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filosofia capítulo 11 - aRistÓtElEs 1 FILOSOFIA E SOCIOLOGIA SUMÁRIO Capítulo 1 O que é filOsOfia? ............................................................................... 06 Capítulo 2 Os pré-sOcráticOs e a relaçãO entre physis, lOgOs e arché. .......... 10 Capítulo 3 Os sOfistas ........................................................................................... 14 Capítulo 4 O nascimentO da filOsOfia sOcrática ................................................. 17 Capítulo 5 platãO .................................................................................................. 21 Capítulo 6 intrOduçãO à sOciOlOgia .................................................................... 26 Capítulo 7 ViVer em sOciedade .............................................................................. 29 Capítulo 8 a sOciedade feudal ............................................................................ 32 Capítulo 9 a reVOluçãO industrial e a nOVa dinâmica sOcial ............................ 35 Capítulo 10 a reVOluçãO francesa e a transfOrmaçãO pOlítica ......................... 38 filosofia capítulo 11 - aRistÓtElEs 2 SUMÁRIO Capítulo 11 aristóteles......... ....................................................................................41 Capítulo 12 O helenismO........ ................................................................................... 46 Capítulo 13 filOsOfia medieVal: santO agOstinhO e tOmás de aquinO ................... 50 Capítulo 14 filOsOfia mOderna: a reVOluçãO científica.......................................... 53 Capítulo 15 maquiaVel e a filOsOfia pOlítica. .......................................................... 56 Capítulo 16 O nascimentO da sOciOlOgia......... ....................................................... 60 Capítulo 17 émile durkheim – fatO sOcial........ ....................................................... 64 Capítulo 18 max weber – açãO sOcial........ ............................................................. 67 Capítulo 19 karl marx – mudança sOcial ............................................................... 70 Capítulo 20 as instituicões sOciais e O papel da educaçãO ......................................74 3 FILOSOFIA CApítULO 11 - ARIStÓtELES SUMÁRIO Capítulo 21 teOria dO cOnhecimentO......... .............................................................. 78 Capítulo 22 a filOsOfia iluminista....... ..................................................................... 82 Capítulo 23 Os cOntratualistas ............................................................................... 86 Capítulo 24 intrOduçãO à ética ............................................................................... 90 Capítulo 25 estética – funções da arte .................................................................. 94 Capítulo 26 trabalhO e sOciedade......... ................................................................... 97 Capítulo 27 meiOs de prOduçãO e fOrças prOdutiVas ........ ..................................102 Capítulo 28 a glObalizaçãO e seus dilemas........ ................................................... 105 Capítulo 29 cultura e indústria, escOla de frankfurt ......................................... 109 Capítulo 30 cOnceitO de cultura e diVersidade cultural ......................................112 filosofia capítulo 11 - aRistÓtElEs 44 SUMÁRIO Capítulo 31 os filósofos do séCulo xix......... ............................................................... 115 Capítulo 32 os filósofos da primeira metade do séCulo xx .......... ................................ 119 Capítulo 33 o existenCialismo ....................................................................................124 Capítulo 34 filosofia polítiCa Contemporânea .............................................................127 Capítulo 35 filosofia da CiênCia ...................................................................................131 Capítulo 36 poder e estado......... .............................................................................. 134 Capítulo 37 formas de governo ........ ........................................................................137 Capítulo 38 movimentos soCiais - brasil e mundo ........ ...............................................139 Capítulo 39 o que é Cidadania?.................................................................................... 143 Capítulo 40 soCiedade do medo e Controle .................................................................149 filosofia capítulo 11 - aRistÓtElEs 5 FILOSOFIA CApítULO 11 - ARIStÓtELES 6 O QUE É FILOSOFIA? Nesse primeiro capítulo buscaremos apontar cami- nhos que direcionem para a compreensão sobre o que é a Filosofia, onde ela surgiu, qual o contexto sociocultural da época, e qual a sua relação com os mitos. O Que é Filosofia? Muitos poderiam arriscar uma resposta dizendo que a filosofia é uma área do conhecimento que nos ajuda a pensar, mas pensar é algo intrínseco do ser humano, não é? Conhecemos pessoas que nunca ouviram falar em filosofia e que pensam, certo? Então filosofia é algo que vai além. Há quem diga que filosofia nos ensina um pensar mais crítico, mas outras áreas também têm essa capacidade, a História, a Geografia, a Literatura, entre outras tantas, por exemplo. O que faz a Filosofia ser diferente de todas as outras áreas que nos ajudam a elaborar um pensamento crítico? Reformulando a pergunta: o que seria então um atributo exclusivo da Filosofia? Resposta: A Dúvida! A desconfiança! A Suspeita! A Interrogação! A filosofia é área do conhecimento que tem como palavra estrutural: por que/por quê. A mãe de todas as Ciências. Filosofia: a mãe de todas as ciências. É possível fazer tal afirmação, porque até o século XVII não havia distinção entre Filosofia e Ciência. Desde o seu surgimento a Filosofia representava um conjunto de saberes. Ela surgiu na Grécia Antiga entre os séculos VI e VII antes de Cristo, seu nascimento pode ser entendido como uma nova organização do pensamento, que veio complementar e, gradualmente, se separar do mito. Atualmente a Filosofia e a Ciência se distinguem expressivamente, de forma simples poderíamos dizer que a ciência é a resposta, a filosofia é a pergunta. No entanto é uma pergunta que não almeja necessariamente a resposta, pois a partir no momento que a resposta é encontrada já não é mais Filosofia, mas sim Ciência. Vou te dar um exemplo: Uma professora de cinquenta anos de idade que está prestes a se aposentar passa mal e vai para o hospital, seu quadro clínico piora com o passar dos dias e é informada que terá que fazer uma cirurgia, pois está com um tumor no intestino, a cirurgia é realizada e o tumor é retirado. Com novos exames descobre que tem vários tumores no fígado, faz mais duas cirurgias e os tumores são retirados. Durante o período de recuperação em casa, essa senhora vai adiando para iniciar a quimioterapia, pois se sente muito fraca, quan- do inicia o tratamento os familiares tem o diagnóstico de que os tumores surgiram novamente, mas agora tomaram conta de outros órgãos; um ano depois essa professora que dedicou a vida toda à educação morre. Se perguntarmos por que ela morreu? Você saberia dar a resposta? O médico responderia que o câncer venceu! Mas a pergunta foi: Por que ela morreu, e não como ela morreu. A Ciência é limitada! Ela é capaz de explicar como essa professora de cinquenta anos de idade, cheia de planos morreu, explica o que pode ser comprovado com exames e estudos, mas não é capaz de explicar: Por que ela morreu? Por que agora? Por que ela? Por que ela ainda se faz presen- te mesmo não existindo fisicamente? Você sabe a resposta para essas perguntas? Tudo aquilo que não é do campo das Ciências pode ser estudado no campo da Filosofia. Relação: Mito e Filosofia. O Mito (Mythos) era a forma de pensardos gregos. Apresentava-se como uma visão de mundo fundamentada em um conjunto de narrativas contadas de geração a geração por séculos, e que transmitiam às novas gerações as CAPÍTULO 1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • O QUE É FILOSOFIA? 7 filosofia e sociologiacapítulo 1 - o Que É filosofia? experiências vividas pelos seus antecessores. O mito busca explicações definitivas sobre a natureza, e sua verdade independe de provas. Não podemos deixar de ressaltar a importância dos mitos para o funcionamento da sociedade, pois cumpriam uma função social moralizante de tal forma que essas narrativas ocupavam o imaginário dos cidadãos da pólis (cidade-estado) grega e direcionavam suas condutas. Através de exemplos contados nos poemas, além dos passados oralmente entre os membros da sociedade, os mitos ditavam as regras e deixavam claro o que era certo e errado. Aos poucos, porém, a moral estabelecida pelas narrativas míticas foi substituída pela ética e pelos valores da cidadania grega. Assim nasce a Filosofia, uma tentativa de elaborar respostas racionais para perguntas que eram respondidas pela mitologia. Esta tentativa nasce das indagações sobre a natureza, com os chamados Filósofos da Natureza. A partir dos Sofistas - com seus ensinamentos sobre a política e a retórica - e principalmente com Sócrates a Filosofia renasce e os filósofos se voltam para o homem, para o conhecimento, os valores e a beleza. A mitologia foi, portanto, fundamental para o desenvolvimento do pensamento ocidental e para o surgimento da Filosofia. O naturalismo, que se manifestava nas origens da filosofia, já se evidenciava na própria religiosidade grega, na medida em que nem homens nem deuses são compreendidos como perfeitos e, mais do que isso, os deuses tinham desejos humanos, isso significa naturalizar até o sobrenatural. Os Mitos ditam as regras. As crenças transmitidas pelos gregos ajudavam a comunidade a criar uma base de compreensão da realidade, e um ambiente de certezas que justificava a existência humana. Os mitos apresentavam uma religião politeísta (acreditavam em vários deuses), sem teoria escrita, concentrada na tradição oral, é isso que se entende por teogonia (theo-deus, gonia-origem). Vale salientar que essas narrativas foram sistematizadas no século IX a.C por Homero e por Hesíodo no século VII a.C. Ao articular religião, trabalho, poesia, os mitos traduziam o modo que o grego encontrava para expressar sua integração ao cosmos e à vida coletiva. Com o passar dos anos, e com as transformações sociais, políticas e econômicas da Grécia antiga, as explicações simplórias sobre a existência do universo foram perdendo convencimento, já não respondiam mais as novas perguntas que começaram a surgir a partir de tantas mudanças na vida daquelas pessoas. Condições históricas. As condições históricas como o estabelecimento da vida urbana na pólis grega, a invenção da política e da moeda e as expansões marítimas juntamente com alguma influência oriental, geraram uma nova maneira de ver o mundo, uma nova modalidade de pensamento. Foi o momento do esplendor da Grécia. É esse contexto histórico que possibilitou que a Filosofia surgisse ali, e não em outro lugar do planeta. (Acrópoles de Atenas) Acredita-se que a filosofia nasceu de um processo de complemento/rompimento com a mitologia, não de forma brusca, mas a partir da busca por explicações racionais rigorosas e metódicas condizentes com a vida política e social dos gregos antigos, bem como com melhoramento de alguns conhecimentos já existentes, adaptados e transformados em ciência. Cosmologia. A filosofia nasce como uma tentativa de explicar a origem e a ordem do mundo de maneira racional, por isso é considerada nessa primeira fase uma cosmologia (o pensamento da ordem e organização do mundo). Definição da palavra. Pitágoras definiu essa nova forma de compreender o mundo como algo ligado à sabedoria, uma busca pela sabedoria (filo - amor/amizade/ compartilhar. Sofia - sabedoria). Sendo assim, aquele que se dedicava a arte de questionar era considerado filósofo. Aquele que buscava alcançar a sabedoria e agir com base nela era visto como o amigo da sabedoria. A Inquietação. O primeiro passo para a filosofia é a inquietação, pois ela conduz ao questionamento. A Filosofia não é um questionar por questionar, ela exige a fundamentação racional do que é enunciado e pensado. O pensamento racional é o pensamento argumentado, debatido e compreendido pelo homem. Os primeiros filósofos e a autonomia da razão. A Filosofia ocidental é dividida em períodos de acordo com as perguntas e discussões desenvolvidas conforme as necessidades do contexto. O primeiro período da filosofia é denominado de pré-socrático. Nesse momento (séculos VII, 8 filosofia e sociologia capítulo 1 - o Que É filosofia? VI e V) da reflexão filosófica, os filósofos estavam voltados para o cosmo, ou seja, para o universo, para a natureza, por isso são denominados de filósofos da natureza. A Filosofia surge, portanto, quando alguns gregos, observadores da realidade, insatisfeitos com as explicações até então dada pela tradição, começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo, os seres humanos, a Natureza, os acontecimentos e as ações humanas podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma. A filosofia é a conquista da autonomia da razão (lógos) diante do mito e busca encontrar o porquê da existência de todas as coisas. Procura estruturar explicações para a origem de tudo nos elementos naturais e primordiais (água, ar, fogo, terra) por meio de combinações e movimentos. Enquanto o mito está no campo da imaginação, a filosofia exige a lógica e coerência racional que só o ser humano pode ter. EXERCíCIOS QUESTÃO 1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • “Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está ordenado. Os deuses disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo o que havia de ruim no céu etéreo foi expulso, ou para a prisão do Tártaro ou para a Terra, entre os mortais. E os homens, o que acontece com eles? Quem são eles?” (VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Trad. de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 56.) Considerando que o mito era uma forma de conhecimento para os gregos, assinale a alternativa correta. a) A verdade do mito obedece a critérios empíricos e científicos de comprovação. b) O conhecimento mítico segue um rigoroso procedimento lógico-analítico para estabelecer suas verdades. c) As explicações míticas constroem-se, de maneira argumentativa e autocrítica. d) A verdade do mito obedece a regras universais do ensinamento racional, tais como a lei de não-contradição. e) O mito busca explicações definitivas acerca do homem e do mundo, e sua verdade independe de provas. QUESTÃO 2 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • “A filosofia surge quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas”. (Marilena Chauí, Convite a Filosofia. 4. ed., Ática, 1995, p. 23). A Filosofia grega deixou como herança para o Ocidente europeu: a) A criação da dialética, fundamentada na luta de classes, como forma de explicação sociológica da realidade humana. b) A preocupação com a continuidade entre a vida e a morte, através da pratica de embalsamamento e outros cuidados funerários. c) A aspiração ao conhecimento verdadeiro, à felicidade e à justiça, indicando que a humanidade não age caoticamente. d) O nascimento das ciências humanas, implicando em conhecimentos autônomos e compartimentados. e) A produção de uma concepção de historia linear, que tratava dos fins últimos do homem e da realização de um projeto divino.QUESTÃO 3 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • “Os homens, a divindade, o mundo formam um universo unificado, homogêneo, todo ele no mesmo plano: são as partes ou os aspectos de uma só e mesma physis que põem em jogo, por toda parte, as mesmas forças, manifestam a mesma potência de vida. As vias pelas quais essa physis nasceu, diversificou-se e organizou-se são perfeitamente acessíveis à inteligência humana: a natureza não operou ‘no começo’ de maneira diferente de como o faz ainda, cada dia, quando o fogo seca uma vestimenta molhada ou quando, num crivo agitado pela mão, as partes mais grossas se isolam e se reúnem.” (VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Trad. de Ísis Borges B. da Fonseca. 12.ed. Rio de Janeiro: Difel, 2002. p.110.) O texto apresentado demonstra que: a) Para explicar o que acontece no presente é preciso compreender como a natureza agia “no começo”, ou seja, no momento original. b) O nascimento, a diversidade e a organização dos seres naturais têm uma explicação natural e esta pode ser compreendida racionalmente. c) A explicação para os fenômenos naturais pressupõe a aceitação de elementos sobrenaturais. d) A razão é capaz de compreender parte dos fenômenos naturais, mas a explicação da totalidade dos mesmos está além da capacidade humana. e) A diversidade de fenômenos naturais pressupõe uma multiplicidade de explicações e nem todas estas explicações podem ser racionalmente compreendidas. QUESTÃO 4 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Sobre a passagem do mito à filosofia, na Grécia Antiga, podemos afirmar que: a) Os poemas homéricos, em razão de muitos de seus componentes, já contêm características essenciais da compreensão de mundo grega que, posteriormente, se revelaram importantes para o surgimento da filosofia. b) O naturalismo, que se manifesta nas origens da filosofia, já se evidencia na própria religiosidade grega, na medida em que nem homens nem deuses são compreendidos como seres perfeitos: onipotente, 9 filosofia e sociologiacapítulo 1 - o Que É filosofia? onipresente, onisciente. c) A humanização dos deuses na religião grega era inadmissível, pois os deuses eram perfeitos e movidos por sentimentos superiores aos dos homens, isso contribuiu para o processo de racionalização da cultura grega, auxiliando o desenvolvimento do pensamento filosófico e científico. d) O mito foi superado, cedendo lugar ao pensamento filosófico, devido à assimilação que os gregos fizeram da sabedoria dos povos orientais, sabedoria esta desvinculada de qualquer base religiosa. e) Os poemas Hesíodo, não contêm características essenciais da compreensão de mundo grega, por isso não é possível relaciona-los ao surgimento da filosofia. QUESTÃO 5 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • “Há, porém, algo de fundamentalmente novo na maneira como os Gregos puseram a serviço do seu problema último – da origem e essência das coisas – as observações empíricas que receberam do Oriente e enriqueceram com as suas próprias, bem como no modo de submeter ao pensamento teórico e casual o reino dos mitos, fundado na observação das realidades aparentes do mundo sensível: os mitos sobre o nascimento do mundo.” Fonte: JAEGER, W. Paidéia. Tradução de Artur M. Parreira. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 197. Sobre a relação mito e Filosofia, conclui-se que: a) A filosofia se origina no Oriente sob o influxo da religião e apenas posteriormente chega à Grécia. b) A filosofia representa uma ruptura radical em relação aos mitos. c) Apesar de ser pensamento racional, a filosofia se desvincula dos mitos de forma gradual. d) o pensamento filosófico necessita do mito para se expressar. e) O mito já era filosofia, uma vez que buscava respostas para problemas discutidos até hoje. QUESTÃO 6 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • O que implica o sistema da pólis é uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos do poder. A palavra constitui o debate contraditório, a discussão, a argumentação e a polêmica. Torna-se a regra do jogo intelectual, assim como do jogo político. VERNANT, J.P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Bertrand, 1992 (adaptado). Na configuração política da democracia grega, em especial a ateniense, a ágora tinha por função a) agregar os cidadãos em torno de reis que governavam em prol da cidade. b) permitir aos homens livres o acesso às decisões do Estado expostas por seus magistrados. c) constituir o lugar onde o corpo de cidadãos se reunia para deliberar sobre as questões da comunidade. d) reunir os exércitos para decidir em assembleias fechadas os rumos a serem tomados em caso de guerra. e) congregar a comunidade para eleger representantes com direito a pronunciar-se em assembleias. GABARItO 1. E 2. C 3. B 4. A 5. C 6. C ANOtAÇÕES 10 OS pRÉ-SOCRÁtICOS E A RELAÇÃO ENtRE pHYSIS, LOGOS E ARCHÉ. Nesse capítulo buscaremos estudar os primeiros filósofos e os primeiros questionamentos dessa área de conhecimento que chamamos de Filosofia. A principal discussão desse capítulo será sobre a origem do universo. A partir desse momento o homem passa a usar a razão para encontrar na natureza a origem do universo. A Abstração. A Filosofia pré-socrática é filha do seu contexto sociocultural, pois, ao se propagar entre os gregos o uso da moeda, da escrita e do artesanato, inaugurou-se uma mentalidade que descobre e valoriza a abstração humana como esforço de uma inteligência individual. É tese bastante aceita hoje que o nascimento da filosofia na Grécia não foi um “milagre” realizado por um povo privilegiado, mas sim o ápice de um processo lento e gradual, tributário de um passado mítico, e influenciado por transformações políticas, econômicas e sociais. Os primeiros Filósofos. O poeta brasileiro, Mario Quintana (1906-1994), no poema “As coisas”, traduziu o sentimento comum dos primeiros filósofos da seguinte maneira: “O encanto sobrenatural que há nas coisas da Natureza! [...] se nelas algo te dá encanto ou medo, não me digas que seja feia ou má, é, acaso, singular”. Os primeiros filósofos da antiguidade clássica grega se preocupavam com cosmologia, estudando a origem do Cosmos, contrapondo a tradição mitológica das narrativas cosmogônicas. A Jônia foi o berço dos primeiros filósofos, mais especificamente em Mileto. De acordo com os próprios gregos os inauguradores do pensamento racional foram: Tales, Anaxímenes e Anaximandro. Com o objetivo de construir um novo modelo de conhecimento, retomaram os temas da mitologia grega, mas de forma racional, formulando hipóteses lógico-argumentativas. tales de Mileto (640-546 a.C.) “Tales foi o iniciador da filosofia da physis, pois foi o primeiro a afirmar a existência de um princípio originário CAPÍTULO 2 • • • • • • • • OS pRÉ-SOCRÁtICOS E A RELAÇÃO ENtRE pHYSIS, LOGOS E ARCHÉ único, causa de todas as coisas que existem, sustentando que esse princípio é a água. Essa proposta é importantíssima... podendo com boa dose de razão ser qualificada como a primeira proposta filosófica daquilo que se costuma chamar civilização ocidental.” (REALE, Giovanni. História da filosofia: Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. p. 29.) Tales de Mileto (640-546 a.C.) é tido como o primeiro filósofo e o primeiro chefe da Escola de Mileto; Anaximandro (610-547 a.C.) e Anaxímenes (585-528 a.C.) foram seus discípulos. Para estes e outros filósofos, o mais importante é usar a razão (logos) para conhecer a natureza (physis), cujo objetivo é entender e explicar os fundamentos primeiros de que o mundo foi feito e que o vem mantendo da forma como está. Esses filósofos buscavam delimitar a arkhé (o princípio) na tentativa de buscar explicações racionais para o universo. Tales de Mileto, ao buscar um princípio unificador de todos os seres, concluiu quea água era a substância primordial, “a água é a origem de todas as coisas”, pois ele observou que tudo que tem vida necessita de água, a morte é a ausência da água. Tales atribuía à água a arkhé do universo. A filosofia contribui para a crítica a uma religiosidade simplista ou meramente ritualista, não significa, porém, um rompimento com a religião. Por isso Tales afirmava que tudo estava cheio de deuses, ou seja, que as qualidades sensíveis que cercam os homens têm uma existência independente da vontade humana e o seu domínio está fora do alcance humano. Ou seja, ele é um filho de seu tempo, no qual a mitologia estava enraizada na consciência coletiva. Anaximandro e Anaxímenes Após Tales a Escola de Mileto contou com a liderança de Anaximandro e Anaxímenes. Eles deram continuidade à busca pela Arkhé. Para Anaximandro o princípio, ou elemento primordial, era o “ápeiron”, infinito ou indeterminado, a matéria eterna e indestrutível. Para Anaxímenes a origem de tudo era o ar infinito (pneuma ápeiron), ao observar a natureza percebe que o ar é o princípio de tudo, na medida em que permite a vida das pessoas, que, sem ele, perecem. Os seres sobrevivem mais tempo sem água do que sem ar, por isso concluir que o ar é a origem de tudo, contrapondo a ideia de seu mestre Tales. pitágoras Pitágoras (século VI a.C), é um dos filósofos mais importantes da filosofia pré-socrática. Para ele “a Matemática explica o mundo”. Acreditava na divindade dos números. Os números são a essência de todas as coisas. A medida da harmonia e, consequentemente, da desarmonia, segundo Pitágoras, é possibilitada pela matemática, particularmente pela relação numérica, aritmética e geométrica existente na realidade. Xenófanes (580-475 a.C.) e Zenão (480-430 a.C.) 11 filosofia e sociologiacapítulo 2 - os pRÉ-socRÁticos e a RelaÇÃo eNtRe pHYsis, logos e aRcHÉ Xenófanes (580-475 a.C.), e Zenão (480-430 a.C.) também marcaram esse período da filosofia. Xenófanes contribui com sua crítica à concepção de deuses antropomórficos, concepção própria da religião mítica. Zenão ficou conhecido por escrever sobre a imutabilidade dos seres. A defesa da imutabilidade do ser é, todavia, realizada por Parmênides, considerado por Aristóteles o pai da metafísica e da lógica. parmênides (530-460 a.C.) X Heráclito de Éfeso (540 - 470 a.C) As reflexões sobre o mundo e as relações sociais fazem parte da construção da Filosofia. O pensamento filosófico foi muito importante para a organização da sua sociedade e o estabelecimento de uma visão crítica de suas manifestações culturais. Uma das figuras marcantes da Filosofia Grega foi Parmênides, pois influenciou em muito o pensamento idealista da filosofia ocidental, dando destaque à ideia de permanência e considerando o movimento como uma ilusão dos sentidos. “...que é e que não é possível que não seja,/ é a vereda da Persuasão (porque acompanha a Verdade); o outro diz que não é e que é preciso que não seja,/ eu te digo que esta é uma vereda em que nada se pode aprender. De fato, não poderias conhecer o que não é, porque tal não é fatível./ nem poderia expressá-lo.” (Nicola, Ubaldo. Antologia ilustrada de Filosofia. Editora Globo, 2005.) O texto acima expressa o pensamento de Parmênides de Eleia, que afirmava a imutabilidade de todas as coisas e a unidade entre ser e pensar. Para Parmênides “O Ser é”, não existe a possibilidade do não-ser, sendo assim: “O ser é, e o não ser não é”. Tanto Zenão, quanto Parmênides defendem a ideia de que não há movimento. Em contrapartida, para Heráclito de Éfeso (540 - 470 a.C) “Tudo se transforma”. O logos é identificado por Heráclito como o fogo; não somente o natural, material, mas também o fogo eterno e vivo que forjou todo o universo. Heráclito e Parmênides são apresentados como filósofos cujos pensamentos se opõem: o primeiro seria o pensador da mudança, da contradição, enquanto o outro seria o precursor da metafísica, na sua defesa da constância, da unicidade e da imobilidade do ser. Empédocles (492-432 a.C.) Empédocles (492-432 a.C.) marcou a filosofia com sua reflexão de que o mundo não é resultado de apenas um princípio, mas de quatro: a água, a terra, o ar e o fogo. Para ele todas as coisas do universo resultam da mistura desses elementos, e os responsáveis por esse movimento são as forças cósmicas opostas: o amor e o ódio. “Ainda outra coisa te direi. Não há nascimento para nenhuma das coisas mortais, como não há fim na morte funesta, mas somente composição e dissociação dos elementos compostos: nascimento não é mais do que um nome usado pelos homens”. (EMPÉDOCLES. Apud ARANHA/ MARTINS. Filosofando: Introdução à Filosofia. 3ª Ed., São Paulo: Moderna, 2006 - p. 86.). Percebemos neste fragmento citado uma continuidade do pensamento mítico que havia no início da filosofia, pois ainda encontramos a presença de certos resquícios da mitologia sendo usados para explicar o mundo. Por isso salientamos a inexistência de uma ruptura bruta entre as maneiras filosófica e mitológica de pensar. Demócrito (470-380 a.C.) Demócrito (470-380 a.C.) foi o fundador da teoria do Átomo. Para ele tudo é matéria. A alma é feita de átomos. O átomo é uma partícula indivisível. E os átomos são eternos. EXERCíCIOS QUESTÃO 1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • “Mais que saber identificar a natureza das contribuições substantivas dos primeiros filósofos é fundamental perceber a guinada de atitude que representam. A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição religiosa’, é o que mais merece ser destacado entre as propriedades que definem a filosoficidade.” (OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Présocráticos: a invenção da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24.) A “guinada de atitude” que o texto afirma ter sido promovida pelos primeiros filósofos é: a) A aceitação acrítica das explicações tradicionais relativas aos acontecimentos naturais. b) A busca por uma verdade única e inquestionável, que pudesse substituir a verdade imposta pela religião. c) A confiança na tradição e na “imposição religiosa” como fundamentos para o conhecimento. d) A desconfiança na capacidade da razão em virtude da “proliferação de óticas” conflitantes entre si. e) A discussão crítica das ideias e posições, que podem ser modificadas ou reformuladas. QUESTÃO 2 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • A filosofia surgiu na Grécia, no século VI a.C. Seus primeiros filósofos foram os chamados pré-socráticos e filósofos da natureza. Assinale a alternativa que expressa o principal problema por eles investigado. a) A cosmologia, como investigação acerca da origem e da ordem do mundo. c) A epistemologia, como avaliação dos procedimentos 12 filosofia e sociologia capítulo 2 - os pRÉ-socRÁticos e a RelaÇÃo eNtRe pHYsis, logos e aRcHÉ científicos. d) A ética, enquanto investigação racional do agir humano. b) A estética, enquanto estudo sobre o belo na arte. e) A filosofia política, enquanto análise do Estado e sua legislação. QUESTÃO 3 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Os filósofos pré-socráticos tentaram explicar a diversidade e a transitoriedade das coisas do universo, reduzindo tudo a um ou mais princípios elementares, os quais seriam a verdadeira natureza ou ser de todas as coisas. Assinale o que for incorreto. a) Tales de Mileto, o primeiro filósofo segundo Aristóteles, teria afirmado “tudo é água”, indicando, assim, um princípio material elementar, fundamento de toda a realidade. b) Heráclito de Éfeso interessou-se pelo dinamismo do universo. Afirmou que nada permanece o mesmo, tudo muda; que a mudança é a passagem de um contrário ao outro e que a luta e a harmonia dos contrários são o que gera e mantém todas as coisas. c) Parmênides de Eléia afirmou que o ser não muda. Deduziu a imobilidade e a unidadedo ser do princípio de que “o ser é” e “o não-ser não é”, elaborando uma primeira formulação dos princípios lógicos da identidade e da não- contradição. d) As teorias dos filósofos pré-socráticos foram pouco significativas para o desenvolvimento da filosofia e da ciência, uma vez que os pré-socráticos sofreram influência do pensamento mítico, e de suas obras apenas restaram fragmentos e comentários de autores posteriores. e) Para Demócrito de Abdera, todo o cosmo se constitui de átomos, isto é, partículas indivisíveis e invisíveis que, movendo-se e agregando-se no vácuo, formam todas as coisas; geração e corrupção consistiriam, respectivamente, na agregação e na desagregação dos átomos. QUESTÃO 4 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • O período pré-socrático é o ponto inicial das reflexões filosóficas. Suas discussões se prendem a Cosmologia, sendo a determinação da physis (princípio eterno e imutável que se encontra na origem da natureza e de suas transformações) ponto crucial de toda formulação filosófica. Em tal contexto, Leucipo e Demócrito afirmam ser a realidade percebida pelos sentidos ilusória. Eles defendem que os sentidos apenas capturam uma realidade superficial, mutável e transitória que acreditamos ser verdadeira. Mesmo que os sentidos apreendam “as mutações das coisas, no fundo, os elementos primordiais que constituem essa realidade jamais se alteram.” Assim, a realidade é uma coisa e o real outra. Para Leucipo e Demócrito a physis é composta a) pelas quatro raízes: o úmido, o seco, o quente e o frio. b) pelos átomos, pois tudo é matéria. c) pela água, pois tudo que tem vida precisa de água. d) pelo fogo, pois tudo está em constante movimento. e) pelo ilimitado, pois o cosmos é infinito. QUESTÃO 5 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • O que há em comum entre Tales, Anaximandro e Anaxímenes de Mileto, entre Xenófanes de Colofão e Pitágoras de Samos? “Todos esses pensadores propõem uma explicação racional do mundo, e isso é uma reviravolta decisiva na história do pensamento” (Pierre Hadot). Com base no texto e nos conhecimentos sobre as relações entre mito e filosofia, assinale a alternativa incorreta. a) Os filósofos pré-socráticos são conhecidos como filósofos da physis porque as explicações racionais do mundo por eles produzidas apresentam não apenas o início, o princípio, mas também o desenvolvimento e o resultado do processo pelo qual uma coisa se constitui. b) O nascimento das explicações racionais do mundo é também o surgimento de uma nova ordem do pensamento, que bate de frente com o mito e rejeita todos os ensinamentos que existiam até então; foi um momento decisivo da história da filosofia, pois a negação do mito mostrava a superioridade dos filósofos, que eram semideuses. c) As explicações racionais do mundo elaboradas pelos pré-socráticos seguem o mesmo esquema ternário que estruturava as cosmogonias míticas na medida em que também propõem uma teoria da origem do mundo, do homem e da cidade. d) Os filósofos pré-socráticos não foram os primeiros a tratarem da origem e do desenvolvimento do universo, antes deles já existiam cosmogonias, mas estas eram de tipo mítico, descreviam a história do mundo como uma luta entre entidades personificadas. e) Tales de Mileto, um dos Sete Sábios, além de matemático e físico é considerado filósofo – o fundador da filosofia, segundo Aristóteles – porque em sua proposição “A água é a origem e a matriz de todas as coisas” está contida a proposição “Tudo é um”, ou seja, a representação de unidade. QUESTÃO 6 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição anuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: Tudo é um. NIETZSCHE, F. Crítica moderna. In: Os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. 13 filosofia e sociologiacapítulo 2 - os pRÉ-socRÁticos e a RelaÇÃo eNtRe pHYsis, logos e aRcHÉ O que, de acordo com Nietzsche, caracteriza o surgimento da filosofia entre os gregos? a) O impulso para transformar, mediante justificativas, os elementos sensíveis em verdades racionais. b) O desejo de explicar, usando metáforas, a origem dos seres e das coisas. c) A necessidade de buscar, de forma racional, a causa primeira das coisas existentes. d) A ambição de expor, de maneira metódica, as diferenças entre as coisas. e) A tentativa de justificar, a partir de elementos empíricos, o que existe no real. GABARItO 1. E 2. A 3. D 4. B 5. B 6. C ANOtAÇÕES 14 CAPÍTULO 3 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • OS SOFIStAS OS SOFIStAS Este capítulo apresentará uma nova discussão e preocupação dos filósofos, surgem novos questionamentos e novas maneiras de abordagens filosóficas, o discurso passa a ser o tema principal nesse momento. A palavra Sofista. Na Grécia do século V a.C, a palavra “sofista” era utilizada com o sentido de “homem sábio”. No final do século, o termo “sofista” ganhou uma conotação prática e política, aplicado a quem escrevia ou a quem tinha a capacidade de transmitir a arte de falar bem, a retórica. Sócrates deu um novo sentido à palavra, sentido este que carregamos até o momento, no qual o termo “sofista” é visto de forma pejorativa: é aquele que engana e ilude. Entenderemos o porquê mais adiante. A profissão de Sofista. Neste contexto histórico – final do século V a.C e início do IV a.C - o mundo grego vivia suas grandes guerras contra os Persas, os atenienses estavam vivendo uma transformação política e cultural, a inserção da Democracia como forma de governo. Atenas passou a ser a cidade de encontro dos grandes homens desse momento, mercadores, artistas e sábios de todas as regiões se dirigiam à famosa pólis, dentre os sábios estavam os Sofistas. Aproveitando tal situação, os sofistas se viram rodeados de homens que queriam encontrar o segredo do domínio dos cidadãos, afinal, na democracia vence aquele que tem o melhor poder de persuasão. Os sofistas recebiam pagamentos por seus ensinamentos, o que era alvo de críticas dos atenienses, além do fato de serem estrangeiros, em sua maioria. Sócrates foi um dos principais críticos desses profissionais. Sócrates, ao contrário dos sofistas, dispensava gratuitamente o seu saber a quem desejasse, por isso achava vergonhoso vender o saber em praça pública, como os sofistas estavam acostumados a fazer. Platão deixa registrado que Sócrates comparava os sofistas aos mercadores, pois vendiam seus conhecimentos como se fossem produtos e elogiavam os produtos que vendiam mesmo sem saber se são bons ou não. Para Sócrates os sofistas eram obrigados a adaptar sua mercadoria ao gosto dos compradores, sendo, portanto, incoerentes e despreocupados com a verdade. “... aqueles que levam a ciência de cidade em cidade, ven- dendo-a a retalho, elogiam sempre ao interessado tudo quan- to vendem, mas talvez, meu caro, desconheçam o que é que desses artigos que vendem é bom ou mau para a alma...” (Platão. Protágoras. Trad. introdução e notas Ana da Piedade Elias Pinheiro. Lisboa: Relógio d’Água, 1999. Pág. 82) A herança deixada pelos sofistas. Mesmo diante de todas as críticas, é preciso reconhecer e considerar que, ao receberem pelos ensinamentos ministrados, os sofistas forçaram o reconhecimento do carácter profissional do trabalho de professor. Foram os primeiros professores, e essa é a herança que deixaram para a instituição escolar. Além disso, os sofistas forneceram elementos fundamentais para o desenvolvimento da democracia, por terem valorizado,sobretudo, o espírito crítico, a palavra e as técnicas de argumentação. Os sofistas acreditavam que seus ensinamentos formavam cidadãos. A finalidade cívica da educação passa, claramente, para o primeiro plano. O rompimento com os filósofos pré-socráticos. Os Sofistas criticam os estudos e preocupações dos pré- socráticos, e a partir deles temos uma mudança do objeto de estudo, que deixou de ser a natureza/cosmos, passando para um olhar sobre homem, especificamente, para a arte da persuasão do homem. Local de trabalho desses profissionais. Os Locais de trabalho dos sofistas eram os ambientes públicos mais frequentados, além das casas particulares dos que os podiam acolher e pagar por seus serviços. Eles viajavam de cidade em cidade à procura de alunos, alguns eram cativados por eles e decidiam ir junto com seus mestres. “não foi só pelo seu ensino, mas também pela atração do seu novo tipo espiritual e psicológico que os sofistas foram considerados como as maiores celebridades do espírito grego de cada cidade, onde por longo tempo deram tom, sendo hóspedes prediletos dos ricos e dos poderosos” (JAEGER, Werner. Paidéia - A Formação do Homem Grego, Martins Fontes, São Paulo, 3ª edição, 1995. pág.347). O que eles ensinavam? Os Sofistas estudavam e ensinavam sobre os grandes poetas, desde Homero a Hesíodo, adaptando tais ensinamentos à realidade em que viviam e ao contexto dos compradores de seus conhecimentos. Suas interpretações dos poetas são em geral muito pragmáticas. Os sofistas gostavam de acumular conhecimentos que pudessem ser aplicados no cotidiano, estudavam e procuravam decifrar os poemas, pois estes diziam muito sobre aquela sociedade. Outro motivo para estudar os poemas se justificava no fato deles auxiliarem na elaboração do discurso, pois a partir dos textos os sofistas aprendiam a dominar as palavras e isso culminava na arte de falar bem. Os sofistas dirigiam a Filosofia para as questões mais práticas e cotidianas, para a vida do homem, no mundo 15 filosofia e sociologiacapítulo 3 - os sofistas social dos homens, e não para as discussões mais amplas como as questões da natureza. Suas técnicas eram baseadas no poder do uso das palavras, na forma como debater, no discurso elaborado. Eles eram experientes nas relações humanas, viajavam de cidade em cidade, conheciam culturas diferentes, concepções de mundo variadas, o que fez com que acreditassem que não existia verdade absoluta, pois cada povo tinha suas próprias verdades, passaram a relativizar o mundo, e ensinar dessa forma. Os Sofistas ensinavam como pegar um argumento fraco e transformá-lo em algo incontestável, da mesma forma que se podia pegar um argumento forte e tirar toda a sua força. E como dizia Protágoras, o mais conhecido dos Sofistas: “A verdade é relativa. É somente uma questão de opinião.” (Protágoras). Podemos dizer, a partir desta afirmação, que a verdade é uma questão de persuasão. Górgias (sofista) dizia que “o bom orador convence qualquer um de qualquer coisa”. Os sofistas eram pragmáticos, relativistas, subjetivistas e céticos (no sentido de não acreditarem em verdades únicas). A moral e a Justiça para os Sofistas. A moral é encarada pelos Sofistas não como lei racional do agir humano, mas como um empecilho que incomoda o homem. Para os Sofistas a submissão à lei não torna os homens felizes, exemplo disso é que grandes malvados tem conseguido conquistar a felicidade, além de grande êxito no mundo e, aliás, a experiência ensina que, para triunfar no mundo, não é necessário justiça, mas prudência e habilidade. Segundo os sofistas, a realização da humanidade está no engrandecimento ilimitado da própria personalidade, no prazer e no domínio. Na Grécia Antiga, um dos mais importantes representantes dos sofistas foi Protágoras de Abdera, que afirmava, o homem é quem dá valor às coisas, só cabe ao homem decidir o que é certo ou errado, o que possui valor e o que não possui. Para ele não existe “a verdade”, é o homem quem estabelece o que é verdade. Protágoras diz: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.” EXERCíCIOS QUESTÃO 1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • No século V a.C., Atenas vivia o auge de sua democracia. Nesse mesmo período, os teatros estavam lotados, afinal, as tragédias chamavam cada vez mais a atenção. Outro aspecto importante da civilização grega da época eram os discursos proferidos na ágora. Para obter a aprovação da maioria, esses pronunciamentos deveriam conter argumentos sólidos e persuasivos. Nesse caso, alguns cidadãos procuravam aperfeiçoar sua habilidade de discursar. Isso favoreceu o surgimento de um grupo de filósofos que dominavam a arte da oratória. Esses filósofos vinham de diferentes cidades e ensinavam sua arte em troca de pagamento. Eles foram duramente criticados por Sócrates e são conhecidos como: a) maniqueistas. b) sofistas. c) epicuristas. d) hedonistas. e) Naturalistas. QUESTÃO 2 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Pode-se dizer que o conjunto das ideias sofistas (tal como apresentado por Platão) se opõe ao propósito teórico dos pré-socráticos no tocante: a) os sofistas especulam sobre a origem de todas as coisas e os pré-socráticos admitem a possibilidade da verdade. b) os sofistas não defendem a possibilidade de verdades universais e os pré-socráticos buscam o princípio de todas as coisas. c) os sofistas investigam o nomos buscando saber por que tudo é como é, e os pré-socráticos se voltam para a physis ocupando-se com saber como o princípio perpassa o múltiplo. d) os sofistas entendem que a linguagem representa a realidade e os pré-socráticos buscam as regras da linguagem. e) os sofistas defendem a possibilidade de verdades universais e assim como os pré-socráticos buscam o princípio de todas as coisas. QUESTÃO 3 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Os Sofistas foram acusados por Platão e por Aristóteles de serem comerciantes do saber, mas hoje se reconhece suas contribuições em diversas áreas do conhecimento, como, por exemplo, para a retórica. São considerados Sofistas: a) Parmênides, Górgias, Crátes e Cícero. b) Xenofonte, Pitágoras, Heródoto e Crátes. c) Antifonte, Górgias, Protágoras e Pródico. d) Empédocles, Protágoras, Antifonte e Sócrates. e) Antifonte, Górgias, Heráclito e Parmênides. QUESTÃO 4 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • A sociedade grega criou seus mitos e deuses, mas também elaborou um pensamento filosófico que expressava sua preocupação com a verdade e a ética. Além de Aristóteles, Platão e Sócrates, muitos pensadores merecem ser citados e discutidos, como os sofistas, que: a) formularam princípios éticos, revolucionários para 16 filosofia e sociologia capítulo 3 - os sofistas a época e de grande significado para o pensamento de Platão. b) defenderam a liberdade de expressão, embora estivessem ligados à aristocracia ateniense, contrária à ampliação da cidadania. c) construíram reflexões sobre o comportamento humano que serviram de base para Aristóteles pensar a sua metafísica. d) ajudaram a consolidar o pensamento conservador grego, reafirmando a importância da mitologia. e) criticaram a existência de verdades absolutas, afirmando ser o homem a medida de todas as coisas. QUESTÃO 5 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • “O legado da Grécia à filosofia ocidental é a filosofia ocidental.” (Bernard Williams. In: Finley M. I. O legado da Grécia, 1998.) A afirmação baseia-se no fato de que: a) os gregos foram os criadores de quase todos os campos importantes do conhecimento filosófico, como a metafísica, a lógica, a ética e a filosofia política; b) os filósofos gregos foram lidos pelos romanos, depois totalmente negados pela tradição romântica medieval e,posteriormente, recuperados por iluministas. c) a filosofia moderna ocidental deixou o pensamento filosófico grego para trás, recuperando como princípio básico o legado mítico dos helenos; d) os sofistas, como Sócrates e Platão, responsáveis pela produção de obras no campo da mitologia, consolidaram os princípios da filosofia ocidental moderna; e) a metafísica de Platão tem estruturado, até hoje, as bases conceituais e filosóficas do pensamento científico e tecnológico contemporâneo ocidental. QUESTÃO 6 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Trasímaco estava impaciente porque Sócrates e os seus amigos presumiam que a justiça era algo real e importante. Trasímaco negava isso. Em seu entender, as pessoas acreditavam no certo e no errado apenas por terem sido ensinadas a obedecer às regras da sua sociedade. No entanto, essas regras não passavam de invenções humanas. RACHELS, J. Problemas da filosofia. Lisboa: Gradiva, 2009. O sofista Trasímaco, personagem imortalizado no diálogo A República, de Platão, sustentava que a correlação entre justiça e ética é resultado de: a) determinações biológicas impregnadas na natureza humana. b) verdades objetivas com fundamento anterior aos interesses sociais. c) mandamentos divinos inquestionáveis legados das tradições antigas. d) convenções sociais resultantes de interesses humanos contingentes. e) sentimentos experimentados diante de determinadas atitudes humanas. GABARItO 1. B 2. B 3. C 4. E 5. A 6. D ANOtAÇÕES 17 CAPÍTULO 4 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • O NASCIMENtO DA FILOSOFIA SOCRÁtICA O NASCIMENtO DA FILOSOFIA SOCRÁtICA: O MÉtODO SOCRÁtICO – DIÁLOGO, IRONIA E MAIÊUtICA. Este capítulo tratará de um momento que foi o divisor de águas para a filosofia. Existe uma filosofia antes e uma filosofia pós-Sócrates, buscaremos compreender a importância desse pensador para o mundo Ocidental. A discussão principal não será mais sobre a natureza, mas sim sobre o Homem. O rompimento com a primeira fase. A partir dos sofistas, e essencialmente com Sócrates e Platão, a Filosofia encara o segundo período da história do pensamento grego, o chamado período antropológico. O interesse destes filósofos não gira mais ao redor da discussão sobre a natureza, mas em torno do homem. Com Sócrates, a Filosofia é reinaugurada. Seu pensamento marca uma reviravolta na história humana, pois o ser humano voltou-se para si mesmo, e os seus questionamentos e discussões, a partir de então, são completamente diferentes das pré-socráticas. A Vida de Sócrates Por volta de 469 a.C. nascia em Atenas o mais respeitado de todos os filósofos Ocidentais: Sócrates. Filho de Sofrôni- co, escultor, e de Fenáreta, parteira. A profissão de sua mãe será referência e a grande metáfora da filosofia socrática. Durante o apogeu de Atenas, onde se instalou a primei- ra democracia da história, ele conviveu com intelectuais, artistas, aristocratas e políticos. Por volta de seus 38 anos, convenceu-se de sua missão de mestre, pois foi considerado “o mais sábio dos homens”. Deduzindo que sua sabedoria só podia ser resultado da percepção da própria ignorância, passou a dialogar com as pessoas que se dispusessem a procurar a verdade e o bem. Por expor claramente seu modo de ver o mundo, acabou desagradando muitos atenienses. Criticou muitos aspectos da cultura grega, afirmando que muitas tradições, crenças religiosas e costumes não ajudavam no desenvolvimento intelectual dos cidadãos. Abaixo o trecho extraído do livro “Apologia de Sócra- tes”, de Platão: “(…) descobrem uma multidão de pessoas que supõem saber alguma coisa, mas que na verdade pouco ou nada sa- bem. (…) e afirmam que existe um tal Sócrates (…) que cor- rompe a juventude. Quando se lhes pergunta por quais atos ou ensinamentos, não têm o que responder; não sabem, mas para não mostrar seu embaraço apresentam aquelas acusa- ções que repetem contra todos os que filosofam: ‘as coisas do céu e o que há sob a terra; o não crer nos deuses; fazer preva- lecer o discurso e a razão mais fraca’. Isso porque não querem dizer a verdade: terem dado prova de que fingem saber, mas nada sabem.” Condenado à morte por injúria contra os deuses e por corromper os jovens, ele se recusou a fugir ou a renegar suas convicções para salvar a vida. Ingeriu cicuta e morreu rodeado por amigos, em 399 a.C. Trecho da obra FÉDON (A imortalidade da alma)- obra de PLATÃO: “- Estiveste tu mesmo, Fedão, junto de Sócrates no dia em que ele tomou veneno na prisão, ou ouviste de alguém? Fedão - Não, eu mesmo, Equécrates. Equécrates - Então, que disse o homem antes de morrer? E como foi a sua morte? Gostaria de saber tudo o que se passou. Recentemente, nenhum cidadão de Fliunte tem ido a Atenas, e há muito não nos vêm de lá forasteiros capazes de dar-nos informações seguras, salvo dizerem que morreu depois de tomar o veneno. Quanto ao mais, nada informam de particular. Fedão - E também não ouviste contar como foi o julgamento? Equécrates - Ouvimos, sim; alguém nos falou nisso. Surpreendeu- nos, justamente, ter sido bem antes o julgamento e ele só vir a morrer muito depois. Que aconteceu, Fedão?”. (PLATÃO. FÉDON – A IMORTALIDADE DA ALMA. Livro de Domínio Público pg. 2 - PDF). A morte de Sócrates deu vida á filosofia! A crítica aos sofistas. Os pensadores sofistas, os educadores profissionais da época, também se voltavam para o homem, mas com um objetivo mais prático e imediato: formar as elites dirigentes. Isso significava transmitir aos jovens não o valor e o método da investigação, mas um saber enciclopédico, além de desenvolver sua eloquência, que era a principal habilidade esperada de um político. Na Democracia o poder depende da capacidade de conquistar o povo pela persuasão, e os sofistas sabiam fazer isso muito bem, mais do que isso, vendiam esse saber. Sócrates não se conformava com tal prática, pois acreditava ser uma falta de respeito com a verdade. Os sofistas eram os mestres de eloquência e queriam conquistar fama e riqueza no mundo. Já Sócrates desejava libertar o ser humano, e não desenvolver técnicas para controlá-lo, que era a especialidade dos sofistas. Observe o esquema abaixo: QUAL A ORIGEM DO UNIVERSO? COMO CONtROLAR OS HOMENS? COMO LIBERtAR OS HOMENS? pRÉ-SOCRÁtICOS SOFIStAS SÓCRAtES 18 filosofia e sociologia capítulo 4 - o NasciMeNto Da filosofia socRÁtica A Filosofia Socrática e o seu legado A preocupação de Sócrates era levar as pessoas, por meio do autoconhecimento, à sabedoria e à prática do bem, que para ele era o fim último do conhecimento. “Enquanto tiver ânimo e puder fazê-lo, jamais deixarei de filosofar, de vos advertir, de ensinar em toda ocasião àquele de vós que eu encontrar, dizendo-lhe o que costumo: ‘Meu caro, tu, um ateniense, da cidade mais importante e mais reputada por sua sabedoria, não te envergonhas de cuidares de adquirir o máximo de riquezas, fama e honrarias, e de não te importares nem pensares na razão, na verdade e em melhorar tua alma”? (PLATÃO. Apologia de Sócrates, pg. 29). Para Sócrates o verdadeiro conhecimento é aquele que vem de dentro. Daí o famoso: “Conhece-te a ti mesmo”. Ele acreditava que a racionalidade, a verdade e a melhora da alma são valores que devem ser defendidos pelo filósofo. Vivia caminhando pela cidade grega como ninguém havia feito antes, com simplicidade, passava horas conversando com aqueles que queriam encontrar a verdade. Sócrates convencia as pessoas de que ninguém é mau, e que todo homem pode aprender a ser bom e feliz, bastando apenas conhecer a si mesmo. Ele sempre estava disposto a auxiliar todos que desejassem alcançar esse fim último. Para Sócrates o homem é um composto de dois princí- pios, corpo e alma. A partir de seu pensamento nasceram duas linhas de estudo da filosofia consideradas as grandes tendências do pensamento ocidental. a) Idealista, que partiu de Platão (427-347 a.C.), segui-dor de Sócrates. Ao distinguir o mundo concreto do mundo das ideias, deu ao mundo as ideias o status de realidade; b) Realista, partindo de Aristóteles (384-322 a.C.), dis- cípulo de Platão que submeteu as ideias, às quais se chega pelo espírito, ao mundo real. As duas etapas da atividade filosófica de Sócrates O método socrático se divide em duas partes: a primeira destrutiva, pois elimina falsos saberes, conhecida como ironia; e a segunda construtiva, conhecida como Maiêutica, trata-se de um convite para a “busca” do conhecimento através do parto das ideias. Ironia: “Só sei que nada sei”, a frase foi uma resposta aos que afirmavam que ele era o mais sábio dos homens. Após interrogar artesãos, políticos e poetas, Sócrates chegou à conclusão de que ele se diferenciava dos demais por reconhecer a sua própria ignorância. Através do diálogo, Sócrates levava o interlocutor a desembocar na sua própria ignorância, ou seja, a pessoa que conversava com Sócrates percebia-se como quem, na verdade, não sabia muito ou sabia muito pouco a respeito do objeto da discussão. É a fase do reconhecimento da ignorância, pois aquele que se reconhece como ignorante torna-se mais sábio por querer adquirir conhecimentos. Maiêutica (do grego maieutiké - “arte do parto”): é a segunda etapa do método socrático, neste momento Sócrates auxilia no parto das ideias. Tendo como referência a profissão de sua mãe, que era parteira, Sócrates, através do diálogo, busca descobrir a verdade dos objetos de conhecimento em questão junto com seu interlocutor. Para ele não existe conhecimento sem diálogo, e é a maiêutica, ou engenhosa obstetrícia do espírito, que facilitava a parturição das ideias, do encontro com a verdade. A Moral Socrática: seu maior legado. A Moral é considerada a parte mais importante da Filosofia socrática. Para Sócrates, devemos pensar bem para viver bem. O meio único de alcançar a felicidade, fim supremo do homem, é a prática da virtude e da moral. Para Sócrates o homem deve ser bom, pois é racional, e quanto maior a racionalidade do homem, maior a sua responsabilidade com o BEM. O saber nos direciona para a virtude, pois a sabedoria se identifica com a virtude, e se o homem erra, não é por deliberação, mas por pura ignorância; se ele passa a conhecer a verdade, sua sabedoria faz dele um homem bom e, nesse caso, é impossível que o homem escolha o mal. A verdade, o bem, a justiça, a beleza são virtudes adquiridas pelo homem por meio do ensinamento, do reconhecimento de que se tem muito a aprender. Essas virtudes estão na alma humana e, portanto, mais do que o ser humano, é sua alma que deve ser educada. Ele queria saber como viver uma vida correta. A partir da ideia de que o conhecimento leva à felicidade, ele chega à conclusão de que o homem justo é o que sabe o que é a justiça. “Se músico é o que sabe música, pedreiro o que sabe edificar, justo será o que sabe a justiça”. Sócrates dedicou sua vida à problemática em torno do homem, buscando respostas para origem da essência humana. Após anos de estudos, Sócrates conclui que o homem é o seu consciente e isso é o que o distingue dos outros animais. O homem é o seu intelecto, seus concei- tos éticos, sua personalidade racional e moral, o homem é 19 filosofia e sociologiacapítulo 4 - o NasciMeNto Da filosofia socRÁtica aquilo que pensa. EXERCíCIO QUESTÃO 1 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • “Mas quem fosse inteligente (…) lembrar-se-ia de que as perturbações visuais são duplas, e por dupla causa, da passagem da luz à sombra, e da sombra à luz. Se compreendesse que o mesmo se passa com a alma, quando visse alguma perturbada e incapaz de ver, não riria sem razão, mas reparava se ela não estaria antes ofuscada por falta de hábito, por vir de uma vida mais luminosa, ou se, por vir de uma maior ignorância a uma luz mais brilhante, não estaria deslumbrada por reflexos demasiadamente refulgentes [brilhantes]; à primeira, deveria felicitar pelas suas condições e pelo seu gênero de vida; da segunda, ter compaixão e, se quisesse troçar dela, seria menos risível esta zombaria do que aquela que descia do mundo luminoso.” A República, 518 a-b, trad. Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987) Sobre este trecho do livro VII de A República de Platão, é correto afirmar. a) A condição de quem vive nas sombras é digna de aceitação, pois nunca conseguiram sair. b) O filósofo, sendo aquele que passa da luz à sombra, não tem problemas em retornar às sombras. c) No trecho, é afirmado que o conhecimento não necessita de educação, pois quem se encontraria nas sombras facilmente se acostumaria à luz. d) O filósofo é aquele que aceita sua condição de limitação ao mundo sensível, por isso respeita as sombras. e) O trecho estabelece uma relação entre o mundo visível e o inteligível, fundada em uma comparação entre o olho e a alma. QUESTÃO 2 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • “O pior é que as pessoas esperavam que Sócrates respondesse por elas ou para elas, que soubesse as respostas às perguntas, como os sofistas pareciam saber, mas Sócrates, para desconcerto geral, dizia: “eu também não sei, por isso estou perguntando”. (Marilena Chauí, Convite à filosofia, São Paulo. Ática, 2005. p. 41) A partir do texto acima, escolha a alternativa que melhor exprime o método de filosofia socrática. a) Assim como os sofistas, Sócrates se apresenta como o detentor do conhecimento. b) O objetivo da investigação filosófica é o exame da natureza e da cosmologia, pelo qual são delimitados os critérios racionais. A investigação socrática não se ocupa das questões éticas e políticas. c) O aperfeiçoamento da alma só ocorre pelo abandono das preocupações éticas e pela posse de bens materiais é um valor inquestionável. d) O método socrático está voltado para a compreensão dos fenômenos da natureza. e) O método socrático se divide em duas partes, a primeira a chamada ironia, e a segunda trata-se do parto das ideias. QUESTÃO 3 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Sócrates representa um marco importante da história da filosofia; enquanto a filosofia pré-socrática se preocupava com o conhecimento da natureza (physis), Sócrates procura o conhecimento indagando o homem. A partir da análise a respeito da filosofia socrática, pode- se afirmar que: a) Sócrates, para não ser condenado à morte, negou, diante dos seus juízes, os princípios éticos da sua filosofia. b) Discípulo de Platão, Sócrates utilizou, como protagonista da maior parte de seus diálogos, o seu mestre. c) O método socrático compõe-se de duas partes: a maiêutica e a ironia. d) Tal como os sofistas, Sócrates costumava cobrar dinheiro pelos seus ensinamentos. e) Sócrates, ao afirmar que só sabia que nada sabia, queria ser igual aos sofistas que eram humildes e ensinavam sem cobrar por isso. QUESTÃO 4 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • A filosofia de Sócrates se estrutura em torno da sua crítica aos sofistas, que, segundo ele, não amavam a sabedoria nem respeitavam a verdade. O ataque à sofística aconteceu devido ao fato de Sócrates acreditar que: a) o conhecimento verdadeiro só pode ser resultado de um diálogo contínuo do homem com os outros e consigo mesmo. b) o diálogo confronta opiniões e isso não leva ao conhecimento, sendo assim impossível alcançar a sabedoria. c) a verdade das coisas não é obtida na vida cotidiana dos homens, pois elas estão na natureza, sendo verdades prontas acabadas. d) o autoconhecimento não leva ao verdadeiro conhecimento, pois é a condição primária de todos os outros conhecimentos verdadeiros. e) a ciência (epistéme) é acessível a todos os homens, pois está limitada ao mundo das sensações. QUESTÃO 5 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • “Com efeito, senhores, temer a morte é omesmo que se supor sábio quem não o é, porque é supor que sabe o que não sabe. Ninguém sabe o que é a morte, nem se, porventura, será para o homem o maior dos bens; todos a temem, como se soubessem ser ela o maior dos males. A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não se sabe?” (Platão, A Apologia de Sócrates, 29 a-b, In . HADOT, P. O que é a Filosofia Antiga? São Paulo: Ed. Loyola,1999, p. 61. 20 filosofia e sociologia capítulo 4 - o NasciMeNto Da filosofia socRÁtica Com base no trecho acima e na filosofia de Sócrates, é correto afirmar que a) Sócrates prefere a morte a ter que renunciar a sua missão, qual seja: buscar, por meio da filosofia, a verdade, para além da mera aparência do saber. b) Sócrates leva o seu interlocutor a conhecer a natureza, fazendo-o tomar consciência das contradições do cosmos. c) Para Sócrates, pior do que a morte é admitir aos outros que nada se sabe. Deve-se evitar a ignorância a todo custo, ainda que defendendo uma opinião não devidamente examinada. d) Para Sócrates, os verdadeiros sábios eram os sofistas, pois reconheciam sua ignorância e ensinavam através da maiêutica. e) Admitir o não-saber, quando não se sabe, não define o sábio, segundo a concepção socrática, pois sábio é aquele que prova ao mundo o quanto sabe. QUESTÃO 6 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • A sabedoria de Sócrates, filósofo ateniense que viveu no século V a.C., encontra o seu ponto de partida na afirmação “sei que nada sei”, registrada na obra Apologia de Sócrates. A frase foi uma resposta aos que afirmavam que ele era o mais sábio dos homens. Após interrogar artesãos, políticos e poetas, Sócrates chegou à conclusão de que ele se diferenciava dos demais por reconhecer a sua própria ignorância. O “sei que nada sei” é um ponto de partida para a Filosofia, pois a) aquele que se reconhece como ignorante torna-se mais sábio por querer adquirir conhecimentos. b) é um exercício de humildade diante da cultura dos sábios do passado, uma vez que a função da Filosofia era reproduzir os ensinamentos dos filósofos gregos. c) a dúvida é uma condição para o aprendizado e a Filosofia é o saber que estabelece verdades dogmáticas a partir de métodos rigorosos. d) é uma forma de declarar ignorância e permanecer distante dos problemas concretos, preocupando-se apenas com causas abstratas. GABARItO 1. E 2. E 3. C 4. A 5. A 6. A ANOtAÇÕES 21 pLAtÃO: REpÚBLICA, tEORIA DAS IDEIAS, ALEGORIA DA CAVERNA. Nesse capítulo nos dedicaremos ao estudo de um dos maiores filósofos do mundo Ocidental. Platão dá continuidade ás ideias desenvolvidas por Sócrates e vai além de seu mestre. Buscaremos compreender qual a herança deixada por ele para o pensar filosófico. A Vida de platão Filho da Aristocracia, Platão nasceu em Atenas, por volta de 428 a.C. Aos vinte anos iniciou sua relação com Sócrates com quem conviveu oito anos, até a morte do mestre. Platão morreu em 348 a.C., com oitenta anos de idade. Em 387 a.C, Platão ficou conhecido por toda Grécia Antiga, e passou a ser respeitado ao fundar a sua célebre escola: Academia. As preocupações de platão Sócrates e Platão acreditavam que a filosofia tem um fim prático, moral; é a grande ciência que resolve o problema da vida. Mas, diferentemente de Sócrates que estava preocupado em conhecer essencialmente o homem e se aprofundar no mundo intrínseco: “Conheça-te a ti mesmo”; Platão interessou-se vivamente pela política. Além disso, dedicou-se inteiramente às questões que estavam além do mundo físico e material, ao ensino filosófico e ao árduo trabalho de deixar tudo o que pôde registrado em suas obras, principalmente os ensinamentos de Sócrates, tendo em vista que este não deixou nada escrito. A forma dos escritos platônicos é o diálogo, cujo principal personagem é Sócrates. As primeiras obras divulgam as ideias socráticas; nas restantes Sócrates é a “boca” pela qual Platão “fala”. No livro “A República” encontramos sua filosofia política, cuja base é uma crítica social e uma proposta de reforma da sociedade que critica. A Crítica à Sociedade e uma proposta Platão não estava satisfeito com a sociedade na qual vivia, pois acreditava que era injusta. Da maneira como estava organizada acabava criando pessoas egoístas e individualistas, que não estavam preocupadas com os problemas sociais, mas apenas com os seus problemas particulares. Platão idealizava uma sociedade na qual o bem comum fosse mais importante que os interesses individuais, para isso seria necessário que cada um cumprisse o seu papel. Para o filósofo clássico, é necessário que existam três classes sociais bem definidas, cada qual com sua especificidade: os trabalhadores, que formam a classe produtiva; os guardiões ou guerreiros, que são os protetores CAPÍTULO 5 • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • pLAtÃO da cidade; e os magistrados, que são os que a governam. O ideal é que cada pessoa desenvolva seu trabalho por aptidão, de forma que o seu verdadeiro e natural potencial seja utilizado da melhor maneira possível pela sociedade. Platão propõe um modelo de organização política da sociedade que pode ser considerado estamental e antidemocrático. Para ele, o governo não deveria se pautar pelo princípio da maioria. Também criticava o fato de que no sistema democrático a maioria é convencida por aqueles que têm a melhor retórica, e naquele contexto os sofistas assumiam esse papel. Para Platão as pessoas são diferentes umas das outras, pois suas almas têm natureza diversa, de acordo com sua composição. Isso faz com que os homens devam ser distribuídos de acordo com essa natureza, divididos em grupos encarregados do governo, do controle e do abastecimento da pólis. Alma Cidade Almas ou partes da alma Virtude Classes sociais Funções na Cidade Ideal Alma Racional É a alma superior, destina-se ao conhecimento das ideias. Localiza-se na cabeça Sabedoria Filósofos Supremos Guardiões da Cidade. O governo deve ser entregue a sábios, pois estes são os únicos que ascenderam às ideias superiores de Uno-Bem e Beleza. Alma Irascível Esta alma está associada à vontade. Localiza-se no peito Força Guerreiros Dedicam- se à defesa, manutenção da ordem. Alma concupiscente É a mais baixa de todas as almas. É constituída pelos desejos e necessidades básicas. Está localizada no ventre Moderação Produtores Dedicam-se às atividades económicas, produção de bens e ao comércio. 22 filosofia e sociologia caPÍTUlo 5 - PlaTão teoria das Ideias Platão procurou compreender a relação entre o conceito e a realidade: Exercite comigo: Pense num urso polar! Como você pode ter a imagem de um urso polar sem os seus olhos estarem vendo este animal na sua frente? Você não está vendo um urso polar, mas a imagem dele está na sua cabeça neste momento. Como isso é possível? Você pensa no urso polar, pois você tem o conceito de urso polar, mas você não está vendo um urso polar na sua frente neste exato momento, ou seja, ele não está na sua realidade, apenas na sua imaginação. Segundo Platão, o conhecimento humano se divide em dois graus: o primeiro é conhecimento sensível, que está sujeito a mudanças e é relativo, pois cada um tem a sua maneira de conhecer. Por exemplo: um cego conhece a realidade de maneira diferente de uma pessoa que enxerga. O segundo é o conhecimento intelectual, universal, imutável, absoluto, que ilumina o primeiro conhecimento, sendo assim superior e transcendente. O conhecimento intelectual diz respeito aos conceitos, que para Platão são a priori, inatos no espírito humano, já nascemos com o conhecimento e o conhecer para ele é, na verdade, um recordar, relembrar o que já conhecemos. Para Platão, deve existir, portanto, além do mundo material, outro mundo de realidades, ele o chama de mundo das Ideias. As ideias são realidadesobjetivas, modelos e arquétipos eternos de que as coisas visíveis são cópias imperfeitas. Assim a ideia de urso polar é o urso polar abstrato perfeito e universal de que todos os outros ursos polares são imitações transitórias e defeituosas. Existe uma ideia perfeita de urso polar, de homens, de cavalos, de tartarugas, de elefantes e de tudo que existe no mundo material. O que podemos perceber nesse mundo são apenas imitações do mundo perfeito. O Demiurgo e as almas Entre as ideias e a matéria estão o Demiurgo e as almas. O Demiurgo organiza o caos da matéria no modelo das ideias eternas, introduzindo no caos a alma, princípio de movimento e de ordem. O Demiurgo é uma espécie de deus que atua sobre a matéria informe, dando forma ao mundo, tendo como referência para sua organização o mundo das ideias. A Alegoria da Caverna Uma das passagens mais importantes de Platão é a Alegoria da caverna, Livro VII da obra “A República”. “SÓCRAtES – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar- lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem. GLAUCO - Imagino tudo isso. SÓCRAtES - Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio. GLAUCO - Similar quadro e não menos singulares cativos! SÓCRAtES - Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize- me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira? GLAUCO - Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida. SÓCRAtES - E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras? GLAUCO - Não. SÓCRAtES - Ora, supondo-se que pudessem conversar não te parece que, ao falar das sombras que veem, lhes dariam os nomes que elas representam? GLAUCO - Sem dúvida. SÓRAtES - E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos? GLAUCO - Claro que sim. SÓCRAtES - Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram. 23 filosofia e sociologiacaPÍTUlo 5 - PlaTão GLAUCO - Necessariamente. SÓCRAtES - Vejamos agora o que aconteceria, se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via. Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados? GLAUCO - Sem dúvida nenhuma. SÓCRAtES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados? GLAUCO - Certamente. SÓCRAtES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais? GLAUCO - A princípio nada veria. SÓCRAtES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia. GLAUCO - Não há dúvida. SÓCRAtES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é. GLAUCO - Fora de dúvida. SÓCRAtES - Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna. GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões. SÓCRAtES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da ideia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram? GLAUCO - Evidentemente. SÓCRAtES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia? GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga. SÓCRAtES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas? GLAUCO - Certamente. SÓCRAtES - Se, enquanto tivesse a vista confusa -- porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade -- tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto? GLAUCO - Por certo que o fariam. SÓCRAtES - Pois agora, meu caro GLAUCO, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a ideia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os
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