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POR QUE LER CAMÕES? Prof. Stélio Furlan De Os Lusíadas tem-se estudado tudo: a fauna, a flora, astronomia, a geologia, e, vastamente, as fontes... a questão que nos ocupa é muito diversa... Em primeira análise, atentemos em como Os Lusíadas, estão construídos para verificarmos que são, não só um prodígio de arte narrativa, como um prodígio de arquitetura significativa. Jorge de Sena. A estrutura de Os Lusíadas, p.57 A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não-dirigido. PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p.15-31, disponível em <www.ufrgs.br/proin/versao_2/textos/paz.doc> Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tem nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana! “esse poema não é um mero discurso poético é uma nova espécie de poesia implicando uma nova maneira do Homem se situar no Universo”. “o maior poeta da língua portuguesa e um dos maiores do ocidente” (LOURENÇO, 2002, p.91). PRODÍGIOS ARQUITETÔNICOS SÉC. XVI Mosteiro dos Jerónimos (Séc XVI), financiado em boa parte pelos lucros do comércio de especiarias http://www.360portugal.com/Distritos.QTVR/Lisboa.VR/monumentos/Jeronimos/ A viagem de Vasco da Gama em busca da “Índia desejada” (1497-1499) http://www.youtube.com/watch?v=JDrXTZKmm-A&feature=relmfu A viagem de Vasco da Gama em busca da “Índia desejada” (1497-1499) OS LUSÍADAS (1572) OS LUSÍADAS ESTRUTURA DA EPOPEIA PROPOSIÇÃO: súmula do poema Assunto grandioso que exprime uma fisionomia coletiva. INVOCAÇÃO: auxílio da Musa Entidade mitológica inspiradora: Tágides DEDICATÓRIA: oferecimento D. Sebastião, rei de Portugal (1554 -1578) NARRATIVA: encadeamento dos episódios Viagem à Índia (1497 e 1499) EPÍLOGO: encerramento Considerações sobre o narrado e sobre a realidade social. CANTO I,I PROPOSIÇÃO As armas e os barões assinalados Que, da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca dantes navegados Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; LUÍS DE CAMÕES OS LUSÍADAS (1572) PROPOSIÇÃO Significações simultâneas As armas e os barões assinalados Citação do verso da Eneida, de Virgílio: Arma virunque cano: Canto as armas e o varão...; Prolepse: antecipação, uma síntese prévia da matéria; Preceito de leitura: indica o modo de ler: o tom não é lírico, mas é “alto e sublime”. CANTO I, 19 Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando; Os ventos brandamente respiravam, Das naus as velas côncavas inchando; Da branca escuma os mares mostravam Cobertos, onde as proas vão cortando As marítimas águas consagradas, Que do gado de Proteu são cortadas, “um mestre da sonoridade e da linguagem” (Ezra Pound) OS LUSÍADAS Aspectos estruturantes 10 cantos 1102 estrofes 8816 decassílabos Oitava rima: abababcc Início da narração in medias res OS LUSÍADAS (1572) narrativa Consílio dos deuses Sustentava contra ele Vénus bela, Afeiçoada à gente Lusitana Por quantas qualidades via nela Da antiga, tão amada, sua Romana; Nos fortes corações, na grande estrela Que mostraram na terra Tingitana, E na língua, na qual quando imagina, Com pouca corrupção crê que é a Latina CANTO I, 33 CAMÕES OS LUSÍADAS[1572] ESTRUTURA DA EPOPEIA NARRATIVA “prodígio de arquitetura significativa” Episódios Inês de Castro (Canto III) Velho do Restelo (Canto IV) Gigante Adamastor (Canto V) Narrações maravilhosas Consílio dos deuses (Canto I) Ilha dos Amores Máquina do Mundo (Cantos IX e X) OS LUSÍADAS (1572) ►NARRATIVA: episódios Inês de Castro CANTO III, 119 Tu, só tu, puro amor, com força crua Que os corações humanos tanto obriga Deste causa à molesta morte sua, Como se fora pérfida inimiga. Se dizem, fero Amor, que a sede tua Nem com lágrimas tristes se mitiga, É porque queres, áspero e tirano, Tuas aras banhar em sangue humano. OS LUSÍADAS (1572) NARRATIVA Velho do Restelo CANTO IV, 94-95 Partida das naus Mas um velho de aspeito venerando, Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, Cum saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito: — “Ó glória de mandar! Ó vã cobiça Desta vaidade a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça C´uma aura popular que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades nele exprimentas! LUÍS DE CAMÕES OS LUSÍADAS (1572) Velho do Restelo Qual em cabelo: "Ó doce e amado esposo, Sem quem não quis Amor que viver possa, Porque is aventurar ao mar iroso Essa vida que é minha e não é vossa? Como, por um caminho duvidoso, Vos esquece a afeição tão doce nossa? Nosso amor, nosso vão contentamento, Quereis que com as velas leve o vento?” [Canto IV, 91] CONEXÕES INTERTEXTUAIS FERNANDO PESSOA MENSAGEM (1934) Mar Português Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. ___________________________________________________ “retoma a fusão das lágrimas com as águas do mar, comunhão mais que perfeita da aventura portuguesa” (Nicola, 1995:80) CONEXÕES INTERTEXTUAIS ►FERNANDO PESSOA MENSAGEM (1934) “Mar Português” Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu. ►Gil Eanes: maio,1434: ultrapassa o “cabo do medo”) ESTRUTURA DA EPOPEIA narrativa LUÍS DE CAMÕES OS LUSÍADAS (1572) “ficção incomparável e única em toda a literatura épica” (BECHARA E SPINA: 1999,153) ADAMASTOR NARRATIVA: episódios ADAMASTOR Canto V Da estrofe 37 à 61 Prosopopeia uma figura de ornamento que consiste em “dar vida e palavra às coisas inanimadas, aos seres abstractos (http://www.edtl.com.pt/) ADAMASTOR Canto V, 39-41 OS LUSÍADAS (1572) ADAMASTOR Uma nuvem, que os ares escurece, Sobre nossas cabeças aparece Tão temerosa vinha e carregada, Que pôs nos corações um grande medo. Bramindo o negro mar de longe brada Como se desse em vão nalgum rochedo. (Canto V,37-38) “harmonia imitativa do rumor estrondoso do mar tempestuoso” OS LUSÍADAS (1572) CANTO V, 55 GIGANTE ADAMASTOR Já néscio, já da guerra desistindo Uma noite, de Dóris prometida, Me aparece de longe o gesto lindo. Da branca Thetis, única, despida, Como doudo corri, de longe abrindo Os braços, pera aquela que era vida Deste corpo, e começo os olhos belos A lhe beijar, as faces e os cabelos. “passagens de altíssima fulgurância poética que humanizam a figura do bruto” Não confundir com Téthys: esposa de Oceano OS LUSÍADAS (1572) GIGANTE ADAMASTOR Oh, que não sei de nojo como o conte! Que, crendo ter nos braços quem amava, Abraçado me achei c´um duro monte De áspero mato e de espessura brava. Estando c´um penedo fronte a fronte, Que eu pelo rosto angélico apertava, Não fiquei homem, não, mas mudo e quedo E junto dum penedo outro penedo! Miradouro de Santa Catarina (Lisboa) CANTO V, 56 GIGANTE ADAMASTOR Converte-se-me a carne em terra dura, Em penedos os ossos se fizeram, Estes membros que vês e esta figura Por estas longas águas se estenderam; Enfim, minha grandíssima estatura Neste remoto cabo converteram Os Deuses, e por mais dobradas mágoas, Me anda Thetis cercando destas águas. Miradouro de Santa Catarina (Lisboa) CANTO V, 59 Cabo da Boa Esperança (África do Sul) emulação “ imitação dos antigos” ADAMASTOR Me aparece de longe o gesto lindo Da branca Thetis, única, despida, Galatéia? “donzela branca” Fonte: Ovídio: Metamorfoses (8 dC) Filha de Nereu (dom da profecia) e de Dóris (fecundidade feminina do mar) Polifemo: cíclope Ácis (sangue = rio) Acis e Galatea Antoine Jean Gros, 1833 GIGANTE ADAMASTOR Significações simultâneas Aproveitamento motivos célebres conforme a tradição clássica I. Gigantomachia (épico): Damastor II. Polifemo e Galatéia (bucólico) III. Anagrama: Cabo das Tormentas Justaposição de elementos Tom lírico (elegíaco) de melancolia encarna as infelicidades do sentimento amoroso desespero dos vencidos Tom trágico: profetiza “duros fados” Tom épico: euforia da celebração heroica da navegação lusa OS LUSÍADAS (1572) GIGANTE ADAMASTOR Cabo da Boa Esperança (África do Sul) Significações simultâneas Narrativa alegórica aplicável à realidade histórica dos fatos Tópico cultural: personificação dos perigos do mar: “simboliza as dimensões míticas do mar tenebroso” “celebração vibrante da vitória do ser humano sobre os elementos da natureza” (TEIXEIRA:1999, 193) Portal entre o ocidente e o oriente. LUÍS DE CAMÕES OS LUSÍADAS (1572) “ficção incomparável e única em toda a literatura épica” (BECHARA E SPINA: 1999,153) ADAMASTOR ESTRUTURA DA EPOPEIA narrativa OS LUSÍADAS (1572) Canto IX-X ILHA DOS AMORES OS LUSÍADAS (1572) Canto IX-X ILHA DOS AMORES 87 Tomando-o pela mão, o leva e guia Pera o cume dum monte alto e divino, No qual uma rica fábrica se erguia, De cristal toda e de ouro puro e fino. A maior parte aqui passam do dia, Em doces jogos e em prazer contínuo. Ela nos paços logra seus amores, As outras pelas sombras, entre as flores. “erguido cume” Diz-lhe a Deusa"erguido cume” Diz-lhe a Deusa: "O transunto, reduzido em pequeno volume, aqui te dou do Mundo aos olhos teus, para que vejas por onde vás e irás e o que desejas. Canto X, 79,Os Lusíadas (1572) OS LUSÍADAS (1572) Canto IX-X MÁQUINA DO MUNDO OS LUSÍADAS (1572) MÁQUINA DO MUNDO CANTO X Descrição dos planetas em sua organização cósmica: Tratado da Sphera, de Sacrobosco (séc XII) traduzido, por Pedro Nunes em 1537 LUÍS DE CAMÕES Os Lusíadas (1572) É clássico aquilo que persiste como rumor... (Ítalo Calvino) Os Lusíadas, por José Luís Peixoto http://www.joseluispeixoto.net/76546.html LUÍS DE CAMÕES Os Lusíadas (1572) É clássico aquilo que persiste como rumor... (Ítalo Calvino) És a linguagem (...) Camões, oh som de vida ressoando em cada tua sílaba fremente de amor e guerra e sonho entrelaçados! [Carlos Drummond de Andrade. “Camões: História, Coração, Linguagem”, in A PaixãoMedida, 1980] Retrato de Camões, por Fernão Gomes, único testemunho de vera efígie (1573)
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