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Aula 2 - Ética em pesquisa com seres humanos e animais Disciplina: Ética e profissionalismo em Nutrição Prof. Wellington Rodrigues Bioética Bioética tem como objetivo facilitar o enfrentamento de questões éticas/bioéticas que surgirão na vida profissional. Sem esses conceitos básicos, dificilmente alguém consegue enfrentar um dilema, um conflito e se posicionar diante dele de maneira ética. Não se pretende impor regras de comportamento (para isso, temos as leis) dar subsídios para que as pessoas possam refletir e saber como se comportar em relação às diversas situações da vida profissional em que surgem os conflitos éticos. Ciência que estuda valores humanos essenciais. Ex: respeito. Valores mudam ao longo do tempo e o julgamento do que é ou não ético depende do caso e da estrutura da sociedade. Ética x Bioética Ética: ramo da filosofia que enfoca as questões referentes à vida humana portanto à saúde Bioética: tendo a vida como objetivo do estudo, trata também da morte “Bioética é o ramo da filosofia que enfoca assuntos inerentes à vida, à saúde e à morte” (Segre e Cohen, 1999). Bioética deve ser livre, considerando o mérito de cada uma das questões inerentes à vida e à saúde humana exercício de tolerância, respeito mútuo às opiniões. Um dos conceitos que definem Bioética (“ética da vida”) é que esta é a ciência “que tem como objetivo indicar os limites e as finalidades da intervenção do homem sobre a vida, identificar os valores de referência racionalmente proponíveis, denunciar os riscos das possíveis aplicações” (LEONE; PRIVITERA; CUNHA, 2001). Ética e Moral Está representada por um conjunto de normas que regulamentam o comportamento de um grupo particular de pessoas é comum que esses grupos tenham o seu próprio código de ética. Ética se fundamenta em 3 requisitos: 1) percepção dos conflitos (consciência) 2) autonomia (condição de posicionar-se entre a emoção e a razão) 3) coerência Princípio fundamental da ética deve passar basicamente pelo RESPEITO AO SER HUMANO como sujeito autônomo! Ética x Moral Ética serviria de norma para um grupo determinado de pessoas. Moral é mais geral representa a cultura de uma nação, religião ou época. Enorme diferença entre ética e moral é que para que a moral funcione ela deve ser imposta; a ética, para ser atuante, deve ser apreendida pelo indivíduo, vinda de seu interior A moral é imposta, a ética é percebida. Surgimento da Bioética Início da Bioética: começo da década de 1970 publicação de duas obras muito importantes de um pesquisador e professor norte-americano da área de oncologia, Van Rensselaer Potter. Van Potter estava preocupado com a dimensão que os avanços da ciência, principalmente no âmbito da biotecnologia, estavam adquirindo. Propôs um novo ramo do conhecimento que ajudasse as pessoas a pensar nas possíveis implicações (positivas ou negativas) dos avanços da ciência sobre a vida (de todos os seres vivos). Sugeriu que se estabelecesse uma “ponte” entre duas culturas, a científica e a humanística guiado pela seguinte frase: “Nem tudo que é cientificamente possível é eticamente aceitável”. O progresso científico não é um mal, mas a “verdade científica” NÃO pode substituir a ética. Princípios da Bioética Princípios foram propostos primeiro no Relatório Belmont (1978) numa reação institucional aos escândalos causados pelos experimentos da medicina desde o início da 2ª Guerra Mundial. Beauchamps e Childress (1979): em sua obra Principles of biomedical ethics, estenderam a utilização deles para a prática médica para todos aqueles que se ocupam da saúde das pessoas. Utilização desses princípios para facilitar o enfrentamento de questões éticas é muito comum entre os americanos e os brasileiros. Princípios: autonomia, justiça, beneficência e não- maleficência. Beneficência/ não maleficência 1º princípio que devemos considerar na nossa prática profissional é o de beneficência/ não maleficência ou benefício/não malefício. Beneficência significa “fazer o bem” Não maleficência significa “evitar o mal” Benefício (e o não malefício) do paciente (e da sociedade) sempre foram a principal razão do exercício das profissões que envolvem a saúde das pessoas (física ou psicológica). Beneficência e não maleficência não são princípios absolutos, mas sim princípios básicos independentes. Não maleficência = abstenção é obrigatório Beneficência = ação é adicional. É a disposição emotiva que tenta fazer o bem aos outros. Não maleficência termina onde começa a beneficência, ou seja, quando causar danos visa um benefício maior. Ex: amputar para a pessoa não morrer. Beneficência/ não maleficência Sempre que o profissional propuser um tratamento a um paciente, ele deverá reconhecer a dignidade do paciente e considerá-lo em sua totalidade (dimensões física, psicológica, social, espiritual) visando oferecer o melhor tratamento ao seu paciente, tanto no que diz respeito à técnica quanto no que se refere ao reconhecimento das necessidades físicas, psicológicas ou sociais do paciente. Profissional deve, acima de tudo, desejar o melhor para o seu paciente, para restabelecer sua saúde, prevenir um agravo ou promover sua saúde. Trabalho na área da saúde, como atividade humana, é por necessidade uma forma de beneficência. Autonomia Auto = próprio/ Nomos = lei, norma, regra Pressupõe que as pessoas têm “liberdade de decisão” sobre sua vida. Autonomia é a capacidade de autodeterminação de uma pessoa o quanto ela pode gerenciar sua própria vontade, livre da influência de outras pessoas. Declaração Universal dos Direitos Humanos: foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (1948) manifesta logo no seu início que as pessoas são livres. Nos últimos anos, tem sido frequente a busca pela liberdade (ou autonomia). Nos casos de atendimento clínico de pacientes, podemos mencionar o Código de Defesa do Consumidor em alguns de seus artigos, garante proteção às pessoas que buscam serviços de saúde, por exemplo, no que diz respeito ao direito de ser suficientemente informada sobre o procedimento que o profissional vai adotar. Autonomia Para que o respeito pela autonomia das pessoas seja possível, duas condições são fundamentais: liberdade e informação. 1º momento: pessoa deve ser livre para decidir ela deve estar livre de pressões externas, pois qualquer tipo de pressão ou subordinação dificulta a expressão da autonomia. Em alguns momentos, as pessoas têm dificuldade de expressar sua liberdade ela tem sua autonomia limitada. Exemplo das crianças: em razão de seu desenvolvimento psicomotor, a criança terá dificuldade de decidir o que é melhor para a saúde dela. Ela terá uma tendência em fugir de todo tratamento que julgar desconfortável caberá aos responsáveis pela criança decidir o que deverá ser feito, qual tratamento será mais adequado. Autonomia Correta informação das pessoas é que possibilita o estabelecimento de uma relação terapêutica ou a realização de uma pesquisa. 1ª etapa a ser seguida para minimizar essa limitação é reconhecer os indivíduos vulneráveis (que têm limitação de autonomia) e incorporá-los ao processo de tomada de decisão de maneira legítima será possível estabelecer uma relação adequada com o paciente e maximizar sua satisfação com o tratamento. Para permitir o respeito da autonomia das pessoas, o profissional deverá explicar qual será a proposta de tratamento. Essa explicação não se esgota na primeira consulta em todas as consultas o profissional deverá renovar as informações sobre o tratamento. É preciso ter certeza de que o paciente entendeu as informações que recebeu! Autonomia Se entendermos que o respeito pela autonomia de uma pessoa éo princípio que deve ser considerado em 1º lugar, cairemos em uma armadilha nem sempre o paciente tem condições de avaliar qual o melhor tratamento para ele (não tem o conhecimento técnico necessário para isso). Ex: um paciente que tem uma doença que exige a prescrição de medicamentos. Ele pode se recusar a tomar os remédios. Contudo, nesse caso, o profissional não pode alegar que “o paciente é adulto, sua autonomia deve ser respeitada e por isso ele faz o que ele quiser” profissional (por ter o conhecimento técnico) deverá se esforçar ao máximo para explicar ao paciente a importância do medicamento, afinal o princípio da beneficência deve ser respeitado em 1º lugar. Autonomia Em algumas situações, a liberdade (autonomia) de algumas pessoas não é respeitada para que se respeite o benefício de outras. Ex: proibição de fumar em ambientes fechados; interdição de restaurantes ou clínicas pela vigilância sanitária quando estes não apresentam condições satisfatórias para atender o público. Autonomia não é absoluta e não pode atrapalhar a autonomia do outro liberdade de um indivíduo deve ter como fronteira a liberdade e dignidade dos outros. Autonomia completa é um ideal uma pessoa pode agir não autonomamente em certas circunstâncias. Ex: desordens mentais, doenças. Impor a autonomia a alguém é autoritarismo. Autonomia Pessoa autônoma tem liberdade de pensamento, alternativas de escolha e de ação, é livre de coações internas ou externas. O ser humano não nasce autônomo, torna-se autônomo! “Todo ser humano é agente moral autônomo e como tal deve ser respeitado por todos que mantém posições morais distintas. Nenhuma moral pode impor-se aos seres humanos contra os ditames de sua consciência” (Diego Gracia). Justiça Se refere à igualdade de tratamento e à justa distribuição das verbas do Estado para a saúde, a pesquisa etc. Outro conceito importante: equidade representa dar a cada pessoa o que lhe é devido segundo suas necessidades incorpora-se a ideia de que as pessoas são diferentes e que, portanto, também são diferentes as suas necessidades. De acordo com o princípio da justiça: é preciso respeitar com imparcialidade o direito de cada um. Não seria ética uma decisão que levasse um dos personagens envolvidos (profissional ou paciente) a se prejudicar. Objeção de consciência: representa o direito de um profissional de se recusar a realizar um procedimento, aceito pelo paciente ou mesmo legalizado. Justiça Justiça: é o constante e permanente desejo de dar a cada um o que lhe é devido. Ser ético é brigar para ser justo! Todos esses princípios devem ser nossas “ferramentas” de trabalho devem ser considerados na ordem em que foram apresentados, pois existe uma hierarquia entre eles. Diante de um processo de decisão, devemos 1º nos lembrar do nosso fundamento (o reconhecimento do valor da pessoa); em seguida, devemos buscar fazer o bem para aquela pessoa (e evitar um mal); depois devemos respeitar suas escolhas (autonomia); e, por fim, devemos ser justos. ÉTICA APLICADA à PESQUISA Na elaboração de um estudo de caso ou parecer relacionado a pesquisa, inúmeros pontos devem ser utilizados: Aspectos Legais Brasil: Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Aspectos Morais cientistas têm deveres institucionais, sociais e profissionais. Deveres institucionais básicos: honestidade; sinceridade; competência; aplicação; lealdade e discrição. Deveres sociais: veracidade, não-maleficência e justiça. Deveres profissionais: pesquisar adequada e independentemente, além de buscar aprimorar e promover o respeito à sua profissão. Cientistas não devem fazer pesquisas que possam causar riscos não justificados às pessoas envolvidas; violar as normas do consentimento informado; converter recursos públicos em benefícios pessoais; prejudicar o meio ambiente ou cometer erros previsíveis ou evitáveis. ÉTICA APLICADA à PESQUISA Aspectos Éticos Aspectos éticos aplicados à pesquisa em saúde podem ser abordados por 4 diferentes perspectivas: Envolvimento de seres humanos; Uso de animais; Relação com outros pesquisadores; Relação com a sociedade. Aspectos Éticos da Pesquisa Pesquisa em Seres Humanos Quando seres humanos são utilizados em pesquisas devem ser sempre preservados os princípios bioéticos fundamentais do respeito ao indivíduo: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. Respeito ao indivíduo pesquisado se materializa no processo de obtenção do consentimento informado. Criteriosa avaliação da relação risco/benefício tem como base o princípio da beneficência. Seleção dos indivíduos a serem pesquisados deve ter sempre presente o critério da justiça. Não devem ser segregados grupos ou pessoas! Aspectos Éticos da Pesquisa Pesquisa em Animais Uso de animais em projetos de pesquisa deve prever sempre um tratamento humanitário aos mesmos, evitando dor e sofrimentos salvo quando forem o fator em estudo. Animais não são capazes de manifestar sua própria autonomia diferente dos seres humanos. Moral nos diz que entre um animal e um ser humano é melhor salvar um humano atribuímos maior valor à vida humana do que a animal. Nestes projetos deve ser obtido o máximo de informação com um mínimo de animais, calculando-se adequadamente o tamanho da amostra a ser utilizada. Aspectos Éticos da Pesquisa Pesquisa em Animais “ O uso de animais em pesquisa é um privilégio. Estes animais que estão nos ajudando a desvendar os mistérios da Ciência merecem nosso respeito e o melhor cuidado possível. Um animal bem tratado irá proporcionar resultados científicos mais confiáveis, o que deve ser o objetivo de todos os pesquisadores”. De acordo com as normas do Guidelines for Ethical Conduct in the care and Use of Animals, as pesquisas sevem seguir os seguintes propósitos: Ampliar o conhecimento dos processos envolvidos no estudo, bem como o entendimento do funcionamento das espécies. Determinar a reprodutibilidade de uma pesquisa prévia. Fornecer resultados que beneficiem a saúde ou o bem estar dos seres humanos ou de outros animais. Aspectos Éticos da Pesquisa Pesquisa em Animais Aspectos Éticos da Pesquisa Relação com outros Pesquisadores Envolve as questões de autoria e de fraudes algumas vezes são bastante complexas de serem resolvidas. Estabelecimento da autoria dos trabalhos realizados envolve aspectos relativos a lealdade, honestidade, justiça e autonomia. Fraude ocorre quando a honestidade e a veracidade são deixadas de lado por alguns dos participantes do projeto. Aspectos Éticos da Pesquisa Relação com a Sociedade Pode ser abordada tanto nos aspectos relativos à proteção dos indivíduos (sujeitos da pesquisa, pesquisadores e trabalhadores envolvidos), à divulgação de resultados como na avaliação do retorno social da mesma. Divulgação dos resultados da pesquisa é uma forma da sociedade poder participar dos benefícios dos conhecimentos gerados. Problema: liberação de informações à imprensa antes que a comunidade científica possa ter tido acesso aos resultados da pesquisa e tempo para criticá-los. Importante questão: verificar se não existe conflito de interesses entre os membros da equipe de pesquisadores. Ex: pesquisadores e dirigentes do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e suas relações não devidamente esclarecidas com a indústria farmacêutica.
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