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DOCUMENTOS
DE IDENTIDADE
C315d Carretero, Mario.
Documentos de identidade : a construção da memória histórica
em um mundo globalizado / Mario Carretero ; tradução: Carlos
Henrique Lucas Lima ; Revisão técnica: Paulo Fagundes Visentini. –
Porto Alegre : Artmed, 2010.
309 p. ; 23 cm.
ISBN 978-85-363-2144-8
1. História cultural. 2. Memória histórica. 3. Identidade cultural.
4. Identidade coletiva. I. Título.
CDU 930.85
Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922
Tradução
 Carlos Henrique Lucas Lima
Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição
Paulo Fagundes Visentini
Professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Doutor em História pela Universidade de São Paulo, Pesquisador CNPq
Pós-Doutor em Relações Internacionais pela London School of Economics
2010
MARIO CARRETERO
Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à
ARTMED® EDITORA S.A.
Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana
90040-340 Porto Alegre RS
Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070
É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,
sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,
fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.
SÃO PAULO
Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 - Pavilhão 5 - Cond. Espace Center
Vila Anastácio 05095-035 São Paulo SP
Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333
SAC 0800 703-3444
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
2007 Mario Carretero
Editorial Paidós S.A, Buenos Aires, Republica Argentina
Capa: Gustavo Macri
Leitura Final: Janine Pinheiro de Mello
Editora Sênior – Ciências Humanas: Mônica Ballejo Canto
Editora responsável por esta obra: Carla Rosa Araujo
Projeto Gráfico e Editoração: Carlos Soares
Para Candela, que cresceu junto com este livro.
Para Federico, que me sugeriu o assunto.
Para Pablo, que contribuiu com humor inteligente.
Para Soledad, que se atreveu a ser.
Para Rosita, por tudo.
Este trabalho foi possível, sobretudo, graças a uma bolsa da Fundação
Guggenheim para um projeto de pesquisa sobre “Ensino da História e cons-
trução da identidade nacional na América Latina”, o qual deu origem a este
livro, tanto ao que se refere ao trabalho empírico (ver Capítulo 4), quanto às
reflexões teóricas. Nossa gratidão se refere, essencialmente, à confiança no
desenvolvimento de um tema fronteiriço como este, cuja evidência está sendo
apresentada cotidianamente pela atual realidade cultural e política do planeta.
É preciso, também, agradecer ao Ministério da Educação (Espanha) (Pro-
jeto, Consolider SEJ 2006-15461), que habitualmente financia os meus e os
trabalhos de meus colaboradores sobre aprendizagem e ensino da história
há algum tempo. Também quero mostrar minha gratidão à Agência Nacio-
nal de Promoção da Ciência e Tecnologia (ANPCyT)* (Argentina) pelo Pro-
jeto 2006-34778 Consolider por razões similares.
Por outro lado, no âmbito da cooperação internacional, indispensável
para um trabalho desta natureza, também nos beneficiamos de um Projeto
Alfa (04.0296) da União Europeia, o qual nos permitiu organizar dois semi-
nários em Madri (Universidade Autônoma) e Buenos Aires (Faculdade Lati-
no-americana de Ciências Sociais), com o auxílio de cientistas europeus e
latino-americanos, bem como a publicação correspondente (Carretero, Rosa
e Gonzáles, 2006). Neste sentido, Robert Pardo do Chile e Laura Lima Muñiz
e Marcela Arce do México me proporcionaram documentação indispensá-
vel de seus respectivos países, a qual me foi de grande utilidade. Além dis-
so, estas duas últimas realizaram uma atenta leitura do manuscrito, sobre-
tudo do Capítulo 2, contribuindo com interessantes sugestões.
Na elaboração deste livro, meus doutorandos e colaboradores presta-
ram uma inestimável ajuda que também quero agradecer. Em primeiro
lugar está Miriam Kriger, a qual trabalhou na maioria das fases desta pes-
*N. de T. No original, Agencia Nacional de Promoción de La Ciencia e La Tecnología.
Agradecimentos
quisa. Sua lucidez e profundidade no tratamento dos temas foram decisi-
vas neste trabalho e em outros de autoria conjunta sobre essas mesmas
questões. Sem dúvida, sem sua ajuda este livro teria sido diferente. Sua
contribuição foi decisiva para que muitas ideias tomassem forma e para
que outras fossem descartadas. Marcelo Borrelli também prestou uma
grande ajuda em tudo o que diz respeito à edição final do manuscrito e à
busca de documentação. Por sua parte, Ana Atorresi realizou revisões edi-
toriais de grande utilidade, e Alexander Ruiz e Fernanda González reali-
zaram uma atenta leitura na qual surgiram novas ideias para futuros tra-
balhos. Silvia Mora e Sonia Borzi colaboraram em parte das entrevistas
do Capítulo 4. Também, Soledad Sanseau e Solange Strugo prestaram um
apoio eficaz na gestão editorial do manuscrito.
Alguns colegas leram o manuscrito original fazendo sugestões muito
úteis: entre eles se encontram, no que se refere à psicologia e à educação,
Alberto Rosa, Ángela Bermúdez e Liliana Jacott, quem, além disso, forne-
ceu-me útil documentação do México. Ao longo de muitos anos de cola-
borações, sem dúvida me enriqueceu com suas contribuições. No que diz
respeito à história, também me ajudaram com comentários e sugestões
José Álvaro Junco – algumas ideias oriundas de um seminário que com-
partilhamos há alguns anos se encontram na origem deste trabalho –,
Manuel Álvaro, Jesús Izquierdo e Aurora Rivière. Por sua parte, Guillermina
Tiramonti, diretora da FLACSO (Argentina), e Silvia Finocchio, pesquisa-
dora da mesma instituição, fizeram-me comentários pertinentes, bem como
Beatriz Tornadú, quem realizou uma atenta leitura que me ajudou a defi-
nir o possível leitor desta obra. No que se refere às imagens incluídas
neste livro, Piroska Çsuri me fez sugestões muito reveladoras.
A contribuição de Mikel Asensio, Joaquin Prats e Leo Levinas, autênti-
cos especialistas no ensino das ciências sociais, refere-se, sobretudo, aos
interesses compartilhados durante tantos anos sobre essas questões, sen-
do este último quem me proporcionou o “empurrão” final para terminar
este livro.
Entretanto, como é habitual, qualquer omissão somente é imputável a
mim mesmo, e não a alguma das pessoas citadas.
viii Agradecimentos
PRÓLOGO ........................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 17
1. Três Sentidos da História ............................................................................... 31
2. Vozes e Ecos nos Programas e nos Textos ..................................................... 69
3. Lembrança das Feridas Abertas .................................................................. 157
4. História e Pátria no Calendário ................................................................... 197
5. Conclusões ................................................................................................... 263
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 293
Sumário
Se nos últimos anos houve um tema que tenha sido abordado até o enfa-
do foi, sem dúvida, o da “história e memória” (também conhecido como “me-
mória histórica” ou “memória coletiva”). Sobre ele opinaram, em muitos ca-
sos mais guiados pela temeridade do que pela reflexão, desde historiadores
até analistas que estudam a política atual, passando por juristas especializados
na reparação de ofensas do passado. Por isso, um livro como este merece um
bom acolhimento, não só porque é nascido de longa reflexão e de estudos
empíricos, mas também porque enfoca a questão mediante uma nova pers-
pectiva: a partir da psicologia e da pedagogia. Embora, verdade seja dita,
combine – e com grande certeza – essas duas perspectivas com recentes pes-
quisas que sobre o tema nacional aciência política e a história nos oferecem.
A ideia fundamental sobre a qual se articula este livro é a distinção –
e a conflituosa convivência – entre a “história escolar” e a história enten-
dida como disciplina, a qual almeja o conhecimento científico do passa-
do. Esta é um conjunto de saberes sobre a vida pretérita da humanidade
construído mediante o paradigma racionalista ilustrado. Almeja, portan-
to, alcançar e transmitir verdades “limpas”, objetivas, desprovidas, em
princípio, de carga moral. Sua finalidade ideal, no caso de ser usada na
escola, seria desenvolver habilidades cognitivas.
O que é ensinado na escola, por outro lado, sob o nome de “história” é
um relato construído dentro do paradigma romântico, no qual a dimen-
são afetiva é dominante. Sua finalidade é construir uma identidade cole-
tiva estável, criar um espaço de pertencimento sólido, no qual os futuros
cidadãos se sintam acolhidos e reconfortados. É, por isso, um relato narci-
sista destinado a suscitar adesão emocional ao nosso (nos últimos dois
séculos, a nossa nação, legitimadora de nosso Estado – sem dúvida o pa-
trão da escola). Para exemplificar a função da história escolar, Mario
Carretero utiliza a parábola do espelho da madrasta da Branca de Neve:
assim como o espelho mágico, o relato escolar confirma àquele que lhe
pergunta que não existe um rival entre as belezas do reino. É um diálogo
Prólogo
12 Mario Carretero
de forte carga emocional, pela ameaça implícita que contém: que o espe-
lho possa responder, algum dia, que apareceu beleza superior. Nesse caso,
será preciso utilizar as armas (dialéticas, em princípio) e destruir de ime-
diato a beleza rival que pode ser interna (um relato que sirva de base
para uma identidade regional alternativa à nacional) ou externa (uma
história nacional vizinha).
Isso explica que o ensino da história seja um assunto tão polêmico, tão
carregado politicamente. Explica, também, o desprezo e a hostilidade que
as histórias escolares de distintos países mutuamente expressam (um tema
que a União Europeia deveria enfrentar algum dia). Quando comparamos
os relatos escolares de nações vizinhas encontramos os mais expressivos
contrastes atos que uns descrevem, em tom indignado, como opressivos
ou criminosos, são ignorados ou apagados pelos do outro lado, descen-
dentes daqueles que cometeram tais atos, quando não são abertamente
exaltados como gloriosos. Pensemos na Inquisição ou na colonização ame-
ricana, no caso espanhol...
Por isso, Carretero escreve que a história escolar é “um bunker em que
os grandes relatos nacionais são preparados e reproduzidos, com os mes-
mos condimentos, dispondo para as novas gerações memórias ideologica-
mente enviesadas à custa de poder prosseguir com a epopeia histórica (na
qual a própria escola sinta ainda seu poder simbólico e sua legitimidade
como agente de emancipação e progresso)”. As tentativas de revisão des-
se modelo histórico-pedagógico empreendidas recentemente propiciaram
acaloradas polêmicas públicas, as quais Carretero estuda em países tão
distantes e diversos como os Estados Unidos, a antiga União Soviética, o
México ou a Espanha. É lógico que a tentativa de deslocar aqueles que
dominam o relato histórico tenha sido um aspecto essencial dos objetivos
político-culturais contemporâneos.
A possibilidade de conciliar essa história escolar com a científica é
muito escassa, para não dizer abertamente nula. O fundamento da nação,
como explicou há mais de um século Renan, é a deformação da verdadei-
ra história, “O progresso dos estudos históricos – escreveu este autor em
um momento de especial lucidez – é, muitas vezes, um perigo para a
nacionalidade, enquanto o esquecimento, e inclusive o erro histórico, são
os fatores essenciais em sua criação”. Não apenas porque se exaltem, ocul-
tem, inventem ou disfarcem certos episódios do passado, mas sim porque
a finalidade primordial da história ensinada nas escolas é criar espaços
estáveis, refúgios firmes e imperturbáveis; e se existe algo que a autêntica
história ensina, algo a que podemos chamar uma “lei científica” deduzida
do estudo do passado da humanidade, é, precisamente, o contrário: a
mudança, a constante mutabilidade do humano. Os indivíduos educados
na história escolar, inclusive se em sua idade adulta se interessam pela
 Documentos de Identidade 13
história séria ou refletem em profundidade sobre as mudanças que devem
vivenciar, é difícil que, no fundo de seus corações, deixem de acreditar
que, apesar de tantas mutações, algo “essencial” permanece em sua socie-
dade.
O interessante, e o desesperante ao mesmo tempo, não é que estas
duas modalidades de história, a científica e a escolar, sejam incompatí-
veis, pois isso se resolveria eliminando a uma delas (e não preciso dizer
qual apagaria com um “canetaço”), mas sim que ambas cobrem objetivos
ou satisfazem necessidades valiosas, e até mesmo indispensáveis, para a
sociedade. A compreensão racional do passado é, simplesmente, tão im-
portante quanto qualquer outro avanço no conhecimento científico bási-
co. No entanto, a existência de uma “memória coletiva” que elaborasse e
digerisse os conflitos vividos em comum e articulasse um relato sobre o
grupo humano no qual vivemos – interiorizado e compartilhado pelo con-
junto dos cidadãos – ao redor de valores úteis para o presente e para o
futuro, é, sem dúvida, um dos fundamentos mais sólidos da coesão social.
Também é interessante, mas não menos desesperante, comprovar que,
comparados, quem ganha a batalha é a história escolar. Assim como es-
creve Carretero, os objetivos românticos têm uma notável e comprovada
vantagem sobre qualquer outro, incluídos os cognitivos; colocados diante
à disjuntiva racionalidade/irracionalidade, comprova-se “a repetida vitó-
ria da irracionalidade”. O que contrasta, de acordo com o autor deste
livro, com a escassa atenção que os pedagogos devotam a este tema, situ-
ação equiparável para ele, à “subestimação que o fenômeno do naciona-
lismo teve dentro do campo do próprio pensamento político, no qual, pese
a consciência de sua força imediata desde o século XIX, acreditou-se, de
modo majoritário, que desapareceria de forma lógica, progressiva e inevi-
tável, devido ao caráter cosmopolita da economia de mercado”.
É certo. Faz alguns anos, estando o Partido Popular no governo espa-
nhol, seus ideólogos quiseram propagar o conceito de “patriotismo cons-
titucional”, a favor do qual inclusive aprovaram uma proposta em um
congresso do Partido. Tomado de modo literal, e aceitando que aqueles
que a aprovaram acreditavam realmente no que defendiam, supunha-se
que a união, ou a comunidade espiritual, entre os cidadãos integrantes de
nossa atual unidade política não devia se fundamentar em características
étnicas ou em mitos legendários, mas sim girar em torno da ideia da con-
vivência em liberdade, do respeito às distintas culturas, dentro da comum
submissão às mesmas leis e instituições. Não era uma má proposta, e melhor
ainda era que a direita espanhola a fizera sua, direita essa tradicional-
mente tão intransigentemente defensora da identidade cultural herdada.
No entanto, não obteve êxito. Era um discurso politicamente correto, mas
demasiadamente frio. O alimento preferido de um patriotismo vigoroso é
14 Mario Carretero
uma boa dose de emoção nacionalista. As pessoas têm necessidade de
pertencerem a algo, de se sentirem orgulhosas desse pertencimento, de se
vangloriarem e desprezarem, em sendo isso possível, as outras pessoas.
Alguém dirá que é um impulso gregário, de união, um tanto infantil, e até
mesmo inócuo, e para o qual, definitivamente deveríamos mostrar tole-
rância. No entanto isso não é correto. Longe de ser inócuo, é, por outro
lado, muito perigoso. Há alguns anos, Amin Maalouf publicou um ines-
quecível estudo sobre tais processos de formação identitária baseados em
uma memória emocional, fortemente aglutinante, reivindicativa e ressen-tida. Intitulou seu estudo de “Identidades assassinas”.
Por outro lado, este tipo de identidade entra, em radical contradição
com nossa realidade atual, tão pós-nacional e multicultural. O problema
do ensino da história atualmente é, nas palavras de Carretero, “a dificul-
dade em conciliar lógicas e sistemas de valores que se opõem crescen-
temente: o de uma épica nacional/particular e o de uma ética global/
universal”. A Paz de Westfalia, que acabou em meados do século XVII com
as Guerras Religiosas, baseou-se no princípio cuius régio, eius religio: em
cada unidade política haveria somente uma religião, a do príncipe; essa
norma, aplicada também à língua e ao restante da cultura, foi a base da
ordem dos Estados-nações a qual regeu o mundo até, praticamente, on-
tem. Todavia, é justamente o que hoje entrou em crise radical, originando
o dilema atual do ensino da história: “de que forma evitar a contradição
entre os valores de uma nova ética planetária que recupera – discur-
sivamente – a prioridade do universal e dos valores de uma ética naciona-
lista a qual prioriza o particular”.
Outro inconveniente, ou outra limitação, do relato escolar é o fato de
que ele não admite um reconhecimento honrado dos erros, ou dos crimes,
cometidos pelos nossos antepassados (em ocasiões contra os vizinhos, mas
muitas outras vezes contra uma parte de nossa mesma sociedade). Este é
outro dos temas do livro que o leitor tem em mãos: a divergência entre
uma boa consciência coletiva, vinculada a uma memória de progresso,
heroísmo e liberdade, e uma memória crítica ou realista, a qual nos obriga-
ria a refletir sobre os aspectos sujos do passado (por colocar esta vez exem-
plos não espanhóis, mas sim da atual primeira potência mundial, podería-
mos mencionar a atuação estadunidense no Vietnã ou em Hiroshima e
Nagasaki). O relato escolar, dirigido a proporcionar certezas (históricas) e
satisfações (morais), não pode incluir esses aspectos tão duvidosamente
honráveis; a história científica, a qual os inclui e os analisa, enfrenta-se de
maneira intolerável com tão arraigadas certezas e satisfações.
Como se pode ver, este livro de Mario Carretero não se limita a tratar
da história escolar. Trata, também, da forma correta de integrar ao relato
ensinado na escola a heterogeneidade cultural do mundo atual ou os acon-
 Documentos de Identidade 15
tecimentos conflituosos de nosso passado recente. Há, além disso, capítu-
los dedicados a outros acontecimentos e práticas escolares, como os jura-
mentos à bandeira ou a celebração de festas pátrias. Este que vos fala
nunca teve a oportunidade de assistir a essas ternas cenas, que se repetem
diariamente em países como Argentina ou Estados Unidos, de crianças
içando a bandeira e cantando o hino nacional. Imaginadas a partir da
Espanha atual, tornam-se bastante chocantes. Entretanto, o modo mais
eficaz de captar a irracionalidade destas práticas e crenças é vê-las desde
fora (que é o que este livro faz, e sendo esta outra de suas virtudes).
Apenas quando nos enteramos dos desatinos e das simplicidades que as
crianças de outros países estudam e absorvem se abre a possibilidade de
que nos apercebamos dos nossos próprios.
De minha parte, minha mente guarda gravado com força, se não com
nitidez, o momento no qual ouvi contar pela primeira vez o heroico final
dos numantinos* (talvez tenham sido os saguntinos) diante dos malvados
estrangeiros que os assediavam. Embora não houvesse ainda aulas notur-
nas, lembro-me de que já havia caído a noite e uma pequena lâmpada de
25 W iluminava a sala. Uma escuridão muito apropriada com a de meu
espírito enquanto imaginava a cena de uma grande fogueira no meio da
praça da cidade, na qual os guerreiros iam lançando as joias, os móveis, os
corpos de crianças e mulheres aos quais previamente haviam matado com a
espada, para finalmente se matarem uns aos outros, a fim de que o inimigo
triunfante não pudesse capturar escravos nem enriquecer com pilhagem
alguma. É que, nós, espanhóis, concluía o professor, somos assim: preferi-
mos morrer a ser escravos. Todos sentíamos horror, mas também orgulho, e
dizíamos internamente que algum dia faríamos o mesmo, se uma situação
semelhante se apresentasse. Também poderia falar sobre a disciplina “For-
mação do Espírito Nacional”, cuja razão de ser não compreendia, pois me
parecia ser uma mera repetição da aula de História. Alguém me diria que aí
se poderia detectar um precoce encantamento pela história. Não é certo.
Nem uma coisa nem outra eram história; as duas eram “relato escolar”.
Este livro de Mario Carretero explica isso muito bem.
Concluindo, como sair do atoleiro no qual se encontra o ensino da
história na escola? Ou, de acordo com a bateria de perguntas que o autor
deste livro apresenta, “quais outras histórias (a escola) poderia, ou deve-
ria, contar? Como é possível estabelecer relações de continuidade entre o
passado e o presente?”; “quem fala por meio da voz dos textos e do currí-
culo? Quem mais quer falar e ser escutado? A escola pode conceder um
*N. de T. Numantinos, pessoas originárias da região da Numância, antiga cidade da Hispânia
Citerior.
16 Mario Carretero
espaço a essas novas vozes?”; “de que forma a escola pode transmitir his-
tórias que entram em contradição com as narrativas nacionais que a legi-
timam enquanto instituição socializadora?”.
Não é fácil imaginar soluções. Talvez a proposta mais sensata seja
deixar de ensinar história na escola, dada a impossibilidade de contar às
crianças relatos que não sejam de bons ou de maus. Outra alternativa é
manter a disciplina, mas mudá-la de nome e passe a ser chamada de “Mi-
tos e lendas pátrias”; história, de verdade, estudarão quando forem maio-
res. Se não há mais remédio além de mantê-la e chamá-la história, talvez
possamos pensar em inventar outros mitos, os quais, ao menos, sejam
autenticamente inócuos, ou escassamente danosos. Poderíamos pensar,
por exemplo, em voltar ao paradigma ilustrado e, tomando como sujeito a
humanidade em lugar da nação, ensinar um relato baseado na ideia do
progresso, e explicar de que maneira o gênero humano paulatinamente
superou a miséria, a opressão, a violência e a injustiça, o que permitirá
algum dia alcançar níveis de bem-estar e liberdade que converterão as
sociedades do futuro em autênticos paraísos terrenos. É também um con-
to de fadas, mas ao menos não faz mal a ninguém, não se dirige contra
nenhum grupo étnico nem nenhum vizinho; e seus possíveis efeitos
moralizantes, se os chega a ter, iriam no bom sentido.
José Álvarez Junco
Catedrático de História da Faculdade de Ciências Políticas e
Sociologia da Universidade Complutense de Madri. Atualmente,
diretor do Centro de Estudos Políticos e Constitucionais.
 Documentos de Identidade 17
O ESPELHO DE CLIO
No conto que todos escutamos pela primeira vez em nossa infância, a
madrasta da Branca de Neve se olha no espelho e pergunta, esperando a
sabida resposta negativa: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela
do que eu?”. Todos pensamos – confessemos – que a rainha não espera
resposta alguma e que somente pergunta para escutar sua própria voz,
um eco que confirme, segundo a quantidade de repetições, a veracidade
da resposta. Até que em um belo dia o espelho responde: “Sim, há outra
mais bela do que você”, e a rainha recebe o impacto como um raio que
desperta sua ira e a obriga a entrar em ação. Somente, então, o conto de
fadas pode começar.
No entanto – nos perguntamos –, qual é o propósito de semelhante
surpresa? Por acaso a madrasta não havia previsto, pré-imaginado, pressen-
tido a chegada “ameaçadora” dessa forasteira (duplamente forasteira: por
ser sua enteada e por ser mulher) a seu reino (duplo reino: aquele do qual
sua enteada é a legítima herdeira e o da beleza, a juventude que sua entea-
da também lhe tomará)? Além disso, não havia ela mesma anunciado e
projetado – entre a esperança, a espera e o desespero – o espaço noqual se
fazia indispensável a entrada “da outra”? Ou, era possível se autoafirmar e
moldar uma identidade sem referência e sem competência, mantendo um
diálogo sem interlocutor algum?
Nesta metáfora, introdutória, mas nem simples nem ingênua, inspi-
ram-se as páginas que seguem.1 Uma das teses fundamentais deste livro é
a de que o ensino da história que surge no final do século XIX com finali-
dades identitárias, relacionadas ao espírito romântico e vinculadas à cons-
trução das nações, estrutura-se em meados do século XX sobre a contradi-
ção entre tais finalidades e outras mais próximas a uma compreensão
disciplinar da história. Devido a sua estreita relação com a formação do
Introdução
18 Mario Carretero
conhecimento social e a construção do espírito crítico, estes objetivos mais
recentes podem ser considerados de origem ilustrada. Assim, por meio
destes, pretendia-se que o aluno compreendesse racionalmente os proces-
sos históricos submetendo-os a um recurso de racionalização progressivo.
Por outro lado, os objetivos identitários de tom romântico impunham uma
adesão emocional às representações históricas, com a conseguinte cons-
trução de sistemas valorativos e emotivos endogâmicos.
A presença desta contradição no século XXI – em nossa opinião escas-
samente analisada e desenvolvida pelos pesquisadores e interessados em
tais questões – nos põe diante da necessidade de formular novas pergun-
tas, cujas respostas, sem dúvida, são difíceis de serem obtidas, pois ambos
os tipos de objetivos, românticos e ilustrados, são necessários para as so-
ciedades. Assim, serão perguntas sobre o próprio sentido e as tensões ine-
rentes à contradição citada, na qual se encontra o ensino da história e
cuja análise requer que o olhar seja expandido sobre âmbitos externos à
própria escola, porque é preciso indagar sobre as formas as quais as socie-
dades lembram. Por isso analisaremos diferentes âmbitos sociais, incluída
a escola, os quais moldam uma memória coletiva nas comunidades.
Tais perguntas se inserem na atualidade de um processo de globalização;
sendo a meta deste livro oferecer um panorama internacional dos conflitos
surgidos nos últimos anos relacionados ao ensino da história na escola.
Alguns deles, verdadeiras guerras culturais, possuem uma tensão implícita
e obviamente ainda não resolvida entre a racionalidade crítica da Ilustra-
ção e a emotividade identitária do Romantismo, a mesma que leva a ma-
drasta a querer eliminar a Branca de Neve.
A partir do fato de que toda história requer ao menos dois personagens,
dois pontos, para estabelecer uma linha argumental – visto que não há
herói chamado à ação sem um outro que o configure enquanto sujeito des-
de fora –, podemos reformular as primeiras perguntas. É valido ainda hoje
o ensino da história sob as mesmas finalidades e métodos dos quais a ma-
drasta da Branca de Neve se utilizava, no começo do conto, ao reproduzir
sua própria imagem tomada de narcisismo e diante da qual nenhuma críti-
ca podia surgir? Ou por acaso chegou o momento, já inadiável, no qual a
sentença do espelho rompa e abra a fronteira aos novos personagens – e,
portanto, ao conflito, ao “nó” do relato – confrontando a madrasta com o
fato de que nem sequer a propriedade de seu reino nem a importância de
seus atributos – embora reiteradamente confirmados – ficam incólumes com
o passar do tempo e com a dimensão da história, na qual outros sujeitos
históricos competem?
Cada sociedade possui uma cultura dominante que é compartilhada, sus-
tentada e interiorizada pela maioria de seus componentes. A história escolar
 Documentos de Identidade 19
desempenharia seu papel no sistema cultural ao fazer perguntas que poderiam
ser respondidas de uma só maneira, com o qual delimitaria ao mesmo tempo
o auditório e o repertório. Mais ainda, poderia ser que o que estivesse em
questão no momento de hegemonizar o “reino” fosse a capacidade de impor
relatos históricos específicos, com vistas a reduzir a polifonia das vozes a um
sonar monocórdio para sair exitoso da luta pelo domínio da Realidade (uma
disputa entre várias Realezas).
Deste modo, da mesma forma como ocorre no conto citado, em um
dia inesperado o espelho mágico demonstra sua ousada capacidade
ventríloqua e proclama que há outra mais bela ainda no reino, o que não
implica que a madrasta não seja formosa ou, muito menos, que seja feia.
O espelho está dizendo que há outra – e o pior é que esta pode superá-la,
mesmo suas virtudes não tendo declinado – que a submete à comparação,
que oferece um olhar alternativo ou que vem mostrar que as coisas talvez
não tenham ocorrido como sempre se havia dito.
Claro que essa outra representa uma ameaça! No entanto, também – e
sobretudo – expressa a íntima necessidade da madrasta: ser requerida por
outro rosto para sair da armadilha de seu próprio olhar, o qual a lançaria ao
lago como a Narciso. Porque, quando Branca de Neve aparece pela primeira
vez na cena em que é “captada” pelo espelho, já estava no palácio, tão pró-
xima da madrasta que não podia ser reconhecida. Não é, portanto, uma
figura desconhecida, distante, mas sim próxima, a qual surge do interior do
mundo familiar: alguém cuja aparição pertence mais à ordem da intro-mis-
são que da in-trusão. Trata-se, precisamente, da enteada do conto, filha nunca
adotada pela madrasta, protegida de sua rival crescendo no próprio seio.
Uma série de tensões é posta em jogo, e assim, entre a consanguinidade
e a legitimidade, o familiar e o político, o eu e a alteridade, tece-se o
relato e ameaça seu suspense. A imediata reação da madrasta diante da
“recém-chegada” ao limite de seu espelho (e de sua fantasia) é a hostili-
dade e não a hospitalidade. A estratégia aponta para anulá-la, eliminá-la
desse espaço, mandar matá-la, com a pretendida intenção – maliciosa e
sem atenuantes – de removê-la do Reino da Realidade e enviá-la para as
trevas mais profundas. Para onde? Para lá. Para fora. Para o deserto. Para
o país onde as coisas não têm nome.
Por isso, o servo assassino da madrasta não consegue matar Branca de
Neve: a madrasta quer e impõe mais, pedindo a cabeça da jovem, não
apenas para ter uma prova do crime, mas sim – suspeitamos que, sobretu-
do – para garantir seu silêncio. Vale dizer: para tirar-lhe o rosto, a pala-
vra, a língua, a identidade e, além disso – completando todos os termos
da exclusão –, para impossibilitar a sepultura quando retira da jovem sua
última propriedade, sua “terra” no descanso final.
20 Mario Carretero
Negar, perseguir, matar, destruir as provas físicas e simbólicas, desin-
tegrar radicalmente. Foi isso o que as distintas versões das histórias esco-
lares de cada Estado-nação fizeram – embora a violência se atenue devido
às suaves, plastificadas e alegres capas ilustradas dos livros escolares –
com as concepções alternativas que se correspondiam com as Brancas de
Neve locais, regionais e de seus vizinhos, presenças que surgem no próxi-
mo e entram “inesperadamente” na disputa, atravessadas, talvez, pelo
que Freud denominou “narcisismo das pequenas diferenças”.
Os exemplos mais claros desse processo de violência cultural extrema
se mostraram nos regimes totalitários, tanto de direita quanto de esquer-
da. Em todos esses casos, reproduziu-se o mecanismo magistralmente ex-
posto por George Orwell em 1984; as histórias escolares foram construídas
como o “espelhinho” da madrasta e também como um tal Ministério da
Verdade, pelo qual as coisas eram ou bem brancas ou bem pretas, e nunca
brancas e pretas, cinzas ou coloridas.
No entanto, também nas democracias – mesmo nas quais se apresentam
como versões bem-sucedidas – as histórias escolares encontram grandes difi-
culdades para superar a etapa narcisista do relato e acolher a chegada de
outras vozes; em particular, se surgem a partir de seu próprio interior. Isso
implicaria reconhecer tais rostos e competências diversas (culturais,
linguísticas, educativas, comunicativase, por fim, humanas) em um sentido
diferente do que assume o voraz apetite da “assimilação” cultural, sob a for-
ma de variadas traduções e transposições, incluída aí, sem dúvida, a didática.
O ensino da história, em numerosas nações do planeta, como nos países
ibero-americanos*, proporciona um bom exemplo para questionar os efei-
tos da aquisição cognitiva e emotiva dos conteúdos históricos nas crianças.
Todo cidadão de países como Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, México,
Peru e Uruguai considera cotidiano e natural que existam, de manhã cedo
nas escolas, um juramento à bandeira ou festividades de datas ditas “pátrias”.
Inclusive essas festas que rejam o calendário escolar e a atividade de toda a
instituição, no sentido de servir de eixo da memória coletiva e o tempo em
geral. Por outro lado, em alguns países europeus, como a Espanha
2, surpre-
enderia enormemente a possível incorporação de símbolos pátrios na esco-
la. Para o olhar europeu, as atividades histórico-patrióticas que são parte da
essência dos sistemas escolares ibero-americanos – também dos
estadunidense e de outras nações3 – são consideradas mais próximas do
doutrinamento que do ensino disciplinar da história. Encontramos, em ou-
tro lado do espelho, uma total estranheza e certa incredulidade de muitos
*N. de T. Países localizados no continente americano colonizados pelas nações ibéricas
(Espanha e Portugal).
 Documentos de Identidade 21
professores ibero-americanos ao saber que, na Espanha, as atividades
“historicopatrióticas” não são praticadas. Evidentemente, encontramos duas
formas muito distintas de configurar o “disco rígido” do laço social, sendo
que ambas merecem ser analisadas em seus mecanismos e eficácias relativas.
Não apenas os programas de ensino da história variam enorme e sur-
preendentemente de um país para outro, mas também os modos como eles
são experimentados pelos sujeitos. Essa comprovação demanda uma pro-
funda revisão tanto dos métodos quanto dos conteúdos da história escolar.
Considerando seu papel nos processos de formação das identidades nacio-
nais – e, eventualmente, sua possível relação, em casos extremos, mas não
infrequentes, com a produção do que Maalouf denomina “identidades as-
sassinas” (1998) –, as versões escolares parecem articular, por um lado,
uma construção de narrativas sobre a base de um relato único, o qual fun-
ciona mais como um implante de lembranças do que como uma memória;
esse conjunto de lembranças, enfeitado como uma bela estampa, pede doses
intermitentes de vivência e de esquecimento, o que em termos orwellianos
se relacionaria expressamente à questão do poder, posto que “quem controla
o passado controla o presente, e quem controla o presente controla o futuro”.
Por outro lado, as versões escolares da história articulam uma experiên-
cia que dá forma a uma particular memória emocional, carregada de iden-
tificações, expressas ao ritmo de inflamados hinos que caem como um
bálsamo no coração e no cérebro dos alunos em meio da sequidão dos
maçantes conteúdos escolares; uma experiência aplicada com vistas a gerar
uma disciplina mental e corporal, a qual podemos caracterizar como
performances patrióticas (entre cujas características apontamos, por exem-
plo, o uso de insígnias na Argentina ou a tomada de distância no momen-
to de içar a bandeira em qualquer dos países anteriormente citados).
Por que a história segue assumindo essa função, romântica e aglutinante,
cada dia mais contrária à vocação crítica brandida pelo discurso escolar con-
temporâneo? Trata-se de uma contradição ou de uma articulação significati-
va que funde história, escola e nação da qual ainda não se pode prescindir?
Sem dúvida, estamos diante de uma nova manifestação de identidades
políticas e subjetivas em escala planetária, na base de processos de
globalização que operam em múltiplos níveis, em um contexto caracteriza-
do por tendências pós-nacionais (como expressa a formação da União
Europeia) e, ao mesmo tempo, transnacionais e nacionalistas minoritárias
(como se viu na Irlanda, Euzkadi e outros casos) (Waldmann e Reinares,
1999). Tudo isso inverte a relação entre o saber e o poder que caracterizou
o nascimento dos Estados nacionais, da escola e da história, e nos leva a
revisar a relação originária entre educação e nação – tal como surgiu em fins
do século XIX, sob o amparo dos ideais de progresso e da emancipação –,
conferindo-lhe um novo sentido, descartando ou lhe reinventando.
22 Mario Carretero
De modo definitivo, trata-se de analisar como, por que, para quem e para
que se produz a transmissão dos conteúdos históricos escolares em um con-
texto histórico no qual os ideais que forjaram as bases da educação formal se
bifurcam em polos ideologicamente opostos: a Ilustração e o saber crítico em
uma via, e o Romantismo e a perspectiva nacionalista em outra.
Essas contradições surgiram durante a última década: em diferentes países,
observaram-se casos nos quais o ensino da história se tornou um tema de
debate irracional. Desde 1994, aproximadamente, estamos reunindo documen-
tação sobre este âmbito educacional e cultural (ver, por exemplo, Carretero,
Jacott e López-Manjón, 2002; Carretero, Rosa e González, 2006; Carretero e
Voss, 2004) e estamos persuadidos de que não é casual o fato de que recente-
mente se tenham produzidos acontecimentos como os que seguem:
• Em muito pouco tempo todos os conteúdos da antiga União Sovié-
tica, bem como os de numerosos países sob sua influência, modifi-
caram-se drasticamente (ver Capítulo 2); isso significa que, entre
outras coisas, milhões de alunos, de diferentes idades, receberam,
quase da noite para o dia, uma versão do seu passado nacional, e
do passado em geral, radicalmente distintas das quais se vinha en-
sinando na escola.
• Nos Estados Unidos, a elite neoconservadora, que finalmente al-
cançou o poder nas eleições de 2000 e de 2004, chegou a questio-
nar seriamente os novos conteúdos escolares de história projetados
por diversos estudiosos depois de um minucioso trabalho profissio-
nal e amplamente democrático.
• Em países como México, Espanha e vários outros, produziram-se dis-
cussões de grande repercussão social em torno dos conteúdos escola-
res de história; tais discussões foram, muitas vezes, muito mais além
da escola e adquiriram projeção social e política, pois se debatia, de
modo implícito, entre outras coisas, o projeto de futuro de cada socie-
dade; na realidade, grande parte desses debates continuam abertos.
• Em muitos países da América Latina, algumas datas de grande rele-
vância na memória coletiva, como o 12 de outubro*, vem sofrendo
uma intensa revisão nos últimos anos;em alguns países, como a Ar-
gentina, por exemplo, não é mais ensinada uma versão “espanholista”
dessa data, e em outros, como o Peru ou Venezuela, produzem-se
críticas abertas à existência de monumentos ou de conteúdos escola-
res a respeito.
4
*N. de R.T. “Descoberta” da América, depois apropriada pelo franquismo como “Dia da
hispanidade”. Para a América, uma invasão violenta e exploração; para a Espanha, uma
“missão civilizadora” cristã.
 Documentos de Identidade 23
• Todos os casos anteriores se referem a questões e a conteúdos rela-
cionados a fatos ocorridos há séculos; mas o que se refere à histó-
ria atual – por exemplo, a grandes temas como a Segunda Guerra
Mundial ou a Guerra do Vietnã –, ainda hoje, nos conteúdos esco-
lares de um grande número de países (p.ex., Japão, Alemanha,
Estados Unidos), é notória a ausência de uma informação que seria
comum em outros países, assim como a presença de conteúdos
pouco confiáveis do ponto de vista historiográfico, o que tem gera-
do intensos debates generalizados cuja virulência se intensificou a
partir dos anos de 1990 (Hein e Selden, 2000). Alguns destes de-
bates originaram intensos protestos sociais, como os da China ao
exigir que o Japão reconheça em seus textos escolares as atrocida-
des ocorridasdurante a Segunda Guerra.
• Quando análises comparativas são realizadas (como as que podem
ser encontradas em Ferro, 1981 e 2004; The Academy of Korean
Studies, 2005), referentes a França/Argélia, Grã Bretanha/Índia,
China/Japão e Coreia/Japão, é possível perceber que as versões do
passado recente que ainda hoje são apresentadas aos cidadãos des-
tas respectivas sociedades não podem ser mais diferentes entre si;
em alguns casos, os conteúdos escolares obrigatórios estão reple-
tos de inexatidões e falsidades, tendenciosamente expostas, e em
outros é apresentada uma visão dificilmente aceitável pelo país
com o qual se realizou a comparação.
• De forma tradicional, pelo menos desde o início do século XX, os
livros escolares de história mostravam ausências significativas em
relação ao país no qual eram publicados; por exemplo, nos livros
escolares espanhóis não se definiram questões essenciais sobre a
colonização americana, como os maus-tratos aos indígenas ou o
escravismo enquanto prática social e econômica generalizada; tais
questões, por outro lado, eram destacadas nos livros mexicanos ou
brasileiros (Carretero, Jacott e López-Manjón, 2002).
• Todos estes aspectos são somente uma parte de um movimento
intelectual e educacional de revisão profunda das histórias nacio-
nais e locais. Assim, em muitos países europeus, e de outros conti-
nentes, se está produzindo uma reconsideração do passado, o que
representa mudanças relevantes na história acadêmica e transfor-
mações equivalentes na história escolar. Tais fenômenos têm em
comum algumas questões como as seguintes, que, de fato, às vezes
são contraditórias, a saber: a) a busca de uma relação significativa
entre a representação do passado e da identidade, seja nacional,
local ou cultural; b) a demanda de histórias menos míticas e mais
objetivas; c) a necessidade de elaboração dos conflitos do passado
24 Mario Carretero
com vistas a realizar projetos futuros, como é o caso da reinter-
pretação dos conflitos nacionais europeus em nome de um futuro
comum; e d) a ainda muito incipiente utilidade de gerar uma com-
paração entre histórias alternativas de um mesmo passado.
Com frequência, sustenta-se que tais fenômenos eram previsíveis dadas
as intensas transformações sociais das últimas décadas. No entanto, trata-
-se de expressões extraordinárias as quais devem ser analisadas minucio-
samente, pois compartilham elementos comuns que são fundamentais para
questionar o sentido e as contradições atuais do ensino da história, bem
como a própria natureza do conhecimento historiográfico. Há pelo menos
duas questões essenciais que não deveríamos ignorar: a necessidade de
estudar este conjunto de fenômenos em um contexto internacional (o que
foi muito pouco feito até o momento)5 e a inclusão de um olhar do outro
como requisito para compreender a problemática apresentada.
Outra ausência recorrente e significativa nos debates é a daqueles que,
em nossa opinião, são seus protagonistas mais significativos: os autores
dos currículos, dos programas e dos textos “oficiais” legítimos, os profes-
sores e os estudantes. Suas vozes poderiam ser ouvidas neste livro por
meio de diversas manifestações: os conteúdos históricos despejados nos
textos escolares, as práticas que articulam a experiência vivida com a apren-
dizagem histórica (como as dadas de comemoração pátria nos países da
América Latina), e as representações identitárias e as percepções mútuas
que geram nos alunos e nos professores.6
A perspectiva teórica das diversas pesquisas costuma possuir limites
definidos. Procurei percorrer tais limites, embora mais por necessidade
do que por preferência. De qualquer forma, este é, sem dúvida, um livro
fronteiriço. A pesquisa que gerou estas páginas começou sendo um traba-
lho de psicologia com o qual queríamos atender os desafios que Bruner
havia proposto (1990), um dos grandes estudiosos da mente, quando apon-
tava a necessidade de dar um papel central ao estudo dos discursos en-
quanto configurações essenciais na construção da identidade pessoal e
cultural. Recorremos à psicologia, sobretudo em sua vertente do desen-
volvimento cognitivo, para abordar a questão de como se formam no alu-
no – futuro cidadão – a estrutura e o conteúdo das ideias nacionalistas.
Essas ideias pelas quais estará disposto inclusive a ir até a morte, pelo
menos teoricamente. Todavia, nos deparamos com o fato de que muitos
dos fios com os quais tais pensamentos estavam tecidos tinham sua origem
em um lugar para além da escola. Em outras palavras, na própria função
que a sociedade atribuía a tal instituição e no sentido que, por sua vez,
esta última lhe outorgava. Por isso, era inevitável analisar com detalhe as
atuais guerras culturais vinculadas ao ensino da história, apresentadas no
 Documentos de Identidade 25
começo deste livro. Pretendi abertamente percorrer os espaços existentes
entre a mente individual e esse âmbito comum chamado “cultura”, no
qual nós, seres humanos, estamos sempre imersos. Para isso, foi inevitá-
vel caminhar entre as disciplinas, tomando contribuições de onde pudes-
sem ser úteis e frutíferas, com a secreta esperança de que se produzissem
escutas recíprocas que ajudassem a resolver alguns dos problemas funda-
mentais de nosso tempo. É certo que, no entanto, como dizem alguns,
fora das disciplinas não há conhecimento, tendemos a pensar que nesse
“lugar” sem nome há algo mais do que trevas exteriores, algo mais do que
escuridão permanente.
Para começar, o Capítulo 1 deste livro apresenta os marcos conceituais,
teóricos e históricos sobre os variados sentidos do conceito de história, dife-
renciando três sentidos: o escolar, o acadêmico e o cotidiano, ou popular.
Apesar de tratar de uma distinção bem conhecida, suas implicações não o
são tanto nos âmbitos culturais em geral nem nos educacionais em particular.
A discriminação conceitual desses três sentidos, tanto como a de seus âmbitos
e sujeitos de produção, permitirá, em nossa opinião, uma maior compreen-
são da vinculação entre a educação formal e os fenômenos sociais e políti-
cos os quais se apresentam nos casos que analisaremos posteriormente.
Por outro lado, abordamos as relações entre a história e a escola desde
a origem dos Estados nacionais, o que significa considerar as paulatinas
transformações que sofreram até chegar a ser o que são hoje. Posterior-
mente, abordamos as formas que tal união foi adotando, e nos centramos
no surgimento das histórias escolares e nacionais, bem como em seu sen-
tido e seus objetivos primordiais. Precisamente, partindo de uma hipótese
que aponta uma contradição crescente entre os objetivos ilustrados e os
românticos na escola em geral e no ensino da história em particular, de-
senvolvemos uma tese central de nosso trabalho.
Os dois capítulos seguintes se concentram na exposição e análise de
casos e materiais reais, os quais permitem examinar tal contradição; em
alguns deles, em uma dimensão empírica. No Capítulo 2, apresentam-se e
discutem-se os debates sobre o ensino da história ocorridos na década de
1990 em cinco países: Estados Unidos, México, Estônia, Alemanha e
Espanha. Em todos eles, as controvérsias se produziram em torno dos
conteúdos escolares, que, como é sabido, são uma das vozes por meio das
quais se expressam as decisões que os Estados tomam sobre o que seus
futuros cidadãos devem estudar e conhecer. A análise em detalhe destas
conclusões tenta mostrar que não constituem fenômenos isolados e sem
relação entre si, mas sim o contrário, casos particulares de uma dinâmica
na qual cumprem um papel essencial as contradições entre as respectivas
heranças do Romantismo e da Ilustração, bem como de sua interação com
algumas das características centrais da política, da cultura e da sociedade
26 Mario Carretero
desde fins do século XX. No Capítulo 3, tratamos estas questões em refe-
rência à historia recente, essa categoria difusa (contradição nos termos?)na qual muitas vezes se localizam as feridas abertas das sociedades, esse
espaço no qual se pretende, com êxito e fracasso ao mesmo tempo, tanto
esquecer quanto recordar. Abordamos o problema de ensinar na escola
alguns dos horrores do século passado e a forma como algumas socieda-
des enfrentaram essa questão; particularmente a Alemanha, o Japão, os
Estados Unidos, a Argentina e a Espanha, entre outras.
Os citados capítulos partiram de propostas como as recentes contri-
buições de Ferro (1981) e Vázquez (1970), os quais trabalharam sobre os
“particulares” conteúdos dos livros didáticos de história (Ver também os
estudos mais recentes de Boyd, 1997, e Romero, 2004). No entanto, pare-
cia essencial complementar esses trabalhos, tendo como objetivo respon-
der a seguinte pergunta: o que se encontra em tais textos está também na
mente dos alunos? Assim, no Capítulo 4, incluímos o assunto que foi obje-
to de nossas pesquisas empíricas. Referimo-nos a um dos âmbitos mais
interessantes e reveladores que se podem encontrar atualmente na prática
do ensino da história: a comemoração escolar das chamadas “efemérides”
ou festas pátrias; elas ocupam um lugar central nos sistemas educacionais
de muitos países da América Latina e da América do Norte, e, no entanto,
estão ausentes em outros países, entre os quais se encontra a Espanha. A
despeito de estarem separados dos conteúdos curriculares de história, os
alunos e professores estabelecem explícita e implicitamente muitas relações
entre estes dois âmbitos. Nesse capítulo são apresentados alguns resulta-
dos da pesquisa realizada na Argentina e são incluídas análises de entre-
vistas realizadas com alunos, nas quais, acreditamos, pode ser vista com
clareza a maneira como tomam forma na mente – e na própria vida – dos
cidadãos de um país as contradições propostas como hipótese no Capítulo
1. Acreditamos firmemente que os resultados encontrados nessas pesqui-
sas podem coincidir com o que poderia ser encontrado em outros países –
inclusive naqueles nos quais se praticam as ditas efemérides –, o que ofe-
receria substanciais pautas de compreensão. Com efeito, as vozes analisa-
das, de alunos e professores, contêm, sem dúvida, uma mostra da gênese
dos sentimentos e das representações nacionalistas, e revelam de que for-
ma um dispositivo social e cultural hegemônico – a escola – contribui
para fabricar, muito precocemente, as bases cognitivas e afetivas das “co-
munidades imaginadas”. Nesse sentido, apresenta-se também uma tenta-
tiva de explicação sobre o porquê de tais discursos e celebrações serem
tão eficazes na obtenção de seus propósitos. Ou seja, quis apresentar o
caso argentino como um exemplo de como funciona a engenharia emotiva
a serviço do Estado nacional, a qual é projetada principalmente nas ori-
gens românticas do nacionalismo. Buscar precisamente tais origens psico-
 Documentos de Identidade 27
lógicas se deve a minha convicção de que são indeléveis. Se aceitarmos a
ideia literária de que a pátria é a infância, é razoável pensar que esta
última se constitui em um tipo de período crítico em cujo desenvolvimento,
espaço e tempo por sua vez se dão e se forjam os anelos que nunca enfra-
quecem, mas que simplesmente tomam diferentes formas ao longo da
vida. Em outras palavras, o que ocorre na infância não é intercambiável
com qualquer outra experiência. Ao contrário, é único e idiossincrático
comparado com qualquer outro momento da vida. Por isso, qualquer teo-
ria sobre a identidade nacional, vale dizer, sobre o patriotismo, deve ex-
por sua gênese individual, deve explicar de que maneira se forma a voz da
nação em cada um de nós, de que maneira se instala o laço social – o qual
nos constitui e nos limita ao mesmo tempo – em um momento evolutivo –
na infância –, no qual os componentes e os mecanismos identitários são
absorvidos de forma compulsiva, sob pena de chegar a não pertencer a
nenhuma “manada”.
Finalmente, o Capítulo 5 apresenta, primeiramente, algumas discus-
sões críticas, filosóficas e políticas, contemporâneas de grande importân-
cia para que se possa interpretar compreensivamente os novos desafios
da história e da escola, e do condicionamento no ensino escolar da histó-
ria. Abordamos nesse capítulo o deslocamento das identidades – subjeti-
vas e políticas – as quais caracterizam os processos globais, e estabelece-
mos vinculações significativas entre tais processos e os quais configuram
o problema atual do ensino da história integrando perspectivas pós-mo-
dernas, críticas e multiculturalistas para delinear a disjunção diante da
qual se localiza a história escolar.
Por último, nas conclusões oferecemos uma perspectiva do exposto
em cada capítulo, sua inter-relação e suas implicações educacionais, tan-
to teóricas quanto práticas. Reconhecemos a necessidade, e por que não
dizer a urgência, de um ensino da história e das ciências sociais que con-
tribua para a compreensão e aceitação dos outros, independentemente da
nacionalidade, pertencendo ou não a um Estado nacional, compreensão
que não deve reduzir o conflito inerente a todo processo de construção
identitária. Entendemos que o que está em jogo é o próprio sentido da
função da escola na sociedade: ensinar conhecimentos “válidos” e “for-
mar” cidadãos. Dito metaforicamente: haverá chegado a hora em que o
espelho revele para a madrasta que o mundo não cabe mais em seus limi-
tes? Ela poderá sair de seu próprio labirinto autorreferencial e desenvol-
ver alguma estratégia diante do outro que não seja a da exclusão? E Bran-
ca de Neve, assumirá a responsabilidade de cuidar de si mesma?
Este livro tenta contribuir, talvez também retribuir, para esse debate.
O reconhecimento da própria identidade, atravessada também pela
pluralidade e a diferença pela atitude dialógica e a interdiscursividade
28 Mario Carretero
que fazem da história um espaço povoado de sentidos e identidades múl-
tiplas, exige que nós preparemos nossas ferramentas de compreensão,
não somente para melhorar o ensino da história na escola, mas também
sua presença em contextos informais, e sua persistência, suas profundas
marcas na consciência de homens e mulheres que, já adultos, seguem
empenhados em atravessar o espelho.
NOTAS
1. A estrutura e o conteúdo dos contos tradicionais dão lugar a com-
preensões introdutórias dos fenômenos identitários, como anali-
sa Álvarez Junco (2001a) ao usar a metáfora de Peter Pan para
compreender os argumentos dos chamados nacionalismos peri-
féricos na Espanha.
2. A existência de um nacionalismo espanhol “fraco” em sua forma-
ção histórica (Álvarez Junco, 2001b) faz, provavelmente, que tal
surpresa seja maior que em muitos outros países europeus.
3. Recentemente Chomsky (2003) tratou, de modo lúcido, o interes-
sante caso de um aluno que foi punido por se negar a realizar o
juramento à Constituição norte-americana por considerar que seu
cumprimento não coincide com a realidade social desse país. Como
será visto no Capítulo 4, esse tipo de atividades patrióticas, com
numerosas relações com a História e a Formação Cidadã enquanto
disciplinas escolares é muito frequente nos sistemas escolares de
muitos países, apesar de na Espanha, surpreendentemente,
inexistirem. De fato, também é surpreendente que a hierarquia
eclesiástica e a escola privada espanhola de caráter religioso se
oponham a uma disciplina de Formação Cívica, a qual existe em
muitos países há décadas.
4. Entre os muitos casos que mostram tal questionamento podem ser
citados os incidentes em Lima ao retirar uma estátua de Pizarro, as
propostas de celebração alternativa na Venezuela, que requeriam
homenagens aos indígenas que resistiram à chegada dos espanhóis,
e o recente debate na Argentina na raiz da discussão sobre a possí-
vel eliminação do 12 de outubro como dia festivo.
5. A documentação à qual recorremos para escrever estas páginas
demonstram a permanência de um olhar nacional e endógeno na
maioria dosdebates, independentemente do país no qual tenha
sido produzido. As pesquisas, certamente muito escassas, as quais
tratam de entender como e de que maneira uma sociedade man-
tém uma visão histórica nacionalista somente conseguiram lançar
 Documentos de Identidade 29
luz sobre o problema quando realizaram uma análise comparati-
va, de modo geral, relativa ao vizinho ou à metrópole de origem.
6. A maioria dos pesquisadores da educação (p.ex., Delval, 2006;
Postman, 1995; Savater, 1997) concordam quando destacam a
importância de uma cultura de paz e entendimento entre os cida-
dãos, a qual permita a compreensão do outro. Nesse objetivo cos-
tumam estar de acordo todos os agentes educacionais da maioria
dos países. Entretanto, não concordam no que se refere a como
isso se realiza e com quais conteúdos. Nas páginas seguintes, ve-
remos profundos desentendimentos nas narrativas históricas es-
colares que se relacionam com o passado de uns povos frente ao
passado de outros.