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05 HISTORIA LINGUAGEM E NARRATIVA

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TEORIA DA 
HISTÓRIA E 
HISTORIOGRAFIA 
Eduardo Pacheco Freitas
História, linguagem 
e narrativa
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Definir a especificidade da narrativa histórica nas ciências sociais e 
na história.
  Identificar as construções constituintes do discurso histórico na escrita 
da história.
  Analisar as relações entre a história, o simbólico e o imaginário.
Introdução
A partir da segunda metade do século XX, o campo da história foi re-
novado, com a definição de novos objetos de estudo. A história passou 
por um verdadeiro desafio, proposto pelas ciências humana e da co-
municação. Linguística, psicologia, antropologia, sociologia e etnologia 
tornaram-se referências para o ofício do historiador, ampliando-se assim 
seus horizontes temáticos e de pesquisa na interface com essas ciências.
Dentre as novas perspectivas historiográficas, ganharam relevância as 
conexões entre história e narrativa, o estudo da linguagem e a intersecção 
entre mentalidade, imaginário e simbólico com a história. Assim, novos 
estudos surgiram, contribuindo decisivamente para a criação de novas 
subespecialidades no campo da historiografia. 
Neste capítulo, você vai compreender a especificidade da narrativa 
histórica e compreender como esta e o discurso histórico são constituídos. 
Você também vai entender as relações entre a história, o simbólico e o 
imaginário.
A narrativa histórica e suas especificidades
O conceito de narrativa histórica
Provavelmente, quando você lê ou ouve a palavra narrativa, a primeira coisa 
que lhe vem à mente é uma história contada, seja oralmente, seja de maneira 
escrita. Isto é, algo que foi ou é narrado por alguém. De certa forma, é isso que 
ocorre quando um historiador, com base em suas fontes, produz seus artigos 
ou livros. Ele está contando uma história, reconstruída no presente, através de 
uma narrativa de eventos ocorridos no passado, que são explicados à luz de seu 
arcabouço teórico. No entanto, no âmbito das ciências sociais e da história, o 
termo adquire conotações bastante específi cas (não raro polissêmicas), o que 
exige um estudo mais aprofundado a respeito.
Desde os tempos mais remotos, o ser humano conta histórias, frequente-
mente representações da forma como sua respectiva sociedade vê a si mesma 
e o mundo ao seu redor. Com a narrativa histórica acontece o mesmo, pois ela 
é sempre produto da sua época. Um historiador do século XXI não pesquisa 
a história, não a compreende e não escreve seus trabalhos da mesma forma 
que um historiador do século XIX. Isso se dá devido a uma série de fatores, 
sejam eles materiais, sociais, culturais e/ou ideológicos. Todos esses elementos 
exercem influência preponderante na historiografia. Aliás, o estudo da história 
da historiografia acaba nos mostrando que um trabalho histórico diz tanto 
sobre sua própria época quanto sobre o passado que busca narrar.
Nesse aspecto, convém lembrarmos da importância que a cultura histórica 
adquire nas instituições sociais. De acordo com Rüsen (2014, p. 102): “[...] 
nenhum sistema de dominação pode renunciar à cultura histórica enquanto 
instância de legitimação, e a crítica da legitimação sempre recorre também à 
argumentação história”. Ou seja, a história possui seus usos sociais, calcados 
sobre os diferentes modos em que a consciência histórica atua (funcional, 
reflexivo e pragmático), sobretudo no modo “funcional”. Neste modo, a cons-
ciência histórica é um fator da realidade, situando-se onde os seres humanos 
são “construídos”, ou seja, nas instituições em que recebem sua formação 
cultural, tais como a escola e a família (RÜSEN, 2014).
Mas para que você possa entender melhor a relação entre narrativa e pes-
quisa histórica, devemos, inicialmente, conceituá-la. De acordo com White 
(1995, p. 11): “[...] o trabalho histórico [...] é uma estrutura verbal na forma 
de um discurso narrativo em prosa”. A narrativa histórica é composta em 
primeiro lugar por fatos, e estes fatos são explicados por conceitos teóricos, 
História, linguagem e narrativa2
caracterizando a estrutura verbal e discursiva recém-referida. Em um segundo 
momento, esta estrutura, apresentada em forma de texto, nada mais é do que 
a representação, de maneira encadeada, do conjunto desses acontecimentos 
que tiverem lugar no passado.
O giro linguístico (linguistic turn)
Em meados do século XX, a historiografi a sofreu uma grande reviravolta a 
partir do que se convencionou chamar de “linguistic turn” (giro linguístico), 
iniciado pelo historiador americano Hayden White (1928–2018), um dos grandes 
teóricos da história do século passado. De acordo com Silva (2015), o giro 
linguístico foi um verdadeiro “desafi o” à historiografi a, como veremos adiante. 
Antes é preciso estabelecermos defi nições precisas para conceitos importantes 
dentro da historiografi a.
O primeiro deles é o conceito de “acontecimento”. O objeto principal da 
história são os acontecimentos, ou seja, aqueles fatos ocorridos e que não se 
repetirão. Mas a questão se torna um pouco mais complexa quando percebemos 
que não é qualquer acontecimento que se torna objeto da história, devendo 
existir, então, algo que particularize este evento a fim de torná-lo “histórico”. 
Dessa forma, é preciso descartar a materialidade de um acontecimento como 
fator que o faça ser objeto da história. Um exemplo esclarecedor: a população 
de Paris passava diariamente em frente à Bastilha, mas somente no dia 14 de 
julho de 1789 é que ela foi tomada por essa mesma população, dando início à 
Revolução Francesa. Portanto, “[...] o que definitivamente individualiza um 
acontecimento é o fato de que ele acontece em um determinado momento” 
(CARDOSO JÚNIOR, 2005, documento on-line).
Paul Veyne (1930–), historiador francês, pode ser reconhecido como o criador do 
conceito de “acontecimento” no âmbito da história. Veyne tornou-se uma referência 
nos estudos sobre a epistemologia das ciências humanas, procurando estabelecer 
conexões entre o trabalho narrativo do historiador e seus esforços teórico-conceituais. 
Aproximando-se teoricamente da filosofia de história de Michel Foucault (1926–1984), a 
obra de Veyne esforça-se, através da articulação entre filosofia e história, em determinar 
as condições históricas que possibilitam os “acontecimentos”.
3História, linguagem e narrativa
O segundo conceito é o “discurso”. Desde os trabalhos pioneiros da escola 
dos Annales, houve uma multiplicação dos discursos historiográficos. Desde a 
história cultural, passando pela história das ideias e chegando à micro-história, 
o trabalho do historiador foi retalhado em diversas subespecialidades, cada 
qual com seus respectivos discursos. Mas afinal, o que se deve entender por 
“discurso” na produção do historiador? É especificamente o seu trabalho, o 
relato que ele produz sobre os acontecimentos, ao buscar reconstituir, através 
de um processo narrativo lógico, os fatos do passado. Nesse processo, utiliza-
-se de aparatos conceituais específicos, de maneira que cada tipo de produção 
historiográfica irá lançar mão de seus próprios conceitos, que determinam, 
assim, o formato discursivo.
A partir do uso da expressão “giro linguístico”, decorre um debate envolvendo 
aquilo que se diz sobre o real e a forma como é dito (isso é importante, pois 
tange diretamente o trabalho do historiador, que é por definição narrativo). A 
discussão gira em torno da seguinte pergunta: o objeto da interlocução (aquilo 
sobre o que o historiador está falando) é uma questão de linguagem ou uma 
questão de fato? É dessa forma que se estabelece o interesse da filosofia da 
linguagem pela história. Para o filósofo Jacques Derrida (1930–2004), o discurso 
é autorreferente, ou seja, nada há fora dele, havendo assim a autonomia da lin-
guagem, que é contida em si própria. Roland Barthes (1915–1980) é ainda mais 
radical que Derrida, e propõe que o fato possui somente existência linguística.
De acordo com Silva(2015, documento on-line):
[...] o giro linguístico veio a tornar-se um rótulo conveniente para evocar a 
afirmação de que a linguagem é autorreferente. Ou seja, no lugar da ideia de que 
a linguagem se constitui basicamente como um meio para referir-se a objetos 
do mundo real (portanto como um elemento neutro para referir-se, nomear 
ou qualificar o real), ela possui sua especificidade e está longe de ser neutra.
Assim, é ponto pacífico que o historiador não possui neutralidade ao pro-
duzir sua narrativa, já que é impossível que qualquer tipo de discurso se refira 
à realidade sem qualificá-la.
No entanto, ao se falar em giro linguístico no âmbito da história, estabelece-
-se associação imediata com Hayden White (1928–2018). White inspirou-se 
nos trabalhos de Derrida e Barthes para criar sua própria teoria a respeito da 
linguagem na história, explicitada no livro Meta-história, publicado em 1992. 
Para White, a narrativa histórica, na sua impossibilidade de apreender objeti-
vamente os acontecimentos históricos, já que o historiador não possui acesso 
direto a eles, trata-se exclusivamente de uma produção literária. Este foi o grande 
História, linguagem e narrativa4
desafio do giro linguístico à historiografia, causando forte polêmica entre os 
historiadores. White enfocou a situação da seguinte forma: quem desejar ser um 
historiador deve escrever menos, caso contrário deverá se dedicar à literatura.
A resposta veio de diversas formas, com alguns historiadores garantindo 
que White não teve influência alguma sobre a historiografia desde então e com 
outros afirmando que a partir do giro linguístico houve uma transformação 
na historiografia. Alguns trabalhos de história foram produzidos seguindo 
as concepções de White, nos quais a narrativa é deixada de lado e são feitas 
compilações, quase que de maneira enciclopédica, de fatos, características, 
grandes nomes e reproduções de textos de uma determinada época. Contudo, 
mesmo em um livro elaborado de tal forma, sempre haverá a subjetividade do 
historiador, que atuou na escolha dos temas, na ordem em que foram elencados, 
no título da obra etc.
Formação do discurso histórico
e da escrita da história
Tempo histórico e escrita da história
De acordo com o pensamento do historiador alemão Reinhart Koselleck 
(1923–2006), a história não é composta por fatos, mas sim por aquilo que se 
escreve sobre eles. Koselleck tem sido um dos autores mais lidos em termos 
de teoria da história e da sua ligação com o campo da comunicação e da 
linguagem. Isso se dá por duas questões básicas: a primeira delas diz respeito 
às constantes preocupações dos historiadores em relação ao método histórico; 
em segundo lugar, a importância que adquire, a partir da intersecção entre 
história e linguística, o cuidado que o historiador deve reservar ao uso das 
palavras e dos conceitos na escrita da história.
Uma das hipóteses centrais da obra de Koselleck reside nas relações 
entre a experiência do passado e a expectativa sobre o futuro. Para o autor, 
os modos como uma determinada sociedade lida com o seu passado (ex-
periência) ao mesmo tempo em que projeta o seu futuro (expectativa) é o 
que constitui o tempo histórico. Em miúdos: o tempo histórico é o tempo 
que surge da consciência humana. É o tempo que não é o natural, pois o 
presente se alonga, mantendo as mesmas relações entre passado e o futuro, 
durante muito tempo.
Koselleck nos fornece alguns exemplos de relacionamentos entre presentes 
com seus passados e futuros, sob a perspectiva europeia (REIS, 1996), mas 
5História, linguagem e narrativa
bastante significativas na demonstração de que o próprio histórico é histórico. 
A antiguidade é a época da historia magistra vitae (história mestra da vida), em 
que a experiência se sobrepunha à expectativa, pois era justamente a primeira 
que se impunha à segunda. No medievo, o tempo se acelera, pois a escatologia 
cristã (doutrina do fim dos tempos) aguarda para breve o juízo final. Nos tempos 
modernos, a partir do século XVI, a separação entre passado e futuro torna-se 
larga novamente. Contudo, o passado já não serve de lição, o que importa é a 
ação no presente para a chegada do futuro. Por fim, na contemporaneidade a 
aceleração do tempo é diminuída, devido ao controle técnico da natureza, que 
leva ao planejamento e a um ritmo próprio para tomada de decisões. Todas 
essas formas de percepção do tempo histórico tornam-se constituintes do 
discurso e da escrita da história correspondentes a cada período.
Para aumentar seus conhecimentos sobre as novas formas de narrativa histórica, leia o 
livro A escrita da história: novas perspectivas. A obra, organizada pelo célebre historiador 
Peter Burke, apresenta uma coletânea de artigos em que são discutidos os novos 
formatos de escrita da história. De autoria de historiadores das mais diversas correntes 
historiográficas, os textos formam um relevante apanhado acerca das tendências da 
história surgidas nas últimas décadas.
Atualmente, na escrita acadêmica, é exigido do historiador um estilo conciso 
e objetivo, que vá direto ao ponto, sem espaço para o desenvolvimento de uma 
narrativa mais imaginativa que se valha de técnicas literárias. Da mesma forma, 
há uma padronização da forma de estruturar o texto, o que pode ser facilmente 
verificado em repositórios de dissertações e teses de ciências humanas.
Frequentemente, em cada nova época, declara-se morto aquilo que o 
precedeu. Dessa forma, constitui-se um desejo de diferenciação do tempo 
passado, que é expresso, geralmente, nas grandes rupturas históricas, como 
as revoluções, por exemplo. Essa situação acaba por influenciar o trabalho 
dos historiadores, pois novas construções da história surgem relacionadas às 
novas percepções do tempo. 
Na lista a seguir, você poderá verificar importantes correntes historiográ-
ficas contemporâneas, que apresentam seus próprios discursos e maneiras 
peculiares de escrita da história:
História, linguagem e narrativa6
  Micro-história: tipo de historiografia com origem na Itália a partir dos 
anos 1970. Faz um recorte extremamente específico, como, por exem-
plo, no livro O queijo e os vermes, de Carlo Ginzburg, que reconstrói 
em detalhes a vida de um homem do final da Idade Média. Principais 
historiadores: Carlo Ginzburg e Giovanni Levi.
  História das mulheres: surge a partir da década de 1970 nos Esta-
dos Unidos, com objetivo de preencher uma lacuna na academia, que 
até então não havia realizado reflexões consistentes sobre o papel da 
mulher na história. Está ligada à luta das mulheres por direitos iguais 
(feminismo) e tem como sua principal historiadora Joan Scott.
  História oral: os historiadores que se utilizam de fontes orais possuem 
uma metodologia própria de entrevistas, que difere das realizadas por 
jornalistas, em que a subjetividade da fala, das pausas e das rememora-
ções são fundamentais. É importante para o estudo de sociedades que 
não registraram sua história por escrito e para a formação de memória 
a partir do relato de testemunhas de eventos históricos. Verena Alberti 
é uma das grandes referências neste campo.
  História da leitura: estuda quem lê, o que lê e como lê ao longo do 
tempo. Parte do princípio de que a leitura também é histórica, possuindo 
diferentes significados no tempo e no espaço. A leitura é um fenômeno 
social, que pode revelar, através das reações dos leitores, importantes 
informações sobre as sociedades do passado. O historiador mais im-
portante dessa corrente historiográfica é Robert Darnton.
  História das imagens: a partir dos anos 1970, surge entre os historia-
dores o interesse pela chamada cultura pop, que tem nas imagens uma 
de suas grandes expressões. É a partir daí, numa sociedade cada vez 
mais mediatizada pelas imagens (publicidade, fotojornalismo, cinema, 
televisão) que se tornam relevantes os estudos sobre seu desenvolvimento 
histórico. Ivan Gaskell é um dos autores de referência na história das 
imagens.
  História do corpo:Até mesmo o corpo humano pode ser problematizado 
como uma construção histórica. Nas muitas sociedades que existiram 
ao longo dos séculos, a visão a respeito do corpo modificou-se radical-
mente. Da celebração do nu dos antigos gregos à total repressão do corpo 
na Idade Média, suas representações foram vivenciadas e expressas de 
maneira complexa. Portanto, o corpo se torna objeto da investigação 
histórica a partir de suas percepções. O historiador Roy Porter foi um 
dos grandes nomes desta modalidade de investigação histórica.
7História, linguagem e narrativa
A Nova História Cultural
A partir das últimas décadas do século XX e início do século XX, diversas 
correntes historiográfi cas surgiram e podem ser agrupadas no que se con-
vencionou chamar de Nova História Cultural. Enquanto nas décadas de 1950 
a 1970 houve o predomínio da história econômica, de lá para cá houve um 
ressurgimento da história política (que pode ser chamada de Nova História 
Política), ao mesmo tempo em que novos campos de estudos foram abertos 
no âmbito da cultura. Portanto, nos últimos anos grande parte da produção 
historiográfi ca tem se situado em uma ou outra corrente.
Para compreendermos adequadamente o instrumental teórico e conceitual 
da Nova História Cultural, é preciso que tenhamos em mente os seguintes 
conceitos: práticas, representações, ideologia, imaginário e cultura política.
Práticas e representações são duas noções complementares. José 
D’Assunção Barros (2011) nos apresenta um exemplo bastante didático sobre 
como esses dois conceitos podem ser utilizados pelo historiados a fim de 
compreender as transformações históricas. Imagine um mendigo que vivesse 
na Idade Média. Na época, ele era tido como importante instrumento que 
servia para a salvação dos ricos, que obtinham o perdão dos seus pecados 
por meio do ato de dar a esmola. Avançando no tempo e chegando ao perí-
odo da acumulação primitiva do capital — quando, sob o ponto de vista da 
burguesia que começava a se consolidar como classe dominante, nenhum 
braço poderia ficar livre do trabalho, pois assim não produziria riqueza — a 
representação da prática social da mendicância é transformada. Nessa nova 
época, os mendigos passam a ser perseguidos e surge legislação com vistas 
a combater a “vadiagem”.
Para aprofundar seus conhecimentos sobre o conceito de "cultura política", você deve 
ler o livro Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história, 
organizado pelas professoras Rachel Soihet, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima 
Gouvêa. Você deve atentar especialmente para o artigo “História, historiografia e cultura 
política no Brasil: algumas reflexões”, da historiadora Ângela Maria de Castro Gomes. 
No texto, a autora elabora um instigante estudo acerca das relações entre o conceito 
de cultura política e historiografia.
História, linguagem e narrativa8
Por sua vez, a ideologia (já antecipada como objeto por Marx e Engels) 
também é fundamental nos novos estudos culturais. A história cultural entende 
ideologia como uma forma de construção ou organização das representações, 
de maneira a atender interesses gerais das classes dominantes. Até que ponto 
a ideologia é “planejada” ou espontânea ainda é causa de debates dentro das 
ciências humanas.
Já o imaginário é uma categoria conceitual que surge a princípio na seara 
da psicologia, tornando-se a seguir polissêmica dentro dos estudos histórico-
-culturais. No entanto, o imaginário costuma ser concebido como a fonte de 
tudo que a humanidade produz, sendo, ao mesmo tempo, sua capacidade 
de criação e o “[...] campo de suas produções imaginárias” (CRUZ, 2015, 
documento on-line).
Por último, temos o conceito de cultura política, que surge aproximada-
mente na década de 1960. Nas investigações da história cultural, a cultura 
política serve como parâmetro para a correta compreensão das expressões e 
significados de um determinado sistema político, assim como este é sentido 
e avaliado pela sociedade da qual faz parte.
Como visto, com o advento da Nova História Cultural, uma série de novos 
conceitos passaram a ser utilizados pelos historiadores. Esse novo arcabouço 
conceitual teve grande impacto na maneira como a história passou a ser escrita 
entre o final do século XX e início do XXI. Novas abordagens, novos questio-
namentos e, sobretudo, novos modelos explanatórios da história e da sociedade 
agem como determinantes na construção dos discursos históricos atuais.
Roger Chartier é um dos nomes mais importantes da Nova História Cultural francesa. 
Confira no vídeo disponível no link a seguir uma fala do historiador, em que ele tece 
importantes considerações sobre como cada período histórico produz seus próprios 
tipos de documentos.
https://qrgo.page.link/WmQ7E
9História, linguagem e narrativa
Relações entre a história, o simbólico
e o imaginário
O símbolo na narrativa histórica
A própria narrativa histórica possui sua historicidade. Os modos de se escrever 
a história mudam com o passar do tempo, apresentando em cada etapa histórica 
características relacionadas aos modos de pensar e agir da sociedade que 
os produz. Conceber o desenvolvimento histórico humano é uma atividade 
intelectual e, como toda atividade desse tipo, sofre infl uências dos meios 
materiais onde se insere e, sobretudo, das ideias dominantes, dos imaginá-
rios e das formas de simbolismo presentes. Assim, a relação entre estes e a 
história é um dado que não pode ser descartado; ao contrário, é uma ligação 
que nos permite compreender as origens de determinados discursos históricos 
(CARDOSO, 2000).
De acordo com Levi (2014), o trabalho do historiador consiste, grosso 
modo, em pesquisar, resumir (escrever) e comunicar. Portanto, o centro da 
sua atividade enquanto pesquisador da história é o texto. Mas como podemos 
definir precisamente, para nosso propósito aqui, o que é um texto?
Um texto é uma coleção de símbolos, que tem por objetivo recriar de-
terminadas situações reais ou então conceitos de maneira concreta. Dessa 
maneira, o trabalho do historiador torna-se completamente ligado ao fato de 
que a recriação do passado a que ele se propõe é uma atividade eminentemente 
simbólica (TRAVERSO-YÉPEZ, 1999). O historiador não consegue reproduzir 
fidedignamente um acontecimento do passado. Em primeiro lugar, ele recria 
esse acontecimento em sua mente, em forma de pensamento, para em seguida 
expressá-lo através do texto (a linguagem pela qual expressa seu pensamento), 
em forma de símbolos coerentes e significativos. Desse modo, é criada uma 
“ponte” entre o passado, ele e o leitor.
O simbólico e a história
No âmbito das ciências humanas, os estudos envolvendo o simbólico têm 
crescido signifi cativamente nas últimas décadas. Até então, a história estava 
basicamente focada em estudos econômicos e sociais, sendo surpreendida pelo 
pioneirismo de áreas como linguística, psicologia, antropologia, etnologia e 
sociologia nos usos dos conceitos de símbolo e de representações em seus 
História, linguagem e narrativa10
estudos. Os historiadores reagiram a esse desafi o ampliando enormemente 
seus horizontes de pesquisa, incluindo diversos temas que até então não eram 
prioritários dentro da história. Esses novos objetos de pesquisa situam-se 
dentro do campo do imaginário e do simbólico. Como exemplo, podemos citar, 
como recorda Chartier (1991, documento on-line), “[...] as atitudes perante a 
vida e a morte, os rituais e as crenças, as estruturas de parentesco, as formas 
de sociabilidade, os modos de funcionamento escolares etc.”. Portanto, surge 
a chamada “história das mentalidades” (conhecida também por “psicologia 
histórica”), que se estrutura basicamente sobre os territórios desbravados por 
antropólogos, sociólogos etnólogos etc.
Um exemplo elucidativo a respeito do uso do simbólico e das representações na 
historiografia contemporânea está no trabalho de historiadores da Idade Média. Quando 
um príncipe morria, eram colocados sobre seuesquife manequins de madeira ou de 
cera; dessa forma, quem presenciasse o cortejo fúnebre não enxergaria diretamente 
o corpo do morto, mas a sua representação. Outra relação simbólica importante é 
aquela entre os símbolos heráldicos e características morais: o leão simbolizava o valor; 
o pelicano, o amor materno, etc. Assim, essas representações simbólicas adquirem 
grande relevância para o trabalho do historiador (BARROS, 2007).
Imaginário e história
Frequentemente, a história do imaginário é confundida com a história das 
mentalidades, equívoco que se explica devido à similaridade dos problemas 
que cada uma delas se ocupa. Ambas se situam dentro do campo das re-
presentações; no entanto, é necessário que seja estabelecida uma distinção 
entre elas.
A história das mentalidades trabalha com a ideia de que em toda e qualquer 
sociedade existe uma "mentalidade coletiva", um tipo de estrutura ou hábito 
mental comum a todos os seus membros. Essa estrutura se transforma len-
tamente, às vezes levando séculos ou até mesmo milênios para desaparecer. 
Lucien Febvre exemplifica o que seria uma mentalidade coletiva de maneira 
muito clara: aquilo que une César ao seu último legionário; ou o camponês 
11História, linguagem e narrativa
que ara as terras de São Luís; ou ainda Colombo ao marujo mais humilde 
de sua caravela. Portanto, as mentalidades coletivas são as sensibilidades, 
os pensamentos e as emoções comuns, independentemente de classe social, 
idade ou gênero, a todos os integrantes de uma determinada formação social.
Já a história do imaginário, de acordo com Barros (2007, documento on-line):
[...] estuda essencialmente as imagens produzidas por uma sociedade, mas 
não apenas as imagens visuais, como também as imagens verbais e, em úl-
tima instância, as imagens mentais. O imaginário será aqui visto como uma 
realidade tão presente quanto aquilo que poderíamos chamar “vida concreta”. 
O imaginário mostra-se, dessa forma, uma dimensão tão significativa das 
sociedades humanas quanto aquilo que corriqueiramente é encarado como 
a realidade efetiva.
Um exemplo que confirma essa perspectiva histórica é das pessoas que 
participaram das Cruzadas. Elas não foram motivadas por razões econômicas 
ou políticas, mas, sobretudo, pelo imaginário cristão e do cavaleirismo.
Dessa forma, enquanto a história das mentalidades aproxima-se da psico-
-história — analisando, por exemplo, o papel da família na sustentação da 
ordem política e econômica vigente, a partir de seu papel na formação do caráter 
dos indivíduos, como sustenta Wilhelm Reich — a história do imaginário 
tem outras preocupações. Ela se ocupa mais detidamente das conexões entre 
imagens visuais, verbais e mentais e a vida cotidiana de uma sociedade. Assim, 
observa objetos mais bem definidos, como repertórios de símbolos e imagens, 
padrões de representação, papéis sociais e/ou políticos de determinados rituais 
e cerimônias, os temas mais comuns na literatura, modos de vestir etc.
Alguns dos autores com trabalhos mais relevantes dentro da história do 
imaginário foram Georges Duby (1919–1996), Cornelius Castoriadis (1922–
1997) e Jacques Le Goff (1924–2014). Marc Bloch (1886–1944), embora não 
seja considerado exatamente um historiador do imaginário, produziu uma 
grande obra dentro deste campo, intitulada Os reis taumaturgos. Dentro dos 
domínios da história nos tempos atuais, todos esses autores são considerados 
indispensáveis para que pesquisas expressivas e de qualidade sejam produzidas 
na tendência historiográfica da história cultural.
Enfim, podemos afirmar que existem grandes interações entre o imagi-
nário, o simbólico e a história em diversos campos da história da atualidade. 
Dessa maneira, os pesquisadores têm ampliado de forma substancial o seu 
História, linguagem e narrativa12
escopo de investigações. Sem dúvida alguma, todos esses avanços dentro da 
historiografia têm proporcionado novas e instigantes visões a respeito dos “ho-
mens no tempo”, desde que novos objetos, antes desconsiderados, assumiram 
importância central na historiografia. Assim, o passado pode ser mais bem 
compreendido, assim como as relações que os seres humanos estabelecem uns 
com os outros, com o meio em que vivem e com os elementos que servem de 
mediação para estes encontros.
Marc Bloch publicou em 1924 o livro Os reis taumaturgos: estudo sobre o caráter sobrenatural 
atribuído ao poder régio particularmente na França e na Inglaterra, um monumental estudo 
que pode ser considerado precursor no campo da história do imaginário. A obra trata 
do ritual de cura das escrófulas (feridas resultantes da infecção nos gânglios linfáticos), 
que os reis da França e da Inglaterra promoveram entre os séculos XI e XVII (Figura 1). 
Bloch analisa como essa prática tinha grande influência sobre os aspectos políticos e 
mentais daquelas sociedades.
Figura 1. Luís XIV tocando as escrófulas (Jean Jouvenet, 1690). O ritual de cura das escrófulas 
praticado pelos reis da França e da Inglaterra exercia grande influência sobre o imaginário 
dos seus súditos.
Fonte: Célébrer... (2018, documento on-line).
13História, linguagem e narrativa
BARROS, J. D. A nova história cultural: considerações sobre seu universo conceitual e 
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BARROS, J. D. História, imaginário e mentalidades: delineamentos possíveis. Conexão 
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etc/revistas/index.php/conexao/article/view/191. Acesso em: 5 ago. 2019.
CARDOSO JÚNIOR, H. R. Acontecimento e história: pensamento de Deleuze e problemas 
epistemológicos das ciências humanas. Trans/Form/Ação, v. 28, n. 2, p. 105–116, 2005. 
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/trans/v28n2/29417.pdf. Acesso em: 5 ago. 2019.
CARDOSO, I. Narrativa e história. Tempo Social, v. 12, n. 2, p. 3–13, 2000. Disponível em: 
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CÉLÉBRER Noël à la Cour sous l’Ancien Régime. Plume d’histoire, 2018. Disponível em: http://
plume-dhistoire.fr/celebrer-noel-a-la-cour-sous-lancien-regime/. Acesso em: 5 ago. 2019.
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