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(...) a prescrição penal é um limite racional pelo qual o poder punitivo do Estado não pode avançar. Signifi ca dizer que não se justifi ca a manutenção de uma pretensão punitiva ad eternum, pois a necessidade do reforço dos valores morais com a aplicação de uma pena se enfraquece com o decurso do tempo, chegando a um ponto que a aplicação da pena deixa de ter fi nalidade. Em outras palavras, o tempo esmaece ou, até mesmo, apaga a lembrança do fato punível fazendo cessar o desequilíbrio social causado pelo crime. (...) Em termos técnico-jurídicos, o instituto da prescrição penal consiste na causa de extinção da punibilidade pelo transcurso do tempo. Trata-se de uma autolimitação do jus puniendi do Estado levado a efeito por razões de política criminal e que decorre da perda de interesse em punir determinadas condutas, tendo em conta o lapso temporal transcorrido e a consequente ausência de fi nalidade na aplicação e/ou cumprimento da pena. Advogado. Doutor e Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Professor de Direito Penal e Processo Penal em diversos cursos de pós-graduação. Pales- trante e autor capítulos de livros e artigos jurídicos. MARCELO MARCANTE “Prescrição não é tema fácil, seja pelo viés dog- mático, seja pelas profundas consequências ju- rídicas e sociais de sua incidência. Para o Direito Penal, a prescrição fulmina justa- mente aquilo que lhe justifi ca a própria existên- cia, seja aniquilando a imposição, seja afastando a execução da pena correspondente a eventual delito praticado pelo sujeito. Para a sociedade - principalmente como a nos- sa, que se ajoelha para dogmas de punição ex- tremada como instrumento político e discursos sobre a segurança pública - o Poder Judiciário não apenas demonstra sua inefi ciência como, além, o grau de impunidade que atinge deter- minados segmentos sociais. É, para o público, instituto que jamais deveria existir. Justamente por sua importância dogmática e prática em uma sociedade dominada pela cultura do litígio que a presente obra já nasce como imprescindível.” DANIEL GERBER http://cursosementorias.com.br/prescricao MARCELO MARCANTE PRESCRIÇÃO PENAL NA PRÁTICA © 2020 – Editora Canal Ciências Criminais Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/1998) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei nº 10.994, de 14 de dezembro de 2004. Direção Editorial Bernardo de Azevedo e Souza Conselho Editorial Capa e projeto gráfico Estúdio Xirú Diagramação Caroline Joanello Impressão e acabamento Gráfica Evangraf André Peixoto de Souza Diógenes V. Hassan Ribeiro Fauzi Hassan Choukr Fernanda Ravazzano Baqueiro Bruno Augusto Vigo Milanez Fábio da Silva Bozza Felipe Faoro Bertoni Maiquel A. Dezordi Wermuth Bibliotecária Responsável: Eliane Mª. Pereira Kronhardt (CRB 10/1518) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M313p Marcante, Marcelo Prescrição penal na prática: abordagem prática e jurisprudencial [recurso eletrônico] / Marcelo Marcante. – Porto Alegre : Canal Ciências Criminais, 2020. 112 p. ISBN: 978-65-87298-07-8 (e-book) Modo de acesso: http://editora.canalcienciascriminais.com.br 1. Direito Penal - Brasil. 2. Prescrição da pena. 3. Extinção da punibilidade. I. Marcante, Marcelo. II. Título. CDD 341.5461 5 SUMÁRIO Prefácio 7 Notas do autor 9 Capítulo I A Prescrição Penal no Direito brasileiro 11 1 A prescrição penal no Estado Democrático de Direito: abordagem jusfilosófica 11 2 Evolução legislativa 12 3 Conceito e Fundamento 18 4 Natureza jurídica 20 5 Espécies de prescrição 21 6 Efeitos da prescrição 23 7 Prazos prescricionais 25 Capítulo II Da prescrição da pretensão punitiva 33 1 Termo inicial da prescrição da pretensão punitiva 33 2 As causas interruptivas da prescrição 35 3 Causas suspensivas (ou impeditivas) da pres- crição 44 4 Das formas de contagem 46 5 Concurso de crimes e continuidade delitiva 55 6 Prescrição da pena de multa 56 7 Prescrição da medida de segurança 57 Capítulo III Da prescrição pra pretensão executória 59 1 Termo inicial da prescrição da pretensão executória 59 2 Prazos prescricionais e efeitos da reincidência 61 3 A unificação das penas e o cálculo da pres- crição 62 6 4 Das causas suspensivas do prazo prescricional 63 5 Causas interruptivas da prescrição 65 6 Formas de contagem 74 Capítulo IV Discussões atuais sobre a prescrição: abordagem prática e jurisprudencial 77 1 Os crimes (im)prescritíveis na Constitui- ção Federal de 1988 77 2 (Im)prescritibilidade da prática do racismo: abrangência conforme a Lei nº 7.716/89 e a sua extensão à injúria racial (artigo 140, §3º do CP) 79 3 Os efeitos da declaração de nulidade do edital de citação na suspensão do prazo prescricional determinada pelo artigo 366, do Código de Processo Penal 82 4 A prescrição nos crimes falimentares 84 5 Estelionato previdenciário e momento con- sumativo 87 6 A prescrição no delito de descaminho 89 7 Prescrição nos crimes ambientais praticados por pessoas jurídicas 91 8 Princípio da non reformatio in pejus indi- reta e a prescrição da pretensão punitiva 92 9 A repercussão das alterações trazidas pela Lei 13.964/19 no tocante à prescrição penal 94 Referências bibliográficas 99 Anexos 105 7 PREFÁCIO Sempre complexo prefaciar a obra de irmãos de armas. Marcelo, não obstante coroada carreira acadêmica, é um Ad- vogado como poucos, entende perfeitamente a distinção entre sala de aula e sala de audiências, e nos presenteia com um livro que, embasado na primeira, fornece a todos aqueles que vivem da se- gunda uma rara aproximação didática com o tema. Prescrição não é tema fácil, seja pelo viés dogmático, seja pelas profundas consequências jurídicas e sociais de sua incidência. Para o Direito Penal, a prescrição fulmina justamente aquilo que lhe justifica a própria existência, seja aniquilando a imposição, seja afastando a execução da pena correspondente a eventual delito praticado pelo sujeito. Para a sociedade – principalmente como a nossa, que se ajoe- lha para dogmas de punição extremada como instrumento político e discursos sobre a segurança pública – o Poder Judiciário não ape- nas demonstra sua ineficiência como, além, o grau de impunidade que atinge determinados segmentos sociais. É, para o público, instituto que jamais deveria existir. Justamente por sua importância dogmática e prática em uma sociedade dominada pela cultura do litígio que a presente obra já nasce como imprescindível. 8 Ao aluno, futuro Advogado, Juiz ou Promotor de Justiça, ne- cessário o debate acadêmico que a prescrição traduz ao se legitimar como declaração de que as finalidades da pena (prevenção geral e especial, positiva e negativa) já não mais subsistem, e que, seja por humanidade, seja por funcionalidade, o assunto deve ser literal- mente esquecido. Ao profissional da área jurídica, ainda mais veemente a per- cepção de todas as consequências do instituto, seus prazos e marcos interruptivos, pois gerir a aplicação de Justiça traduzindo-a para a sociedade como um ideal pelo qual vale a pena se lutar e se limitar em anseios pessoais é dever tão importante quanto conceitua-la. Para a sociedade, por fim, importante se propagar o entendi- mento cultural de que tudo tem prazo, de que vinganças não se eternizam, e de que regras de convívio devidamente estabelecidas e aplicadas – ou seja, um caminho denominado devido processo penal – são tão estruturais em uma República quantoos próprios ideais de sua formação. Marcelo, com a presente obra, satisfaz plenamente a todos os requisitos acima. Mostra o valor do processo, da academia e dos princípios que norteiam o caminhar do penalista. Portanto, vida longa à obra e ao autor, querido amigo, pois conhecimento jamais prescreve. Porto Alegre, 09 de setembro de 2019. Daniel Gerber1. 1 Advogado Criminalista, graduado pela PUCRS em 1995. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Professor de Direito Penal e Processual Penal. 9 NOTAS DO AUTOR É com grande alegria que apresento esta obra ao mundo jurí- dico, trazendo entendimentos atualizados e questões práticas acer- ca de tema tão intrincado e relevante que é a prescrição. O direito é uma ciência social aplicada e, em assim sendo, suas discussões acadêmicas não podem estar desvinculadas de uma visão prático-processual, onde os problemas concretos precisam ser re- solvidos pelos profissionais do direito. Nosso objetivo, portanto, é estabelecer a aproximação da academia com a prática, proporcionando uma ferramenta objeti- va para aqueles que necessitam aprofundar seu conhecimento na matéria de prescrição, sempre direcionando nossas lentes para a solução de casos práticos. Primou-se pela objetividade e pelo aprofundamento da posi- ção, muitas vezes divergentes, dos Tribunais Superiores em rela- ção à matéria, sem se perder o espaço crítico inerente ao debate acadêmico e que movimenta a ciência do direito. Deixa-se nosso endereço eletrônico (marcelo@marcelomarcante. com.br) para troca de experiências, críticas, sugestões. Nosso saber está sempre em construção e depende de permanente diálogo, pois assim alcançamos maior crescimento pessoal e profissional. Obrigado. mailto:marcelo@marcelomarcante.com.br mailto:marcelo@marcelomarcante.com.br 10 11 CAPÍTULO I A PRESCRIÇÃO PENAL NO DIREITO BRASILEIRO 1 A PRESCRIÇÃO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: ABORDAGEM JUSFILOSÓFICA A pena é o centro de gravidade das ciências penais, pois tem maior impacto na realidade objetiva das pessoas. Daí porque a sua utilização deve estar submetida à critérios de limitação racional. Consiste, também, em meio pelo qual o Estado, através do direito penal, visa se constituir como um instrumento de organização so- cial e tutela dos bens jurídicos mais relevantes. A pena mantém viva a memória do delito, reafirmando a im- portância dos valores sociais que foram infringidos. Desse modo, causas extintivas de punibilidade nas quais o Estado deixa de exer- cer o jus puniendi em face do decurso do tempo (como a prescri- ção, a decadência e a perempção) aparecem como verdadeiras fór- mulas legais de esquecimento, apresentando situações que podem ser lidas como superação da vingança pela ausência de necessidade de memória do crime2. Assim, a prescrição penal é um limite racional pelo qual o po- der punitivo do Estado não pode avançar. Significa dizer que não se justifica a manutenção de uma pretensão punitiva ad eternum, 2 CARVALHO, SALO. Antimanual de criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 173-175. 12 pois a necessidade do reforço dos valores morais com a aplicação de uma pena se enfraquece com o decurso do tempo, chegando a um ponto que a aplicação da pena deixa de ter finalidade. Em ou- tras palavras, o tempo esmaece ou, até mesmo, apaga a lembrança do fato punível fazendo cessar o desequilíbrio social causado pelo crime. Apesar da base jusfilosófica que embasa a prescrição como um fator limitador do poder punitivo estatal, vários ordenamentos jurídicos declaram certos delitos como imprescritíveis, manten- do viva e atual a necessidade punitiva de determinadas condutas. Como regra, nosso sistema adota a regra da prescritibilidade dos delitos, sendo que o lapso temporal para o seu reconhecimento depende da gravidade do crime, pois varia de acordo com o máxi- mo da pena abstratamente prevista na lei ou concretamente fixada na sentença. Em termos técnico-jurídicos, o instituto da prescrição penal consiste na causa de extinção da punibilidade pelo transcurso do tempo. Trata-se de uma autolimitação do jus puniendi do Esta- do levado a efeito por razões de política criminal e que decorre da perda de interesse em punir determinadas condutas, tendo em conta o lapso temporal transcorrido e a consequente ausência de finalidade na aplicação e/ou cumprimento da pena. 2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA A legislação brasileira, desde os tempos do império, sofreu di- versas mudanças nas regras que norteiam o cálculo da prescrição 13 penal, por vezes trazendo regras mais rígidas e, por vezes, apresen- tando disposições mais flexíveis. No Código Criminal do Império (1830) estabelecia-se que as penas impostas aos réus não prescreveriam em tempo algum (art. 65), referindo-se à prescrição da pena já fixada em sentença, pois a prescrição da ação estava regulada pela legislação processual da época.3 Posteriormente, o Código Penal da primeira República (1890) admitiu a prescrição da condenação, matéria que foi regulada pelos artigos 78 a 85. O natural aumento do número de leis durante o período da República desencadeou, em igual sentido, a revisão de muitos preceitos do Código Penal de 1890. Contudo, foi apenas com o Código Penal de 1940 que a prescrição da pretensão puni- tiva e a prescrição da pretensão executória (e suas respectivas causas interruptivas) foram compiladas em uma codificação estruturada de maneira similar com a qual vislumbramos hoje.4 Em 1969 (Decreto-Lei nº 1004/69), a Junta Militar que go- vernava o Brasil revogou expressamente a prescrição retroativa pela pena em concreto, estabelecendo no §1º do artigo 111 do Código Penal que “depois da sentença condenatória de que somente o réu tenha recorrido, regula-se também, daí por diante, pela pena imposta e verifica-se nos mesmos prazos”.5 3 DOTTI, René Ariel. Variações sobre a prescrição na busca de um tempo perdido. In: FAYET JÚ- NIOR, Ney. Prescrição Penal: Temas Atuais e Controvertidos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018, p. 23-24. 4 DOTTI, René Ariel. Variações sobre a prescrição na busca de um tempo perdido. In: FAYET JÚ- NIOR, Ney. Prescrição Penal: Temas Atuais e Controvertidos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018, p. 24-26. 5 Decreto-Lei nº 1004/69. In: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/de- creto-lei-1004-21-outubro-1969-351762-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em 03 set 2019. 14 Posteriormente, em 1973, foi encaminhado novo Projeto de Lei que resultou na promulgação da Lei nº 6.016/1973, a qual res- tabeleceu a possibilidade da prescrição retroativa, incluindo o §1º na redação do artigo 110 nos seguintes termos:“A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, regula-se também pela pena imposta e verifica-se nos mesmos prazos”.6 A Lei nº 6.416, introduzida em 1977, trouxe várias modifica- ções no sistema penal brasileiro, seja no quadro da execução das penas privativas de liberdade e de multa, reincidência, livramento condicional, seja por ter substituído do parágrafo único do artigo 110 pelas seguintes disposições: “§1º. A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, regula-se, também pela pena aplicada e verifica-se nos mesmos prazos. §2º. A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, importa, tão somente, em renúncia do Es- tado à pretensão executória da pena principal, não podendo, em qualquer hipótese, ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia.”7 Veja-se que o efeito do reconhecimento da prescrição era li- mitado à pretensão executória, sendo que foi vedada a prescrição retroativa entre a data do recebimento da denúncia e a data do fato, alterando substancialmente a interpretação dada à súmula 146 do Supremo Tribunal Federal8.9 6 DOTTI, René Ariel. Variações sobre a prescrição na busca de um tempo perdido. In: FAYETJÚ- NIOR, Ney. Prescrição Penal: Temas Atuais e Controvertidos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018, p. 27. 7 DOTTI, René Ariel. Variações sobre a prescrição na busca de um tempo perdido. In: FAYET JÚ- NIOR, Ney. Prescrição Penal: Temas Atuais e Controvertidos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018, p. 27-28. 8 Súmula 146 do STF. “A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na senten- ça, quando não há recurso da acusação”. 9 DOTTI, René Ariel. Variações sobre a prescrição na busca de um tempo perdido. In: FAYET JÚ- NIOR, Ney. Prescrição Penal: Temas Atuais e Controvertidos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018, p. 27-28. 15 Com a Reforma Penal de 1984 restabeleceu-se o entendi- mento consolidado na referida súmula da Suprema Corte, man- tendo a redação original do artigo 110 do Código Penal de 1940, modificando o termo “pena imposta” para “pena aplicada” e vol- tou a admitir a possibilidade da prescrição retroativa entre a data do fato e o recebimento da denúncia.10 Após a reforma de 1984, com advento da Lei nº 12.234/10, tivemos a última alteração no que tange ao instituto da prescrição, que restaurou a previsão contida na Lei nº 6.416/1977, para ex- cluir a hipótese de prescrição retroativa entre a data do recebimen- to da denúncia ou da queixa e a data do fato. Como consequência, reabriu-se a possibilidade de um prolongamento exagerado da in- vestigação, pois a prescrição da pretensão punitiva neste período somente se regula pelo máximo da pena cominada ao crime. Nos últimos anos, tem se verificado um número muito grande de reformas legislativas feitas com o intuito de “combater” a cri- minalidade. Os discursos do expansionismo penal encontram eco na sociedade11, de modo a proporcionar um espaço de produção legislativa para tornar o sistema penal, como um todo, mais duro. A prescrição é um dos temas mais atacados por aqueles que defendem a expansão e o recrudescimento do direito penal. Re- centemente, em 14 de fevereiro de 2019, foi apresentado Projeto 10 DOTTI, René Ariel. Variações sobre a prescrição na busca de um tempo perdido. In: FAYET JÚ- NIOR, Ney. Prescrição Penal: Temas Atuais e Controvertidos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018, p. 28. 11 Para aprofundamento da temática, imprescindível a leitura das obras de Jesus-Maria Silva Sanchez (La expansión del derecho penal: aspectos de la política criminal em las sociedades postindus- triales. Madrid: Civitas, 2001) e de David Garland (A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008). 16 de Lei nº 837/2019 que visa alterar a redação do §1º do art. 110 do Código Penal, para o fim de extinguir novamente a prescrição retroativa no curso do processo. Entretanto, em nossa visão, tal Projeto de Lei é inconstitucio- nal, tendo em vista que não apenas deve ser assegurada a razoá- vel duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), mas também porque pretende criar, na prática processual, uma hipóte- se de imprescritibilidade. Ora, a pena somente poderá ser aplicada na medida em que mantiver sua finalidade, sendo que essa última se esmaece quando decorrido muito tempo da ocorrência do fato. A partir de um exemplo prático, podemos melhor visualizar a mudança que teremos em decorrência do referido Projeto de Lei. Suponhamos uma acusação de tráfico de entorpecentes, cuja prescrição pela pena em abstrato é de 20 (vinte) anos. Com o fim da prescrição retroativa entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa, restabelecida pela Lei nº 12.234/10, o Poder Judiciário poderá estar iniciando o processo criminal 20 (vinte) anos após a ocorrência do fato. Em caso de aprovação do Projeto de Lei nº 837/2019, tam- bém não haverá mais prescrição pela pena em concreto entre a data do recebimento da denúncia ou da queixa e a data da senten- ça. Logo, o após o recebimento da peça acusatória pelo juiz, esta mesma acusação de tráfico poderá ter sentença também dentro do prazo de 20 (vinte) anos que, mesmo assim, não haverá prescrição da pretensão punitiva. 17 Logo, nesse exemplo hipotético, a pena poderá ser aplicada até 40 (quarenta) anos após a ocorrência do crime, somados o lapso temporal pela prescrição em abstrato entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia, bem como deste marco interrupti- vo e a publicação da sentença. Significa dizer que resta esvaziado o critério racional limitador do poder punitivo do Estado, o qual existe justamente para evitar a aplicação de pena sem que esta se justifique pelo esquecimento social em relação ao delito. Na mesma linha é a proposta do Ministro da Justiça Sérgio Moro, denominada de “Projeto de Lei Anticrime ou Pacote An- ticrime”. Dentre as diversas alterações propostas, a prescrição tam- bém está inserida no debate. No capítulo “X” do projeto, sob o título de “Medidas para Impedir a Prescrição”, a proposta era alterar o artigo 116 e artigo 117, incisos IV e V, todos do Código Penal, com o objetivo de introduzir mais causas suspensivas e in- terruptivas da prescrição. Dentre essas alterações propostas, foram aprovadas e inseridas na Lei nº 13.964/19 apenas duas novas hipóteses de suspensão da prescrição: a pendência de julgamento de embargos de declaração ou recursos interpostos perante os Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e a enquanto não for cumprido ou rescindido o acordo de não persecução penal. A proposta de inclusão de novos marcos interruptivos da pres- crição no artigo 117 do Código Penal acabou não sendo incluída nesta reforma. A proposta era de que, o texto do inciso IV, do Có- digo Penal, deveria ser suprimida a expressão “condenatórios” do texto atual. Com isso, a sentença e o acórdão absolutórios também 18 funcionariam como causas de interrupção da prescrição da pre- tensão punitiva. Ainda, a proposta buscava acrescentar a execução provisória da pena como marco interruptivo, alterando o texto do inciso V, do artigo 117 do Código Penal.12 Como se percebe, as propostas de alteração legislativa seguem uma linha de recrudescimento do poder punitivo, seguindo a ló- gica expansionista do direito penal que tem dado suporte à política criminal nos últimos anos. É preciso que tenhamos o cuidado de observar o fundamento constitucional da prescrição penal para não criarmos, a partir de regras infraconstitucionais, situações que na prática configuram a imprescritibilidade dos delitos. 3 CONCEITO E FUNDAMENTO A prescrição penal, em sua essência, consiste na causa de ex- tinção da punibilidade da pena a ser aplicada em função do trans- curso do tempo no artigo 107, inciso IV, do Código Penal. Tra- ta-se de uma autolimitação do direito de punir estatal, por razões de ordem político-criminal com justificação na filosofia do direito e na própria Constituição Federal, pela carência de interesse estatal na punição, pela diminuição da memória social em relação ao fato de modo a esmaecer a finalidade de aplicação da pena. O artigo 107, inciso IV do Código Penal estabelece três hi- póteses de extinção da punibilidade pelo decurso do tempo: deca- dência, a perempção e a prescrição. 12 Medidas para evitar a prescrição – Mudanças no Código Penal: “Art. 116 (...) II – enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro; e III – na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, estes quando inadmissíveis. Art. 117 (...) IV – pela publi- cação da sentença ou do acordão recorríveis; V – pelo início ou continuação da execução provisória ou definitiva da pena.” 19 A decadência consiste na perda do direito de ação privada (di- reito de queixa) ou de representação, ante a inércia do ofendido ou de seu representante legal, em razão do decurso do prazo de seis meses, contados do dia em que este veio a saber quem foi o autor do crime, conformedispõe o artigo 103 do Código Penal13. Nessa situação, ocorre a perda do direito de promover a ação penal privada ou manifestar seu interesse que seja movida a ação penal pública em face do autor do crime. Já a perempção é sanção aplicada ao querelante que deixa de promover o bom andamento processual, por negligência ou desí- dia. Trata-se de instituto exclusivo da ação penal de iniciativa pri- vada, previsto no artigo 60 do Código de Processo Penal14, não se aplicando às situações em que o querelante promove queixa crime subsidiária da ação penal pública. A prescrição, por sua vez, é a perda do direto do Estado de punir o autor de um crime pelo seu ato em face do decurso do tempo. Surge, pois, como uma garantia do cidadão contra o jus pu- niendi estatal, obrigando-o a agir em determinado lapso temporal previamente definido em lei. 13 Art. 103 do Código Penal. Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do §3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia. 14 Art. 60 do Código Penal. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, conside- rar-se-á perempta a ação penal: I – quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos; II – quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36; III – quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais; IV – quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor. http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10675115/artigo-60-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1028351/c%C3%B3digo-processo-penal-decreto-lei-3689-41 20 4 NATUREZA JURÍDICA A matéria relativa à prescrição é considerada de ordem públi- ca, pode ser conhecida pela autoridade judicial a qualquer tempo e grau de jurisdição (inclusive por meio de habeas corpus, conforme preceitua o artigo 648, inciso VII, do Código de Processo Penal15), sendo independente da vontade das partes. Ou seja, o juiz poderá reconhece-la de ofício. Além disso, as regras de prescrição possuem inegável caráter material, até porque o efeito ex lege que decorre do seu reconhe- cimento é a extinção da punibilidade, na forma do artigo 107, IV, do Código Penal. Nas palavras de Faria Costa, “os preceitos legais da prescrição fazem ainda parte daquele conjunto de normas, porque invasivas e instrumentalmente constrictivas de direitos fundamentais, que deve pree- xistir a práctica de infração penal”.16 Assim, eventuais alterações legislativas em relação à matéria estão regidas pelos princípios da anterioridade da lei penal e da retroatividade benigna da lei penal, previstos no artigo 5º, incisos XXXIX17 e XL18, da Constituição Federal e reproduzidos nos ar- tigos 1º e 2º do Código Penal19. Dessa forma, por consequência, afasta-se a aplicação da regra do tempus regit actum (artigo 2º do 15 Art. 648 do Código de Processo Penal. A coação considerar-se-á ilegal: VII – Quando ex- tinta a punibilidade. 16 FARIA COSTA, José Francisco de. O direito penal e o tempo (algumas reflexões dentro do nosso tempo e em redor da prescrição). In. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coim- bra. Coimbra: Coimbra, 2003, o. 1154 17 Artigo 5º, inciso XXXIX da CF. Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. 18 Artigo 5º, inciso XL da CF. A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. 19 Anterioridade da Lei – Art. 1º do CP. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Lei penal no tempo – Art. 2º – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. 21 Código de Processo Penal20), segundo a qual a lei processual penal se aplica desde logo aos atos processuais subsequentes, indepen- dentemente de quando ocorreu o fato. Logo, na prática processual, é preciso verificar a data em que o delito ocorreu, para identificar qual a legislação aplicável ao caso concreto. Com relação as recentes alterações introduzidas pela Lei nº 13.964 (que entrou em vigor no dia 24 de janeiro de 2020), não poderá haver aplicação retroativa pois prejudicam o réu. O mesmo sucede aos fatos ocorridos anteriormente à Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, devendo ser aplicadas as regras de prescrição vigentes à data do fato. 5 ESPÉCIES DE PRESCRIÇÃO Quando se trata de prescrição penal, consta-se a existência de duas modalidades, quais sejam: (1) a prescrição da pretensão puni- tiva (ou da ação), que ocorre antes do trânsito em julgado a sen- tença penal condenatória (artigo 109, caput, do Código Penal); e (2) da pretensão executória, ou seja, da execução da pena aplicada na sentença (artigo 110, caput, do Código Penal21). A prescrição da pretensão punitiva poderá ser aferida pelo má- ximo da pena em abstrato cominada ao crime, ou pela pena em concreto fixada na sentença, esta última aferida a partir do trânsito em julgado para a acusação ou após improvido o seu recurso, na forma do artigo 110, §1º, do Código Penal22. Para além, a prescri- 20 Art. 2o do CPP. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. 21 Art. 110, caput, do Código Penal. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. 22 Art. 110, §1º do CP. A prescrição, depois da sentença condenatória transitada em julgado 22 ção pela pena em concreto, pode ser calculada de duas formas: (1) retroativa; (2) intercorrente, superveniente ou subsequente. De outra banda, a prescrição da pretensão executória também se calcula pela pena em concreto fixada na sentença, podendo ser aumentada de um terço se o condenado for reincidente, na forma do artigo 110, caput, do Código Penal. Essa modalidade de pres- crição possui como termo inicial de contagem: (1) o trânsito em julgado para a acusação; ou (2) o dia em que restou interrompida a execução da pena, (artigo 112, incisos I e II, do Código Penal23), como, por exemplo, nas hipóteses de fuga ou revogação do livra- mento condicional. Dessa forma, quando da contagem do prazo prescricional, é preciso ter muito cuidado com a influência do trânsito em jul- gado para a acusação, o qual não configura causa interruptiva da prescrição, porém acarreta dois efeitos de extrema importância: (1º) possibilita, na prescrição da pretensão punitiva, que este cál- culo seja feito a partir da pena concretamente fixada na sentença; e (2º) configura o termo inicial para a contagem da prescrição da pretensão executória, que somente será interrompida com o início do cumprimento da pena, nos termos do artigo 117, inciso V, do Código Penal. Em relação aos atos infracionais, pelo fato de se amoldarem aos tipos penais, a forma de contagem do prazo prescricional é a mesma prevista na legislação penal, em observância ao previsto na para a acusação ou depois de improvido o seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúnciaou queixa. 23 Artigo 112 do CP. No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional; e II – do dia em que se inter- rompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena. 23 súmula 338 do Superior Tribunal de Justiça que dispõe: “a prescri- ção penal é aplicável nas medidas sócio-educativas”. 6 EFEITOS DA PRESCRIÇÃO Os efeitos decorrentes da declaração da extinção da punibili- dade pela prescrição irão variar de acordo com a espécie da pre- tensão estatal que desapareceu pelo decurso do tempo (punitiva ou executória). No caso da pretensão punitiva, extingue-se a possibilidade do Estado obter uma sentença penal condenatória sobre o fato impu- tado, razão pela qual não gerará efeitos, equivalendo-se, portanto, ao decreto absolutório. Concretamente, significa dizer que: não implicará em juízo de culpabilidade; não poderá ser aplicado como reincidência ou maus antecedentes; não gerará título executivo na área cível; não obrigará ao pagamento das custas processuais; e, ainda, autorizará a restituição integral da fiança, se o acusado assim a houver prestado. De outro lado, a prescrição da pretensão executória, obstacu- liza, tão somente, o efeito principal da sentença condenatória, qual seja, a pena privativa de liberdade fixada na sentença. Todavia, os efeitos secundários decorrentes da condenação permanecem hígi- dos, vale dizer, aqueles previstos nos artigos 92 e 93 do Código Penal. Além daqueles previstos nos artigos 92 e 93 do Código Penal, também são efeitos secundários da condenação criminal: (1) a in- clusão do nome do réu no rol de culpados, que poderá ser utilizada 24 para fins de reincidência ou maus antecedentes; (2) a criação de um título executivo na área cível; e (3) a perda do valor prestado como fiança, que ficará vinculando ao pagamento das custas pro- cessuais e à reparação do dano sofrido pela vítima (artigo 336 do Código de Processo Penal). Portanto, pode-se dizer que, no caso da prescrição da pre- tensão punitiva, não haverá qualquer efeito para o acusado, sendo equivalente à sentença absolutória. Em contrapartida, em se tratan- do da hipótese de prescrição da pretensão executória, o condenado sofrerá todos os efeitos secundários de uma condenação criminal, entretanto, a pena fixada na sentença não poderá ser executada. MODALIDADES DE PRESCRIÇÃO Obs.: efeitos secundários da condenação persistem. Será utilizado para fins de reincidência e configura título executível no cível. PRETENSÃO PUNITIVA PELA PENA EM ABSTRATO (MÁXIMA COMINADA) PELA PENA EM CONCRETO (FIXADA NA SENTENÇA) Efeitos equivalentes à absolvição PELA PENA PROJETADA (SÚMULA 438 DO STJ) RETROATIVA INTERCORREN- TE, SUBSEQUENTE OU SUPERVE- NIENTE ESPÉCIES DE PRES- CRIÇÃO PRETENSÃO EXE- CUTÓRIA 25 7 PRAZOS PRESCRICIONAIS Os prazos para o cálculo da prescrição irão depender da pena em abstrato cominada ao crime ou daquela concretamente fixada na sentença, devendo o operador do direito se reportar à tabela es- tabelecida no artigo 109, do Código Penal, bem como verificar se a pena de multa é única cominada ou aplicada, na forma do artigo 114 do CP24. Veja-se a tabela abaixo: PRAZO PRESCRI- CIONAL PENA COMINADA OU APLICADA PREVISÃO LEGAL em vinte anos se o máximo da pena é superior a doze Artigo 109, I, do CP em dezesseis anos se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze Artigo 109, II, do CP em doze anos se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito Artigo 109, III, do CP em oito anos se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro Artigo 109, IV, do CP em quatro anos se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois Artigo 109, V, do CP em três anos se o máximo da pena é inferior a 1 ano (com redação dada pela Lei nº 12.234/10) Artigo 109, VI, do CP em dois anos se a pena de multa for a única comi- nada ou aplicada Artigo 114, I, do CP Destaca-se que o prazo prescricional de três anos, aplicável aos crimes com pena máxima cominada ou concretamente fixada 24 Artigo 114 do CP. A prescrição da pena de multa ocorrerá: I – em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada; e II – no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada. 26 na sentença inferior à um ano, foi introduzido pela Lei nº 12.234, publicada em 5 de maio de 2010, a qual alterou a redação do artigo 109, inciso V, do Código Penal. Logo, aos fatos praticados ante- riormente a esta data, aplicar-se-á a legislação anterior que tinha como previsão o prazo prescricional de dois anos. Além disso, inclui-se no cômputo do máximo da pena co- minada ao crime as causas de aumento e de diminuição da pena, excetuando-se as hipóteses de concurso formal ou continuidade delitiva. De maneira diversa ocorre com a detração do período de prisão cautelar (artigo 42 do Código Penal), posto que não possui o condão de influenciar no prazo prescricional calculado pela pena em concreto, não se podendo confundir institutos distintos, con- forme são os entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça25. Por fim, destaca-se que existem circunstâncias de caráter pes- soal que interferem nos lapsos temporais da prescrição, como a menoridade relativa na data do fato, a senilidade na data da sen- tença e a reincidência. 7.1 REDUÇÃO DOS PRAZOS NA MENORIDADE RELATIVA E SENILIDADE (ARTIGO 115 DO CP) Para a aferição do prazo prescricional, deve-se levar em conta que o artigo 115, do Código Penal preceitua que tal lapso tem- poral será reduzido pela metade quando o agente era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos ou, na data da senten- 25 No âmbito do Supremo Tribunal Federal, destaca-se o HC 69.865/PR (DJ 02.02.93). Já, no Superior Tribunal de Justiça o mesmo entendimento é consolidado, conforme se verifica no RHC 44.021/SP (DJ 10.06.15). 27 ça, maior de 70 (setenta) anos de idade. Em qualquer caso, seja pretensão punitiva ou executória, aplica-se a redução do tempo de prescrição pela metade. A prova da idade pode ser feita por qualquer documento hábil, não sendo necessária a certidão de nas- cimento, conforme dispõe a Súmula 74 do Superior Tribunal de Justiça. Após a entrada em vigor do atual Código Civil (Lei nº 10.406/2002), a doutrina discutiu se foram revogadas a circuns- tância atenuante (artigo 65, inciso I, do CP) e a redução pela me- tade dos prazos prescricionais, posto que capacidade civil plena passou a ser considerada a com 18 (dezoito) anos de idade. Com isso, todos os dispositivos processuais penais que enfoca- vam o menor de 21 (vinte e um) anos como relativamente capaz foram afetados pelo novo Código Civil, sendo, portanto, revoga- dos. Contudo, acerca dos efeitos penais, o Superior Tribunal de Justiça26entendeu que a alteração do Código Civil não importou em revogação do artigo 2º, parágrafo único, do Estatuto da Crian- ça e do Adolescente27. Nessa lógica, tanto a redução do lapso pres- cricional pela metade, como a atenuante da menoridade relativa continuam sendo aplicadas, até porque entendimento em sentido contrário comprometeria o princípio da legalidade, sendo vedada interpretação analógica em desfavor do réu. De outro lado, a doutrina também lançou a discussão no sen- tido de que o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03) teria alterado 26 Nesse sentido: HC 30.886/RJ (DJ 22/11/04); HC 31.498/RJ (DJ 31/04/04); HC 36.044/ RJ (DJ 17/12/04). 27 Artigo 2º do ECA. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito ano de idade. Parágrafoúnico. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. 28 a idade de 70 anos prevista no artigo 115 do Código Penal, ao estabelecer em seu artigo 1º que se considera idoso pessoa com mais de 60 anos. Contudo, o Supremo Tribunal Federal28 decidiu no sentido de que o critério cronológico adotado pelo Estatuto do Idoso – 60 (sessenta) anos de idade – não alterou a regra excepcio- nal da redução dos prazos prescricionais, mantendo os 70 (setenta) anos de idade. Já com relação ao momento processual em que o agente com- pleta 70 (setenta) anos de idade, para fins ensejar a redução pela metade do tempo de prescrição, a legislação refere que tal idade deve ser atingida até a data da sentença. No entanto, o Supre- mo Tribunal Federal, quando do julgamento da Extradição 591-0 (DJ 22/09/95), decidiu que a senilidade, para o efeito de redu- zir a prescrição pela metade, pode se dar quando os 70 (setenta) anos estejam completos antes do trânsito em julgado do decreto condenatório e não necessariamente na data da sentença. Tal en- tendimento foi reafirmado nos julgados do ARE 778042/DF (DJ 21/10/14, Primeira Turma) e AP 516 ED/DF (DJ 05/12/2013, Tribunal Pleno). Todavia, há divergência acerca do assunto inclusive no âmbito da Suprema Corte, conforme se verifica dos seguintes preceden- tes: HC 96.968/RS (DJ01/12/09, Primeira Turma), HC 89.969/ RJ (DJ 26/06/07, Primeira Turma) e HC 86.320/SP (17/10/06, Primeira Turma). Nessas decisões, o entendimento foi no sentido de que os 70 (setenta) anos deveriam estar completos na data da sentença – aplicado analogicamente para os acórdãos proferidos em ações penais originárias ou que reformam sentença absolutória. 28 Nesse sentido: HC 88.083/SP (DJ 03/06/08); HC 89.969/RJ (DJ 26/06/07) 29 A nosso entender, deve-se observar a coerência sistêmica, em sendo o artigo 1º, do Estatuto do Idoso, mais favorável ao réu, deveria surtir efeitos na seara penal, de modo a reduzir o prazo de 70 (setenta) para 60 (sessenta) anos para a senilidade, determinando a redução da prescrição pela metade nesses casos. Entretanto, sob a ótica do princípio da legalidade, a idade de 60 (sessenta) anos deve ser completada na data da sentença condenatória ou, ana- logicamente, do acórdão condenatório (nos casos de ação penal originária ou de reforma da sentença absolutória em sede recursal). Não há fundamento legal para entendimento em sentido diverso. Assim, os prazos prescricionais, em havendo a incidência do artigo 115, do Código Penal, que implica em redução da pena pela metade, são aplicáveis tanto para a prescrição punitiva como executória; restando, dessa maneira, os seguintes períodos: PRAZO PRESCRICIO- NAL PENA COMINADA OU APLICADA PREVISÃO LEGAL em dez anos se o máximo da pena é superior a doze Artigo 109, I c/c 115 do CP em oito anos se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze Artigo 109, I c/c 115 do CP em seis anos se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito Artigo 109, III c/c 115 do CP do CP em quatro anos se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro Artigo 109, IV c/c 115 do CP em dois anos se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não ex- cede a dois Artigo 109, V c/c 115 do CP em um ano e meio se o máximo da pena é inferior a 1 ano (com redação dada pela Lei nº 12.234/10) Artigo 109, VI c/c 115 do CP 30 em um ano se a pena for de multa única co- minada ou aplicada Artigo 114, I c/c 115 do CP 7.2 AUMENTO DOS PRAZOS DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA PELA REINCIDÊNCIA Em relação ao prazo de contagem da prescrição da preten- são executória, também são aplicáveis os prazos estabelecidos pelo artigo 109 do Código Penal. Todavia, se o condenado for rein- cidente, os prazos prescricionais serão acrescidos de um terço, na forma do artigo 110, caput, do Código Penal. Destaca-se, nesse contexto, o entendimento previsto na sú- mula 220 do STJ, no sentido de que “a reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva”, mas apenas da pretensão executória. Vejamos, então, como restaria a tabela no caso de o acusado ser reincidente: PRAZO PRESCRI- CIONAL – CONDE- NADO REIN- CIDENTE PRAZO PRESCRICIO- NAL – CON- DENADO PRIMÁRIO PENA A SER CUMPRIDA PREVISÃO LEGAL em vinte e seis anos e oito meses em vinte anos se o máximo da pena é superior a doze Artigo 109, I c/c 110, caput, do CP 31 em vinte e um anos e dois meses em dezesseis anos se o máximo da pena é supe- rior a oito anos e não excede a doze Artigo 109, II c/c 110, caput, do CP em dezesseis anos em doze anos se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito Artigo 109, III c/c 110, caput, do CP em dez anos e oito meses em oito anos se o máximo da pena é supe- rior a dois anos e não excede a quatro Artigo 109, IV c/c 110, caput, do CP em cinco anos e quatro meses em quatro anos se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois Artigo 109, V c/c 110, caput, do CP em quatro anos em três anos se o máximo da pena é in- ferior a 1 ano (com redação dada pela Lei nº 12.234/10) Artigo 109, V c/c 110, caput, do CP em dois anos e oito meses em dois anos se a pena for de multa única co- minada ou apli- cada Artigo 114, I c/c 110, caput, do CP 32 33 CAPÍTULO II DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA 1 TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA O termo inicial para a contagem da prescrição da pretensão punitiva está previsto no artigo 111 do Código Penal e adota como regra básica o dia em que o crime se consumou (artigo 111, inciso I). Logo, a aferição do momento consumativo possui grande relevância para a definição do início da contagem da prescrição. A consumação nos crimes materiais ocorre no dia em que aconteceu o resultado naturalístico. Nos crimes formais e de mera conduta, quando da ocorrência da ação que configura o delito, sendo que a ocorrência de resultado naturalístico é apenas exau- rimento do delito. Nos crimes omissivos próprios ou puros, no momento em que se concretiza o comportamento negativo. Já nos crimes omissivos impróprios, impuros ou comissivos por omissão, se dá quando da concretização do resultado. Também em rela- ção aos crimes preterdolosos ou qualificados pelo resultado, bem como nos crimes culposos, a consumação se verifica quando da ocorrência do resultado qualificador ou do resultado naturalístico, respectivamente. Os incisos II à V, do artigo 111, do Código Penal estabele- cem exceções à regra geral, quais sejam: (1) na hipótese do crime ser tentado, a prescrição começará a fluir do dia em que cessou a 34 atividade criminosa (artigo 111, inciso II); (2) nos delitos perma- nentes, a prescrição somente começará a correr a partir do dia em que cessar a permanência (artigo 111, inciso III); (3) nos crimes de bigamia e de falsificação ou alteração de assentamento de registro civil, a prescrição começará a contar desde o dia em que o fato se tornou conhecido (artigo 111, inciso IV); e (4) nos crimes contra a dignidade sexual de criança e adolescentes, previstos no Código Penal ou em legislação complementar, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal (artigo 111, inciso V). Por outro lado, o artigo 111 do Código Penal é omisso em relação aos crimes habituais, ficando inteiramente a cargo da dou- trina e da jurisprudência a determinação do termo inicial do prazo prescricional. Os crimes habituais são aqueles que, para sua con- figuração, dependem da reiteração ou habitualidade da conduta, sendo que a prática de um ato isolado não configura fato penal- mente atípico. Nesses casos, pela sua maior similitude com os deli- tos permanentes, o Supremo Tribunal Federal29 firmou o entendi-mento de que o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva se dá quando da data da última das ações que constituem o fato típico. Na regra específica para bigamia e falsificação ou alteração de assentamento de registro civil, o artigo 111, inciso IV, do Códi- go Penal dispõe que a prescrição corre da data em que o fato se tornou conhecido. Este conhecimento, inclusive, pode se dar de modo presumido, quando o fato adquire notoriedade (pelo uso do documento falso, por exemplo). 29 Nesse sentido é o julgamento do HC 87.987/RS (DJ 09.05.09), no qual a Corte Constitu- cional definiu que os crimes habituais tem seu termo inicial de contagem da prescrição na prática do último das ações que configuram a habitualidade. 35 Por fim, destaca-se que o inciso V, do artigo 111, do Código Penal – introduzido pela Lei 12.650/12 (Lei Joanna Maranhão) – alterou substancialmente o tratamento a ser dado no caso dos cri- mes contra dignidade sexual envolvendo crianças e adolescentes. Isso pois, a prescrição começa a correr quando a vítima completa 18 anos de idade, em relação aos fatos praticados após a publicação desta legislação. Essa nova disciplina veio para elevar o espectro de proteção da criança e do adolescente, alcançando tanto os delitos previstos no Código Penal (artigos 213 a 234-B), como no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 240; 241; 241-A a 241-E; 244-A; e 244- B). Significa dizer, amplia a tutela penal da dignidade sexual de menores de 18 anos. Assim, como frisado, por se tratar de norma que amplia o poder punitivo com caráter material, por óbvio, não poderá ser aplicada aos fatos anteriores à 17 de maio de 2012, data em que a lei foi publicada. Estabelecido o termo inicial da prescrição, o prazo (de direito material) começa a correr, somente se interrompendo diante em decorrência dos marcos interruptivos estabelecidos pela legislação penal no artigo 117 do Código Penal. 2 AS CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO As causas interruptivas da prescrição estão previstas no artigo 117 do Código Penal: (1) recebimento da denúncia ou da queixa (artigo 117, inciso I); (2) decisão de pronúncia (artigo 117, inciso II); (3) decisão confirmatória da pronúncia (artigo 117, inciso III); (4) pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recor- 36 ríveis (artigo 117, inciso IV); (5) pelo início ou continuação do cumprimento da pena (artigo 117, inciso V); e (6) pela reincidên- cia (artigo 117, inciso VI). As causas interruptivas previstas nos incisos I a IV, do artigo 117, do Código Penal, são aplicáveis à prescrição da pretensão punitiva, enquanto que àquelas previstas nos incisos V e IV (início ou continuação do cumprimento da pena e reincidência) inter- rompem a prescrição da pretensão executória. Com a interrupção da prescrição, o prazo voltar a fluir do início, devendo ser calculado de acordo com o máximo da pena em abstrato ou com a pena concretamente fixada na sentença. Apenas na prescrição da pretensão executória, na hipótese desta ser interrompida pela continuação do cumprimento de pena, o prazo prescricional será calculado de acordo com o tempo de pena remanescente, observado o artigo 113 do Código Penal. Os efeitos da interrupção da prescrição punitiva atingem a to- dos os réus do processo, o que não ocorre com as causas interrup- tivas da pretensão executória (início ou continuação do cumpri- mento da pena e reincidência). Além disso, nos crimes conexos que sejam objeto do mesmo processo, a interrupção relativa a qualquer deles se estende aos demais delitos, conforme §1º do ar- tigo 117 do Código Penal. 2.1 RECEBIMENTO DA DENÚNCIA OU DA QUEIXA A decisão de recebimento da denúncia ou queixa é momento processual em que o magistrado avalia se a denúncia é formalmen- 37 te apta, se estão presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, bem como se há justa causa para o início ação penal. Assim, preenchidos estes requisitos, o magistrado irá fundamenta- damente receber a denúncia ou a queixa e determinar a citação dos réus no processo. O período iniciado a partir do termo inicial de contagem da prescrição da pretensão punitiva (artigo 111 do Código Penal), em regra a data da consumação do delito, será interrompido. A con- tagem se reinicia a partir da decisão de recebimento da denúncia ou da queixa. Existe um debate importante se o momento a ser considerado como do efetivo recebimento da denúncia é a data da decisão de recebimento ou a data da publicação dessa decisão em Diário Ofi- cial. Através do julgamento do RE nº 548.181/PR30 no Supremo Tribunal Federal, a Relatora Ministra Rosa Weber pontuou que quando a decisão for monocrática, “há de ser publicada em cartório para produzir efeitos”. Por outro lado, a decisão que rejeita a denúncia não con- figura marco interruptivo da prescrição. Nessa situação, poderá o Ministério Público ou querelante interpor recurso em sentido estrito (artigo 581, inciso I, do Código de Processo Penal) ou ape- lação nos casos de competência do JECRIM (artigo 82 da Lei nº 9.099/95). Assim, caso seja dado provimento ao recurso da acu- sação, a data do julgamento realizado pela a segunda instância será levada a efeito como marco interruptivo da prescrição, conforme súmula 709 do Supremo Tribunal Federal31. 30 RE nº 548.181/PR, DJ 06/08/2013. 31 Súmula 709 do STF – Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o 38 Após o recebimento da denúncia, o acusado é citado para o oferecimento de resposta à acusação no prazo de 10 (dez) dias. Apresentada a peça defensiva, deverá o magistrado apreciar os ar- gumentos e pedidos defensivos, inclusive as hipóteses de absolvi- ção sumária. Esta decisão que analisa se é o caso, ou não, de ab- solver sumariamente o acusado não configura marco interruptivo da prescrição, apesar da previsão contida no artigo 399 do Código de Processo Penal32 ter trazido algum tipo de dúvida no âmbito da doutrina. O Superior Tribunal de Justiça dirimiu a dúvida, firmando entendimento no sentido de que “o momento do recebimento da de- núncia se dá, nos termos do artigo 396 do Código de Processo Penal”33, sendo que o artigo 399 do mesmo diploma legal se refere à análise das teses defensivas lançadas na resposta à acusação. Portanto, o primeiro marco interruptivo da prescrição da pre- tensão punitiva é o recebimento da denúncia ou da queixa, que deve ser por meio de uma decisão judicial fundamentada e, após isso, será oferecida a resposta à acusação. Para que produza efeitos, a decisão deverá ser publicada no Diário Oficial. 2.1.1 HIPÓTESES EM QUE O ADITAMENTO À DENÚNCIA CONFIGURA MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO No aditamento à denúncia ou queixa, poderá a acusação com- plementar fatos e/ou sujeitos, alterar as circunstâncias fáticas, in- recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela. 32 Art. 399 do CPP. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiên- cia, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. 33 HC 153.751/SP, DJ 30/03/2012. 39 cluindo ou excluindo novas imputações, desde que tal aditamento seja realizado antes da prolação da sentença. Isso porque, não há que se falar em mutatio libelli em segunda instância, conforme sú- mula 453 do Supremo Tribunal Federal34. A decisão quanto ao recebimento do aditamento à denúncia ou queixa, pode levantar dúvidas com relação a ser hábil (ou não) a se tornar um marco interruptivo da prescrição. Nessas situações, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Supe- rior Tribunal de Justiça35, tal decisão, em regra, não configura causa interruptiva da prescrição. Somente ocorrerá a interrupção da prescrição quando o adi- tamento importar em modificação substancial do conteúdo da exordial acusatória. Ou seja, quando houver modificaçãodos fa- tos narrados ou inclusão de fatos novos, hipóteses em que a inter- rupção da prescrição ocorrerá apenas em relação aos fatos objeto do aditamento. Além disso, a inclusão de novos réus também configura mo- dificação substancial, razão pela qual a decisão que recebe o adi- tamento à denúncia nesses casos será considerada marco interrup- tivo, mas apenas para os novos acusados inseridos no polo passivo do processo. Assim, o recebimento de aditamento para incluir novos crimes é marco interruptivo para todos os denunciados, na forma do §1º 34 Súmula 453 do STF – Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa. 35 No STF: HC 109.635/ES (DJ 30/10/12); No STJ: RHC nº 72664/PA (DJ 12/09/2017); HC 273.811/SP (DJ 18/04/16); HC 229.449/PB (DJ 05/10/12). 40 do artigo 117 do Código Penal36, restringindo-se aos fatos novos imputados. Contudo, se houver a inclusão de um novo acusado, a interrupção somente se dará em relação à este, não se estendendo aos demais. Por fim, se o aditamento atribuir definição jurídica diversa ao fato narrado na peça inicial, ou apenas suprir eventual omissão ou corrigir erro material da denúncia, não terá o condão de inter- romper a prescrição, pois a jurisprudência não considera que tenha ocorrido modificação substancial nos fatos. 2.2 PRONÚNCIA E DECISÃO CONFIRMATÓRIA DA PRONÚNCIA O artigo 117, incisos II e III, do Código Penal, preceitua que a decisão de pronúncia e aquela confirmatória da pronúncia, con- figuram marco interruptivo da prescrição, sendo que a data de sua publicação deve ser levada para tal efeito. A decisão de pronúncia consiste no juízo de admissibilidade da acusação, na qual o magis- trado irá aferir se há prova da materialidade e indícios suficientes de autoria para determinar a realização do julgamento pelo júri (artigo 413 do Código de Processo Penal37). Da decisão de pronúncia, pode a defesa do acusado interpor recurso em sentido estrito. Nessa situação, caso o acórdão do Tri- bunal seja no sentido de negar provimento ao recurso, haverá nova interrupção do prazo prescricional, na forma do inciso III do ar- 36 §1º – Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles. 37 Art. 413 do Código de Processo Penal. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. 41 tigo 117 do Código Penal38, apesar da impropriedade técnica da legislação que utiliza o termo “decisão” em detrimento de “acór- dão”. Para tanto, será considerada a data da sessão de julgamento do recurso pelo Tribunal, ocasião em que a decisão colegiada se torna pública, e não a data da publicação do acórdão. De outro lado, se a decisão for de impronúncia (artigo 414 do Código de Processo Penal39), absolvição sumária (artigo 415 do Código de Processo Penal40) ou desclassificação para crime que não seja doloso contra a vida (artigo 419 do Código de Processo Penal), não haverá interrupção do prazo prescricional. Nessas si- tuações, caso o Ministério Público recorra da decisão e o Tribunal dê provimento ao apelo para pronunciar o réu, o acórdão servirá como marco interruptivo da prescrição. Por fim, caso o Conselho de Sentença desclassifique a conduta para crime que não seja doloso contra a vida quando da vota- ção dos quesitos, ainda assim a pronúncia continuará sendo válida como causa interruptiva da prescrição, conforme súmula 191 do Superior Tribunal de Justiça41. 2.3 PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA OU ACÓRDÃO CONDENATÓRIOS RECORRÍVEIS 38 Nesse sentido, são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça: AgrResp nº 136.097-4/ SP (DJ 20/11/13) e HC nº 136.420/SP (DJ 21/09/09). 39 Art. 414 do Código de Processo Penal. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. 40 Art. 415 Código de Processo Penal. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partí- cipe do fato; III – o fato não constituir infração penal; e IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. 41 Súmula 191 do Superior Tribunal de Justiça. A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime. 42 O artigo 117, IV, do Código Penal estabelece que a prescrição interrompe-se, também, pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis. Assim, a decisão condenatória proferida em processo originário do tribunal, bem como o acórdão conde- natório também configuram causa interruptiva da prescrição. Portanto, a sentença e o acórdão absolutórios não configuram marcos interruptivos da prescrição. Além disso, a nosso entender, a interpretação literal do texto de lei estabelece a conjunção alterna- tiva “ou”, portanto, não poderão a sentença e o acórdão condena- tórios serem, simultaneamente, considerados marcos interruptivos da prescrição. Interpretação em sentido diverso, em nosso enten- dimento, afronta o princípio da legalidade em prejuízo ao réu. Apesar disso, a jurisprudência é divergente em relação ao fato do acórdão que confirma a sentença condenatória ou altera a pena aplicada na sentença (tanto para aumentar ou para reduzir) confi- gurar marco interruptivo da prescrição. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou en- tendimento42 de que o acórdão que confirma a sentença condena- tória, mesmo que majore ou reduza a pena aplicada pela sentença, não constitui novo marco interruptivo da prescrição da pretensão punitiva estatal, diferentemente do que ocorre com a pronúncia onde tanto a sentença quanto a decisão que confirma, que como visto, ambas são causas interruptivas da prescrição. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, não tem entendimen- to consolidado, havendo posições divergentes entre seus ministros. 42 AgRg no AgRg no AREsp 989.408/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, 5ª TURMA, DJe 21/3/2018, AgRg no RE nos EDcl no REsp nº 1.301.820/RJ, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 24/11/2016; 43 Exemplificativamente, no recente julgamento do RE nº 118271843, foi afastada a alegada prescrição intercorrente sob o argumento de que “a interrupção da prescrição dar-se-á pela simples condenação em segundo grau, seja confirmando integralmente a decisão mo- nocrática, seja reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta.”. Em outros julgados, com sentido diverso, o Supremo Tribu- nal Federal decidiu que “o acórdão que confirma condenação ou diminui a reprimenda imposta na sentença não interrompe a contagem da prescri- ção.44” Diante dessa divergência, quando do julgamento do HC 176.473, a Corte Constitucional firmou maioria no sentido de que o acórdão que confirma a sentença condenatória interrompe a prescrição, mesmo que altere a pena inicialmente fixada. Portanto, essa divergência de entendimentos entre os Tribu- nais Superiores, principalmente no Supremo Tribunal Federal, gera uma inevitável sensação de insegurança jurídica em se tra- tando da matéria atinente à prescrição. As regras que definem os marcos interruptivos da prescrição devem ser claras e objetivas de modo a garantir um tratamento isonômico em todos os processos. Na mesma linha, caso o legislador tivesse a pretensão de que o acórdão confirmatório de condenação fosse, igualmente, consi- derado marco interruptivo da prescrição, deveria ter acrescentado uminciso no artigo 117 do Código Penal com essa disposição 43 RE nº 1182718, Relator Ministro Alexandre de Moraes, DJ 04/02/2019. Nesse sentido, também são os seguintes julgados: ARE nº 1130096 AgR/DF, DJ 07/08/2018: “(...) 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é firme no sentido de que o acórdão que confirma a sentença condenatória é marco interruptivo do prazo prescricional. Precedentes (...)”.HC 138.088/RJ, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 27/11/2017. 44 RHC n. 112.687, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe 26.5.2014; RHC nº 85.847/ SP, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 11/11/06. RE n. 751.394, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 28.8.2013. HC nº 96.009/RS, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 15/5/09. 44 expressa (“acórdão confirmatório de condenação”) ou, no mínimo, ter utilizado a conjunção aditiva “e”. Por essa razão, ao nosso sentir, não há previsão legal para sus- tentar o entendimento de que o acórdão confirmatório da senten- ça condenatória seja considerado marco interruptivo da prescrição. 3 CAUSAS SUSPENSIVAS (OU IMPEDITIVAS) DA PRESCRIÇÃO A prescrição é uma causa de extinção da punibilidade susce- tível de suspensão ou interrupção. As hipóteses de suspensão do prazo prescricional também são chamadas na doutrina de causas impeditivas e tem como consequência a paralisação da contagem do prazo prescricional. Assim, a contagem do lapso temporal da prescrição nesses casos terá seu curso retomado de onde parou. O artigo 116 do Código Penal prevê algumas hipóteses em que há a suspensão da contagem do prazo prescricional, quais se- jam: (1) enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; (2) quan- do o réu está cumprindo pena no estrangeiro; e (3) depois de passada em julgado a sentença, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado estiver preso por outro motivo. Com advento da Lei nº 13.964/19, foram inseridos duas novas causas suspensivas ao artigo 116 do Código Penal. Agora, em rela- ção aos fatos praticados após a vigência da nova legislação, a pres- crição ficará suspensa na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis, bem 45 como enquanto não for cumprido ou rescindido o acordo de não persecução penal (o tema será mais profundamente abordado no título 9 do Capítulo IV). Para além, a Constituição Federal e as leis penais especiais pos- suem outras hipóteses de suspensão da prescrição da pretensão pu- nitiva. São elas: (1) Enquanto durar o mandato do deputado ou senador, con- tra quem foi instaurada a ação penal em sua prerrogativa de função, desde que tenha sido sustada pela Casa Legislativa a que pertença (artigo 53, §§ 3º a 5º, da Constituição Federal45); (2) Enquanto estiver suspenso o processo criminal instaurado na forma do artigo 366 do Código de Processo Penal46, ou seja, quando procedida a citação por edital e o acusado não comparece e não constituiu advogado; (3) Enquanto não for cumprida a carta rogatória de citação do réu que estiver no estrangeiro, em lugar sabido (artigo 368 do Código de Processo Penal); (4) No período de prova da suspensão condicional do proces- so (artigo 89, §6º, da Lei nº 9.099/95); (5) No acordo de leniência (artigo 87 da Lei 12.529/11), que estabelece a suspensão do processo em face dos crimes contra ordem econômica; e 45 Artigo 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. §3º Recebida a denúncia contra Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respec- tiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. §4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora. §5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato. 46 Art. 366 do Código de Processo Penal. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. 46 (6) O artigo 83, §2º, da Lei 9.430/96 (com redação dada pela Lei 12.382/11), que prevê a suspensão da pretensão punitiva em caso de parcelamento dos débitos tributários (Lei 8.137/90) ou previdenciários (artigos 168-A e 337-A do CP). 4 DAS FORMAS DE CONTAGEM Os prazos prescricionais são de direito material, nos termos do artigo 10, do Código Penal, sendo que na contagem inclui-se o dia do começo e exclui o dia do fim, computando os meses e anos pelo calendário comum. Trata-se de matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida de ofício47 pelo juiz ou, também, por provocação das partes em qualquer fase do processo. A prescrição da pretensão punitiva pode ser calculada pela pena em abstrato (máxima cominada), pela pena concretamente fixada na sentença ou, ainda, pela pena projetada, virtual ou em perspectiva. Cada uma delas possui suas peculiaridades e serão es- tudadas nos tópicos subsequentes deste Livro. 4.1 PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO A prescrição pela pena em abstrato, também chamada de pres- crição da pretensão punitiva propriamente dita, é regulada pela pena máxima cominada ao delito, com lapso temporal correspon- dente previsto nos incisos do artigo 109 do CP. Para a definição do máximo da pena cominada ao crime, de- ve-se considerar as qualificadoras do crime (que imporão nova li- mitação legal abstrata ao tipo penal), bem como as majorantes e 47 Art. 61 do Código de Processo Penal. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício. 47 minorantes (causas especiais de aumento ou diminuição de pena, em seu grau máximo ou mínimo, respectivamente). Em contra- partida, as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP), atenuantes (art. 65 do CP) e agravantes (art. 61 do CP) não tem o condão de ultra- passar os limites da pena estabelecidos no tipo penal, devendo ser desprezadas no momento do cálculo do prazo prescricional. Assim, caso transcorrido entre os marcos interruptivos da pres- crição (artigo 117 do Código Penal) o lapso temporal correspon- dente ao máximo da pena em abstrato cominado ao delito, deverá ser declarada extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. Ressalta-se que, para os delitos praticados anteriormente à vi- gência da Lei nº 12.234/10, cuja pena máxima seja inferior a um ano, a prescrição será de dois anos e não três anos, diante da im- possibilidade da ocorrência da novatio legis in pejus (lexgravior). Por fim, se a pena cominada for apenas de multa, esta prescre- verá em 2 anos, de acordo com o artigo 114, inciso I, do Código Penal, lapso temporal que igualmente deverá ser verificado entre os marcos interruptivos. Segue abaixo fluxograma ilustrativo: 48 4.2 PRESCRIÇÃO EM CONCRETO: INÍCIO DA CONTAGEM COM O TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO Por sua vez, a prescrição em concreto é calculada com base na pena já fixada na sentença. O artigo 110, §1º, do Código Penal, estabelece que “a prescrição será regulada pela pena aplicada na sentença, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso”. Significa dizer que, com o trânsito em julgado para a acusação, não se utiliza mais como parâmetro para cálculo da prescrição o máximo de pena cominado ao crime, mas sim a pena concretamente fixada na sentença condenatória. A prescrição pela pena em concreto será calculada, entre os marcos interruptivos da prescrição (artigo 117 do Código Penal), de duas formas: (1) prescrição retroativa; e(2) prescrição intercor- rente, subsequente ou superveniente. Segue nos títulos abaixo a análise de cada uma destas modalidades individualizadamente. PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO LAPSO TEMPORAL TERMO INICIAL (ART. 111 DO CP) PRONÚN- CIA (ART. 117, II, DO CP) TRÂNSITO EM JULGADO DECISÃO CONFIRMA- TÓRIA DA PRONÚNCIA (ART. 117, III, DO CP) PUBLICAÇÃO DA SEN- TENÇA OU ACÓRDÃO CONDENA- TÓRIOS RE- CORRÍVEIS RECEBI- MENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA (ART. 117, I, DO CP) Obs.: em cada marco interruptivo o prazo voltará a fluir do zero 49 4.2.1 PRESCRIÇÃO RETROATIVA A prescrição retroativa – como modalidade da prescrição pela pena em concreto fixada na sentença – pressupõe em sua análise o trânsito em julgado para acusação ou o improvimento de seu recurso. Suprido esse pressuposto, será verificado se transcorreu o prazo prescricional entre os marcos interruptivos da prescrição anteriores à publicação da sentença (artigo 117, incisos I, II e III). Destaca-se que, em 05 de maio de 2010, foi publicada Lei nº 12.234/10, que alterou substancialmente a forma de se calcular a prescrição retroativa, ao proibir que a esta tenha como termo ini- cial data anterior à da denúncia ou queixa, conforme prevê a atual redação do artigo 110, §1º do Código Penal. Trata-se de alteração legislativa de natureza material, razão pela qual não poderá ser aplicada aos fatos pretéritos à data de publicação da referida legislação. Dessa forma, no cálculo da pres- crição retroativa, antes de tudo, devemos verificar a data em que o delito se consumou para definir qual a legislação será aplicável. 4.2.1.1 PRESCRIÇÃO RETROATIVA EM RELAÇÃO AOS FATOS POSTERIORES À LEI Nº 12.234/10 Em relação aos fatos posteriores à Lei nº 12.234/10, o termo inicial de contagem da prescrição retroativa pela pena em concreto é o recebimento da denúncia ou queixa. No procedimento do júri, a prescrição retroativa será com- putada entre: (1) recebimento da denúncia ou da queixa e a pu- blicação decisão de pronúncia; (2) entre a decisão de pronúncia 50 e a decisão confirmatória da pronúncia; e (3) entre a data decisão confirmatória da pronúncia e da publicação da sentença. Nos demais procedimentos, o cálculo da prescrição retroativa será operado apenas entre a data da publicação da sentença conde- natória e o recebimento da denúncia ou da queixa. Para maior elucidação, segue a ilustração: 4.2.1.2 PRESCRIÇÃO RETROATIVA EM RELAÇÃO AOS FATOS PRETÉRITOS À LEI Nº 12.234/10 Para delitos praticados antes da vigência da Lei nº 12.234/2010 (que alterou o artigo 110, §1º, do Código Penal), é possível a pres- crição retroativa abranger o período anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa. Ou seja, o cálculo também poderá abran- ger o período compreendido entre o termo inicial da prescrição PRESCRIÇÃO RETROATRIVA: FATOS POSTERIORES À LEI 12.234/10 Vedado o cálculo neste período TERMO INICIAL (ART. 111 DO CP) PRONÚN- CIA (ART. 117, II, DO CP) TRÂNSITO EM JULGADO DECISÃO CONFIRMA- TÓRIA DA PRONÚNCIA (ART. 117, III, DO CP) PUBLICAÇÃO DA SEN- TENÇA OU ACÓRDÃO CONDENA- TÓRIOS RE- CORRÍVEIS RECEBI- MENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA (ART. 117, I, DO CP) TRÂNSITO EM JULGADO PARA ACUSA- ÇÃO OU IM- PRIVIMENTO DO RECURSO 51 (artigo 111 do Código Penal), mais comumente o dia em que o crime se consumou, e a data do recebimento da denúncia. Segue a ilustração: 4.2.2 PRESCRIÇÃO SUPERVENIENTE, SUBSEQUENTE OU INTERCORRENTE A prescrição superveniente, subsequente ou intercorrente é a outra modalidade de cálculo que tem como parâmetro a pena em concreto fixada na sentença e, como já destacado, pressupõe igual- mente o transito em julgado para a acusação ou improvimento de seu o recurso. Como a própria terminologia já indica, a contagem dessa mo- dalidade de prescrição se dará posteriormente à publicação da sen- tença recorrível. Assim, caso seja adotado entendimento no senti- do de que o acórdão que confirma a sentença condenatória não é causa interruptiva da prescrição (ao qual nos filiamos, vide subtítulo PRESCRIÇÃO RETROATRIVA: FATOS ANTERIORES À LEI 12.234/10 TERMO INICIAL (ART. 111 DO CP) PRONÚN- CIA (ART. 117, II, DO CP) TRÂNSITO EM JULGADO DECISÃO CONFIRMA- TÓRIA DA PRONÚNCIA (ART. 117, III, DO CP) PUBLICAÇÃO DA SENTEN- ÇA OU ACÓR- DÃO CONDE- NATÓRIOS RECORRÍVEIS RECEBI- MENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA (ART. 117, I, DO CP) TRÂNSITO EM JULGADO PARA ACUSA- ÇÃO OU IM- PRIVIMENTO DO RECURSO 52 2.3 deste capítulo), a contagem da prescrição intercorrente será entre a data da publicação da sentença e o trânsito em julgado. Segue a ilustração: De outro lado, caso o entendimento seja no sentido de que o acórdão que confirma a sentença condenatória também interrom- pe a prescrição, assim poderemos ter a prescrição intercorrente em dois momentos: (1) entre a data da publicação da sentença e a data da publicidade do acórdão condenatório; e (2) entre a data da publicidade do acórdão condenatório recorrível e o trânsito em julgado do processo. O cálculo dessa modalidade de prescrição é verificada, nor- malmente, em casos nos quais a defesa interpõe recursos especial e extraordinário aos Tribunais Superiores, os quais obstam o trânsito PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE, SUPERVENIENTE OU SUBSEQUENTE Obs.: se não considerarmos o acórdão que confirma a sentença con- denatória, majora ou reduz a pena, como marco interruptivo da prescrição TERMO INICIAL (ART. 111 DO CP) PRONÚN- CIA (ART. 117, II, DO CP) TRÂNSITO EM JULGADO DECISÃO CONFIRMA- TÓRIA DA PRONÚNCIA (ART. 117, III, DO CP) PUBLICAÇÃO DA SENTEN- ÇA OU ACÓR- DÃO CONDE- NATÓRIOS RECORRÍVEIS RECEBI- MENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA (ART. 117, I, DO CP) TRÂNSITO EM JULGADO PARA ACUSA- ÇÃO OU IM- PRIVIMENTO DO RECURSO 53 em julgado da sentença penal condenatória. Todavia, para fins de prescrição, não será todo e qualquer recurso excepcional que irá interferir na prescrição intercorrente, como veremos a seguir. 4.2.2.1 EFEITOS DA INTERPOSIÇÃO DOS RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO NA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE A análise da ocorrência (ou não) da prescrição intercorrente, invariavelmente, passa pelo fato do acusado obstar a formação da coisa julgada com a interposição de recursos, inclusive especial e/ ou extraordinário perante os Tribunais Superiores. Ocorre que os Tribunais Superiores vêm entendendo que, nos casos de inadmissibilidade do recurso especial e/ou extraordinário, a contagem da prescrição retroage ao último dia do prazo de in- terposição do recurso especial e/ou extraordinário na origem. Em outras palavras, a prescrição intercorrente somente irá correr se os recursos excepcionais interpostos forem, no mínimo, conhecidos, ou seja, estejam presentes os seus requisitos de admissibilidade. Desse modo, caso o recurso especial ou extraordinário inter- posto pela defesa tenha juízo de admissibilidade favorável, o perí- odo em que o processo fica aguardando o julgamento dos respec- tivos recursos excepcionais será computado para fins de cálculo da prescrição intercorrente. Nesse sentido é o entendimento consolidado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do AREsp nº 386.266/SP (DJ 02/09/2015): “inadmitido o recurso especial pelo Tri- 54 bunal de origem, em decisão mantida pelo Superior Tribunal de Justiça, há a formação da coisa julgada que deverá retroagir à data do término do prazo para interposição do último recurso cabível”. A Suprema Corte, por sua vez, também possui o mesmo posi- cionamento. No julgamento do HC 86.125/SP (DJ 16/08/2005) decidiu-se que: “deve-se ter em conta que o recurso capaz de impedir essa qualidade da sentença é o recurso admissível, mas se o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça reconhecem a inadmissibilidade, confirmando o que decidido no juízo a quo, os efeitos desse reconhecimento
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