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1 2 índice parte I: várias coisas 1 • conceito............................. 12 2 • trama................................. 34 3 • logline............................... 49 4 • tema................................... 61 5 • herói.................................. 78 6 • vilão................................... 108 parte II: estrutura 7 • a lei................................... 127 8 • monomito........................ 140 9 • segredo dos ninjas......... 151 parte III: epílogo 10 • pronto........................... 163 3 intro 4 Por quê você quer escrever uma história? Porque sim! 5 Histórias são legais: elas contam sobre o drama da nossa existência, sobre a procura interminável pelo amor, sobre a tragédia da mortalidade e sobre robôs lutando kung fu no espaço! 6 Você provavelmente já tentou escrever uma história: você teve uma grande ideia, imaginou o que acontecia na sua história, criou um herói e um vilão, pegou papel e caneta, e se sentou pra escrever tudo aquilo. Você estava a alguns minutos de dividir a sua grande visão com o mundo! 7 Mas depois de 3 horas o seu papel estava mais ou menos assim: E você, mais ou menos assim: 8 Se você tivesse desistido, você provavelmente teria sido bem mais feliz... Mas você sabia que conseguia vencer aquele desafio, então ficou tentando escrever aquilo pra sempre até ficar maluco. 9 Fique tranquilo, acontece com todos. O motivo pra você achar que você consegue escrever uma história é porque você consegue mesmo. Nós ouvimos histórias desde que a gente nasceu. Histórias são tipo um burgui: você pode não saber como se faz um, mas você já comeu vários e sabe quando comeu um burgui ruim e quando comeu um burgui do bão. 10 “Mas se eu sei tanto assim sobre histórias, porque eu falhei miseravelmente quando tentei escrever uma?” Isso é porque você sabe ouvir histórias, mas pra escrever histórias, você precisa conhecer os segredos dos ninjas: segredos milenares e mitológicos que destrancam as portas da sabedoria e te permitem escrever como um verdadeiro campeão. 11 Então pegue aquele papel e caneta de novo e tente esquecer do fracasso que você sentiu quando tentou escrever pela última vez: dessa vez a coisa vai ser séria e você vai chegar no fim da sua história, e aí vai escrever outra história e outra e mais uma – porque vai descobrir que os segredos dos ninjas são bem fáceis e o que te impediu de escrever da última vez era alguma coisa estúpida que você só não sabia ainda. 12 PARTE I: VÁRIAS COISAS 1 conceito 13 O primeiro passo da sua história é uma ideia. Histórias tem começo, meio e fim, personagens, cenários, sequências de lutinha com explosões e a sua ideia pode ser qualquer uma dessas coisas – a sua ideia pode ser o fim da sua história ao invés do começo. Não tem problema: você pode começar por qualquer lugar. 14 Mas não importa por onde você comece, o que você precisa pra se lançar nessa incrível jornada de escrevimento (???) é uma... ~~~visão ~~~ 15 Histórias caem do céu: elas aparecem do nada na sua cabeça porque o seu cérebro viu um punhado de coisas e juntou tudo e, por um segundo, ele criou essa imagem incrível de um universo fantástico em que heróis vivem grandes aventuras onde coisas que você nunca tinha imaginado antes acontecem. 16 Agora, eu sei o que você deve estar pensando: “Histórias caem do céu?! Como assim? Eu achei que você ia me contar como eu faço pra escrever! Cadê os segredos dos ninjas?!” Mas esse é o primeiro segredo dos ninjas: histórias vem de uma imagem estranha na sua cabeça. Guarde essa imagem. Tudo o que você precisa está nela. 17 A imagem na sua cabeça é o Conceito da sua história: é o aspecto geral de tudo o que você quer contar. Se você olhar a sua história de longe, o que você vê é o seu conceito. Por exemplo: se você estivesse escrevendo Alien o seu conceito seria “várias pessoas presas numa nave com um monstro assassino.” 18 Se você estivesse escrevendo Metal Gear, seria “um homem tímido tenta deter um robô gigante.” Se você estivesse escrevendo Transformers, seria “robôs que se transformam em carros.” 19 Se estivesse escrevendo Pokémon seria “tráfico de animais & rinha de galo. E se você estivesse escrevendo Tartarugas Ninjas, seria “tartarugas ninjas.” 20 Então pense na sua ideia: o que você enxerga quando imagina a sua história? E como você escreveria isso em pouquíssimas palavras? Não, não, não! Não conte quem está fazendo o quê! Aqui a gente quer só o conceito: a ideia geral da sua história, o universo em que ela se passa, o que ela tem de diferente de todas as outras histórias, uma coisa bem curta e grossa que conte sobre o seu projeto, tipo... 21 Star Wars pode ser sobre qualquer coisa: dá pra contar qualquer história com o conceito “tretas no espaço”, mas isso já diz muito sobre o que essa história não é – e é mais ou menos isso que você quer quando definir o conceito da sua história. O mesmo vale pra Dragon Ball: tem 7 coisas espalhadas pelo mundo que, quando reunidas, invocam um dragão que realiza qualquer desejo. A história podia ser sobre qualquer um – nada no conceito fala sobre o Goku ou a Bulma ou sobre Deus ser um E.T. morando numa torre... 22 Conceitos são uma imagem que conta como é a história sem dizer qual é a história. Por exemplo, o pôster de Era Uma Vez no Oeste: São 3 caras armados virados pra um outro cara armado e todo mundo usa chapéu e bota: é um western e tem treta! Eu não sei sobre quem é ou o que acontece, mas o conceito da história tá todo ali. 23 Você também pode definir o conceito da sua história como uma mistura de duas histórias. Isso é bem útil porque fica muito mais fácil de entenderem o que você está imaginando e também porque provavelmente foi assim que você teve a ideia (o pessoal da Pixar tem ideias assim o tempo todo! Eles olham pros brinquedos e pros carros e pros ratos e pros peixes e pensam “o que essas coisas devem estar pensando agora?” e aí eles escrevem um filme). Ideias são um remix de outras coisas que você já viu, então não fique com vergonha, vai lá e fala logo de onde você tirou essa ideia! 24 Por exemplo, Avatar nada mais é que... (ou “Dança com Lobos no espaço.”) E Mr. Robot é... E Velozes & Furiosos é... 25 O mais importante sobre o seu conceito é que ele precisa ser: Você quer que ele seja interessante porque você quer explodir a cabeça das pessoas com o quão incrível é a sua história! 26 E você quer que seja fácil de explicar, porque se não, ninguém vai entender nada... 27 Se você souber qual o conceito da sua história, pense em qual gênero ela se encaixa melhor. Se for sobre cowboys roubando um banco, ela é um western. Se for sobre piratas espaciais tentando roubar o clone de uma princesa, é uma ópera espacial. 28 Se for sobre dois jovens descolados encontrando o amor, é uma comédia romântica. Mas se for sobre esses jovens em busca do amor num universo paralelo, aí pode ser uma ficção científica. 29 Quando encontrar o gênero da sua história, vá atrás de todas as obras desse gênero que você gosta (filmes, livros, jogos) e encontre os pontos em comum neles. Você quer que a sua história seja diferente, mas que tenha características em comum com aquele gênero – pra que o seu público reconheça a sua história como uma ficção científica, uma fantasia ou seja lá qual for o gênero que você esteja escrevendo. 30 Por exemplo: Se você está escrevendo uma história de terror, você precisa de muitas vítimas e um “monstro”. Se você está escrevendo um mistério, sua história precisa de um crime e um monte de suspeitos. E se estiver escrevendo uma história infantil, não pode ter palavrões ou sangue. 31 Claro que esse é um ótimo momento pra ser criativo: você precisa encontrar os clichês do seu gênero, mas a sua história pode romper as barreiras dele. Nada impede um slasher (Sexta-Feira 13)... de acontecer no espaço(Alien). 32 Dragon Ball, por exemplo, é a história de um menino com rabo de macaco voando numa nuvem (baseado no personagem de A Viagem ao Oeste) que encontra uma menina com um radar e cápsulas que se transformam em motos, carros e aviões. Desde o primeiro momento, Dragon Ball mistura elementos de ficção científica (viagens espaciais, robôs, androides, viagens no tempo, alienígenas) com elementos mitológicos (dragões, múmias, bruxas, desejos, feiticeiros, Deus). 33 Faça o que quiser com a sua história, mas certifique-se de que tudo funciona em conjunto. E na dúvida, lembre-se: 34 PARTE I: VÁRIAS COISAS 2 trama 35 Você tem um conceito: uma imagem de coisas acontecendo. Esse conceito pode contar infinitas histórias: “juntar 7 esferas mágicas para fazer um pedido” pode ser o pano de fundo pra qualquer história (ao invés de ser sobre alienígenas com rabo lutando pra defender o universo, esse conceito podia ser aquele filme do Nicolas Cage caçando tesouros nos Estados Unidos). Mas pra esse conceito virar uma história, você precisa de uma trama – você precisa de conflito. A trama é feita de duas partes: 36 A trama começa com a intenção: ela é a missão do protagonista na sua história. A intenção costuma combinar com o gênero da sua história: se você estiver escrevendo um western, a intenção do protagonista pode ser livrar a cidade de um xerife corrupto. Mas se você estiver escrevendo uma ficção científica, é melhor você arrumar uma intenção um pouco mais de acordo com o seu cenário... 37 Então não precisa pensar no que o seu personagem quer, pense na história que você quer contar: quando você imaginou o seu conceito, você enxergou pessoas lutando, carros correndo, cachorros fugindo, jovens matando aula... Use essa imagem pra criar a intenção do seu personagem, porque é isso que vai levar a sua história até onde você imaginou. 38 Sua história conta sobre alguém lutando pra conseguir alguma coisa, ou você não contou uma história. A gente quer emoção, bombas, chutes na cara, decepções, corações partidos! Ninguém assiste um jogo de futebol com um time só – a gente quer conflito! Lembra de como o seu conceito explodiu a cabeça daquele cara? A sua história tem que provar que aquele conceito era realmente um explodidor de cabeças – a sua trama tem que extrair dele tudo o que a frase “pudim assassino” (ou o que quer que seja o seu conceito) prometeu. O seu conceito é um trailer. A sua trama é o filme: não decepcione os seus fãs. 39 O jeito mais curto de definir a sua trama é: “Alguém quer alguma coisa, mas algo o impede” Nessa frase a gente tem tudo o que o Aristóteles e o Aaron Sorkin acham necessário pra uma história: 40 O seu protagonista é o seu herói – é ele que nós estamos assistindo – e ele quer muito alguma coisa. Mas ele precisa ser impedido. Sabe por que? Porque a gente tá assistindo. E a gente acredita no herói. Mas a gente sabe que nada na vida vem de graça. Então esse cara não pode conseguir o que ele quer sem nenhum esforço! Se o Pudim Assassino conseguir matar todo mundo e for pras Bahamas sem ninguém correr atrás dele, a história é péssima! Ele precisa escapar pras Bahamas. 41 Se você tiver um protagonista, uma intenção e um obstáculo, você tem um conflito: o conflito é a sua história. Se a história é sobre um piloto (protagonista) que quer vencer um grand prix (intenção) mas precisa ser mais rápido que todos os outros pilotos (obstáculo), nós queremos ver a corrida (conflito) – e o conflito só existe se o protagonista tiver um obstáculo. 42 Se você estivesse escrevendo Duro de Matar, o obstáculo seriam os terroristas alemães (vilão arquetípico)... ...se estivesse escrevendo Romeu & Julieta, o obstáculo seria o quanto as famílias deles se odeiam (amor proibido)... ...e se você estivesse escrevendo A Viagem de Chihiro, o obstáculo seria a indústria hoteleira. 43 O obstáculo tem que ser tão grande quanto a intenção: se o seu protagonista quer tomar banho, o obstáculo pode ser a falta de luz ou água... Se o seu protagonista quer salvar o mundo, o obstáculo tem que ser um meteoro gigante que vai extinguir a raça humana. O importante é que o protagonista PRECISE vencer os obstáculos – ele não pode desistir de tomar banho! 44 Enquanto a sua intenção e obstáculo tem que ser proporcionais, o seu protagonista pode ser o que você quiser! Se o seu conflito for “salvar o mundo”, o seu protagonista pode ser tanto o super-homem... ...quanto o Frodo. 45 O que muda de acordo com a escolha do seu protagonista são as táticas. As táticas são as opções que o seu herói tem à disposição para vencer o obstáculo. O Super-Homem é super forte, super resistente, ele voa, tem visão de raio- x, visão de calor, sopro gelado e pode ficar sem camisa no espaço. O Frodo tem um anel que deixa ele invisível, mas que ele não pode usar porque deixa ele gripado e atrai os piores inimigos. 46 Se o Super-Homem tivesse que levar o anel pra Mordor, essa seria uma história com nenhum conflito, porque nada na Terra Média consegue bater nele. E seria um problema se o Frodo tivesse que lutar com o Apocalypse... 47 “Mas você disse que o protagonista não precisa ser proporcional ao obstáculo! O Super-Homem é totalmente proporcional ao Apocalypse! Por que o Frodo não pode lutar com o Apocalypse?” Porque o Super-Homem não tem que “derrotar o Apocalypse” ele tem que “salvar o mundo” – a mesma missão que o Frodo tem. Se o Frodo tivesse que salvar o mundo do Apocalypse, ele faria isso de um jeito que não incluiria bater nele até a morte, porque as táticas do Frodo são outras. 48 Escreva um protagonista com táticas capazes de vencer o obstáculo; e um obstáculo proporcional à intenção. 49 PARTE I: VÁRIAS COISAS 3 logline 50 A internet está cheia de vídeos de gatinhos. Cheia. Tipo, entupida deles. Se você dedicasse a sua vida toda a assistir vídeos de gatinhos, eu duvido que você conseguisse ver todos antes de morrer. A pergunta é: por que é que alguém ia querer ouvir a sua história se já existem tantas coisas incríveis pra ver? Coisas que eu já sei que vou gostar! 51 Vamos dizer que alguém pense em ouvir a sua história. Você tem uns 3 segundos pra convencer aquela pessoa de que a sua história vale a pena. A sua história é um filme ou uma animação ou um quadrinho ou um livro – você provavelmente vai ter uma capa ou desenhos ou um trailer pra mostrar pras pessoas e te ajudar a vender essa ideia. Mas vamos imaginar que você só possa usar as suas palavras – porque imagens são promessas vazias. 52 Coisas que você não vai (em hipótese alguma) falar nessa hora: Ninguém liga se você escreveu sobre você mesmo, porque ninguém liga pra você! A gente não vai achar que uma história sobre a sua vida é uma boa história se a gente não sabe nada sobre a sua vida. Se a sua história é baseada em outra coisa mais famosa, eu vou querer ler essa outra coisa! 53 Ninguém liga pro making of de uma história que não importa – o processo não quer dizer nada! Se eu gostar muito da história, só aí eu vou querer saber como foi feito. Se eu ainda não ligo pra sua história, eu ligo menos ainda pras ideias de onde ela surgiu. 54 Mas então o quê você diz? Você diz qual o conceito, qual o protagonista, qual a intenção e qual o obstáculo. Mas não desse jeito... O que você quer é uma frase que resuma toda a sua história – uma frase que conte “quem está fazendo o quê, e o quê a impede.” Essa é a ... 55 A logline é uma frase que diz qual é a história que você quer contar: pra você ela é um mapa do seu projeto – ela conta o eixo da sua história; para o resto do mundo, ela é a resposta para a pergunta “será que eu vou gostar disso?” Você quer que a sua logline seja mais ou menos assim: “Ao ter a sua honra questionada, o robô RX-02 desafia o príncipe dos robôs, SS-14 para um duelo, mas sua fama de alcoólatra coloca todos contra ele na estaçãoespacial”. 56 Bom, vamos ver o que rolou aqui... “Ao ter a sua honra questionada” é o evento que leva ao conflito, mas ele também conta qual é a intenção do protagonista: reaver a sua honra. “Robô” conta quem é o protagonista, assim como “príncipe dos robôs” conta quem é o adversário e um pouco da relação de poder entre os dois – afinal, um deles é um príncipe e o outro não. 57 “Duelo” sugere um conflito, mas enquanto essa seja a forma na qual o conflito vai ser representado, existe outro drama rolando nessa logline: O que causa o conflito é terem questionado a honra do RX-02, mas depois nós descobrimos que ele tem uma “fama de alcoólatra” e que isso colocou “todos contra ele” – isso é uma revelação para nós, mas também para o RX-02, afinal o adjetivo do protagonista não era “alcoólatra”, era “robô”. Por isso o “mas” no meio da frase é tão importante: é o momento em que tanto o RX-02 quanto nós (o público) descobrimos que ele tem um problema com álcool – o meio da história. 58 O conceito da história era “robôs lutando no espaço”, mas o que a logline conta é que a trama é de um robô perdido na vida, que acha que conflitos são resolvidos na porrada. O fato de ‘todos estarem contra o RX-02’ estar na logline, mostra o quanto esse momento é importante para a história: o protagonista pensava que reconquistaria a sua honra vencendo um duelo, mas descobrir que todos estão contra ele por ele ser um bêbado infame, mostra que a resolução do conflito não está no mundo lá fora... mas dentro de si mesmo... Ah, é: “na estação espacial” conta onde a história se passa... 59 Essa é a história de um robô desandado que tenta reconquistar as rédeas da sua vida. O começo da história é ele sendo ofendido pelo príncipe, o segundo ato começa quando ele desafia o príncipe para um duelo, o meio da história é quando ele descobre que ninguém gosta dele e a segunda parte do segundo ato é quando ele assume que tem um problema – nós sabemos quase toda a história só pela logline. Tudo o que resta saber é o fim – e é pra isso que as pessoas vão querer ler a sua história. 60 Então pense em tudo o que você sabe sobre a sua história (intenção, obstáculo, conflito) e escreva essa história em uma frase que conte tudo – guarde só o final. 61 PARTE I: VÁRIAS COISAS 4 tema 62 Se você já está cansado de regras que não envolvem “sentar e escrever a sua história” e não aguenta mais essa coisa de “conflito”, “trama” e outras palavras idiotas, se prepare, porque esse capítulo vai ser especialmente horrível pra você. Se tem uma coisa que a história do RX-02 pode provar, é que mesmo quando você parte de um conceito imbecil tipo “robôs lutando no espaço”, você pode escrever uma história dramática, séria e profunda. Não na superfície – a superfície ainda tem robôs lutando no espaço – mas no subtexto. 63 O trailer e o pôster do RX-02 prometem robôs lutando no espaço – esse é o conceito e dele nós podemos escrever qualquer história. No caso, a história do RX-02 era a de um alcoólatra que descobria que perdeu o rumo da vida e que todos o odiavam. Isso é falsidade ideológica? Não – desde que o RX-02 acabe lutando com algum robô no espaço sempre que alguma coisa importante acontece. 64 Por sorte, nós sabemos exatamente onde as coisas importantes acontecem. Então em todos esses momentos, robôs vão lutar no espaço – é só fazer com que a sua trama te guie até esses momentos e está tudo certo. O que você precisa agora é que esses momentos signifiquem algo além de ‘robôs lutando no espaço’. Imagina que ao invés de robôs são carros e que ao invés de lutarem, eles batem um no outro. 65 Carros batendo, coisas explodindo e robôs lutando são incríveis mesmo quando você não sabe quem é quem ou o quê está em jogo. E, que fique bem claro: a sua história pode ser só uma sucessão de carros batendo – a sua história pode ser sobre o que você quiser! Mas se a sua história for só um monte de carros batendo, ela vai ser um lixo e você vai ser um péssimo escritor. 66 Histórias não são vídeos de gatinhos fofos. Esses são ótimos vídeos, mas eles não duram 2 horas por um motivo: ninguém se impressiona com o quanto um gatinho é fofo por tanto tempo. Se você quiser prender a atenção de alguém por todo esse tempo, você precisa fazer as pessoas acreditarem nos personagens, torcer por eles e crer que a vida daquelas pessoas fictícias importa. 67 Histórias são feitas de texto e subtexto: eu vejo uma luta entre duas pessoas – mas o que aquilo significa? SIM! Ninguém viu Dragon Ball pra ver se eles iam pedir a paz mundial quando reunissem as esferas do dragão, ou pra ver se o Goku era um bom pai, ou pra torcer pro Gohan realizar o sonho de virar um cientista. Mas essas coisas eram importantíssimas quando eles estavam lutando! 68 Sua história tem um número de cenas e todas elas precisam de um significado, para que o seu público invista as próprias emoções nos seus personagens. Em cada cena, o seu personagem deve estar em algum momento diferente da jornada, de forma que, no final, o significado de todas as cenas juntas, seja um só. 69 No fim das contas, sua história é só um veículo carregando o seu ponto de vista sobre alguma coisa. Se você estiver de bom humor, sua história vai ter um ponto de vista otimista; se você estiver puto da vida, sua história vai ter um ponto de vista trágico e tenebroso. Mas não importa como você esteja, a sua história é sempre o seu ponto de vista. Então aceite essa condição e use isso pra deixar a sua história ainda mais forte – se você acreditar no que os seus personagens dizem, eles serão intensos e inquestionáveis! 70 A visão de mundo que você coloca na sua história (através do significado por trás das suas cenas e personagens) é o seu tema. O tema é a mensagem na sua história – você contou sobre os robôs lutando, mas o que você quis dizer com isso? Se você não tinha nada pra dizer (primeiro que a sua história deve estar uma chatice, porque todo mundo tava falando coisas, mas ninguém falava sobre o mesmo tema, então todas as conversas eram só conversas, sem nenhum propósito; depois que) a sua história é, na melhor das hipóteses, um longo vídeo de gatinhos fofos... 71 ...(quem são esses gatinhos? por que eles estão aí? quais são as consequências deles serem tão fofinhos?) ...ou um longo vídeo de carros batendo (quem estava nos carros? quem sobreviveu? o que levou os carros a bater?) ...ou um filme dos Transformers (???????) 72 Para deixar claro (tanto pra você quanto) pro seu público qual é o tema da sua história, use o começo da sua história para plantar esse tema no diálogo dos seus personagens. Gladiador é sobre um ex-general que volta para vingar a mulher e o filho, mas só consegue vencer seu inimigo quando aceita lutar para transformar Roma numa república novamente, ao invés de só conseguir vingança. O tema de Gladiador é “legado” – a gente sabe, não só porque ele vence ao deixar de lado a vingança pessoal e lutar pelo futuro de Roma, mas porque no início do filme ele dá um discurso pro exército que diz... 73 Interstellar é um filme sobre a vida após a morte – é a história de um homem que parte rumo ao desconhecido e se comunica com a própria filha lá do mundo dos mortos. Eles chamaram todo astrofísico no planeta pra contar sobre como a ciência no filme é perfeita, mas Interstellar é sobre o que há depois da morte – é o filme mais espírita desde Amor Além da Vida. Tem até aquela sequência em que eles continuam jovens, mas os vivos (a galera que ficou na Terra) envelhece. Tudo naquele filme tem forma (astronautas, física, espaço) e conteúdo (morte, fantasmas, paraíso): tudo parece uma coisa, mas é outra. 74 Histórias são um conjunto de cenas e personagens unidos por um tema – a sobreposição do texto e do subtexto é que cria a história. É como um sorvete de Flocos: as suas cenas são o chocolate e o seu subtexto é o sorvete de creme – sem atrama, é só um sorvete bem sem graça; mas sem tema, não é mais um sorvete. 75 Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, conta a história de uma menina com uma roupa exótica, tomando decisões questionáveis que a levam a um vilão terrível que destrói tudo o que ela ama – mas aí aparece um cara que salva todo mundo. A protagonista frágil, a roupa vermelha, o lobo mau, a avó, os doces, a floresta, o caçador... tudo isso é só o marketing da história. Esses elementos da história estão aí pra entreter as crianças, quando na verdade o que os pais estão dizendo é: 76 Sem o tema, a sua história é só um monte de personagens que falam e fazem coisas que não tem significado nenhum... ...mas sem a trama, a sua história é só você gritando sermões igual um maluco. 77 A trama e o tema precisam trabalhar juntos e em doses iguais, de um jeito que você entretenha o seu público ao mesmo tempo em que transmite o seu ponto de vista. Só assim você tem uma história – uma que as pessoas vão gostar de ouvir. 78 PARTE I: VÁRIAS COISAS 5 herói 79 O protagonista de uma história, é aquele que leva a história a diante; o herói; aquele que realiza grandes feitos e transforma o mundo ao seu redor. Ele é assim: O problema é que nós estamos assistindo e nós só vamos investir as nossas emoções em alguém com quem a gente se identifique, alguém como a gente... alguém assim: 80 Então vamos rever esse conceito: quem é o protagonista da história? O protagonista da história somos nós. A história serve para nos contar alguma coisa, mas nós só vamos ouvir se, num nível subconsciente, aquilo estiver acontecendo com nós mesmos. O que quer dizer que o seu protagonista tem que ser... um total perdedor. 81 Nós temos um sentimento chamado empatia que serve pra simular viver uma situação no lugar de outra pessoa (ou animal, ou... coisa, qualquer coisa). Se o seu protagonista é melhor que eu, eu não quero me colocar no lugar dele – eu quero vingança. Eu quero que ele saiba que nós dois somos perdedores fracassados (porque é assim que as pessoas se sentem a maior parte do tempo). 82 Mas se o seu protagonista for um perdedor fracassado... ...aí nós ficamos tristes por ele – e nós só ficamos tristes por alguém quando nos colocamos no lugar daquela pessoa. E tudo o que você quer é que o seu público se coloque no lugar do seu protagonista – todo o envolvimento, todo o investimento emocional vem dessa relação. 83 Ok, seu protagonista não precisa ser um completo inútil – na verdade ele pode até ser incrível. Mas você precisa nos aproximar dele: Se ele for apresentado como uma criatura super forte, mega-popular e a pessoa mais bonita na face da Terra... ...dê um motivo pra gente gostar dele. 84 O House, por exemplo: ele é um misógino, grosso que xinga todo mundo... ele tá sempre chapado, não obedece nenhuma regra e é totalmente irresponsável... Mas ele salva vidas, está sempre sentindo dor e anda com uma bengala... 85 Se nós gostarmos do seu herói – se nós nos colocarmos no lugar dele, se nós formos o seu protagonista – ele pode fazer virtualmente qualquer coisa antes que a gente seja obrigado a se distanciar dele e torcer pra ele se dar mal. 86 Agora que nós gostamos do seu protagonista, vamos ao que interessa: ...ainda não. O que interessa é como esse seu protagonista se encaixa na sua história. Não importa o quanto a gente goste dele, se ele não se encaixa no seu conceito, na sua trama e no seu tema, esse personagem nasceu em vão. 87 Em primeiro lugar, o seu herói tem que se dar bem com o seu conceito: assim como a intenção e o obstáculo precisam ser proporcionais, o protagonista precisa estar alinhado com tudo na sua história. Agora vamos imaginar a história do Pudim Assassino: (para esse exemplo nós vamos fazer de conta que o Pudim é o vilão – mas um personagem com essa profundidade dramática é claramente o protagonista.) Se o eixo da sua história inclui um pudim assassino, não tem porquê o seu herói ser um veterinário. 88 Mas o seu herói pode ser um confeiteiro – o único capaz de deter uma sobremesa fora de controle, é um chef que faz doces. Parece ridículo, mas é o equivalente a um policial ir atrás de um criminoso: faz sentido. Não quer dizer que a ligação precise ser tão forte e tão óbvia. O protagonista de Dragon Ball pode ser qualquer pessoa com um desejo impossível. Mas o Goku não quer nada – ele embarca nessa aventura porque uma das esferas pertencia ao seu avô e é muito especial pra ele. 89 Não importa o quão óbvio ou sutil, faça com que o seu protagonista esteja ligado a todos os elementos da sua história, afinal, é a história dele que nós estamos assistindo – se ele não tem nada a ver com alguma coisa, não tem porque essa coisa estar nessa história. Muito bem! O seu herói já é nossa pessoa favorita e você já garantiu que ele está investido em tudo na sua história: o que ele faz agora? Bom... eu tenho uma lista de coisas que ele tem que fazer... 90 Pra ser um herói, o seu protagonista precisa: 1 - Ele precisa tomar decisões sozinho: O seu herói é o dono do próprio destino. Ele pode ser um pau mandado no começo da história, mas a primeira coisa que ele precisa fazer é escolher mudar de vida e tomar o controle da situação. 91 O protagonista vai ser confrontado por eventos que o forçam a tomar essas decisões. Ele não acorda um dia e resolve fazer coisas: as coisas são oferecidas para ele e elas tem um preço. Ele precisa escolher entre continuar vivendo a vida medíocre que ele tem hoje, ou virar a pessoa que ele sempre quis (e pagar o preço para se tornar essa pessoa). Quanto mais decisões o protagonista for forçado a tomar, mais nós vamos saber quem ele realmente é. Por exemplo, se a intenção do herói é salvar uma princesa, decidir salvá-la é fácil. 92 Mas depois que ele começa a jornada é que as decisões vão ficando complicadas – o preço a se pagar pra cumprir a intenção do protagonista vai ficando mais e mais alto. Vamos dizer que o seu herói seja um cara tentando impressionar uma garota que ama cãezinhos, mas ele odeia animais: jogue mil cachorros em cima dele fazendo as piores coisas possíveis – quanto mais cocôs e mordidas ele enfrentar sem chutar nenhum cachorro, mais ele prova que realmente faria tudo por ela: o herói só é um herói, quando a intenção é mais importante que ele mesmo. 93 2 - O seu herói precisa lutar para vencer os obstáculos: O herói já é uma boa pessoa só por escolher a aventura – a intenção é o que conta, porque essa escolha nos diz o quanto ele é altruísta ou corajoso. Mas os obstáculos vão fazê-lo questionar essa decisão e ele precisa continuar em frente para alcançar o objetivo e tornar-se um herói. O preço que ele paga ao percorrer a jornada só pode ser pago por ele: se outra pessoa luta no seu lugar ou se a solução para vencer um obstáculo cai do céu, ele não é um herói. 94 Se o seu herói alcançar a vitória, ele precisa ser inteiramente responsável por isso: tudo o que faz com que ele vença tem que ser conquistado por ele e vindo de decisões tomadas por ele. Pense que a intenção é fincar uma bandeira no Everest; o obstáculo é subir o Everest: o herói precisa escalar a montanha. Ninguém pode fazer isso por ele; ele não pode pousar de avião no topo, não pode rolar teletransporte e ele não pode ser carregado por outras pessoas até lá. Ele pode receber ajuda: alguém pode trazer um tanque de oxigênio, ajudá- lo a levantar quando cair, mas é o protagonista que tem que chegar até lá e fincar aquela bandeira. 95 3 - Ele precisa ser capaz de mudar: O seu herói era um fracassado. Ele decidiu embarcar numa aventura, enfrentar seus medos e venceu os obstáculos que o levaram ao seu destino. O personagem que nós conhecemos no início da história é diferente desse: o cara no final viveu aventuras, conheceu pessoas, sofreu e aprendeu coisas. Ao final da história, ele tem uma nova visão do mundo e de si mesmo – uma que permiteque ele possa mudar. Se ele era um velho resmungão no começo, no final (depois de adotar um filhote e ajudar uma criança) ele pode ser um velho simpático que aprecia a vida, aplaude o pôr-do-sol e tatua “carpe diem” com um símbolo do infinito no pulso. 96 Mas o que você quer no fim da sua história é um herói capaz de mudar – ele não precisa mudar, ele só precisa ter essa opção. Porque, imagina a história em que esse velho rabugento adota filhotes e ajuda crianças. Ele era um cara chato que odeia tudo, aí ele é confrontado pela fofura de cãezinhos e pela energia contagiante de fazer o bem. Você consegue enxergar uma mensagem por trás da história que diz “Seja mais feliz! Aproveite seus dias na Terra! Carpe diem!” Mas e se mesmo depois disso tudo, o velho decide dar o cachorro e manda a criança nunca mais aparecer perto da casa dele? 97 Se o seu protagonista era um homem triste que encontrou a felicidade, mas escolhe voltar para as trevas rancorosas em que ele vivia quando tudo isso começou, o que isso diz sobre o seu personagem? Qual é o seu tema, se esse é o fim da sua história? Se você quer que a sua história tenha um final trágico e horrível, você pode fazer o que quiser: escreva o que o seu coração mandar. Tudo o que importa é se a história funciona. Se as escolhas do seu personagem refletem o seu tema e se nós podemos ver como e porquê ele tomou essas decisões, você pode levar a história para onde quiser. 98 Pense assim: o seu herói é um surfista num mar onde nada acontece. De repente, surge uma onda – ela pode levar o surfista para um lugar melhor, ou pior, mas ele sabe que essa onda é a única esperança que ele tem de mudar de vida. Ninguém sabe quando outra onda virá (ou se virá): é agora ou nunca! Mas ele ainda precisa remar para conseguir pegar a onda – não é só se deixar levar, ele precisa se esforçar para aproveitar aquela oportunidade. 99 Quando finalmente consegue surfar aquela onda, ele descobre que tem um preço a pagar pra que ela o leve embora do marasmo: Ele precisa se equilibrar e permanecer de pé; ele precisa se manter sempre em frente, para não ser deixado para trás; e quando uma parte da onda quebrar, ele precisa estar na direção certa para não ser derrubado por ela... Mas ele está surfando a onda. 100 A onda é o chamado. Ela é a única coisa que é “dada” ao protagonista, mas ela surge na vida dele porque ele estava no lugar certo, na hora certa: a vida dele o preparou para encontrar aquela onda. Então o surfista decide surfar a onda porque continuar no marasmo está fora de cogitação – ele precisa mudar de vida. Mas ele precisa decidir surfar a onda e remar para que ela não passe por ele – só a escolha não é suficiente, ele precisa lutar por essa chance. Quando ele finalmente pegar a onda, ele vai descobrir que ela pode levá-lo para outro lugar, como ele queria, mas que ele vai ter que se esforçar para não ser derrubado ou deixado por ela. Mas ele sabe que é capaz, porque ele tem táticas perfeitas para lidar com aquela situação: ele só precisava da oportunidade ideal e da coragem para tentar. Onde quer que a onda o leve, quando chegar lá o surfista vai ter aprendido sobre si mesmo e sobre o mar que o cerca – coisas que ele nunca aprenderia se não tivesse pego a onda. No começo da história, seu protagonista tem um desejo: ele quer muito alguma coisa. Ele quer mudar de vida, ele quer bater em alguém, ele quer conquistar um amor, ele quer ser campeão do mundo... 101 Mas, paralelo a esse desejo, o seu herói tem uma falha: existe alguma coisa faltando nele, alguma coisa que ele precisa aprender, aceitar, descobrir ou conquistar e que vai permitir conquistar o seu sonho. Então vamos dizer que o seu herói é uma mulher que sonha em encontrar um marido que a ame tanto quanto ela ama os seus 11 gatos. As táticas que ela tem são “ser bonita, simpática e elegante” – ela tem que impressionar alguém que queira ficar com ela. 102 Aí ela conhece um cara, ele é demais, os dois estão felizes juntos e ele a pede em casamento! Mas quando eles estão comemorando que vão passar a vida juntos, ele diz que ela finalmente vai poder deixar de ser uma louca dos gatos e ter uma vida feliz. E é nesse momento que ela percebe que, por mais que ela queira um amor na vida dela... ela também ama os gatos. 103 Na verdade, ela já tinha um amor! Ela tinha 11 gatos! Todo mundo disse que ela precisava se casar e que ninguém ia querer uma mulher com 11 gatos, aí ela achou que o desafio era encontrar alguém que a aceitasse pelo número de gatos que ela tinha... Então ela se esforçou pra enfrentar os obstáculos que a separavam do seu sonho e se tornou a pessoa que ela achava que precisava ser. Mas essa não era ela e o sonho que ela achava que tinha, não era o que ela queria. 104 O que ela queria era ser amada, mas depois de pagar o preço para encontrar a felicidade e provar tudo o que ela sempre achou que quis, ela descobriu que ela só precisava amar a si mesma! O seu protagonista tem um desejo (a intenção): Mas ele tem uma falha: 105 Depois de enfrentar os obstáculos, o herói acaba confrontando a falha que ele tem e finalmente descobre como conseguir o que ele deseja. No caso da mulher dos gatos, ela claramente precisava aceitar que ficar em casa assistindo séries com os gatos no sofá de pijama é mais legal do que usar maquiagem e fingir ser outra pessoa pra tentar impressionar alguém. No fim da história ela vai estar no mesmo lugar do começo (em casa com gatos), mas ela mudou: o mundo ao redor dela parece o mesmo, mas como ela o encara é outro. Ela toma decisões sozinha, luta para vencer os obstáculos e decide mudar para encontrar o que realmente quer. 106 A falha pode ser algo que o herói desconhecia ou algo que ele negava. O importante é que o conflito o leve não só a descobrir ou encarar essa falha, mas também ser capaz de mudar quando isso acontecer – ver o mundo de outra maneira e tomar novas decisões. (Fazendo esses desenhos eu reparei que essa é a trama d’O Diabo Veste Prada – a Anne Hathaway sonhava em ser uma grande jornalista, aí ela vira uma diva fashion e larga tudo pra ser uma jornalista de novo. Só que, desta vez, com toda a experiência que ela conseguiu sofrendo no segundo ato). 107 • Escreva um herói que tem um grande desejo sem o qual a vida dele não faz sentido. • Faça ele agarrar a oportunidade que surgir na frente dele. • Faça ele sofrer e pagar o preço por querer mudar de vida. • Mas recompense o seu herói com sabedoria e novas habilidades. • Quando chegar a hora de voltar para o mundo real, veja o que o seu herói vai decidir fazer com todo o conhecimento que ele adquiriu. • A decisão final do seu personagem, em contraste com tudo o que ele viu, decidiu e viveu é o tema da sua história. 108 PARTE I: VÁRIAS COISAS 6 vilão 109 A cara da sua história é o seu herói – ele vai viver experiências no lugar do público e enfrentar questões complexas a fim de revelar o tema da sua história (e a sua visão do mundo). Mas para ser confrontado por situações que o questionam e o forçam a tomar decisões, ele precisa de obstáculos. Se você estiver escrevendo a história de um cara que fica com o braço preso debaixo de uma rocha, o seu maior obstáculo vai ser incorporado... pela rocha. Mas se você tiver mais gente na sua história, seus obstáculos se concentram num vilão. 110 Agora... eu estou usando a palavra “vilão”, mas o que você quer mesmo é um “adversário”: mais que um obstáculo, ele é uma força opositora. Se o seu herói é a Madre Teresa, o adversário é um cara cutucando ela o tempo todo, falando “ahaha” sem parar... ...até ela dizer... ...e aí o vilão pode dizer “uau, parece que você não era tão boazinha assim, hein...” 111 A sua história é um debate: cada elemento nela é um argumento. Cada personagem representa um lado desse argumento – todos eles. Se um dos seus personagens não representa um argumento no seu debate,tire ele da história, ou faça ele entrar nessa disputa. Se você está escrevendo um western sobre uns caras roubando um banco, você está perguntando: “Será que roubar bancos é a resposta para os nossos problemas?” 112 Quando você faz essa pergunta, você está perguntando pro seu público. AUTOR Ei, será que a gente devia roubar bancos? PÚBLICO Uau, eu não sei. Isso certamente é relevante para a minha vida. Resolveria muitos dos meus problemas. Será que a gente devia? AUTOR Leia essa história e vamos descobrir! 113 Se a sua história é uma pergunta, um dos seus personagens representa o “sim” e outro representa o “não”. Como você deve imaginar, o “não” é o vilão. O adversário sempre responde “não” para o tema da história. E o herói é o... O herói é o “talvez”. 114 Se o adversário é o “não”, por que diabos o herói não seria o “sim”? Porque nós estamos falando da relação entre os personagens e o tema, não entre um personagem e o outro. Lembre-se: o herói é o público. O herói somos nós – e nós estamos vendo essa história para descobrir a resposta para a pergunta que você escreveu. É por isso que o herói é o talvez – ele acha que “sim” (se ele achasse que “não”, ele não embarcaria na aventura), mas ele (assim como nós) ainda não sabe. Ele é o “talvez”. Se ele tiver um mentor – alguém que manja dos paranauê e guia ele pela aventura, esse personagem é o “sim”. 115 Então se a sua história pergunta se a gente devia roubar bancos, nós (o público) vamos assistir o herói (nós) roubando bancos pra ver se essa é a resposta pra sua (nossa) vida. Quem é o adversário? Já que é um western, o vilão é o xerife, mas de maneira geral, se o protagonista é um ladrão, o adversário é a polícia. “Polícia” e “ladrão” são só as formas em que os seus personagens aparecem e que dependem do gênero e do conceito da sua história. No fundo eles são todos elementos da questão que o tema da sua história trata – mas se eles tivessem a forma do seu significado, todas as histórias seriam sobre um clube de debate. 116 Pois é: se a história pergunta “será que a gente devia roubar bancos?” e o herói é sempre o “talvez”... o herói não pode ser o xerife – afinal, o xerife já tem uma posição muito bem resolvida sobre esse assunto : ele é o xerife, ele combate o crime, ele precisa ser o “não”. Mas quem tem uma opinião imutável sobre crime não é o xerife – é o cargo de xerife. É dever daquele cargo combater o crime. Se o homem que precisa combater o crime tiver dúvidas sobre isso, ele se torna o “talvez” e isso só faz as coisas mais interessantes: o que fez o xerife questionar a legitimidade de atos criminosos? E se o sistema for corrupto? Quanto mais complexas forem as respostas para a sua pergunta (o seu tema), melhor. 117 O seu herói embarcou numa aventura para responder uma pergunta para a qual ele acha que a resposta é “sim”. E o seu herói representa o “talvez” nesse debate, mas ele acha que “sim”. Ele tem essa opinião e se você perguntar pra ele em qualquer dia da semana ele vai te dizer que sim. Mas ele, assim como nós, tem uma opinião sobre o assunto que vai ser testada de novo e de novo. Quem vai testar a nossa opinião sobre o assunto é alguém que tem uma opinião tão forte quanto a nossa. Se o herói acha que “sim”, o vilão acha que “não”. A diferença entre eles é que só um deles é capaz de mudar – Não importa o que aconteça, o vilão ainda vai achar que “não”. 118 O que eu quero dizer com isso é que nós temos opiniões fortes... mas nós sabemos que existem outras prioridades na vida. Quando as duas mulheres pediram pro Rei Salomão decidir quem era a verdadeira mãe de um bebê, nós somos uma das mulheres, mas ainda não sabemos qual. Nós nos identificamos com a relação de uma mãe com o seu bebê, então nós somos as duas mães. 119 O tema dessa história é “honestidade”: qual das mães está mentindo? E a resposta não só conclui um mistério, como define quem é o herói e o vilão da história – e o de todas as histórias: O Rei Salomão decide que a mãe verdadeira nunca ia querer que o seu filho morresse: o herói é aquele capaz de mudança. Depois de ter os limites da sua convicção testados por todas as possibilidades da situação, o herói é capaz de enxergar a falha nele mesmo e tomar novas decisões. Ela queria o seu bebê porque ela é a mãe dele e quer protegê-lo de todo o mal. Mas ela prefere abrir mão do bebê e saber que ele está vivo, do que ter meio bebê morto. 120 O papel do vilão é exatamente esse: pressionar o herói, ao ponto que ele é forçado a decisões tão extremas, que ele precisa rever os seus conceitos e aceitar que o que ele achava que queria pode não ser o que ele realmente quer: a mãe do bebê queria o seu filho, mas depois que todas as outras opções se esgotaram, ela descobre que, na verdade, ela quer o bem do seu filho. O verdadeiro herói é aquele que nunca desiste – não importa o quanto eles sejam pressionados, eles ainda resistem. Heróis são uma rocha: mas nós precisamos ver como é difícil ser assim – é isso o que o vilão mostra. 121 Vamos dar uma olhada nesses caras aqui: Nome: morcego, vampiro das sombras Identidade visual: maldade no coração Missão: espalhar o terror nos inimigos Humor: péssimo (não sorri nem pra criança) Look do dia: preto, gótico. Intenção: proteger Gotham Táticas: bumerangue na cara, murro na boca, interrogatório violento, voz sinistra, chute no saco Obs.: Acredita que as pessoas são boas. 122 Nome: bobo da corte, animador de festa Identidade visual: alegria de viver Missão: ver o circo pegar fogo (hãn, hãn) Humor: curtindo a vida adoidado Look do dia: vocalista do teatro mágico Intenção: tocar o terror Táticas: facada na cara, bomba na boca, rir na cara do perigo, voz sinistra, chute no saco... Obs.: Sabe que todo mundo é ruim e que todo mundo se odeia. 123 Tanto na intenção quanto na representação (texto e subtexto) o Batman e o Coringa são opostos, o que faz deles equivalentes um do outro em praticamente tudo. O fato de que eles são opostos traz um equilíbrio entre os dois: eles não são diferentes, eles são polos opostos de um mesmo eixo. É isso que faz deles inimigos tão marcantes: eles são respostas diferentes para uma mesma pergunta. “O que fazer se a sociedade está perdendo o controle?” 124 O seu vilão (o seu adversário, o centro dos seus obstáculos, a força opositora na sua história) precisa ser um equivalente do seu herói, porque ambos estão reagindo ao tema que você está discutindo. Os Jedi e os Sith são ambos guerreiros que usam A Força, empunham sabres de luz, mas encaram esse poder e o usam de maneiras opostas. Super-Homem e Lex Luthor ambos discutem como lidar com poder: um tem todo o poder do universo e só quer ficar de boas e proteger as pessoas; o outro não tem poder nenhum e faz de tudo pra dominar o planeta. 125 Lembre-se: todos os seus personagens são uma resposta à pergunta que a sua história faz. O seu vilão precisa ser a pior de todas. O vilão é a versão do seu herói que tomou todas as decisões erradas – onde o herói escolheu ser nobre, o vilão escolheu ser mesquinho; onde o herói foi corajoso, o vilão teve medo; onde o herói quis criar ordem, o vilão criou caos. E nunca, nunca, nunca faça um Protoman: anti-heróis são um conceito perdido no limbo do seu conflito. 126 Se o seu herói é um comportado robô azul e você criou um robô vermelho que anda de óculos escuros por aí, não desperdice ele fazendo dele um anti-herói (alguém que está do lado do mal mas não tem certeza ou sei lá qual era a dele). Porque se todos os personagens representam um argumento no seu tema, um personagem que muda de lado não é “descolado” ele é só um imbecil que estraga o seu ponto de vista! Faça dele o seu vilão. Se você tem uma grande ideia, um grande conceito, um grande design, faça o melhor possível! Não deixe ele parado no meio do caminho – ninguém tem medo de um vilão que pode mudar de ideia. Faça um Darth Vader: um vilão implacável, e superpoderoso.Nunca faça um Protoman. 127 PARTE II: ESTRUTURA 7 a lei 128 Um bêbado entra numa igreja no México durante a missa. Ele chega tocando um violão e usando um sombrero, e caminha em direção ao altar. Conforme o bêbado passa pelas pessoas, elas sussurram pra ele: “Señor, el sombrero!”, lembrando que não se deve usar chapéu dentro de uma igreja. O bêbado acena com a cabeça, mas não tira o chapéu. Mais uma pessoa lhe chama a atenção: Señor, el sombrero!” O bêbado acena mais uma vez, mas continua com o sombrero na cabeça e segue em frente tocando o violão. “Señor, el sombrero!” “Señor! El sombrero!!” Ele acena para todos e segue em frente. Quando o bêbado chega perto do altar, o Padre desiste de rezar a missa e encara o homem que continua se aproximando. Todo mundo está indignado. O bêbado sobe os degraus, e para na frente do padre. Ele para de tocar o violão. 129 Ele se vira para a paróquia e anuncia: – A pedido de todos, yo voy tocar... 130 Escrever histórias é uma arte. Mas ela tem regras. A regras de uma história são: começo, meio e fim. Tudo o que você precisa para compor uma história é introduzir, desenvolver e concluir. Nada menos que isso. Tudo o que nós vimos e ainda vamos ver aqui são pequenos detalhes sobre como fazer cada uma dessas partes funcionar melhor. Mas todas precisam estar lá. Mas você precisa saber que as regras não existem para vender filmes da Marvel ou comédias românticas – elas existem porque é assim que nós contamos histórias desde sempre. Histórias entretêm e informam; divertem e argumentam. Se você quer informar você precisa saber como divertir, como manter seu público atento. É pra isso que você precisa saber como funciona a estrutura de uma história. 131 Quando alguém te diz... Um bêbado entra numa igreja no México durante a missa. ...o seu cérebro imediatamente sabe um monte de coisas. A primeira delas é “isso é uma história”. Desde o primeiro momento, histórias bem escritas dizem “senta, eu vou te contar uma coisa”; “isso é o começo de algo”. A segunda é que a história que estão te contando é uma piada. Isso porque a estrutura também inclui o gênero: “alguém entra em algum lugar” é o começo de uma piada; “era uma vez” é o começo de um conto de fadas. Quando a gente falou sobre encontrar os elementos comuns ao gênero da sua história, era sobre coisas assim – ninguém começaria essa piada dizendo “era uma tarde ensolarada em uma cidade no México”. Essa frase tem ouro elemento importante: a cena começa no último momento possível. A história começa quando esses elementos contrastantes entram numa rota de colisão: nada acontece assim que o bêbado entra na igreja, mas existe a promessa de um conflito. 132 Nesse caso, não tem porquê começar a história quando o cara ainda está em casa, quando ele começou a beber, quando ele ficou bêbado... a história começa quando os elementos conflitantes entram numa rota de colisão. “No méxico” diz onde a história se passa, mas nós só recebemos essa informação porque ela é extremamente importante. Na história, o protagonista usa um sombrero. Ele podia usar um sombrero em qualquer lugar do mundo, mas só “no México” existe uma chance de que um sombrero seja só um chapéu – mesmo numa igreja, onde, apesar de todo o protocolo, as pessoas estão tentando ser boas e amar o próximo. O último elemento é “durante a missa” e nós só recebemos essa informação porque ela também é essencial: ela representa o risco. Se um bêbado entrasse numa igreja vazia, a chance de nada acontecer é muito maior. Mas uma cerimônia extremamente séria é um campo minado para um bêbado: o conflito está em toda parte. Isso tudo é o primeiro ato da história. Na versão econômica das regras, esse é o começo: em que o autor introduz todos os elementos que sugerem conflito. Mas aqui o autor também promete um clímax para essa 133 história: quando você diz “um bêbado entra na igreja”, você cria uma imagem obrigatória. Se você conta sobre um dragão que sequestra uma princesa dos braços de um cavaleiro, nós imediatamente imaginamos o momento em que o cavaleiro vai matar o dragão e salvar a princesa. Ele não pode ignorar o que aconteceu e ir virar um pescador: algo deformou a ordem no seu mundo – ele precisa consertá-lo. O segundo ato (o meio) é onde o conflito se desenvolve. O primeiro ato coloca os elementos em movimento e promete uma colisão – o bêbado e a igreja vão bater um contra o outro: esse é o único desfecho possível para essa história. O segundo ato mostra o caminho que esses elementos percorrem até colidir. 134 O segundo ato dessa história é literalmente o percurso da colisão entre o protagonista e o antagonista: o bêbado caminha pela igreja até o altar. O primeiro ato promete um desfecho: “um bêbado entra na igreja” promete que o fim da história envolve esses dois batendo de frente. O segundo ato conta como vai ser esse desfecho: nesse caso, o desenvolvimento do conflito são as pessoas alertando o bêbado sobre o chapéu. Isso diz que o chapéu vai ser o elemento mais importante na resolução do conflito – se não fosse, eles estariam chamando atenção para outra coisa. Os personagens só falam do sombrero, mas o violão também é extremamente importante, então cada vez que uma cena termina (“falam do chapéu, o bêbado acena...”) o autor nos lembra que tem um violão envolvido (“...ainda tocando o violão”). No segundo ato, os elementos apresentados no primeiro ato vão se aproximando e o conflito entre eles vai aumentando, preparando o cenário para uma decisão inevitável sobre quem vai ganhar (no terceiro ato). 135 Os elementos são o bêbado e a igreja – o Padre, que representa a igreja, ainda não entrou na história, mas as pessoas que alertam o bêbado sobre o chapéu também representam a igreja. No argumento que compõe a sua história, eles estão do lado da igreja – todos os personagens são respostas para uma mesma pergunta. O segundo ato, porém, contém um elemento estranho – você sabe que o bêbado vai se comportar de maneira absurda dentro da igreja, mas quando as pessoas falam pra ele tirar o chapéu, ele não ignora ninguém: ele acena para todos. 136 Se ele está reconhecendo e absorvendo a mensagem deles, por que ele continua andando sem tirar o chapéu? Ele quer sentar lá na frente e só então ele vai tirar o chapéu? O que está acontecendo?? Quando o bêbado acena para as pessoas que o reprimem, o autor não só está preparando o terreno para a resolução da história, como também está criando mistério na cabeça do público – por que o bêbado parece compreender a situação em que está? Aqui o autor cria suspense e conta qual vai ser a resolução da história numa cena só. No terceiro ato todas as perguntas são respondidas, tudo o que era estranho faz sentido e um dos lados vence: a história pergunta “e se um bêbado entrasse numa igreja?” A resposta é “ele não sabe que entrou numa igreja”. Toda piada de bêbado precisa que ele entre numa situação extremamente séria e aja como se todo mundo estivesse de muito bom humor – mas a história só funciona se o público não puder prever o final. Quando o bêbado é alertado sobre o protocolo da igreja e não ignora o aviso, nós não sabemos o que vai acontecer, porque tudo o que podia ser feito para resolver o conflito foi feito: o bêbado entra na igreja, lhe dizem qual é o problema e ele parece entender. 137 Outra piada conta a mesma história com outra roupagem: 138 Quando o meu pai me contou essas duas piadas, nenhum de nós pensou “uau, esse é um ótimo template para demonstrar os mecanismos de uma história” – a gente riu. Isso significa que a história funciona e se ela funciona, é porque todos os elementos estão lá e estão no lugar certo – o que faz dela um ótimo exemplo de como histórias funcionam Se você tirar qualquer coisa dessas histórias, elas não funcionam mais: • se você tirar o violão, a resolução não existe, • se a paróquia não reclamar, não temconflito, • se não for numa igreja, o protagonista não está se arriscando, • se você tirar o padre, não existe um adversário definitivo, • e se você tirar o sombrero, as pessoas podem dizer “senhor, o violão!”, mas “a pedido de todos eu vou tocar o violão” não funciona tão bem. Para que uma história funcione (para que prenda a atenção do público e ele se sinta recompensado no final), todos os elementos precisam estar no lugar. Se você estiver escrevendo um romance de 800 páginas, muitas coisas podem estar sobrando e talvez até fugindo do tema da sua história, mas ninguém vai reparar tanto, porque o ritmo e o comprimento da sua história permite que você acrescente elementos sobressalentes. Mas quanto mais curta a sua história, mais concentrados os seus elementos e significados precisam ser: o número de personagens, temas, cenários e atos nos 42 volumes de Dragon Ball e numa tirinha de jornal vai ser drasticamente diferente. Mas ambas só funcionam se todos os elementos estiverem presentes. 139 Então nós finalmente vimos como todas aquelas coisas que nós aprendemos antes funcionam em conjunto formando uma história (e vamos ver isso tudo de novo daqui a pouco), mas antes, vamos só parar pra lembrar de umas coisas importantes que servem para todos os momentos: • Histórias têm começo meio e fim: – No começo, introduza o conflito e todos os elementos importantes para a trama. – No meio, crie e desenvolva o conflito, fazendo com que ele cresça até o limite para que... – No fim, você traga uma resolução para o conflito, usando os mesmos elementos citados no começo. • Comece suas cenas o mais tarde possível: tão tarde que, se a cena começasse um segundo depois, nós já não seríamos capazes de entender nada. • Crie uma imagem obrigatória: ao iniciar o conflito, faça de uma forma que não haja volta. Daqui em diante o protagonista precisa lidar com aquela situação até trazer de volta o equilíbrio que foi arruinado pelo conflito. • Todo personagem tem uma função: cada um na história é uma resposta para a questão que a sua história propõe. Se um dos seus personagens não representa um dos caminhos que o herói pode escolher ou está em dúvida sobre qual é a sua posição sobre o tema, faça-o ter uma posição clara ou tire-o da história. ...anotou tudo? 140 PARTE II: ESTRUTURA 8 monomito 141 Quando o homem morava nas cavernas, sentava em volta da fogueira e não existiam músicas do Legião Urbana pra tocar, ele aprendeu a contar histórias. As histórias eram um jeito ótimo de passar o tempo (também não existia Netflix) mas elas também tinham a função de ensinar coisas. Ao redor do mundo, as pessoas criaram histórias emocionantes que ensinavam lições valiosas: verdades universais que você podia usar na sua própria vida e curtir melhor os seus dias na Terra. 142 Aí um dia, o cara chamado Joseph Campbell viajou pelo mundo estudando as histórias que os povos antigos de todas as partes do planeta andou contando desde sempre. No começo foi muito legal, porque era emocionante descobrir novas culturas! Mas aquilo ficou bem chato bem cedo, porque ele descobriu que todo mundo estava contando exatamente as mesmas histórias. Na verdade, ele descobriu que os mitos contados ao redor do mudo eram tão parecidos, que eles tinham sempre a mesma estrutura: o protagonista sempre passava pelas mesmas etapas no percurso da sua história. A partir desses pontos em comum, Campbell criou um monomito – um mapa de todos os eventos na história de um herói universal. No monomito, o herói (1) está numa situação confortável, mas (2) recebe um chamado. Ele (3) recusa esse chamado, mas (4) acaba partindo para a aventura, entrando num mundo que ele desconhece, onde, pra ele, tudo é extraordinário. Lá ele (5) enfrenta todo tipo de teste até (6) aprender a lidar com aquele mundo, evoluindo depois das provas pelas quais ele passou. Aí ele (7) começa a voltar pra casa, mas precisa (8) enfrentar uma nova rodada de testes e tretas para (9) conseguir voltar para o mundo real, (10) transformado por tudo pelo que passou. 143 Agora... se te perguntarem se você sabe como é o monomito do Campbell, diga que “mais ou menos”, porque isso aqui é uma versão fácil do que ele fez. Mas pra gente é mais que suficiente, porque é tudo o que a gente precisa pra escrever a nossa história. Então pegue papel e caneta, porque agora nós vamos colocar tudo aquilo no lugar. 144 Pegue uma folha de papel, faça um risco. Marque as duas pontas e o meio. Depois marque o meio entre essas duas metades. Essa linha é a sua história. As divisões são os seus atos. Histórias tem três atos, mas o segundo ato tem duas partes, então você na verdade vai ter quatro atos – mas as regras ainda são as mesmas: começo (I), meio (II) e fim (III). Vá em frente e divida os seus atos também. Agora pense no seu conceito: imagine qual o final dessa história, o duelo, a corrida, o “eu te amo, não vá para a Rússia”, o “foi o mordomo”... Coloque essa cena aqui: 145 Não faça um X – nós vamos marcar outras coisas. Diga o que acontece aqui. Vamos imaginar que essa é a história do cavaleiro: aqui é mais ou menos onde ele luta com o dragão. Muito bem: curto e grosso – essas anotações são pra você, então escreva só o que achar necessário pra se lembrar o que quer dizer. A imagem obrigatória dessa história era o cavaleiro batendo no dragão e salvando a princesa – então o que vai ali depois da luta... 146 Depois de salvar a princesa, é natural que os dois voltem pra casa... nesse mesmo espírito, logo antes de lutar com o dragão, o cavaleiro precisa invadir o castelo e subir a torre... Aquela imagem obrigatória nasce quando o conflito começa (quando o dragão sequestra a princesa). O início do conflito é o começo da história, mas antes disso nós ainda precisamos apresentar os personagens... 147 Só o que falta é fazer o cavaleiro sofrer e adquirir conhecimentos sobre o mundo sinistro onde vive o dragão. Ao final desses testes, ele estará pronto para enfrentar os conflitos sérios que o aguardam no castelo. Pode parecer maluco, mas a parte mais difícil do processo de escrever a sua história já acabou. Trabalhar o seu conceito até encontrar o seu tema é o desafio – depois você só precisa de personagens que representem os dois lados do argumento trabalhado pelo seu tema. Juntos, o conceito, o tema, o herói e o vilão acabam gerando sozinhos os pontos principais da sua história. 148 Por exemplo, se o seu personagem é um piloto de corrida: o adversário tem que ser outro piloto, o clímax é uma corrida. Só com essas informações derivadas uma da outra, nós já podemos enxergar muito das partes importantes da história. Toda a parte em cinza é metade “combina com o conceito” e metade “é isso o que aconteceria nesse momento no monomito”. Tudo o que você coloca nessa linha do tempo pode ser mudado a qualquer momento durante o processo, mas esse é o seu mapa: se você tiver bloqueios criativos, você pode voltar e consultar esse mapa. 149 É verdade: o mapa é muito útil, mas ele é só um guia geral, assim como a sua logline. Então pegue um monte de cartões indexáveis (ou só... post-its, papéis pequenos... qualquer papel menor que uma folha inteira serve. Mas pegue muitos!). Junte um punhado desses papéis e escreva um pedaço da sua história em cada um deles: pode ser uma cena, um pedaço de diálogo, algo que você sabe que precisa acontecer mas ainda não sabe direito como... coloque todas as suas ideias nesses papéis. Quando tiver escrito tudo o que você acha que sabe sobre a sua história, coloque os papéis em ordem – do início ao fim da sua história. Dê uma olhada neles e veja se tem alguma coisa faltando, se você descobriu que precisa de mais uma cena, se você precisa de uma cena a menos... Use esses papéis para visualizar a sua história mais de perto e trocar as cenas de lugar até encontrar a melhor sequência de eventos para ilustrar o seu tema. 150 Se você quiser ser umescritor overpower total professional, quando você souber mais sobre a sua cena, você pode incluir no seu cartão onde a cena se passa e qual o conflito daquela cena: Quando estiver planejando a sua história, tenha certeza de que as cenas nos seus cartões estão de acordo com o que deveria estar acontecendo na sua história naquele momento – cheque o seu mapa: o que a linha do tempo dita para aquele momento? O quê? Você não sabe dizer? Bom, vamos lá então... 151 PARTE II: ESTRUTURA 9 o segredo dos ninjas 152 Olhando a sua linha do tempo, você pode ter um panorama geral do que acontece com o herói em cada um dos três (quatro) atos da sua história. Mas se você não preencher essa linha, aí é só uma linha... Então vamos transformar isso num gráfico que conta qual a performance do seu herói durante essa história: 153 Como você pode ver, na primeira sequência o herói está na mesma – a linha vai reto até a segunda sequência. Aqui nós conhecemos quem é o herói, o que ele tem de errado, o que ele quer e por que nós gostamos dele. Assim que nós chegamos ao próximo ponto, o conflito se inicia – um dragão surge e leva a princesa; o surfista avista a onda que vai levá-lo para um lugar melhor; o herói recebe o chamado. Nessa sequência, o drama começa e o herói recusa aquele chamado, pesando quais as consequências de enfrentar aquela aventura. Mas ele sabe que precisa tomar uma atitude – ele ainda não começou a surfar, mas ele já está remando, se preparando para pegar a onda. Quando ele conseguir, ele vai entrar no segundo ato. O momento em que o herói decide enfrentar os obstáculos em busca da sua intenção (o momento em que ele cruza a linha entre o mundo normal e o mundo sinistro e mágico onde tem Demogorgons e tal) é a quebra do segundo ato. É quando ele atravessa a barreira que o separa do que ele quer. 154 Na primeira parte do segundo ato, o herói precisa aprender como navegar ou lidar com esse mundo: tudo é novo e hostil. Quando ele apanhar o suficiente para que o público entenda quais são os desafios que o herói vai ter que enfrentar, dê um descanso pra ele: dê um amigo, dê um refúgio momentâneo, um momento em que nós aprendemos mais sobre ele, porque ele foi forçado a fazer escolhas e expor suas fraquezas... ...e aí jogue ele de volta na treta. Mas dessa vez, o seu herói está pronto para lidar com o novo mundo: ele tem aliados, ele sabe quais são os desafios. Se o seu herói é um lutador, aqui é a montagem de treinamento; se é uma comédia romântica, é aqui que eles descobrem que foram feitos um para o outro; tire esse momento para dar ao seu público a promessa do seu conceito, as cenas do seu trailer. Tudo aqui é difícil, mas ele descobriu que é bom nisso – ele está se divertindo! 155 Nós chegamos ao meio da sua história. Seu herói agora consegue lidar com esse mundo e tirou um momento para respirar. Mostre para nós que ele mudou – o surfista ainda não sabe aonde a onda vai levá-lo, mas ele já pode surfar de olhos fechados. Agora respire fundo e se prepare... Na primeira parte do segundo ato, o herói aprende a lidar com o mundo dos obstáculos e arrasa totalmente, mandando super bem e tal... Na segunda parte do segundo ato, entretanto, a linha da performance dele é uma longa queda. 156 Tudo o que deu certo antes, não funciona mais, porque os obstáculos agora são muito mais intensos. O herói teve tempo para se acostumar, mas o dragão que domina aquele mundo finalmente o encontrou e está indo atrás dele com tudo. Este é o caminho do herói de volta para o seu mundo. Entrar naquele mundo já não foi fácil, mas sair dele vai ser muito mais difícil. Quaisquer que sejam as táticas que ele adquiriu, elas não são suficientes aqui. O herói deve ser tão castigado e perseguido que ele deve chegar a contemplar a própria morte (ou a morte metafórica dos seus sonhos): aqui o obstáculo se torna tão implacável que ele realmente acredita que é melhor desistir. Aí nós chegamos à quebra do terceiro ato: prestes a desistir de tudo, ele percebe uma solução para os seus problemas e usa tudo o que aprendeu até hoje para cruzar o limite do mundo sinistro de volta para o mundo real. 157 Agora o herói finalmente alcançou seus objetivos, cumpriu a intenção que o trouxe para essa aventura. Mas ao cruzar a passagem de volta para o seu próprio mundo, ele traz consigo os obstáculos que ele não derrotou – ele conseguiu escapar do castelo com a princesa, mas o dragão veio atrás dele. O herói precisa medir forças com os seus obstáculos uma última vez. É aqui que nós cumprimos a imagem obrigatória: depois de reaver o equilíbrio que foi roubado (trazer de volta a princesa), o herói derrota o dragão, fazendo com que o equilíbrio seja reestabelecido para sempre: ele agora é capaz de lidar com os dois mundos e seu adversário não é mais capaz de vencê-lo. Finalmente, o herói pode retornar à sua vida, mas agora, munido de tudo o que adquiriu no mundo sinistro. Mostre-nos quem ele é agora em contraste com o fracassado que ele era no início da história. 158 Essa é a jornada do nosso herói: 159 ATO I: 1 • Intro: comece a sua história. Mostre-nos um personagem (o herói), um lugar (o seu mundo) e nos dê um tom (o seu gênero) – se é uma comédia, faça uma piada; se é um mistério, mate alguém... 2 • Tema: mostre-nos os personagens (todo mundo precisa aparecer ou ser citado aqui); as regras deste mundo (qual a hierarquia); e estabeleça o conflito (intenção e o obstáculo) Nos apresente a tudo o que forma o seu tema. 3 • Chamado: coloque a intenção e o conflito em rota de colisão. Confronte o herói com uma situação que ele não pode ignorar. 4 • Debate: o herói sabe que não pode ignorar o chamado, mas ele vai tentar. O protagonista não é um idiota, ele sabe o que está em jogo: faça-o encarar suas opções. 160 ATO II A: 5 • Entrada: a quebra do 2º ato é o momento em que o herói decide encarar os seus medos e enfrentar os obstáculos – mostre-nos essa decisão. Conduza-o para o outro mundo. 6 • Labirinto: as regras do mundo normal não existem aqui. Tudo está ao contrário. Aqui o herói é um peixe fora d’água. Mostre-nos o impacto que isso causa nele. 7 • Meditação: perdido, o herói se esconde para refletir. Os obstáculos o colocam em contato com a falha dentro dele. Faça-o encontrar forças para seguir em frente. 8 • Testes: determinado, o herói enfrenta o novo mundo mais uma vez e não se deixa vencer. Aqui nós vemos a promessa do seu conceito, o trailer da sua história veio daqui. Mostre o herói evoluindo, crescendo, aprendendo – deixe ele se divertir um pouco. 161 ATO II B: 9 • Renascimento: foi difícil, mas nosso herói é um novo personagem, alinhado com esse novo mundo. Ele está tão satisfeito que esquece dos obstáculos por um momento. 10 • Retorno: O herói é lembrado de que obstáculos muito maiores ainda o aguardam no caminho de volta para o seu mundo. 11 • Armadilha: o adversário encontra o herói no momento em que ele está se preparando para retornar. A força opositora move todo o mundo ao seu redor contra ele. 12 • Bad Vibe: pressionado por todos os obstáculos, o herói se vê próximo da derrota. Tudo o que estava em jogo está prestes a se perder. O herói contempla a morte das suas intenções. 162 ATO III: 13 • Epifania: no último instante, o herói percebe o que faltava dentro dele. Ele pode enxergar através dos dois mundos e usa tudo o que aprendeu para cruzar o limite entre eles, escapando do adversário e voltando para o mundo normal. 14 • Confronto: mas o adversário segue o herói através do portal, em busca de um último confronto. Esse é o momento final do seu conflito. Nada pode ficar para depois. 15 • Decisão: o vencedor do confronto dita qual a resposta para o tema da sua história. O herói vence se sua história for um épico. Ele perde se sua história for uma tragédia. 16 • Epílogo: mostre-nos a vida após esse conflito. Como o mundo do nosso herói foi transformado pelas suas aventuras?163 PARTE III: EPÍLOGO 10 pronto 164 Finalmente: você tem uma história. Com essa estrutura você agora pode criar histórias para qualquer formato e propósito – afinal, não importa se você está jogando games ou lendo romances soviéticos, histórias sempre tem começo, meio & fim, intenção & obstáculo, texto & subtexto e um tema que permeia todas as cenas. 165 Quando sentar para escrever a sua história, despeje as palavras na página, use tudo o que você sabe sobre a sua história. Afinal, é para isso que nós passamos todo esse tempo planejando: para que você soubesse exatamente a história que quer contar antes de começar a escrever. Quando começar, vá até o final sem ler nada do que você escreveu. Quando terminar, tire um ou dois dias de folga antes de voltar pra ler. E quando ler, não se preocupe: a primeira versão da sua história é sempre horrível. Relaxe. Sente-se e comece a procurar o que está errado. Arrume e faça isso tudo de novo até gostar do resultado. O importante é que a sua história já existe. O trabalho de escrever a história já foi feito. Reescrever é um processo que só retoca uma história que já está pronta. Ou seja: tire um momento para ficar orgulhoso de si mesmo. Você oficialmente escreveu uma história. Do começo ao fim. Ninguém pode tirar isso de você. 166 Agora você sabe tudo o que eu sei sobre escrever histórias e eu escrevo histórias o tempo todo. A maioria fica guardada esperando para virar alguma coisa. A grande maioria nunca vai ver a luz do sol. Mas todas existem e foram escritas com as mesmas ferramentas vistas aqui. O que eu quero dizer é o seguinte: histórias são grátis – elas surgem na sua cabeça e tudo o que você precisa fazer é colocá-las no papel. Se você quiser mais conteúdo sobre detalhes e minúcias secretas da arte de escrever histórias, você pode encontrar meus vídeos no Youtube através do site bendaora.com – lá eu deixei vídeos sobre construção de personagem, sobre como criar tramas e até sobre o que eu acredito que seja a única coisa que você realmente precisa saber pra enfrentar o processo de contar histórias com sucesso. Se tiver qualquer dúvida, é só me mandar um email em raoni.marqs@gmail.com e a gente tenta encontrar uma solução :) Então sai logo daqui e vai lá escrever umas histórias. http://bendaora.com 167 Thank you. bendaora.com índice parte I: várias coisas 1 • conceito............................. 12 2 • trama................................. 34 3 • logline............................... 49 4 • tema................................... 61 5 • herói.................................. 78 6 • vilão................................... 108 parte II: estrutura 7 • a lei................................... 127 8 • monomito........................ 140 9 • segredo dos ninjas......... 151 parte III: epílogo 10 • pronto........................... 163 intro
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