimir conflitos sobre a paternidade afetiva. 2.1. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE Por meio de doutrinas e a jurisprudências, a afetividade tornou-se um princípio que rege as relações familiares, passando a ter valor jurídico a ser tutelado pelo Direito das Famílias e fundamentando-se na tutela da dignidade da pessoa humana, bem como na igualdade entre os filhos sejam eles consanguíneos, adotivos ou afetivos. O princípio da afetividade aborda a transformação do direito de família tendo em seu ponto de vista uma atual cultura jurídica, protegendo por meio estatal todas as comunidades familiares, e dando destaque ao afeto. Apesar de não estar expresso na legislação, pode ser observado tanto no Código Civil, no Estatuto da Criança e do Adolescente, como na 2Síndrome de Alienação Parental (SAP), se instala quando qualquer das pessoas alienadas, sob tortura mental ou física, passa a colaborar com o alienador, também com medo de ser alienado à convivência deste e de perder qualquer contato com o núcleo familiar. (IBDFAM, 2011). 7 Constituição Federal de 1988, em seus artigos 226 §4º, 227, caput, § 5º c/c § 6º, e § 6º os quais preveem o reconhecimento da comunidade composta pelos pais e seus ascendentes, incluindo- se também os filhos adotivos como sendo uma entidade familiar constitucionalmente protegida. Com o decorrer do tempo, os núcleos familiares foram dando mais força aos sentimentos e afeições de cada membro da família. O que fez surgir várias formas de famílias que acabou por trazer uma visão mais igualitária sobre sexo e a idade, mostrando-se mais flexível em seus tempos e em seus membros, deixando um ar de liberdade voltando-se mais para os desejos. Devido a isso, no que se refere à família e matrimonio, surgiram novas formas suscetíveis de família tendo por base o afeto, o amor. Destaca a juspsicanalista (Groeninga, 2008, pg 28) que: O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da afetividade. Conforme já mencionado acima, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como nova forma de parentesco, enquadrada na cláusula geral “outra origem”, do art. 1.593 do Código Civil de 2002. Atualmente em relação a família, o vínculo de parentalidade é considerado por um aspecto cultural de que pai é quem cria, quem dá amor independente de ser biológico ou não. Afirma (Lôbo, 2000) que a família recuperou a função que, por certo, esteve nas suas origens mais remotas: a de um grupo unido por desejos e laços afetivos em comunhão de vida. O princípio jurídico da afetividade fazdespontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses patrimoniais. É o salto a frente da pessoa humana nas relações familiares. http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10623298/artigo-1593-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/111983995/c%C3%B3digo-civil-lei-10406-02 8 O Conselho Nacional de Justiça-CNJ editou dois provimentos 633 artigo 10 alterando para o 834 artigo 10-A, que passaram a regular a possibilidade de reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva (ou seja, pelos ofícios de registro civil), sendo este mais um exemplo ganho pela afetividade no direito de família brasileiro. Nesse sentido, o princípio da afetividade compõe a base do direito das famílias, pois possui o condão de equilibrar as relações socioafetivas, tendo em mente as questões de origem patrimonial ou biológica. Para além disso, cabe citar que a construção do vocábulo affectio societatis que está vinculada a formação de um núcleo familiar, mas que pode ser estendida para outras esferas. Insta saber que, emana dos direitos individuais e sociais, destacados pela Constituição Federal do Brasil, uma preocupação em garantir com que o Estado promova a afetividade entre os seus cidadãos, podendo mencionar que em muitos casos o direito de afeto está significativamente associado ao direito à felicidade, logo a afetividade tem como cerne a união entre pessoas e se tornou um tema de peso a ser considerado pelo sistema jurídico (DIAS, 2016). Destaca (Tartuce, 2019) que o afeto vem da interação entre indivíduos e dele surge os outros tipos de sentimentos positivos como amor e também pode haver negativos como o ódio. Deve- se compreender que todas as formas de famílias que vem surgindo ao longo dos anos, jamais devem ser interpretadas de forma literal, ou até mesmo na literalidade da lei, sua abrangência deve ir além do que diz nas linhas, devem ser colocados para pensar e trabalhar os quesitos sentimentais, psicológicos, pois qualquer decisão vai afetar o futuro de alguém e esse é mais um dos motivos em que este princípio juntamente com o da Dignidade da Pessoa Humana devem sempre andar de mãos dadas (Lobo, 2008). À vista disso, tais princípios de certa forma fazem com que todas as formas de família sejam protegidas, indo além de qualquer interpretação tácita, e com isso trazendo à tona uma eficácia maior em todos os julgados, e claro protegendo ainda mais todas as normas que protegem as famílias. 3 CNJ - Provimento 63. Art. 10: O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. 4 CNJ – Provimento 83. Art. 10-A: O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais, somente será possível para pessoas acima de 12 anos de idade. 9 3. OS REFLEXOS JURIDICOS DA MULTIPARENTALIDADE A multiparentalidade ocorre quando um indivíduo considera possuir uma pluralidade de pessoas como figura materna ou paterna, ou seja, ter mais de uma mãe ou mais de um pai sendo estes reconhecidos por meio ao vínculo socioafetivo e também em meio jurídico pelo registro de nascimento sendo incluso o nome de mais de uma mãe ou mais de um pai. Não há dúvida de quem é considerado uma figura materna ou paterna para uma pessoa quando a figura biológica coincide com a afetiva. Contudo, é a partir deste momento, surgem os problemas jurídicos quando os indivíduos considerados como pai ou mãe não são aqueles que registraram, tem vínculo sanguíneo ou seguindo a linha do conceito da multiparentalidade, tem como pais uma pluralidade de pessoas. Conforme trecho de um artigo da Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Alta Floresta JUDICARE, (IENOMAT, 2018): A multiparentalidade surge como uma solução dos conflitos judiciais, dedicando concomitantemente aos vínculos biológicos e afetivos. A afetividade provém da convivência familiar, e não do elo consanguíneo. Nesta toada, visando o melhor interesse da criança e do adolescente, nota-se com esse entendimento o início de um novo laço afetivo entre pais e mães diversos que convivem de maneira harmônica. Para Dias (2015) a partir do momento que se encontra presente o vínculo afetivo e biológico de parentalidade com mais de duas pessoas, já encontra estabelecida a multiparentalidade, sendo seu reconhecimento um modo de assegurar a garantia constitucional da dignidade da pessoa humana e o princípio da afetividade, princípio este já tratado anteriormente. A multiparentalidade é um conjunto daquilo que estudamos anteriormente no ponto anterior, ela acaba reconhecendo a existência de múltiplos vínculos de filiação. No entanto, para o reconhecimento de uma paternidade socioafetiva dentro da prática jurídica, é importante que sejam ouvidos os indivíduos envolvidos, ou seja aqueles que estão relacionados a essa afetividade, sendo feito com acompanhamento psicossocial, e se tal reconhecimento for confirmado, a multiparentalidade está caracterizada, e então todos os efeitos jurídicos que estão sob a filiação biológica conforme lei, e conforme entendimento da Doutrinadora (Maria Berenice Dias 2013, pag. 385): Para o reconhecimento da filiação pluriparental, basta flagrar o estabelecimento do vínculo de filiação com mais de duas pessoas. Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê-los, na medida em que preserva direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo a 10 dignidade e afetividade da pessoa humana. [...] Assim, não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai e uma mãe. É possível que pessoas tenham vários pais. Identificada a pluralidade ou multiparentalidade, é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória. Podemos dizer que um dos primeiros reflexos que a multiparentalidade traz no âmbito jurídico é a possibilidade de se registrar os vínculos socioafetivos ou biológicos existentes. Segundo a lei de registros públicos, Lei 6015/73, artigo 54, deverá constar no registro os nomes e prenomes dos pais e dos avós maternos e paternos, o que não poderia ser diferente no registro de nascimento em relação ao pai ou mãe socioafetivo, assim, constarão como avós todos os ascendentes destes, e o filho poderá usar o nome de todos os pais (MENDES e QUEIROZ, 2014, p.478). Quando há esse registro, podemos entender que acabam surgindo garantias reais aos a todos que estão ali presentes naquele registro, criando uma certa afinidade, e isso gera direitos entre ambas as filiações, sejam elas socioafetivas, sanguíneas, colaterais, ou resumindo filiações multiparentais. A vantagem de ter esse tipo de inclusão no registro é que na prática isso só traz benefícios para os filhos, pois isso é uma prova viva da abrangência de seus direitos. Portanto a multiparentalidade é caracterizada por meio do registro público, e neste documento de prova incontudente da ligação de parentesco. Percebe-se que o reconhecimento da paternidade socioafetiva e biológica na atualidade são consideradas como forma de parentesco, buscando na pratica acompanhar a evolução desses vários conceitos de família que se modificam constantemente, visando a máxima proteção para a criança ou adolescente entre outros benefícios como por exemplo, o direito à herança o qual se destaca como um dos efeitos da multiparentalidade em relação a sucessão. Tâniada Silva Pereira (Pereira, 2015, P. 307) conceitua família multiparental: É a família que tem múltiplos pais/mães, isto é, mais de um pai e/ou mais de uma mãe. Geralmente, a multiparentalidade se dá em razão de constituições de novos vínculos conjugais, em que padrastos e madrastas assumem e exercem as funções de pais biológicos e/ou registrais, ou em substituição a eles e também em casos de inseminação artificial com material genético de terceiros. Para deixar mais fixo no entendimento do leitor, destaca-se um pouco sobre as espécies de filiação dentro do nosso ordenamento jurídico. A própria Constituição não faz distinção entre os filho, inclusive afirma em seu artigo 227 §6º que todos filhos havidos ou não fora do 11 casamento devem ser tratados de forma igual, assim como o artigo 1.596 do código civil que ressalta esta afirmação da Constituição, incluindo a igualdade inclusive entre os filhos adotivos. Quando se fala em reflexos jurídicos e a multiparentalidade, o objetivo é esclarecer como é determinada pela lei, e quais são as filiações que a lei determina como tais, ou seja é a ligação ou respaldo que há dentro da legislação que reconhece esse elo entre pais e filhos, sejam eles legítimos, adotivos, ou aqueles gerados fora do matrimônio. Quando é feito a leitura do artigo 1.597 e os seus incisos vemos as definições específicas de cada forma de filiação além do reconhecimento daqueles que foram gerados através de fecundação artificial, inseminação artificial, e claro essas que são feitas de forma artificial, a lei determina obviamente que tenha sido realizada com a autorização do homem. Especificamente os nascidos fora do casamento, há uma regra de reconhecimento que foi preciso ser aparada e protegida pelo Código Civil em seu artigo 1.609 que dispõe o seu reconhecimento de forma voluntária, ou de forma judicial, ou seja, com uma ação de reconhecimento de paternidade. Houve essa necessidade de proteção no código de 2002 porque houve tempos em que havia certa relutância de reconhecimento, principalmente dos filhos nascidos fora do casamento, e o código anterior a este, eram totalmente extintos de algum direito. Com o passar do tempo, ficou mais perceptível que nem sempre essa concretização do reconhecimento da paternidade era o suficiente para abranger todos os requisitos. Em primeiro lugar uma criança precisa ter um crescimento e desenvolvimento, principalmente, mental de forma saudável. Além de abranger o que a própria constituição federal preconiza e o próprio código civil, como mencionado nos parágrafos anteriores. Desse modo, diante dessa falta de cumprir os requisitos e amparo total a criança, entra em contexto a filiação socioafetiva, tendo uma abrangência bem maior, focando sua atenção e cuidado ao bem-estar da criança, principalmente o psicológico. Com isso, o ordenamento jurídico passou a proteger mais essa afetividade, através de jurisprudências, enunciados de Direito Civil. 4. MULTIPARENTALIDADE E O DIREITO SUCESSÓRIO O reconhecimento da multiparentalidade pode acarretar efeitos, em especial o parentesco, alimentos, guarda e sucessão. Pois, no momento em que se registrar o nome do pai socioafetivo no registro civil de nascimento do filho, estabelece a filiação em conjunto com os pais biológicos, assim como todos os seus efeitos a seguir. 12 A multiparentalidade é o reconhecimento legal de mais de uma forma de paternidade (entre pais e filhos), a forma que mais conhecemos nos dias atuais são: a de pais biológicos e os socioafetivos. Para abordar sobre a sucessão nos casos de multiparentalidade, devemos lembrar que o Direito Sucessório é uma forma de reconhecimento de paternidade, e que deve ser sim estendida ao parentesco socioafetivo assim como observa Maria Berenice Dias (Dias, 2016, pág. 764): Observa-se que o direito tem tentado, nas últimas décadas, conformar a celeuma em torno da verdadeira paternidade ao paradigma da socioafetividade, até mesmo em prestígio da própria dignidade do filho, em uma franca tentativa de preservar-lhe a construção dos liames de afeto, confiança e solidariedade nas relações familiares e parentais. O filho socioafetivo, na prática, tem o direito de requerer judicialmente o reconhecimento de filiação, seja ela biológica ou socioafetiva. Visto nos parágrafos anteriores, por meio da lei não há distinção quando destaca as palavras “outra origem”. De acordo com o código civil, os direitos sucessórios também se enquadram nos casos que são reconhecidas a multiparentalidade. A multiparentalidade é um assunto que atualmente vem sendo discutido no âmbito jurídico e segundo decisão do STF, a paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico (STF, 2016). DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO SOCIO AFETIVO. ADOÇÃO ADITIVA. PADRASTO E ENTEADO. FAMÍLIA MULTIPARENTAL. INCLUSÃO DO NOME DO ADOTANTE SEM EXCLUSÃO DO PAI BIOLÓGICO. IMPOSSIBILIDADE. Nos termos do artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção rompe o vínculo com a família original, carecendo de amparo legal o pedido de adoção feito pelo padrasto sem a exclusão do pai biológico. Recurso conhecido e improvido. (BRASIL. TJDFT. Apelação Cível 20140410129269. Relator: Hector Valverde Santana. Data de Julgamento: 13/05/2015. 6ª Turma Cível. Data de Publicação: Publicado do DJE: 19/05/2015. Pág. 375). Por conseguinte, há também uma repercussão geral de nº 622 aprovada pelo STF na qual diz que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os 13 efeitos jurídicos próprios”. Diante disso, reconheceu a paternidade socioafetiva mesmo não sendo por registro; afirmou que não há hierarquia entre os dois vínculos de paternidades; e abriu caminhos para o instituto chamado multiparentalidade. O Direito à Sucessão, ou direito a herança como mais conhecemos, é um direito explicitamente protegido e regulado por lei infraconstitucional (Código Civil), o código chama esse direito de Direito Sucessório garantido aos herdeiros necessários, muitos doutrinadores e juízes colocavam esse direito apenas ligado aos filhos biológicos, deixando uma sensação de que aqueles filhos afetivos não podiam ter esse direito garantido pois apenas haveria um vínculo afetivo (sem interesses) não podendo os mesmos terem direito à herança. Para melhor entendimento segue definição de Sucessão Legitima: é aquela que decorre e é regulamentada por lei, onde ela existe independente da vontade do falecido”, entendimento retirado dos artigos 1.829 a 1.856 do código civil. A multiparentalidade efetiva o princípio da dignidade da pessoa humana e da afetividade, reconhecendo no campo jurídico a filiação – amor, afeto e atenção - que já existe no campo fático. Diverge da adoção unilateral, pois não substitui nenhum dos pais biológicos, mas acrescenta no registro de nascimento o pai ou mãe socioafetivo. Por meio dele se estabelece entre o filho e o pai/mãe socioafetivo(a) todos os efeitos decorrentes da filiação. Em suma é importante esclarecer que o intuito de um reconhecimento da multiparentalidade tem primazia em reconhecer o afeto, a ligação sentimental que a criança tem por alguém, pois isso faz bem a ela, e apenas traz benefícios para um crescimento sólido, ou seja o financeiro, direito a herança não deve ser o principal objetivo desse reconhecimento, mas sim um complemento, e é onde recomenda-se Christiano Cassetari (Cassetari, 2015, p. 08): Para nós, é inconcebível que seja feito um reconhecimento de parentalidade socioafetiva, de qualquer forma, e o mesmo não seja levado ao assento de nascimento, que é o local adequado em que tal informação deve constar. Acreditamos que, se esse pedido não é feito num processo, por exemplo, evidencia-se o caráter exclusivamentepatrimonial da ação judicial, onde se discute o afeto e todos os seus termos, e ao final se declara a sua existência, apenas para um determinado fim, geralmente com benefício financeiro (alimentos e sucessão), mas não se altera o registro do nascimento. Isso é um verdadeiro absurdo que deve ser coibido por advogados, juízes e promotores. Se há reconhecimento de parentalidade socioafetiva, ele deve, obrigatoriamente, constar do registro de nascimento. 14 O que torna uma pessoa reconhecida é o registro público, ou seja, a certidão de nascimento (conforme artigo 1.603 CC/2002), e onde for provado a sua verdadeira filiação, então podemos ver que somente o reconhecimento da multiparentalidade não a torna totalmente válida, principalmente dentro do direito sucessório, faz necessário o seu reconhecimento em registro público, para que assim possa ser ter sobre essa afetividade todos os efeitos legais, quando falamos isso queremos dizer que é importante o nome de todos os pais na certidão de nascimento, seja no próprio nascimento, ou posteriormente conforme crescimento da criança, onde os laços afetivos ficam cada vez mais fortes. (PÓVOAS, 2012). 4.1 DIREITO SUCESSÓRIO A multiparentalidade decorre do reconhecimento legal considerando a existência dos pais biológicos e socioafetivos como forma de múltipla parentalidade. Este reconhecimento produz efeitos sucessórios. O direito sucessório é decorrente da filiação, seja qual for, consequentemente sendo ligado a filiação socioafetiva. Diante disso, é necessária uma interpretação de que, seja qual for a forma de reconhecimento, os filhos biológicos ou afetivos possuem os mesmos direitos, bem como o sucessório. Assim dispõe, tanto o artigo 227, §6 da Constituição de 1988 como o artigo 1.596 do Código Civil de 2002 que: “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Lembrando que as responsabilidades e obrigações dos pais biológicos não se excluem por causa do reconhecimento da socioafetividade, como no trecho a seguir do autor Carlos Roberto Gonçalves (Gonçalves, 2017, pág.400): O Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado no dia 21 de setembro de 2016, negou pedido de reconhecimento da preponderância da paternidade socioafetiva sobre a biológica, fixando tese de repercussão geral. A decisão admitiu a multiparentalidade, com a manutenção dos pais afetivos e biológicos. Proclamou a referida Corte que a existência de pai socioafetivo não tira deveres do pai biológico, como o de pagar alimentos Contudo, o direito sucessório entre pais e filhos por afinidade não é regulamentado pelo código civil. Só existindo a possibilidade hereditária por meio de adoção ou testamento, não sendo possível para o filho afetivo ser herdeiro de seus pais afins quando vierem a falecer. Esta é considerada a maior crítica no direito sucessório em relação ao filho socioafetivo, quando 15 após o falecimento dos pais por afetividade, os filhos pleiteiam o reconhecimento sucessório. Pois, este pedido não deveria ser visto como motivo que o impedisse ou prejudicasse na sua busca pelo direito sucessório, como afirmado pelo artigo de (Silva, Vieira e Machado, 2018, pág.117-118): Os Tribunais do País passaram a reconhecer situações baseada no princípio da dignidade da pessoa humana e da afetividade, acontecimentos que não passassem de suposições no âmbito do direito de família, atualmente se faz realidade na sociedade, inovando e ampliando o conceito referente às entidades familiares, na qual já se tem algumas decisões pautadas neste sentido, em que uma pessoa teria direito ao duplo reconhecimento de paternidade em seu registro de nascimento, colocando lado a lado pais biológicos e pais socioafetivos. A resistência dos juristas é argumentada pela falta de reconhecimento do real desejo da filiação socioafetiva, na qual poderia ser feita via testamento sendo visado somente o interesse patrimonial e não afetivo. Como visto nos parágrafos anteriores, o reconhecimento da filiação é abordado nos artigos 1.593 do Código Civil e 227, §6º da Constituição Federal, uma vez que entre filhos biológicos e socioafetivos não deve haver discriminação. O Código Civil de 2002 norteia as regras e direito da herança a qual é transmitida entre os herdeiros legítimos e testamentários quando da abertura da sucessão, o que segundo a doutrina é chamado de Princípio da Saisine, previsto no art. 1.784 do CC: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Os Herdeiros Testamentários são aqueles que são instituídos por meio de um testamento, independente de terem um grau de parentesco ou não, e os Herdeiros Legítimos, são aqueles que a lei diz que sucedem diretamente, apenas pelo fato de serem filhos, e estes possuem uma ordem que o próprio código define que fica exatamente no Artigo 1.829 CC: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. 16 Visto que o código possui regras para assim determinar quem tem direito a bens, heranças sejam de valor em dinheiro ou sentimental, pode-se chegar ao ponto principal que liga tanto a importância do reconhecimento da multiparentalidade ao direito sucessório. Tratando-se de grau ou relação de parentesco, alguém só poderá ter esse direito reclamado se de fato estiver “legalmente” reconhecido como tal. Se um pai afetivo falece sem deixar testamento, a ordem de vocação para receber a herança deve ser a seguida pelo código, então aquele filho que tinha ligação “apenas afetiva”, sem nenhum registro, por mais que fosse tratado como biológico de fato, ficaria de fora desse direito de herança como aborda Gonçalves (2017). Conclui-se, enfim, que o reconhecimento da multiparentalidade não só na prática do dia a dia, mas com o reconhecimento público, possa entrar na sucessão com os devidos direitos patrimoniais. As regras de sucessão também deverão ser aplicadas na parentalidade socioafetiva, uma vez estabelecida a relação afetiva, iguala-se os parentes sanguíneos e afetivos. Assim depreende-se que ao reconhecer a multiparentalidade e as diversas formas que tratamos anteriormente, este estará protegido e amparado por todos os efeitos sucessórios ao qual deverá ser de seu direito. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa teve objetivo de analisar os reflexos da Multiparentalidade no Direito Sucessório e pode-se entender que tal assunto tem sido motivo de discussões meio jurídico por não haver regulamentação de lei. Durante muito tempo, a sociedade impôs que família é o que advém do matrimônio e reprodução biológica, e escondem o verdadeiro significado, ou seja, o amor filial, o afeto. Os pais socioafetivos e biológicos estão representados por pessoas distintas, mas são igualmente importantes, então um ponto positivo para o meio social e jurídico é a aceitação que esses dois fatores de paternidade existem e sem hierarquia entre eles. A multiparentalidade gera efeitos sucessórios, exemplo disso, é o direito à herança que se dá por meio da não distinção dos filhos sem discriminação como afirma o artigo 227, §6 da CF. Nesse sentido, se incorporam aos herdeiros necessários, quando se trata de sucessão, aplicando as regras do Código Civil de 2002, atualmente como ordenamento jurídico vigente. Contudo, se faz necessário um estudo aprofundado sobre o tema abordado,no qual o objetivo seja evitar injustiças ao julgar tais casos. Assim tende o sistema jurídico brasileiro a se enquadrar a situações de multiparentalidade como forma de cumprir os direitos das pessoas envolvidas, quando estas, em razão da omissão 17 por meio do sistema de direito atual as prejudica, até por uma questão de obviedade não existe um motivo que justifique o meio jurídico, e toda a sua burocracia que já é sabido que existe, não se atentar ou mostrar que cada entidade familiar ou lar tem a sua própria individualidade. Não há porque haver distinção entre a socioafetividade ou a paternidade biológica, não deve haver uma preferência quanto a esse sentido, mas sim de como é sentida e vivenciada. Mais uma vez torna-se claro que os princípios constitucionais devem ser levados a rigor, principalmente aqueles com forte ligação e conveniência com a multiparentalidade, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, pois ele ajuda ainda mais a enfatizar que há uma isonomia entre filhos afetivos e adotivos, esses princípios são importantíssimos para que se evite ao máximo que o sistema jurídico os ignore, pois a intenção é que todas as formas de afetividade seja bem vinda e atendida pelo direito, pois é dessa forma que vários direitos e garantias são aplicados, inclusive direitos e garantias advindos do direito sucessório. 6– REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO ALMEIDA, Maria Christina de. Ivestigação de paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 142. CASSETARI. Christiano Cassetari. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva. Editora Atlas, 2º edição, São Paulo, 2015. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das Famílias. 4 ed. 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