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1 PREVENÇÃO DA HERNIA INCISIONAL EM PACIENTES DE ALTO RISCO- RELATO DE CASO PREVENTION OF INCISIONAL HERNIA IN PATIENTS WITH HIGH RISK-CASE REPORT Adalberto Clemente Boca* RESUMO Objectivo: relatar o caso de uma paciente com hérnia incisional, na região do hipogastro secundária a uma laparotomia infra-umbilical para recessão de quisto do ovário a direita e discutir se com os factores de risco que a paciente apresentava era ou não elegível a colocação de malha preventiva na cirurgia anterior. Método: as informações foram obtidas por meio de revisão do processo clínico, entrevista da paciente, registo fotográfico dos métodos diagnósticos aos quais a paciente foi submetida e revisão da literatura. Considerações finais: o caso relatado, e várias publicações levantadas trazem a luz a influência de alguns factores de risco no desenvolvimento da hérnia incisional e a colocação de malha preventiva em pacientes de alto risco como a melhor medida preventiva para a ocorrência da hérnia incisional. Palavras chaves: hérnia incisional, infecção, incisão, sutura, malha. Objective: to report the case of a patient with an incisional hernia in the hypogastric region secondary to an infra-umbilical laparotomy for recession of the ovary cyst on the right and to discuss whether or not the risk factors that the patient presented were preventive mesh in previous surgery. Method: the information was obtained by reviewing the clinical process, interviewing the patient, photographic record of the diagnostic methods to which the patient was submitted and literature review. Final considerations: the case reported and several publications raised bring to light the influence of some risk factors on the development of incisional hernia and the placement of a preventive mesh in high-risk patients as the best preventive measure for the occurrence of incisional hernia. Key words: incisional hernia, infection, incision, suture, mesh. *Médico Residente em Urologia no Departamento de Cirurgia do Hospital Central de Maputo-2020. RELATO DE CASO 2 INTRODUÇÃO A hérnia incisional que é definida como a protrusão ou saída do conteúdo abdominal através de um defeito adquirido da parede abdominal, geralmente é secundária a uma laparotomia, mas também pode ser encontrada em pacientes com antecedentes de cirurgia laparoscópica onde protrusão do conteúdo abdominal acontece ao nível do local de inserção dos trocartes. Há ainda relato de hérnia incisional em locais de inserção de drenos, assim como hérnia incisional secundaria a feridas traumáticas da parede abdominal. A hérnia inciosional corresponde a 15 a 30% de todas as hérnias da parede abdominal e segundo várias bibliografias, 1% de todos os pacientes submetidos a uma incisão abdominal vão desenvolver hérnia incisional. A hérnia incisional está associado a vários factores de risco, os quais são classificados em três categorias, a destacar: os que aumentam a pressão abdominal, os que influenciam negativamente na cicatrização e os relacionados a técnica cirúrgica. Entre os factores de risco de que aumentam a pressão abdominal há que fazer menção a obesidade, ascite, tosse, vómitos, gravidez, DPOC e prostatismo. Quanto a influência negativa ao processo cicatricial, os mais destacados são as infeções das feridas cirúrgicas, a sepse, doenças cronicas como a diabetes mellitus, a hipertensão arterial, o uso cronico de corticoides, anticoagulantes e antineoplásicos. A senilidade, anemia também influenciam negativamente no processo de cicatrização. Quanto a técnica cirúrgica a que destacar que incisões longitudinais, sobre tudo as infra-umbilicais estão associadas maioritariamente a hérnia incisonal quando comparada com as incisões transversais e obliquas. O uso de fios multifilamentares e a realização de suturas das camadas internas do abdómen em pontos separados estão também associados a maior prevalência da hérnia incisonal quando comparada a fios monofilmentares e suturas em pontos contínuos. A hemostasia, assepsia e antissepsia inadequada, assim como a colocação de drenos nos locais de incisão estão também associadas a maior ocorrência da hérnia incisional. Portanto é muito importante o conhecimento e exploração e controlo destes factores de risco antes da realização dos procedimentos cirúrgicos. Porém, reconhece-se que alguns dos factores de risco não são de fácil controlo e alguns pacientes poderão necessitar a 3 realização da intervenção cirúrgica de forma rápida, o que não dará tempo para o adequado controlo dos factores de risco, portanto, neste grupo de pacientes, vários estudos realizados nos últimos anos são unanimes em recomendar o uso da malha como medida preventiva no acto do encerramento da parede abdominal. OBJECTIVO Relatar o caso de uma paciente com hérnia incisional, na região do hipogastro secundária a uma laparotomia infra- umbilical para recessão de quisto do ovário a direita e discutir se com os factores de risco que a paciente apresentava era ou não elegível a colocação de malha preventiva na cirurgia anterior. MÉTODO As informações foram obtidas por meio de revisão do processo clínico, entrevista da paciente, registo fotográfico dos métodos diagnósticos aos quais a paciente foi submetida e revisão de literatura. RELATO DO CASO Anamnese Paciente com as inicias LM, de 74 anos de idade, feminina, negra, doméstica, de nacionalidade Moçambicana, natural do distrito de Bilene, província de Gaza, actualmente a residir no bairro Tsalala, na cidade da Matola, província de Maputo, iniciou o seu seguimento nas consultas externas de Cirurgia do Hospital Central de Maputo no mês de Março de 2020, vindo referida do Serviço de Ginecologia por conta de uma distensão progressiva do abdómen na região de incisão laparotómica no hipogastro de cerca de nove (9) meses de evolução, que teria iniciado três (3) meses depois de uma cirurgia para recessão de um quisto no ovário direito. Para além da distensão abdominal queixa-se ainda de dor abdominal ligeira tipo cólica, intermitente acompanhada por alguns episódios de obstipação intestinal. A paciente apresentava antecedentes de hipertensão arterial há cerca de 30 anos e em tratamento com lisinopril, amilorido+hidroclortiazida e nifedipina, fazia ainda tratamento para diabetes mellitus com metformina e glibenclamida no mesmo período de evolução. Para além do tratamento da diabetes mellitus e Hipertensão Arterial, fazia também profilaxia anti-trombótica com enoxaparina. Tinha antecedentes de outra laparotomia infra-umbilical à cerca de 30 anos por conta de mioma uterino. A paciente foi seguida nas consultas externas durante cinco (5) meses e tendo sido internada no Serviço de Cirurgia III no mês de Agosto de 2020 para a realização de 4 uma intervenção cirúrgica com vista a correção da hérnia. Exame físico No dia de admissão para o internamento (25/08/2020) a paciente estava com o seu estado geral satisfatório, eupneica, afebril, com mucosas coradas, anictéricas, acianóticas, hidratada. Sinais vitais: TA:130/70 mm/Hg, FC:78 b/mim, FR:20 r/min e Ta: 36.4ºc Peso: 100,6kg Altura: 1,62m IMC:38,4 kg/m2 Abdómen distendido, com cicatriz de laparotomia infra-umbilical. Palpava-se um tumoração gigante na região hipogástrica que aumentava com as manobras de valsava e era possível palpar um grande anel herniário. Hipótese diagnóstica Depois da avaliação ficou com os diagnósticos de Hérnia incisional gigante com perda do domicílio, HTA e DM tipo II e foi internada para uma correção cirúrgica da hérnia com uso da malha. Conduta A paciente foi aconselhada a manter a medicação que já vinha fazendo, que era amilorido+hidroclortiada, 55mg 1/2cp/dia, metformina,500mg de 12/12h, omeprazol, 40mg/dia, nifedipina, 30mg, 2cp de 12/12h, glibenclamida, 5mg/dia, Lisinopril, 20 mg/dia, enoxaparina, 40mg/dia, e à esta medicação foi acrescido o paracetamol em comprimido 500mg, 2cp 6/6h. Foi orientada ainda a colocar cinta abdominal antes da cirurgia por um período de 3 semanas. Foi recomendada a seguir uma dieta hiposódica e também dieta específica para o paciente diabético Exames realizados Analítica (hemograma e bioquímica) As análises foram realizadas na admissão do paciente e durante a preparação para o procedimento cirúrgico. O hemograma não apresentou alterações importantes em todas series sanguíneas, apenas o hemograma realizado no dia 07/10/2020, um dia antes da cirurgia revelou uma ligeira trombocitose. Ao nível dos testes bioquímicos ambos testes revelaram ligeira hiponatremia e elevação dos níveis de glicemia. Foi feito o controlo da curva da glicemia durante o internamento e revelou ligeiras alterações da glicemia, com normalização 5 da glicemia em jejum e elevação da glicemia pós-prandial. Tab.1: Hemograma realizado no dia 26/08/2020 aquando da admissão da paciente. Tab.2: Hemograma realizado no dia 07/010/2020 no âmbito do pré-operatório. Atendendo a idade e as co-morbilidades da paciente, foi realizada também o raio-x do tórax em projeção póstero-anterior. Fig1: Raio-x do tórax, PA realizado no dia 01/09/2020 no âmbito da avaliação pré-anestésica, sem alterações importantes. Evolução pré-operatória A paciente evoluiu com ligeira variação dos níveis de glicemia e sem alterações importante dos níveis de tensão arterial. Fez a avaliação pré-anestésica no dia no dia 09 de Septembro de 2020. Conduta cirúrgica Foi submetida a intervenção cirúrgica no dia 08 de Outubro de 2020, com realização de uma hernioplastia. No intraoperatório foi observado um grande defeito da parede abdominal de aproximadamente 14x16cm e apresentava aderências do epíploon maior a parede abdominal interna. A incisão foi realizada sobre a cicatriz anterior e foi feita a dissecção por planos para identificação da aponeurose. Foi feita abertura do peritoneu para o acesso a cavidade abdominal. Realizada a lise das aderências do epíploon maior e devolução do conteúdo herniário, posteriormente foi colocada a malha e foi feito o encerramento da parede abdominal por camadas. Evolução pós-operatória No pós-operatório foi adicionado ampicilina e gentamicina no tratamento e a paciente evolui satisfatoriamente, sem intercorrências. 6 No dia seguinte após a hernioplastia, a paciente foi orientada para voltar a colocar a sinta abdominal. Iniciou a dieta mole no dia 10/10/2020 e no dia seguinte passou para a dieta geral. Teve alta hospitalar no dia 13/10/2020 com antibióticos, analgésicos orais e vitamina C e foi recomendado a fazer penso e tirar os pontos de forma alternada nos dias 16 e 19/10/2020 no centro de saúde local. Recebeu ainda a orientação de seguir com as consultas externas de cirurgia para o controlo pós-operatório e consultas de medicina para o controlo da hipertensão arterial e da diabetes mellitus. CONCLUSÃO A paciente descrita no presente caso clínico apresentava vários factores de risco que a predispunham ao desenvolvimento de uma hérnia incisional, dos factores de risco que a paciente apresentava a que destacar a doenças cronicas que é a hipertensão arterial e a diabetes mellitus já à mais de anos e a toma de anticoagulantes, estes que são grandes factores de risco para a ocorrência de uma cicatrização inadequada. Trata-se ainda de uma paciente idosa, com 74 anos, sendo que a senilidade também está associada a cicatrização deficiente. Outro factor de risco que importa realçar é a obesidade, a paciente tinha um IMC de 38,4 kg/m2 e a obesidade está associada a aumento da pressão abdominal, assim como da cicatrização inadequada. A paciente tinha ainda o antecedente de uma laparotomia infra-umblical por mioma uterino. Portanto, atendendo a estes factores de risco conclui-se que esta paciente já mostrava indícios de desenvolver uma hérnia inciosional e talvez valia apenas que na cirurgia do quisto do ovário tivesse sido feito o encerramento da cavidade abdominal com uso da malha preventiva. Esta conclusão socorre-se com base nos vários estudos realizados para avaliar a eficácia do uso da malha preventiva, os quais todos concluíram que a malha tem mostrado os melhores resultados na prevenção da hérnia inciosional. Pode se citar aqui o estudo publicado em 2017 que foi realizado no Hospital Universitário de Berna, na cidade de Berna em Suíça, um centro de referência que oferece todo o espectro de intervenções cirúrgicas abdominais, onde foram selecionados pacientes com dois (2) ou mais dos seguintes fatores de risco foram incluídos: sobrepeso ou obesidade, diagnóstico de doença neoplásica, ou história de laparotomia anterior. 7 No início foram selecionados 612 pacientes, destes cerca 413 foram excluídos por não atenderem os objectivos do estudo, tendo cumprido com os critérios do estudo cerca 169 pacientes, dos quais 86 fizeram o encerramento abdominal tradicional e 83 fizeram o encerramento com uso da malha. Estes pacientes foram seguidos durante 3 anos após a intervenção para avaliação da ocorrência da hérnia incisonal. No final do estudo, a incidência cumulativa de hérnia incisional foi significativamente menor no grupo de malha em comparação com o grupo de controle (5 de 69 [7,2%] vs. 15 de 81 [18,5%], como pode-se ver nas figuras abaixo. Fig.3: ilustra a distribuição dos pacientes desde a seleção, até ao término dos três anos de seguimento. Fig.4: Curvas de risco cumulativas para hérnia incisional nos grupos de malha e controle, (P=0.03). Outro estudo que se pode partilhar é a revisão sistemática publicada em Septembro de 2020 que avaliou a eficácia do uso da malha preventiva para a prevenção da hérnia incisional. Nesta revisão um total de 3.330 estudos foram identificados inicialmente e após a remoção e exclusão de duplicadas com base no título e resumo, 26 estudos compreendendo 3.000 pacientes, foram incluídos. A incidência de hérnia incisional nestes estudos foi significativamente reduzido para pacientes que usaram a malha preventiva em períodos de acompanhamento de um a cinco anos. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com a revisão da literatura e dos vários estudos analisados, sou da opinião que esta paciente, tal como como outros vários pacientes que são seguidos nas consultas com patologia cirúrgica e que apresentam vários factores de risco para o desenvolvimento de hérnia incisioal deveriam ser submetidos a intervenção cirúrgica com uso da malha preventiva. Há ainda necessidade de serem realizados estudos comparativos das duas técnicas de encerramento da cavidade abdominal em pacientes com factores de risco ao nível do país. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Yagi OK, Speranzini MB, Deutsch, CR. Manual de Diagnóstico e Tratamento para o Residente de Cirurgia. Editora Atheneu, volume 1. Brasil, 2010. Pag: 643- 655. 2. Ferraina P; Oria A. Cirugía de Michans. Editorial El Atheneo. 5ª edição. Argentina, 2008. Pag; 446-449. 3. Townsend CM, Beauchamp RD. Evers BM, Courtney M, Mattox KL. Tratado de cirurgia. A base biológica da prática cirúrgica moderna. 19ª edição. Elsevier Editora Ltd. Volume 1, Brasil. Pag1106-1115. 4. Gutiérrez AJ. Gómez GP. Cirurgia. Elsevier Editora Ltd, Tomo III, Cuba 2007. Pag: 1545-1556 5. Tolosa EMC, Guimarães JS, Margarido NF, Lemos PCP. Técnica cirúrgica. Técnicas anatómicas, fisiopatológicas e Técnicas da Cirurgia. 4ª edição, Atheneu Editora. São Paulo, Brasil. Pag: 491:498. 6. Kohler A, LavanchyJL, Lenoir U, Kurmann A, Candinas D, Beldi G.Efficacy of implantation of prophylactic intraperitoneal mesh to prevent incisional hernia in patients undergoing open abdominal surgery. 21 November 2018. 154 (2): 109- 115. 7. Ahmed J, Hasnain N, Fatima I, et al. (September 16, 2020) Prophylactic Mesh Placement for the Prevention of Incisional Hernia in High-Risk Patients After Abdominal Surgery: A Systematic Review and Meta-Analysis. Cureus 12(9): e10491. DOI 10.7759/cureus.10491 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Beldi%20G%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=30476940 9 8. Processo clínico da paciente. Enfermaria da cirurgia III. Departamento de Cirurgia. HCM
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