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A influência do movimento higienista no Brasil Caxias (MA), setembro de 2020. Prof. Marcus Pierre de Carvalho Baptista UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES DE CAXIAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE COORDENAÇÃO DO CURSO DE BACHARELADO EM MEDICINA MUNICÍPIO: CAXIAS – MA PERÍODO: 2020.1 Introdução O que foi o movimento higienista? Que importância teve no contexto do século XIX e XX no Brasil? De que forma influenciou a vida dos sujeitos que viviam nesta localidade durante estas temporalidades? De que forma a teoria miasmática e bacteriológica se enquadram nestas questões? A partir de fins do século XIX e início do século XX uma nova ideologia adentrava o Brasil focada na saúde da população e na salubridade dos espaços. Essa ideologia pautava-se em defender a saúde pública e garantir uma população bem educada no tocante a novos hábitos higiênicos. A principal ideia aqui é que o principal bem de uma nação trata- se justamente de seu povo – Sem o povo a nação torna-se incapaz de prosperar. E para este povo se tornar o principal bem da nação era necessário que fosse educação, especialmente no referente a hábitos higiênicos. O movimento higienista valorizava, sobretudo, a saúde do coletivo. Era esta pluralidade que o interessava, especialmente, porque através da manutenção da saúde destes, poupava-se as elites. Deste modo, a partir da segunda metade do século XIX e no início do século XX, esta ideologia, vinda da Europa adentra terras brasileiras e passa a influenciar diretamente a política e a vida social. Mas por que essas ideias repercutem no Brasil e ganham tanta força nesta época? Prevalecia neste momento, especialmente na região dos trópicos, uma perspectiva de que as sociedades que ali viviam eram atrasadas. Esse atraso seria fruto, sobretudo, das precárias condições de vida e do número elevado de pessoas que viviam na miséria nas cidades. Assim, as elites viram como grande problema da nação a seguinte questão: Como tratar esses sujeitos? Como resolver estes problemas encarados por esses grupos abastados enquanto vícios e ociosidades representantes de perigos para a ordem social? É nesse contexto que os pobres passam a ser percebidos enquanto classes perigosas. Mas por que isto ocorre? Esta percepção resvala apenas pelos problemas que para as elites estas classes poderiam ocasionar na manutenção da ordem pública e do trabalho? Ou existiriam outros motivos adjacentes? “As classes pobres não passaram a ser vistas como classes perigosas apenas porque poderiam oferecer problemas para a organização do trabalho e a manutenção da ordem pública. Os pobres ofereciam também perigo de contágio. Por um lado, o próprio perigo social representado pelos pobres aparecia no imaginário político brasileiro de fins do século XIX através da metáfora da doença contagiosa: as classes perigosas continuaram a se reproduzir enquanto as crianças pobres permanecessem expostas aos vícios de seus pais. Assim, na própria discussão sobre a repressão à ociosidade, que temos citado, a estratégia de combate ao problema é geralmente apresentada como consistindo em duas etapas: mais imediatamente, cabia reprimir os supostos hábitos de não- trabalho dos adultos; a mais longo prazo, era necessário cuidar da educação dos menores” (Chalhoub, 2006, p. 29). Neste contexto, a cidade torna-se o espaço por excelência no qual essa intervenção e disciplinarização dos corpos destes sujeitos é possível de ser realizado. Isto só seria possível a partir da higienização não apenas dos espaços habitados por estes indivíduos, mas também de seus corpos. O discurso do progresso, associando uma sociedade higiênica a uma sociedade moderna, legitima também essa prática a partir da segunda metade do século XIX e início do século XX. Neste contexto, a cidade torna-se o espaço por excelência no qual essa intervenção e disciplinarização dos corpos destes sujeitos é possível de ser realizado. Isto só seria possível a partir da higienização não apenas dos espaços habitados por estes indivíduos, mas também de seus corpos. O discurso do progresso, associando uma sociedade higiênica a uma sociedade moderna, legitima também essa prática a partir da segunda metade do século XIX e início do século XX. Cidade Cenários da Modernidade Sonhos Desejos Páginas Escritas A pobreza, então, passa a ser associada a diversas doenças que seriam causadas pela ausência ou pouca higiene destes indivíduos. Isto se dava porque, geralmente, estes sujeitos habitavam locais insalubres, o que facilitava a disseminação de enfermidades infectocontagiosas. Neste sentido, a medicina, enquanto conhecimento científico, vai assumindo um papel cada vez mais importante na sociedade, que buscava disciplinarização e ordenação destes sujeitos. Nesses ambientes os corpos entrariam progressivamente em um processo de degeneração, tanto fisicamente, como socialmente. “Um exemplo comum são os cortiços e as emanações de ratos, micróbios e contaminações perigosas do homem degenerado. Motivo de preocupação das elites e autoridades” (SOBRINHO, 2013, p. 213). Além disso, estes espaços também tornavam-se perigosos porque atentavam contra a moral cristã-burguesa, principalmente os espaços considerados lascivos. Os prostíbulos neste contexto tornam-se espaços considerados responsáveis pela destruição de lares, além de se localizarem em áreas marginalizadas. “Os cortiços representam, portanto, uma ameaça à noção de civilidade; as greves, uma ameaça à ordem burguesa de cidade limpa, disciplinada e livre das imundícies e de manifestações turbulentas dos operários; a rua será objeto da disciplina devido à ameaça à própria ordem que mantém desigualdades. As doenças que se espalhavam pela urbe, do ponto de vista ideológico, teriam como foco de proliferação justamente as áreas pobres” (SOBRINHO, 2013, p. 213). “Nesse processo, a problemática da cidade foi delineada enquanto questão – a chamada questão urbana encontrando-se atravessada pelos pressupostos da disciplina e da cidadania, passando a cidade a ser reconhecida como espaço de tensões. A primeira via a focalizar a cidade de São Paulo como uma ‘questão’ foi a higiênico-sanitarista, conjugando o olhar médico com a observação/transformação do engenheiro, junto a uma política de intervenção de um Estado planejador/reformador, que procurou de todas as formas neutralizar o espaço, dar-lhe uma qualidade universal e manipulável, mediante a ‘racionalidade e objetividade’ da ciência, que tem função-chave na sua luta contra o ‘arcaico pela ordem e progresso’, caminhando conjuntamente ao desejo já latente e generalizado de ‘ser moderno’, em que a cidade aparece como sinônimo de progresso em oposição ao campo. Conjuntamente à questão urbana, constrói-se a questão social com o surgimento da pobreza e a identificação do outro – o pobre, o imigrante” (MATOS, 1996, p. 133). Nessa conjuntura a figura do médico, principalmente o médico- sanitarista, assume um papel central. Será através dele que as elites poderão fazer as intervenções consideradas necessárias para manutenção da ordem e para regulamentar a sociedade. E, através disto, buscava-se fundar uma nova sociedade pauta na ordem higienista com ações realizadas no sentido de evitar epidemias, assumindo uma ideologia baseada na limpeza e vinculando essas questões ao progresso. Assim, no final do século XIX criava-se o Serviço Sanitário que tinha por objetivo tratar os espaços considerados propícios para a proliferação de doenças. Esses sujeitos atuavam, por vezes, invadindo residências com pulverizadores ou desinfetantes, o que, certamente, não agradava a população mais pobre. Essa perspectiva higienista é percebida ainda no modo como as cidades passam a ser dispostas – As cidades brasileiras, adotando como modelo projetos estrangeiros, passam a modernizar-se e, nesse contexto, uma cidade moderna tratava-se de uma cidade higiênica. “A estética burguesa será objeto de apreciação das camadas sociais variadas, os costumes parisienses serão difundidos pelas camadas privilegiadas como sinal de grandiosidade e bom gosto, em especial nas vestimentas e nas edificações. Um padrão de moralidade burguesa predomina, se aproxima mais do modo de vida europeu e renega o nacional como ‘atrasado socialmente’” (SOBRINHO, 2013, p. 216). E com relação aos pobres seria necessário manter sua “[...] mente distante dos vícios e pensamentos que degeneram o homem e educar as crianças pobres para o trabalho” (SOBRINHO, 2013, p. 216). A experiência estrangeira, deste modo, teve forte influência na forma como as cidades brasileiras remodelaram-se em fins do século XIX e início do século XX. “Ou seja, reside nos hábitos e experiências estrangeiras a fonte de inspiração da nossa modernidade. E é assim que se fará o disciplinamento e tratamento da pobreza, num modelo de cidade que nega sua identidade, seu curso natural, sua beleza associada aos trópicos, e se privilegiam formas que escondem a realidade social. Esse processo se verifica na organização espacial da cidade, haja vista procurar-se, pelas construções, deixar os rios longe do alcance da visão, canalizando-os e encobrindo-os junto com o esgoto; além disso, aterram-se as áreas de várzea e alteram-se os contornos dos rios na região central. Portanto, foi uma importação mal feita de urbanização de fora” (SOBRINHO, 2013, p. 216). “No Brasil, a modernidade sofria uma influência marcante do ideal de civilidade europeu; porém, com as devidas adaptações, uniria a tradição (atraso) ao urbano-moderno, este traduzido numa postura elitista que se forma dos discursos e que tem influência no ideal de ordem e progresso [...]” (SOBRINHO, 2013, p. 225). Neste sentido, a experiência da modernidade torna-se importante porque é ela que irá ditar com tratar a questão urbana, especialmente no tocante a salubridade pública, isto é, como higienizar estes espaços visando uma modernização das cidades. A pobreza vai sendo negada e à medida que as cidades brasileiras, especialmente as capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, vão modernizando-se, estes vão sendo empurrados para as periferias e vão sendo marginalizados. Deste modo, a insalubridade existente nos cortiços e habitações dos mais pobres “justificam” e legitimam uma expansão do aparelho burocrático e repressivo de fiscalização higiênica. A partir do início do século XX os municípios tornando-se responsáveis também pela adequação sanitária das habitações. Os espaços privados, deste modo, especialmente os domésticos vão sendo disciplinados – O Estado vai impondo e normatizando a higiene destes a partir do discurso da “saúde pública”. “Os indivíduos que vivem na miséria e abrigados aos pares, em cubículos escuros e respirando gases mefíticos, que exalam de seus próprios corpos não asseados, perdem de uma vez os princípios da moral e atiram-se cegos ao crime e ao roubo de forma a perderem sua liberdade ou a ganharem por essa forma meios de se alimentarem ou dormirem melhor.” (MARINS, 2006, p. 173) “A higiene terá o sentido de limpar a cidade da pobreza e também de cuidar de doenças como um mal que ameaça vidas e, nesse aspecto, será explorado o discurso de que a ciência resolveria os problemas da humanidade. A crença no progresso e no ideal positivista de melhora na condição humana (como ideologias) permite as condições para as transformações econômicas, políticas e sociais do mundo urbano [...]” (SOBRINHO, 2013, p. 232). Deste modo, o final do século XIX e início do século XX marca nas cidades brasileiras, especialmente as capitais, a inserção desta ideologia – A partir disso, tem-se a criação de novos bairros, alargamento de avenidas, criação de praças, preocupação com o esgoto e água encanada etc. Quanto aos mais pobres estes passam a ser “empurrados” para as margens da urbe pela nova ordem que se estabelece. As cidades buscavam “embelezar-se” e, para tanto, era preciso livrar-se de habitações insalubres e que não estavam adequadas aos novos preceitos higienistas. Cabe ressaltar ainda que tratava-se de um “embelezamento” e “modernização” autoritários que não escapavam, por vezes, a protestos das camadas menos abastadas, geralmente mais afetadas por essas transformações. Cabe ressaltar ainda as teorias que estavam em voga no decorrer do século XIX e que influenciaram o movimento higienista e essa nova configuração das cidades. “As intervenções urbanas empreendidas no século XIX pelo corpo de médicos (e também engenheiros) responsáveis pelo saneamento das cidades no Brasil encontram sua fundamentação, como em outras partes do mundo (e desde o final do século XVIII), na teoria miasmática. O assunto “miasmas” era muito debatido entre os profissionais porque a palavra traduzia quase tudo o que tinha relação com insalubridade, além de ser algo desconhecido: acreditava-se serem os miasmas emanações nocivas invisíveis que corrompiam o ar e atacavam o corpo humano. Os miasmas seriam gerados pela sujeira encontrada nas cidades insalubres, e também por gazes formados pela putrefação de cadáveres humanos e de animais“ (MASTROMAURO, 2011, p. 1) “No Brasil, a discussão referente aos miasmas circulava não somente entre o corpo de médico, as informações sobre seus efeitos maléficos e as maneiras de eliminá-los chegavam também à população. A entrada ‘Miasmas’ consta no Dicionário de Medicina Popular dirigido à população e escrito em fins do século XIX por Napoleão Chernoviz [...] No final do século XIX, as novas descobertas bacteriológicas terminaram por conferir uma compreensão unicausal às doenças: cada doença corresponde a um agente etiológico a ser combatido por meio de vacinas e produtos químicos. A unicausalidade seria a grande tônica do preventivismo, e nela os governos encontravam saídas técnicas para dar conta das questões sociais através de medidas sanitárias. Nos bastidores deste debate encontramos os adeptos das duas teorias presentes no final do século XIX: a teoria miasmática e a teoria bacteriológica” (MASTROMAURO, 2011, p. 1). “Tomando a palavra em sua accepção toda, consideram-se este titulo todas as emanações nocivas, que corrompem o ar e atacam o corpo humano. Nada há mais obscuro do que a natureza intima dos miasmas: conhecemos muito as causas que os originam; podemos apreciar grande numero de seus efeitos perniciosos, e apenas sabemos o que elles são. Submetendo-os a investigação de nossos sentidos. Só o olfato nos pode advertir da sua presença: não nos é dado toca-los nem vê-los. A chimica mais engenhosa perde-se na sutileza das doses das combinações miasmáticas: de ordinário, nada descobre no ar insalubre e mortífero que d´elles esteja infectado, e quando consegue reconhecer n´elle uma proporção insólita, ou a presença accidental de algum principio gazoso, não nos releva senão uma diminulissima parte do problema [...]” (CHERNOVIZ, 1862, 1890. Grifo nosso). “Dizemos, por conseguinte, a sua composição intima, e occupemo-nos de suas causas, effeitos e dos meios preservativos. Os miasmas fazem parte desse systema geral de imanações, que tem tão grande parte na natureza. Cada ente os recebe e os transmite reciprocamente. Nesta troca continua de elementos, operam-se as misturas, as separações, as combinações mais variadas. Em certos casos, nascem miasmas, espécie de venenos voláteis, invisíveis, impalpáveis, cujas fontes são felizmente conhecidas e que podemos evitar ou destruir. As condições que favorecem os desenvolvimentos miasmáticos estão bem determinadas. Os pântanos offerecem-se em primeiro lugar. Ninguém ignora quanto são comuns, sobre o globo, as moléstias, e especialmente intermitentes benignas ou perniciosas que provem delles. Estes effluvios pantanosos, cujos insalubres effeitos sobem pela decomposição das matérias vegetaes e animaes, são sobretudo temíveis nospaizes quentes visto que a atividade da putrefação está na razão direta do calor” (CHERNOVIZ, 1862, 1890. Grifo nosso). “Emanações nocivas, pântanos, insalubridade, ar insalubre, mortífero, infectato, decomposições de matérias vegetais e animais. Todos esses vocabulários tentaram por definir e entender os temidos miasmas mortíferos. Na definição acima do médico fica claro a confusão que se fazia em torno do termo Miasma por ser uma emanação nociva, que corrompe, mas não que são invisíveis, são mortíferos, e assim por diante, e só o olfato os reconhece ao final. Em torno do olfato (e leia- se, também: miasmas são malcheirosos, podres etc.) se formulou uma série de concepções a respeito das moléstias que supostamente se originaria dessa emanações. Com a aglomeração intensa das cidades, o aparecimento de indústrias, a intensa quantidade de gente que se muda para habitá-la, a partir do século XVIII são elaboradas teorias que irão orientar comportamentos coletivos e intervenções sobre a conduta da população, quebrando a fronteira do muro da casa para penetrar dentro dos ambientes particulares e moldar a população de acordo com regras de higiene que se estabeleceram no período” (MASTROMAURO, 2011, p. 3). Assim, a teoria miasmática partia do princípio da necessidade de se higienizar os espaços públicos. A partir disso seria possível tentar proteger o ar das emanações pútridas e fedores que poderiam contaminá-lo. Os miasmas poderiam ser facilmente encontrados nas multidões, nos excrementos, nos animais em habitações insalubres, solos umedecidos, cadáveres, hospitais, água suja etc. A teoria indica que, caso um solo fosse tido como perigoso ou nocivo à saúde, este deveria ser drenado a fim de torna-lo inofensivo. No caso das ruas, estas deveriam ser pavimentadas com o intuito de facilitar a limpeza. Era preciso, então, garantir o escoamento das águas e dos esgotos e livrar as cidades das imundices tão presentes no decorrer do século XVIII e século XIX. “Assim, rebocar, forrar, pintar, caiar paredes, tetos e madeiramentos é vestir uma couraça contra os miasmas. Garantir a ventilação era o principal foco dos médicos higienistas que deveriam controlar o fluxo do ar. Ventilar é varrer as baixas camadas do ar, constranger a selvagem circulação dos miasmas, controlar o fluxo mórbido lá onde a natureza não pode exercer livremente sua regulagem, impedir o aparecimento de doenças.” (MASTROMAURO, 2011, p. 3). Nesse contexto, então, o ar e a água tornam-se potencialmente perigosos, vetores de doenças endêmicas e epidêmicas, cabendo aos sanitaristas o seu controle. Essa situação, por vezes, terminava levando a população ao medo, medo das doenças que poderiam acomete-las, bem como o fim último decorrente: a morte. “[...] as doenças, particularmente, as epidemias no Ocidente provocavam o Medo nas pessoas das coisas que as cercavam, como seus pares ou até mesmo o próprio ar que respiravam. Doentes e defuntos tornavam-se imediatamente suspeitos” (BAPTISTA, 2018, p. 17). “O século XVIII foi atravessado por esse tipo de comportamento perante a cidade: abandono, fuga, isolamento. Como as causas e a cura das epidemias e de muitas doenças não eram ainda conhecidas, se formou toda uma teoria sobre o que poderia causá-las, e o saber que se formou na época era justamente em torno desses miasmas desconhecidos que seriam nocivos à higiene pública e pessoal” (MASTROMAURO, 2011, p. 5). “[...] a teoria miasmática [...] tinha basicamente a ideia de afastamento de tudo o que era considerado insalubre, nocivo e desconhecido do núcleo urbano como uma das profilaxias para evitar doenças. Os cemitérios foram muito condenados desde o século XVIII e continuaram até meados do XX, quando o corpo médico se mostra envolvido com a bacteriologia, mas ainda conservando preceitos da teoria dos miasmas” (MASTROMAURO, 2011, p. 5). Dito isso, a bacteriologia, por sua vez, surge apenas em meados do século XIX, sendo legitimada apenas a partir da década de 1880 e, provavelmente por isto, a teoria miasmática foi aceita durante mais tempo, orientando ações de salubridade pública em tantos espaços. Fundamentada a partir dos estudos sobre os microrganismos e bactérias, embora facilmente compreendida e aceita hoje não era algo tão simples no século XIX. “Os estudos sobre as bactérias começaram a partir de 1850, mas só encontraram respostas definitivas a partir de 1880, o que não significa que a bacteriologia tenha sido rapidamente aceita e absorvida pelos médicos. Estes ainda viam na teoria dos miasmas a explicação para as doenças – considerando os locais insalubres como os focos das epidemias” (MASTROMAURO, 2011, p. 6). A partir do final do século XIX, com a ampliação da teoria bacteriológica, tem-se a instalação e criação de laboratórios e institutos voltados para a profilaxia e erradicação de doenças epidêmicas. É nesta época que o Instituto Butantã, dentre outros laboratórios, são criados no Brasil – Data desta época também o surgimento dos primeiros códigos sanitários brasileiros. É interessante notar também que a teoria miasmática durante algum tempo foi aplicada juntamente com a bacteriológica – Um dos casos mais interessantes: Desinfetório Central de São Paulo criado em 1893. “Com elementos da teoria miasmática e da bacteriológica o Desinfetório isolava o doente, penetrava dentro do espaço privado modificando o meio ambiente e ao mesmo tempo, utilizava elementos químicos e estufas de desinfecção utilizados em laboratórios bacteriológicos. Sendo assim, Isolava o doente e o vírus que o acometia, desinfetava o meio ambiente a fim de torná-lo são e livre dos agentes etiológicos. A desinfecção domiciliar era realizada por um grupo de desinfetadores que se apresentava ao domicílio do contagiado com uma série de apetrechos (materiais químicos, roupas especiais, etc.) e geralmente era conduzido até o cômodo que se encontrava o enfermo. Geralmente, as janelas e as portas dos quartos eram isoladas de modo que os gases existentes no local não se propagassem para rua, evitando assim o alastramento da doença. Muitas vezes os doentes eram mantidos em casa, em completo isolamento, mas, se o caso era muito grave, eram transportados pelo grupo de desinfetadores, ao Hospital de Isolamento em carros especiais. Quando havia remoção de cadáveres, estes eram enterrados de acordo com a vontade da família, mas sempre seguindo regras higiênicas da época” (MASTROMAURO, 2011, p. 7-8). Os desinfetadores são considerados os primeiros a invadirem o espaço privado das casas, principalmente das camadas menos abastadas, em função de sua insalubridade. De modo geral, as duas teorias diferenciam-se na prática da seguinte forma: “No caso da teoria miasmática, os locais eram rapidamente interditados, muitos deles até eliminados; por seu lado, quando da teoria bacteriológica, identifica-se no meio denunciado os agentes etiológicos que deverão igualmente identificados e interditados, geralmente sob a tutela de uma polícia especializada em assuntos sanitários“ ((MASTROMAURO, 2011, p. 9). Os desinfetadores são considerados os primeiros a invadirem o espaço privado das casas, principalmente das camadas menos abastadas, em função de sua insalubridade. De modo geral, as duas teorias diferenciam-se na prática da seguinte forma: “No caso da teoria miasmática, os locais eram rapidamente interditados, muitos deles até eliminados; por seu lado, quando da teoria bacteriológica, identifica-se no meio denunciado os agentes etiológicos que deverão igualmente identificados e interditados, geralmente sob a tutela de uma polícia especializada em assuntos sanitários“ (MASTROMAURO, 2011, p. 9). Exemplo – Febre amarela em 1894 em São Paulo – Relato Secretário do Interior: “[...] Casos espontâneos da moléstia em indivíduos que d´aqui nunca sahiram, que não se expuzeram ao contagio de outro enfermo e, o que é mais, manifestando-se sempre no mesmo ponto,na mesma zona da cidade, o que faz crer que o germem infeccioso já alli existe e que alli permanece em estado latente até que dadas condições favoráveis elle manifesta-se por uma nova explosão. Attendendo a isso o Governo trata do saneamento d´aquella zona que foi uma antiga lagoa, ulteriormente aterrada com lixo e naturalmente em condições propícias à germinação da semente morbígena, sendo de esperar que, modificadas essas condições com as obras que alli estão sendo realisadas, torne-se o terreno impróprio a essa germinação, e não encontrando elementos de vida extigua-se assim, o princípio do mal” (ALMEIDA, 1894). Essas intervenções não ocorriam livre de tensões – O caso mais grave dessas intervenções autoritárias e que marcou a História do Brasil no tocante a saúde pública sendo a Revolta da Vacina. Próxima aula: O perigo dos portos O caso do Cólera no Brasil oitocentista REFERÊNCIAS MASTROMAURO, Giovana Carla. Surtos epidêmicos, teoria miasmática e teoria bacteriológica: instrumentos de intervenção nos comportamentos dos habitantes da cidade do século XIX e início do XX. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ANPUH, 2011. p. 1-14. OLIVEIRA SOBRINHO, Afonso Soares de. São Paulo e a Ideologia Higienista entre os séculos XIX e XX: a utopia da civilidade. Sociologias, Porto Alegre, ano 15, n. 32, p. 210- 235, jan./abr. 2013. CHALHOUB, Sidney. Cortiços. In: ______. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 15-59. BAPTISTA, Marcus Pierre de Carvalho; NASCIMENTO, Francisco de Assis de Sousa. O Inimigo vem do Mar: Cólera, Medo e Morte no Litoral Piauiense no Final do Século XIX. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science (UniEVANGÉLICA), v.7, n.2, p. 12-28, maio / ago. 2018.
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