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49 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa Unidade II 2 Reflexões cRíticas sobRe a GRamática NoRmativo‑tRadicioNal A discussão que se inicia agora pretende chamar a atenção para vários equívocos, insuficiências e lacunas presentes na Gramática Tradicional (GT) e que acabam reforçando e justificando muitos dos problemas e das dificuldades do processo ensino‑aprendizagem nas aulas de língua e gramática na escola. Enfatizaremos aqui a divisão das palavras em classes gramaticais e seus problemas nos diferentes critérios de classificação, bem como outros aspectos que merecem reflexão e análise sobre os pressupostos da GT. Para dividir as palavras em cada uma das dez classes (Substantivo, Adjetivo, Verbo, Advérbio etc.) as gramáticas se utilizam de critérios formais para definir, formular e descrever cada classe. A autora Margarida Basílio, em seu livro Teoria Lexical (1987), especificamente no capítulo Formação de Palavras e Classes de Palavras, reflete pontualmente sobre esses critérios de classificação de palavras, a saber: o critério semântico, o critério morfológico e o critério sintático. A autora vai mostrar esses critérios funcionando pontualmente com as classes de Substantivo, Adjetivo, Verbo e Advérbio, por estarem intimamente ligadas à produção lexical – assunto pelo qual ela se interessa com intensidade. As classes Substantivo, Adjetivo e Verbo são puramente lexicais, abertas, variáveis, ou seja, possuem raiz (lexema) e portanto podem contribuir bastante nos processos de derivação e composição linguística, podendo ainda estar sujeitas à criação de novos itens lexicais (neologismos). A classe dos Advérbios, apesar de ser uma classe gramatical, fechada, invariável, será considerada na análise, pois está intimamente ligada à classe dos Adjetivos e, portanto, assume um pouco de sua produtividade (todo adjetivo acrescido do sufixo ‑mente se transforma automaticamente em um advérbio). “Dado que apenas substantivos, adjetivos, verbos e advérbios estão envolvidos nos processos de formação de palavras, vamos nos deter aqui apenas nessas classes” (BASÍLIO, 1987, p. 50). 2.1 critérios de classificação São considerados como critérios de definição de classes as motivações internas à formação de palavras. Por isso a necessidade de se caracterizar cada critério em sua relevância. Consensualmente, diz‑se que as classes de palavras definem‑se pelos critérios semântico, sintático e morfológico. Mais especificamente, cada critério desses corresponde à predominância de classificação em diferentes posições teórico‑gramaticais: • gramática normativa (tradicional): predomínio do semântico (embora misturado aos outros dois) que estabelece significados para essencializar a natureza de cada classe; 50 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II • gramática descritiva (estruturalista): predomínio do morfológico (embora também considere aspectos do sintático) que demarca as características formais de composição, derivação e funcionamento flexional de todas as classes de palavras; • gramática gerativa transformacional: predomínio exclusivo do sintático que estabelece as características funcionais e distribucionais das classes, na relação/combinação das palavras com as outras. Entretanto, tal questão é complexa e será abordada em relação aos processos de formação de palavras em português, pois, pelo que se verá na discussão proposta por Basílio (1987), nenhum desses critérios é suficientemente capaz de dar conta do total funcionamento de cada uma das dez classes de palavras (nem separadamente, nem conjuntamente). Vejamos mais de perto o funcionamento de cada um dos critérios em cada uma das classes mencionadas. 2.1.1 O critério semântico O critério semântico relaciona‑se com o estabelecimento de “tipos de significado como base para a atribuição de palavras a classes”. (BASÍLIO, 1987, p. 50). Conforme a autora, em geral, define‑se facilmente o substantivo como a palavra que designa o ser. Essa é a definição semântica. Embora nem todos os substantivos possam ser chamados exatamente de “seres”: o nada, a morte, o dom etc. são substantivos que não designam nem nomeiam seres. Você pode supor uma lista imensa de substantivos que não se encaixam nessa definição semântica. O adjetivo é mais definível pelo critério sintático do que pelo semântico (dar a qualidade ou modificar o substantivo). Ele é um especificador do substantivo. Mesmo assim, a função semântica dos adjetivos (qualificar/modificar o substantivo) é sumamente importante na estrutura linguística, pois eles permitem a expressão ilimitada de conceitos: Veja‑se: criança: bonita/magra/sadia/malcriada/feliz/ autista/brasileira e assim por diante. O problema com sua definição semântica é que há outras palavras que desempenham a mesma função e não são adjetivos. Alguns substantivos podem qualificar outros: repórter burro, sapato rosa, escola‑padrão... Além disso, um numeral pode desempenhar o papel de modificador do substantivo: salto duplo. No verbo, é comum nos depararmos com a seguinte definição semântica: “palavra que exprime ação, estado ou fenômeno de natureza”. Tal definição puramente semântica não é suficiente, dado que outras classes de palavras também podem exprimir ação, estado e fenômeno da natureza. O substantivo luta expressa claramente uma ação. O substantivo sono denota claramente um estado. O substantivo neve revela sem dúvida um fenômeno da natureza. Também a característica semântica relacionada à temporalidade dos verbos, relativa a passado, presente e futuro, não lhe é exclusiva. Os advérbios de tempo, por exemplo, também denotam essa particularidade: ontem, agora, amanhã etc. Daí a necessidade de se acrescer ao verbo a definição morfológica flexional. No Advérbio, o caso é semelhante ao do adjetivo, já que ele, do ponto de vista semântico, permite a especificação/cirscunstancialização de ação, estado ou fenômeno descrito pelo verbo. Mas este critério 51 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa também não é suficiente, pois também é possível que outras palavras de outras classes desempenhem essa função de modificar o verbo. Por exemplo, os adjetivos em: “ele fala alto”, “ela chegou rápido”. Ainda assim, o critério semântico é fundamental para a definição das classes, embora, como foi visto, não seja suficiente. 2.1.2 O critério morfológico O critério morfológico implica a classificação de palavras a partir de suas características gramaticais, mais especificamente de seus paradigmas derivacionais e flexionais de classe, de gênero, de número, de grau, de pessoa e modo‑temporais. Tanto o substantivo quanto o adjetivo apresentam categorias de gênero, número e grau específicas pelas flexões correspondentes, como aponta Basílio (1987). Entretanto, em geral, as mesmas flexões de número e gênero aplicadas ao substantivo também são aplicadas ao adjetivo (ex.: menininho bonitinho). Embora a derivação de diminutivo seja uma marca morfológica específica do substantivo, acaba contaminando o adjetivo. Em contrapartida, uma marca morfológica exclusiva do adjetivo seria a flexão de grau (ex.: belíssimo; finérrimo; facílimo). Mas também é possível observar alguns substantivos funcionando com essa marca morfológica (ex.: coisíssima). O que se pode entender é que o critério morfológico não distingue muito bem essas duas classes uma da outra. Já com o verbo (por sua natureza flexional) e o advérbio (por sua forma invariável), tal critério é bastante suficiente. 2.1.3 O critério sintático O critério sintático diz respeito à classificação a partir das propriedades distribucionais, ou seja, das posições sintagmático‑estruturais/funcionais das palavras na frase. Conforme a autora, o substantivo pode exercer a posição de núcleo do sujeito(“O gato fugiu”), objeto (“Comi o lanche”) e agente da passiva (“Ana foi perseguida por um pit bull”) – e ainda funcionar como núcleo diante de determinantes: artigos (“a menina”), pronomes demonstrativos (“essa menina”), pronomes possessivos (“minha menina”), numerais (“três meninas”) e pronomes indefinidos (“toda menina”), modificadores (“boa menina”) e sintagmas preposicionados (“da menina”). O adjetivo é definido como palavra que acompanha, modifica ou caracteriza o substantivo. Mas o critério sintático não o define suficientemente, pois não o distingue sintaticamente dos determinantes que também acompanham o substantivo. O verbo oferece dificuldade para ser bem‑definido sintaticamente, pois o predicado pode não ser verbal. Então, praticamente, não há função sintática que seja privativa do verbo. 52 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II O advérbio tem a função de modificador, por isso é bem‑definido sintaticamente, mas em toda a extensão do uso adverbial (pois esta classe não modifica isoladamente apenas o verbo, o adjetivo e o próprio advérbio, mas também pode modificar toda uma oração). Conforme reflete Basílio (1987), quanto mais dependente a palavra, mais fácil defini‑la sintaticamente. 2.1.4 A conjunção dos critérios seria uma solução? Basílio (1987) reflete sobre a possibilidade de se juntar todos os critérios complementarmente, já que cada um apresenta insuficiências diferentes na classificação das palavras, ou seja, em vez da predominância de um critério, a multiplicidade de critérios interdependentes para a classificação de palavras seria a solução? É importante compreender que para cada classe as propriedades semânticas são diretamente ligadas às propriedades sintáticas e morfológicas. Há uma ligação óbvia, embora não uniforme, entre tais critérios e se coloca a questão se tal ligação poderia ser hierárquica em relação às propriedades de cada critério. Haveria um critério hierarquicamente dominante do qual os outros dois seriam derivados? Para aprofundar esta questão sobre a possibilidade de hierarquia entre os critérios, veja‑se a Regra de Formação de Palavras: [X] V [[X]V + cão] S = [frustr] AR [[frust] FRUSTRAR + ção] FRUSTRAÇÃO Quando dizemos que ‑ção se adiciona a verbos para formar substantivos, queremos dizer que ‑ção só pode ser adicionado a formas que apresentam todo um esquema de flexão modo‑temporal e número‑pessoal? [Morfológico]. Ou queremos especificar que ‑ção só se adiciona a uma base que tenha que funcionar como núcleo de um predicado verbal? [Sintático]. Ou ainda que ‑ção seleciona bases que indiquem ações, eventos e estados? [Semântico]. Ou, mais ainda, queremos dizer que ‑ção só se combina com bases que apresentem as três características em conjunto? (BASÍLIO, 1987, p. 56). Para descrever os processos de formação de palavras, temos muitas decisões a tomar. Essencialmente, se devemos considerar as classes de palavras definidas pelos três critérios ao mesmo tempo ou hierarquicamente. A primeira possibilidade é facilmente derrubada pela análise detalhada de cada classe: não se pode trabalhar com todos os critérios ao mesmo tempo, pois um pode excluir o outro. Se a escolha for a segunda forma, ter‑se‑á de determinar qual o critério predominante em relação aos outros. O problema é que muitas vezes um critério é determinante para uma classe, mas para outra classe ele é insuficiente (por exemplo: o critério morfológico é determinante para a classe dos verbos, mas é insuficiente para a classe dos substantivos e dos adjetivos). Um critério pode, ainda, servir para descrever algumas palavras dentro de sua classe, mas pode ser insuficiente para outras palavras dentro desta mesma classe. (ex.: o critério semântico descreve bem verbos como lutar e correr, mas não descreve bem verbos como brilhar e azular). 53 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa 2.1.5 Um exemplo concreto Para ilustrar um pouco mais essa discussão, a autora salienta um exemplo de problema para a classificação: o sufixo ‑vel. Em princípio, ‑vel combina‑se com verbos para formar adjetivos: lavar = lavável. Porém, temos ocorrências coloquiais que se dão a partir de substantivos: presidente = presidenciável, reitor = reitorável. “O fenômeno de extensão de base das formações em ‑vel ilustra o problema das classes de palavras no que concerne à especificação das bases sobre as quais o processo se aplica” (BASÍLIO, 1987, p. 57‑8). Não se pode aplicar tal processo de formação a qualquer substantivo, mas somente àqueles que correspondem a cargos e funções, o que indica que tal disponibilidade para formações em ‑vel vem de um fator semântico que se opõe a fatores morfológicos e sintáticos. Tal exemplo evidencia a importância da descrição hierárquica dos critérios na classificação dessas palavras. “Resta saber se em outros casos de formação de palavras teríamos uma situação equivalente” (BASÍLIO, 1987, p. 59). 2.2 Revisitando as dez classes de palavras a partir dos três critérios de classificação Para observar mais cuidadosamente esta questão dos critérios de classificação das palavras, revisaremos cada uma das dez classes de palavras, a partir do seu funcionamento nos três critérios: morfológico, sintático e semântico. saiba mais Sugerimos a leitura da obra a seguir, que discorre longamente sobre essas dez classes, observando o seu (não) funcionamento em cada critério. MACAMBIRA, J. R. A estrutura morfossintática do português. São Paulo: Pioneira, 1978. Apresentaremos um quadro sintético do que Macambira (1978) desenvolve e que foi esquematizado por Dias (1994). As “mãozinhas” ( ) com texto em vermelho indicam um mau funcionamento ou um não funcionamento no critério em questão. observação Luiz Francisco Dias é atualmente professor de Linguística e Gramática da UFMG e desenvolveu em sala de aula, quando professor de Língua Portuguesa da UFPB, uma discussão sobre as classes de palavras da GT e seu (não) funcionamento com relação aos critérios semântico, morfológico e 54 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II sintático, sintetizando um quadro, a partir das considerações de Macambira (1978) e das definições de diferentes gramáticas tradicionais. Quadro 6 – Substantivo Definições de gramáticos tradicionais A) Celso Cunha 1. “Palavra com que designamos ou nomeamos os seres em geral.” São, por conseguinte, substantivos: a) os nomes de pessoas, animais, vegetais, lugares e coisas: Carlos, gato, palmeira, América, lápis b) os nomes de ações, estados e qualidades, tomados como seres: devoção, civismo, mocidade, alegria, altura 2. “Do ponto de vista funcional, o substantivo é a palavra que serve, privativamente, de núcleo de sujeito, do objeto direto, do objeto indireto e do agente da passiva” (CUNHA, 1972, p.186 apud DIAS, 1994). B) Rocha Lima “Palavra com que nomeamos os seres em geral, e as qualidades, ações, ou estados, considerados em si mesmos, independentemente dos seres com que se relacionam” (LIMA, 1992, p. 61, apud DIAS, 1994). C) Hildebrando André “Nome do ser” (ANDRÉ, 1990 apud DIAS, 1994). Classificações a) Comum ou próprio b) Concreto ou abstrato c) Simples ou composto d) Primitivo ou derivado e) Coletivo Critério morfológico Critério sintático Critério semântico A) Quanto à flexão (paradigma flexional) — Quadriforme: menino, menina, meninos, meninas; — Biforme: livro, livros, animal, animais; — Uniforme: lápis, pires, óculos, férias. Aplica‑se também a artigo, adjetivo, numeral, pronome B) Quanto à derivação (paradigma derivacional) ‑inho(a) ‑zinho(a) ‑ão(ona) ‑zão(zona) pequeno grande Bocarra, casebre, lebre, rapazote, mas: Tertuliano(zão)?, Washington(zinho)? — Artigo — Pronome possessivo — Pronome demonstrativo — Pronome indefinido Substantivo = sernada, desenvolvimento, passado, brilho, altura, noite, temperatura. ladrão (é um ser ou uma qualidade/ defeito?) 55 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa Quadro 7 – Adjetivo Definições de gramáticos tradicionais A) Celso Cunha 1. Espécie de palavra que serve para caracterizar os seres ou os objetos nomeados pelo substantivo, indicando‑lhes: a) uma qualidade (ou defeito): moça gentil; pensamento obscuro; b) o modo de ser: pessoa hábil; c) o aspecto ou a aparência: jardim florido; d) o estado: criança enferma. Observação: Por vezes o adjetivo marca apenas uma relação de tempo, de espaço, de matéria, de finalidade, de propriedade, de procedência etc. Assim, em nota mensal, casa paterna, perfume francês relacionamos as noções de nota e mês (nota relativa ao mês), de casa e pais (casa onde habitam os pais) e de perfume e França (perfume procedente da França). De regra, esses adjetivos de relação não admitem graus de intensidade. Uma nota não pode ser mais mensal nem uma casa muito paterna, nem um perfume menos francês. (CUNHA, 1972, p. 251, apud DIAS, 1994). B) Rocha Lima “Palavra que modifica o substantivo, exprimindo aparência, modo de ser, ou qualidade”. Exemplos: homem magro, gramática histórica, criança talentosa (LIMA, 1992, p. 86 apud DIAS, 1994). C) Hildebrando André “Palavra que expressa qualidade ou propriedade ou estado de ser” (ANDRÉ, 1990, p. 122 apud DIAS, 1994). Classificações a) Explicativo (expressa qualidade essencial do ser): pedra dura, gelo frio, leite branco. b) Restritivo (expressa qualidade acidental do ser): pedra preciosa, gelo útil, leite caro. c) Adjetivos pátrios: brasileiro, campinense, mineiro. d) Locuções adjetivas: animal da noite, paixão sem freio, gente de fora, andar de cima. Critério morfológico Critério sintático Critério semântico A) Admite grau superlativo ‑íssimo(a) – feiíssimo ‑érrimo(a) – celebérrimo ‑limo(a) – facílimo Muito/Pouco Muitíssimo, pouquíssimo, portuguesíssimo, coisíssima, (?)campinensíssimo, sem‑vergonhíssima B) Admite sufixo adverbial –mente Primeiro, duplo, (?)calvo, (?) campinense Tão quão Tão pouco, tão homem, tão burro, tão anjo Tão bem, (?)tão campinense, (?) tão suposto “Palavra que exprime qualidade” Bondade, bem O brilho do diamante ofuscava os olhos. A altura das ondas impressionou o surfista. Ela é charmosa. 56 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II Quadro 8 – Verbo Definições de gramáticos tradicionais A) Celso Cunha 1) “Verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, é um acontecimento representado no tempo: “Ninguém ria, ninguém estranhava.” “Éramos arrebatados pelo espaço.” “Onde está a poesia da vida?” “Cai o crepúsculo. Chove.” 2) O verbo não tem, sintaticamente, uma função que lhe seja privativa, pois também o substantivo e o adjetivo podem ser núcleos do predicado. Individualiza‑se, no entanto, pela função obrigatória de predicado, a única que desempenha na estrutura oracional” (CUNHA, 1972, p. 367 apud DIAS, 1994). “As formas nominais do verbo identificam‑se pelo fato de não poderem exprimir por si nem o tempo nem o modo. O ser valor temporal e modal está sempre em dependência do contexto em que aparecem” (Idem, p. 456). B) Cegalla “Verbo é uma palavra que exprime ação, estado, fato ou fenômeno.” O criado abriu o portão [abriu exprime uma ação]. Fernando estava doente [estava: um estado, uma situação]. Nevou em São Joaquim [nevou: um fato, um fenômeno]. (CEGALLA, 1974, p.162 apud DIAS, 1994). A crise mexicana assustou os investidores. A guerra atingiu o mercado de capitais. C) Enéas Martins de Barros “É uma unidade morfossintática que se distingue das demais classes: • pela conjugação, conjunto estruturado peculiar, oposto à declinação, que é um conjunto estruturado de formas atinentes ao substantivo, adjetivo ou pronomes; • por suas propriedades sintáticas, pode ser determinado por um advérbio, mas não por um adjetivo; concorda com o núcleo do sintagma nominal sujeito. Opõe‑se ao nome, constitui‑se o núcleo da frase, quer esta seja representada como junção de um grupo nominal (GN) e um grupo verbal (GV), que pode eventualmente ser composto de um verbo e de um GN; quer seja considerada como resultado de um relacionamento entre termos nominais efetuado através do verbo” (BARROS, 1985, p.114 apud DIAS, 1994). “Nem tudo são flores.”; “Há rosas aqui.” (não há concordância dos verbos com os núcleos dos SNs “tudo” e “rosas”). “O meliante fugiu rápido como um raio.” (não é um advérbio que está determinando o verbo, e sim um adjetivo). 57 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa Classificações I. Modos verbais Diferentes maneiras de um fato se realizar: a) Indicativo (exprime um fato certo, positivo) b) Subjuntivo (exprime um fato possível, duvidoso, hipotético) c) Imperativo (exprime ordem, proibição, pedido) II. Formas nominais Diferentes apresentações do processo verbal: a) Infinitivo (apresenta o processo verbal em potência) b) Gerúndio (apresenta o processo verbal em curso) c) Particípio (apresenta o resultado do processo verbal) III. Tempos compostos e locuções verbais a) Tempos compostos: formados de um verbo auxiliar (“ter” ou “haver”) mais um particípio, que é o verbo principal. Tenho andado com dificuldade (pret. perfeito do indicativo) Se ele não houvesse partido,... (pret. mais‑que‑perfeito do subjuntivo) b) Locuções verbais: combinação de dois verbos, sendo o primeiro auxiliar e o segundo o verbo principal, que pode estar no infinitivo, no gerúndio ou no particípio. 1) “ter de” + verbo no infinitivo Tenho de estudar hoje. 2) “haver de” + verbo no infinitivo O País haverá de sair da crise. 3) “estar”, “andar”, “ir”, “vir” + verbo no gerúndio Não estamos conseguindo ainda vencer a fome. Venho reclamando dos erros de pontuação. 4) “ser” + verbo no particípio Ela foi conquistada pelo olhar. Se ela tivesse sido conquistada pelas pernas... c) Locuções com auxiliares modais (querer, dever, saber, poder, ir, vir) + verbo no infinitivo Ela quer estudar os modos verbais. João vai conhecer Nova Jerusalém. 58 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II Critério morfológico Critério sintático Critério semântico .................. ‑r ‑ndo ‑rei ‑ria Ex.: amar, vender, partir, pôr amando, vendendo, partindo, pondo amarei, venderei, partirei, porei amaria, venderia, partiria, poria Vou correndinho ali nos correios Eu Tu Eles Nós Vós Eles Vou, sou, estou Vais, és, estás Vai, é, está Vamos, somos... Ides, sois, estais Vão, são, estão Chover, nevar Amar, correr, sentir (as formas nominais não aceitam essa relação sintática) Verbo = exprime a cousa na perspectiva do tempo: ação, fenômeno, estados e outras cousas que o verbo possa exprimir (LAROCHETTE apud DIAS, 1994) “Além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.” inundação, tiroteio (substantivos = ação) chuva, trovão (substantivos = fenômeno meteorológico) morte, sono (substantivos = estado) O verbo indica os processos, quer se trate de ações, estados ou passagens de um estado para o outro (MEILLET apud DIAS, 1994) Amai! (com verbos imperativos não há processo/passagem de um estado a outro) Quadro 9 – Advérbio Definições de gramáticos tradicionais A) Celso Cunha 1) Advérbios são palavras que se juntam a verbos, para exprimir circunstâncias em que se desenvolve o processo verbal, e a adjetivos, para intensificar uma qualidade: “Ternura leu‑o depressa e, meio atordoado, guardou‑o no bolso”. 2) Salienta‑se ainda que: a) os advérbios chamados “de intensidade” podem reforçar o sentido de outro advérbio: “A vida não lhes correra nem muitobem, nem muito mal”. b) certos advérbios aparecem modificando toda a oração: “Felizmente, estava vago o lugar de inspetor escolar” (CUNHA, 1972, p. 498 apud DIAS, 1994). B) Cegalla “Advérbio é uma palavra que modifica o sentido do verbo, do adjetivo e do próprio advérbio.” O navio chegou ontem. Paulo jogou bem. Paulo jogou muito bem. A moça é muito linda. (CEGALLA, 1974, p. 221 apud DIAS, 1994). O amigo aqui gosta muito de cerveja (o advérbio está modificando um substantivo). 59 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa C) Enéas M. de Barros “Pensamos que o advérbio é uma palavra intransitiva, com que se diferencia formalmente da preposição, que é transitiva. Assim: Ele chegou depois e quis um lugar de honra (advérbio). Ele chegou depois da irmã quando já não chovia (locução prepositiva). É uma palavra adjunta, isto é, modificadora, porque pode ser determinante do adjetivo, do advérbio, do pronome, do verbo e até e orações e substantivos.” (BARROS, 1985, p. 203 apud DIAS, 1994). Quase cem mortos: esse foi o resultado do terremoto (o advérbio está modificando um numeral). A pedra caiu quase sobre a minha cabeça (o advérbio está modificando uma preposição). Classificações a) Advérbios de afirmação: sim, certamente, efetivamente, realmente etc. b) Advérbios de dúvida: acaso, possivelmente, provavelmente, talvez etc. c) Advérbios de intensidade: bastante, demais, bem, mais, muito, pouco, tanto, tão, mais, meio etc. d) Advérbios de lugar: abaixo, acima, adiante, aí, além, ali, aquém, aqui, através, atrás, cá, dentro, junto, longe, onde, perto etc. e) Advérbios de modo: assim, bem, depressa, devagar, mal, melhor, pior, bondosamente etc. f) Advérbios de tempo: agora, ainda, amanhã, anteontem, antes, breve, cedo, depois, hoje, jamais, nunca, sempre, outrora, já, logo etc. g) Advérbio de negação: não. h) Advérbios interrogativos: por quê? (causa); onde? (lugar); como? (modo); quando? (tempo). Só, somente (a palavra só pode ser adjetivo e advérbio; somente é advérbio, porém acompanha/modifica substantivos). Locução adverbial Formada de uma preposição com um substantivo, adjetivo ou advérbio. Ex.: com certeza, sem dúvida, à direita, à esquerda, ao lado, de dentro, de longe, em cima, por ali, por dentro, por perto, à vontade, à toa, às avessas, de cor, em geral, em vão, passo a passo, por acaso, frente a frente, de forma alguma, de modo nenhum, à noite, de manhã, de vez em quando, em breve. Obs.: de dentro = locução adverbial dentro de = locução prepositiva Critério morfológico Critério sintático Critério semântico A) Terminado pelo sufixo ‑mente B) responde às perguntas “Onde?”, “Quando?”, “Como?” Nunquinha (advérbio não deveria receber o sufixo ‑inha) Tão bem quão Palavra invariável Ex.: tão depressa, bem depressa, quão depressa, tão tarde, tão cedo, tão perto, bem aqui, bem cedo, quão cedo etc. (?)tão/quão ali, (?)tão/quão acolá, (?)tão/quão aqui “Palavra que exprime qualidade ou circunstância.” Ainda, cedo, cedinho, jamais, quase, nunca Eu durmo com tranquilidade/tranquilo/ tranquilamente 60 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II Quadro 10 – Artigo Definições de gramáticos tradicionais A) Celso Cunha “Dá–se o nome de artigo às palavras o (com as variações a, os, as) e um (com as variações uma, uns, umas), que se antepõem aos substantivos para indicar: a) que se trata de um ser já conhecido do leitor ou ouvinte, seja por ter sido mencionado antes, seja por ser objeto de um conhecimento de experiência, como neste exemplo: “A vila tomava ares de festa.” b) que se trata de um simples representante de dada espécie ao qual não se fez menção anterior. “O pequeno‑burguês britânico atinge ao auge da felicidade quando se encontra com um nobre, um lorde, um duque, um príncipe de casa real.” No primeiro caso dizemos que o artigo é definido; no segundo, indefinido.” (CUNHA, 1972, p. 214 apud DIAS, 1994). B) Cegalla “Artigo é uma palavra que antepomos aos substantivos para determiná‑los. Indica‑lhes, ao mesmo tempo, o gênero e o número. Os artigos definidos determinam os substantivos de modo preciso, particular: Viajei com o médico (um médico referido, conhecido, determinado). Os artigos indefinidos determinam os substantivos de modo vago, impreciso, geral: Viajei com um médico (um médico não referido, desconhecido, indeterminado)” (CEGALLA, 1974, p.135 apud DIAS, 1994). C) Rocha Lima “O artigo é uma partícula que precede o substantivo, assim à maneira de ‘marca’ dessa classe gramatical” (LIMA, 1992, p. 84 apud DIAS, 1994). D) Enéas M. de Barros “[O artigo] contribui, com seu poder expressivo, para a aplicação da ênfase, para a distinção dos sentidos, para a harmonia da frase. Num contexto como: ‘Guimarães Rosa, romancista brasileiro’, em que se omitiu o artigo antes do aposto, o escritor não passa de um entre os muitos romancistas brasileiros. Se, entretanto, for consignado o artigo antes do aposto: ‘Guimarães Rosa, o romancista brasileiro’, o aposto passará a ter outro valor. Guimarães Rosa é aí o romancista por excelência, o mais notório, o mais conhecido, o mais completo. Do mesmo modo: ‘Este é bom automóvel’ ‘Este é o bom automóvel’ O artigo eleva a categoria do objeto, atribuindo à qualidade um caráter de inexcedibilidade, de superioridade, um valor superlativante. Também o indefinido oferece excelentes contribuições ao estilo. Seu caráter impreciso atribui à sensibilidade sentimentos de mistério, dilui e obscurece os efeitos, produzindo como que sobressaltos e impressões profundas. • Tem caráter superlativante, tal a sua intensificação Ex.: É uma naturalidade morrer. Transformar‑se, transmutar— se. • Destina‑se, ainda, a colocar em cena uma pessoa ou um objeto. Depois dessa apresentação segue‑se o artigo definido Ex.: Com uma toalha no pescoço e um copo na mão, chamou‑me para o banho. • Dada a sua grande força generalizadora, precedendo um nome no singular, traduz toda a espécie Ex.: Um homem é um homem; um gato é um gato. • A presença do indefinido permite entonação especial intensificadora 61 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa Ex.: É uma beleza de mulher!; Uma delícia de prato! • Precedido da preposição de, intensificando uma qualidade ou um defeito Ex.: Era de uma beleza que chegava ao imponderável. • Junto a numerais, traduz ideia aproximativa Ex.: Pesava ele na ocasião uns cem quilos de corpo e umas tantas toneladas de coração. • Indica membro de uma família de certa notoriedade Ex.: Ela é uma Carneiro Ribeiro.; Ele é um Bragança. • Traduz aspectos novos, diferentes, imprevistos, quase desconhecidos, de uma pessoa ou coisa. Ex.: Desde que voltou da Europa, você é uma Alzira diferente, uma jovem meio desnacionalizada, talvez contrariada por voltar a ser uma Alzira de todo dia” (BARROS, 1985, p. 229;233‑4 apud DIAS, 1994). A carne é fraca (o artigo determina ou generaliza a carne?). Dê‑me uma folha de papel (“uma” = artigo ou numeral?). Aquele um não é meu irmão (“um” generaliza ou particulariza?). Critério morfológico Critério sintático Critério semântico Assume flexões de gênero e número; recusa os sufixos aumentativo e diminutivo (característicos do substantivo) e os sufixos superlativos (característicos do adjetivo). Não é umazinha como você que vai me intimidar (o artigo assumiu derivação de diminutivo, própria de substantivos) Formas o, a, os, as, um, uma, uns, umas que imediata ou mediatamente precedem o substantivo, e com ele formam sintagma: • Imediatamente: o professor, os professores, um herói • Mediatamente: o bom filho, uma boa irmã Este professor; meus professores; dois bons filhos; todo bom filho (demonstrativos, possessivos e numerais cumprem o mesmo papel sintático dos artigos)“Palavra acessória que particulariza ou generaliza o substantivo, conforme se trate do artigo definido ou indefinido” Meu livro (o pronome possessivo particulariza) Qualquer homem (o pronome indefinido generaliza) Quadro 11 – Pronome Definições de gramáticos tradicionais A) Celso Cunha “1) Os pronomes desempenham na frase funções equivalentes às exercidas pelos elementos nominais. Servem pois: a) para representar um substantivo: ‘Invejava os homens e copiava‑os’ b) para acompanhar um substantivo, determinando‑lhe a extensão do significado: ‘Vi terras da minha terra./Por outras terras andei./Mas o que ficou marcado/No meu olhar fatigado,/Foram terras que inventei.’ No primeiro caso desempenham a função de um substantivo e, por isso, recebem o nome de pronomes substantivos, no segundo chamam‑se pronomes adjetivos, porque modificam o substantivo, que acompanham, como se fossem adjetivos. 62 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II 2) Facilmente, aliás, se distinguem na prática essas duas classes de pronomes, porque os pronomes substantivos aparecem isolados na frase, ao passo que os pronomes adjetivos se empregam sempre junto de um substantivo, com o qual concordam em gênero e número. Por exemplo, na frase: ‘Aquele é o corpo de meu filho.’ aquele é pronome substantivo, e meu, pronome adjetivo.” (CUNHA, 1972, p. 276 apud DIAS, 1994). B) Cegalla “Pronomes são palavras que representam os nomes dos seres ou os determinam, indicando a pessoa do discurso.” (CEGALLA, 1974, p. 150 apud DIAS, 1994). C) Enéas M. de Barros “O nome o define: substituto do nome: uma unidade linguística que, em determinado ponto da cadeia, representa ou substitui a unidade correspondente. Pode substituir: • Um substantivo: Ela (Fernanda) é irmã de Eduardo; • Um adjetivo: Dizem que o Eduardo é inteligente, e eu o sei; • Um enunciado: Eduardo quebrou o vidro, mas eu sei que isto não foi ele...; • Uma situação global: Isto é pura imaginação de vocês. A NGB distingue dois tipos de pronomes: • Pronome substantivo (classe principal) • Pronome adjetivo (classe adjunta) Mas há, ainda, uma terceira classe para acrescentar a essa divisão. É a do pronome relativo que constitui a classe de relação. O pronome substantivo representa, de fato, o nome; o pronome adjetivo acompanha, como determinante, o substantivo. O pronome relativo, ao mesmo tempo que representa o nome, indica‑lhe a função em que se acha na frase, de acordo com o relacionamento que nesta passe a assumir. Assim: Meu dever é este que estou enfrentando (‘Meu’ = pron. adjetivo; ‘este’ = pron. substantivo; ‘que’ = pron. relativo)” (BARROS, 1985, p. 161 apud DIAS, 1994). Classificações a) Pronomes pessoais Substituem os nomes e representam as pessoas do discurso 1) Caso reto (função de sujeito) — Eu, tu, ele, nós, vós, eles 2) Caso oblíquo (função de objeto ou complemento) Me, mim, comigo, te, ti, contigo, o, a, os, as, lhe, lhes, se, si, consigo, nos, conosco, vos, convosco Ex.: Eu te convido; Nós o ajudamos b) Pronomes de tratamento “Usado no trato cortês e cerimonial com as pessoas” (Cegalla). Você, o senhor, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Santidade, Vossa Alteza c) Pronomes possessivos Referem‑se às pessoas do discurso, atribuindo‑lhes a posse de alguma coisa. Meu, minha, meus, minhas, teu, seu (1ª pessoa do singular), nosso, vosso, seu (3ª pessoa do plural) 63 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa d) Pronomes demonstrativos São os que indicam o lugar, a posição ou a identidade dos seres, relativamente às pessoas do discurso. Este, estes, esse, aquele, mesmo, próprio, tal, semelhante, isto, aquilo, o, a, os, as Ex.: Estes rapazes são os mesmos que vieram ontem. Os próprios sábios podem enganar‑se. Há três casas: a do meio é nossa (ambíguo). e) Pronomes indefinidos Referem‑se à terceira pessoa do discurso, designando‑a de modo vago, impreciso, indeterminado. 1) Substituem o substantivo Algo, alguém, fulano, sicrano, beltrano, nada, ninguém, quem, tudo. Ex.: Algo o incomoda? Acreditam em tudo o que fulano diz ou sicrano escreve. Quem avisa amigo é. 2) Acompanham o substantivo Cada, certo, certas, alguns, demais, mais, menos, muitos, nenhum, outro, pouco, que, qualquer, quanto, tantos, todos, uns, vários. Ex.: Menos palavras e mais ações. Que loucura você cometeu! Uns partem, outros ficam. Fiquei bastante tempo à sua espera. 3) Locuções pronominais indefinidas Cada qual, cada um, qualquer um, seja quem for, todo aquele que, um ou outro etc. f) Pronomes interrogativos Aparecem em frases interrogativas. Ex.: Que há?; Que dia é hoje?; Quem foi?; Reagir contra quê? g) Pronomes relativos Representam nomes já referidos, com os quais estão relacionados. Daí denominarem‑se relativos. O qual, os quais, cujo, quantos, quem, que, onde Ex.: Armando comprou a casa que lhe convinha. O lugar onde paramos era deserto. Leve tantos ingressos quantos quiser. 64 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II Critério morfológico Critério sintático Critério semântico A) O pronome rejeita 1. sufixos aumentativos (‑ão, ‑zão) e diminutivos (‑inho, ‑zinho) 2. sufixos superlativos (‑íssimo, ‑érrimo, ‑limo) e o sufixo adverbial (‑mente) Obs.: tudinho não significa “pequeno tudo”; nadinha não significa “pequeno nada”; mesmíssimo não significa “muito mesmo” Muitíssimo, pouquíssimo B) O pronome admite oposição de pessoas gramaticais: 1. eu versus tu; meu versus teu; este versus esse. 2. eu e tu versus ele; meu e teu versus seu; este e esse versus aquele. 3. eu, tu, ele versus alguém; meu, teu, seu versus alheio; este, esse, aquele versus outro e qualquer. Próprio, certo, uns, tal C) As formas pronominais não se distinguem por meio de flexão: fazem o plural não pelo acréscimo de sufixo, mas pela heteronímia: O plural de eu não é “eus”, mas nós; o de tu não é “tus”, mas vós. Você – vocês, ele – eles, meu – meus, aquele – aqueles, próprio – próprios A) Pronomes substantivos Não se articulam com o substantivo: eu, isto, nada, tudo, algo, alguém, ninguém, quem etc. B) Pronomes adjetivos Articulam‑se com o substantivo, à semelhança do adjetivo: Meu (pai), este (caderno), outro (livro), cuja (voz), algum (dia), certo (homem) etc. Mero professor, suposto ladrão (“mero” e “suposto” = adjetivos – desempenham o mesmo papel) A) Pronomes definidos: denotam a ideia de pessoa, posse, referência de maneira precisa. Os pessoais, os possessivos, os demonstrativos, os relativos B) Pronomes indefinidos: denotam a ideia de referência de maneira vaga. Os indefinidos Pronomes interrogativos Quadro 12 – Numeral Definições de gramáticos tradicionais A) Celso Cunha “Quando queremos indicar uma quantidade exata de pessoas ou coisas, ou assinalar o lugar que elas ocupam numa série, empregamos uma classe especial de palavras – os numerais” (CUNHA, 1972, p. 357 apud DIAS, 1994). B) Cegalla “Numeral é a palavra que exprime número” (CEGALLA, 1974, p. 471 apud DIAS, 1994). 65 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa Classificações a) Cardinais Os números básicos: um, dois, cem... b) Ordinais Indicam a ordem de sucessão que os seres e os objetos ocupam em determinada série: primeiro, segundo, décimo... c) Multiplicativos Indicam o aumento proporcional da quantidade, a sua multiplicação: dobro, triplo... d) Fracionários Exprimem a diminuição proporcional da quantidade, a sua divisão: meio, terço, quinze avos... (CUNHA, 1972, p. 358 apud DIAS, 1994): Numerais coletivos: dezena, década, dúzia... Comportam‑se como substantivos: milhão, bilhão. Ex.: três milhões. Critério morfológico Critério sintático Critério semântico Palavra supletiva cujo singularseja um ou uma. Rejeita o aumentativo, o diminutivo, o superlativo e o sufixo adverbial ‑mente. Não me deram chance, umazinha sequer Obs.: milhões, dezenas etc. não são numerais (possuem singular: milhão, dezena); já os numerais ordinais e os multiplicativos flexionam‑se no plural e aceitam sufixo em ‑mente Combina‑se imediatamente com o substantivo; não se deixa preceder por tão ou bem. Dois cadernos, duas colegas Tinha bem quatro carros capotados na estrada Expressa quantidade exata de pessoas ou coisas, ou ainda assinala o lugar que elas ocupam numa série. Emiti duas ordens hoje (“ordens” não é pessoa, nem coisa) Quadro 13 – Interjeição Definições de gramáticos tradicionais A) Celso Cunha “Interjeição é uma espécie de grito com que traduzimos de modo vivo nossas emoções. [...] O valor de cada forma interjectiva depende fundamentalmente do contexto e da entonação” (CUNHA, 1972, p. 547 apud DIAS, 1994). B) Cegalla “Interjeição é uma palavra ou locução que exprime um estado emotivo.” Ex.: “Caramba! Isto é que se chama talento.” “Puxa vida! Outra vez! – exclamou Gumercindo.” (CEGALLA, 1974, p. 253 apud DIAS, 1994). Classificações a) Alegria: oh!, ah!, viva! b) Dor: ai!, ah!, ai de mim! c) Espanto: oh!, puxa! d) Advertência: cuidado!, atenção!, calma! e) Aprovação: muito bem!, bravo! f) Silêncio: psiu!, silêncio! Locução interjetiva Grupo de palavras com valor de interjeição: Quem me dera!; Valha‑me Deus! 66 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II Critério morfológico Critério sintático Critério semântico A) Exibe formas estranhas à estrutura do idioma: ah, há, ih, hi, psit, hum‑hum B) Presença de entonação Deus queira que você volte Alô (atendendo o telefone) Palavra isolada, sem relação com as outras palavras, é sintaticamente solta, não forma sintagma com outra. Ai! O lobo matou o cordeiro Classe gramatical que geralmente forma sentido completo por si (palavra— frase) Quadro 14 – Preposição Definições de gramáticos tradicionais A) Celso Cunha “Chamam‑se de preposições os vocábulos gramaticais invariáveis que relacionam dois termos de uma oração, de tal modo que o sentido do primeiro (antecedente) é explicado ou completado pelo sentido do segundo (consequente). Assim: Antecedente Preposição Consequente Foi a Roma Compareceu à hora prevista Fugiu de casa Vibrou de alegria Mora com a família Combinou com você Fonte: Cunha (1972, p. 511 apud DIAS, 1994). B) Cegalla “A preposição vincula um termo dependente a um termo principal ou subordinante, estabelecendo entre ambos relações de posse, modo, lugar, causa, fim etc. A motocicleta de Cláudio era nova. Trabalhemos com alegria. Isabel mora em Niterói. Nos exemplos anteriores, as preposições ‘de’, ‘com’ e ‘em’ estabelecem relações de posse, modo, e lugar, respectivamente” (CEGALLA, 1974, p. 229 apud DIAS, 1994). Comprei este livro por 20 reais (relação de preço?) 67 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa Classificações a) Essenciais: palavras que sempre foram preposição. São elas: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por, sem, sob, sobre Exemplos com a preposição de (ANDRÉ, 1990): Casa de Pedro (posse), ponta da mesa (parte), parafuso da fechadura (pertença), piano de cauda (classificação), caixa de joia (finalidade), acontecimentos do Vietnã (lugar), espera de um mês (tempo), copo de vidro (matéria), copo de pinga (conteúdo), caneta de cem reais (preço) etc. Exemplos com outras preposições: Ir à cidade; dormir até dez horas por noite; lutar com as paixões; lutar contra as injustiças; viver em paz; ir para o norte; comunicar‑se por gestos; falar sobre leis. b) Acidentais: palavras de outras classes gramaticais (principalmente advérbios) que acidentalmente funcionam como preposições. São elas: conforme, segundo, durante, mediante, visto, como, etc. Ex.: vestir conforme a moda; ter como prêmio um abraço; comportar‑se segundo as etiquetas sociais; dormir durante a viagem; ser solto mediante fiança. Locuções prepositivas Formadas de advérbio + preposição Abaixo de, cerca de, acima de, a fim de, em cima de, através de, a respeito de, em favor de, junto a, para com, de acordo com, por meio de, em vez de, diante de, ao longo de etc. Critério morfológico Critério sintático Critério semântico A) Pertencerá à subclasse das preposições essenciais toda palavra que ocupar a posição da lacuna em um dos três esquemas seguintes: ___ mim ___ ti ___ si Ex.: a mim, a ti, a si; de mim, de ti, de si; sem mim, sem ti, sem si. B) Pertencem à subclasse de preposições acidentais as palavras invariáveis que podem ocupar a posição da lacuna no seguinte esquema: Aqui tudo muda ___ o inverno. Ex.: Aqui tudo muda durante/fora/salvo/menos/conforme/segundo o inverno. Para os casos de nem, até, mesmo, só, vale o seguinte esquema: ___ o inverno falhou. Ex.: Nem/até/mesmo/só o inverno falhou. Obs.: os critérios mórfico e semântico não têm validade como critérios classificatórios, no caso da preposição 68 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II Quadro 15 – Conjunção Definições de gramáticos tradicionais A) Celso Cunha “Os vocábulos gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração chamam‑se conjunções” (CUNHA, 1972, p. 533 apud DIAS, 1994). B) Hildebrando André “Conjunção é a palavra invariável que liga duas orações entre si, ou que, dentro da mesma oração, liga dois termos entre si independentes. Exemplos: Ligando orações ‘Vestia uma cueca preta e calçava enormes tamancos.’ ‘Sua Majestade entende que este dia já foi bastante desgraçado.’ Ligando termos ‘Pedro e Paulo viajaram.’ ‘Quero que você compre um romance ou um livro de versos.’” (ANDRÉ, 1990, p. 230 apud DIAS, 1994). Classificações a) Conjunções coordenativas “São as que ligam duas orações ou dois termos (dentro da mesma oração), sendo que ambos os elementos ligados permanecem entre si independentes” (ANDRÉ, 1990, p. 232 apud DIAS, 1994). • Principais conjunções coordenativas E, nem, não só... mas também (aditivas), mas, porém, contudo, entretanto, todavia (adversativas), ou, ou...ou, ora...ora, quer... quer (alternativas), logo, portanto, por consequência (conclusivas), pois, porque, que (explicativas) Exemplos: “O médico não veio nem me telefonou.” “Não só estudamos as lições, mas também fizemos as tarefas.” “Estudava muito, porém não tinha método.” “Decida‑se: ou fuja, ou enfrente as consequências.” “Penso, logo existo.” “Choveu durante a noite, pois as ruas estão molhadas.” b) Conjunções subordinativas “Ligam duas orações, subordinando uma à outra” (CEGALLA, 1974, p. 500 apud DIAS, 1994). • Principais conjunções subordinativas Que, se (integrantes) porque, que, pois, como, porquanto, visto que, já que, desde que, (causais) como, assim como, (tão ou tanto) como, (mais) do que, (tanto) quanto (comparativas) embora, conquanto, que, ainda que, mesmo que, dado que (concessivas), se, caso, desde que, salvo se, a não ser que, a menos que, dado que (condicionais), como, conforme, segundo (conformativas), tal que, de sorte que, de forma que, sem que (consecutivas), para que, a fim de que (finais), à proporção que, à medida que, ao passo que, quanto mais... mais (proporcionais), quando, enquanto, logo que, sempre que, antes que, até que, agora que (temporais) 69 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa Exemplos: “Sabemos que a vida é breve.” “Já que é impossível, não insistirei.” “Ele era arrastado como uma folha pelo vento.” “Ela vestia‑se bem, embora não fosse rica.” “Ficaremos sentidos se você não vier.” “Comprarei o quadro, desde que não seja caro.” “As coisas não sãocomo dizem.” “Minha mão tremia tanto que mal podia escrever.” “Afastou‑se depressa para que não o víssemos.” “À medida que se vive mais se aprende.” “Venha quando você quiser.” Critério morfológico Critério sintático Critério semântico A) Conjunção subordinativa: introduz oração inversível – Eu vi por trás o cadafalso (primeira posição), quando me ofereceram o trono (segunda posição). – Quando me ofereceram o trono (primeira posição), eu vi por trás o cadafalso (segunda posição). Exceções: consecutivas e comparativas. B) Conjunção coordenativa: não aceita a inversão – Sofro, mas espero. – * Mas espero, sofro. C) Tanto a conjunção coordenativa quanto a subordinativa ocupam a posição da lacuna no esquema seguinte Verbo finito ___ Verbo finito. Exemplos: Penso, logo existo. Choro porque sofro. Espero e confio. Seguirei quando puder. Voltarei, embora lamente. Obs.: os critérios mórfico e semântico não têm validade como critérios classificatórios, no caso da preposição Considerando que todas as classes de palavras, definidas pela GT, apresentam desvios e maus funcionamentos em relação aos diferentes critérios de classificação, é importante notar que há algo de muito inadequado e que precisa ser mais bem‑investigado e aprofundado nas descrições gramaticas e, por tabela, no ensino de gramática. Vejamos, a seguir, algumas considerações de Perini (2005) a respeito dessa discussão. Em seu livro Sofrendo a Gramática, Perini (2005) reflete a respeito de uma suspeita “repugnância” pela disciplina Gramática. Ele provoca: “ninguém quer ser gramático!”. Se se pergunta a um jovem ou adolescente o que quer ser quando crescer, salvo situações muitíssimo excepcionais, é mesmo improvável que se ache algum que declare querer ser um gramático. Esta disciplina é mesmo motivo de horror para muitos jovens, ou, pelo menos, de muita insegurança: se se pergunta a alguém “Você sabe gramática?”, 70 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II dificilmente alguém vai declarar com segurança que sim. Isso só pode demonstrar que há algo de podre no reino da gramática, sugere Perini (2005). Essa matéria não tem por que ser mais difícil do que as outras. Assim, o autor aponta três sintomas de que há algo de errado que precisa ser investigado no estudo/ensino de gramática: 1) Polêmica (que persiste entre pais, professores, teóricos): “A gramática não serve para nada” X “Sem gramática não é possível aprender português”. Não deve ser nem uma coisa nem outra. Mas há algo de muito errado com esse tipo de questionamento e afirmação, pois isso não acontece com outras disciplinas. 2) Ninguém escolhe a profissão de ser gramático: tal escolha parece, no mínimo, excêntrica. 3) Os alunos não sabem gramática: estudam nove anos a mesma coisa (classes de palavras e análise sintática) e não sabem... Diferentemente de outras matérias em que há um nível de aprendizado mais gradual e progressivo (PERINI, 2005, 47‑8). Diante desses três sintomas de que há algo errado com o estudo/ensino de gramática, o autor afirma não ter a “cura”, mas ter sugestões para diminuir o “sofrimento”. Ele dá o diagnóstico: o ensino de gramática tem três defeitos (PERINI, 2005, p. 49‑54): • Os objetivos estão malcolocados: de modo geral, a escola garante (e a sociedade reforça) que estudar gramática levará o aluno a ler e escrever bem, e isso não é uma verdade. As habilidades de ler e escrever bem dependem de outras práticas bem diferentes do mero conhecimento técnico‑gramatical‑metalinguístico e da habilidade linguístico‑textual. Não é por ser um(a) doutor(a) em linguística e por acaso dominar bem as regras e metalinguagens gramaticais que isso habilita alguém a escrever sobre o que bem entender... Você poderia escrever um artigo sobre física quântica ou mesmo uma análise sobre desempenho e as vantagens dos novos carros elétricos no Japão? Claro que a sua habilidade linguístico‑textual depende em parte do seu domínio linguístico, mas, antes de tudo, só se escreve/fala bem sobre o que se sabe! Mais do que apenas conhecer regras gramaticais, você precisa ter lido e conhecer muito bem desses assuntos para poder escrever bem sobre eles. • A metodologia é muito inadequada: um professor de história prova uma informação (por exemplo, havia índios aqui séculos atrás) com fatos constatáveis, artefatos arqueológicos, resultado de pesquisas; o professor de gramática impõe informações com regras autoritárias (o certo é assim). Aliás, o autoritarismo parece essencial nas aulas de gramática: quantas vezes não nos deparamos com perguntas incômodas como: “Professor(a), por que não posso iniciar um período com próclise?” ou “Por que máximo se escreve com x e massa com ss?” E a resposta é sempre: “Porque sim, porque o correto é...”. 71 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa • A matéria Gramática precisa de organização lógica: sim, isso é duro de admitir, mas a verdade é que a matéria que se ensina na escola com o nome de Gramática não tem lógica em muitas de suas normatizações (como se pôde observar na descrição das classes gramaticais apresentadas na seção anterior). O autor, para esclarecer rapidamente esta afirmação, dá o exemplo da noção gramatical de sujeito. Ele refere que essa definição aparece ambígua e confusa em algumas gramáticas, oscilando entre “ser que pratica a ação” e “ser sobre o qual se faz uma declaração”. O autor critica que a própria gramática não respeita suas regras. Ele cita uma conhecida gramática dos autores Celso Cunha e Lindley Cintra, mas indica que esse mesmo problema aparece em diversas gramáticas tradicionais. Encontramos [...] a seguinte definição de sujeito: “Sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração” (p.119). Muito bem, isso nos diz com certa clareza o que é um sujeito. Mas a própria gramática não respeita essa definição. Em outras passagens, os autores chamam de “sujeito” outra coisa que não é aquilo que foi definido com esse nome. Assim, na página 125 dizem: “Algumas vezes o verbo não se refere a uma pessoa determinada, ou por se desconhecer quem executa a ação, ou por não haver interesse no seu conhecimento. Dizemos então que o sujeito é indeterminado.” Mas o que tem a ver o sujeito com quem pratica a ação? O sujeito não é o termo sobre o qual se faz uma declaração? Deveríamos ter sujeito indeterminado quando não se sabe, ou não se quer dizer, sobre quem se faz a declaração. Mas aqui o autor simplesmente pulou para outra concepção de sujeito, sem nem sequer avisar: sujeito seria o elemento que pratica a ação. Na página 122, encontramos a frase: Quem disse isso? E o pronome quem vem marcado como sujeito. Mas qual é a declaração que se faz sobre quem? Aliás, essa frase, que é uma pergunta, nem sequer contém uma declaração. Logo, segundo a definição dada, não deveria ter sujeito, pois nela não se faz declaração sobre coisa alguma. Novamente os autores desrespeitam a definição que eles mesmos deram. Vamos à página 126; ali se encontra a frase: Na sala havia três quadros do pintor. Essa frase é dada como sem sujeito. Não há dúvida de que essa frase contém uma declaração; mas será uma declaração sobre nada (já que não há sujeito)? Será possível fazer uma declaração sobre nada? Para mim, pelo menos, essa frase faz uma declaração sobre a sala e também sobre os três quadros... Afinal de contas, o que é realmente o sujeito? Não é possível que 72 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II a definição varie de frase para frase; mas essa é a impressão que se tem (PERINI, 2005, 52‑4). O problema é que as gramáticas escolares não são organizadas de maneira lógica. Mas o que se pode fazer? O autor dá algumas sugestões: • Redefinir os objetivos (parar de prometer o que não se pode cumprir). • Para que estudar gramática, então,se ela não serve para nada? Pelo mesmo motivo que se estudam muitíssimas outras coisas que não têm aplicabilidade direta em nossa vida – o sistema solar, relevo, história geral, arqueologia etc. Simplesmente porque, na condição de cidadãos, temos o direito (e o dever) de saber um pouco sobre um monte de coisas da nossa história, do universo, da sociedade, da geografia, das ciências de modo geral. • O professor de gramática terá de parar com a pretensão de determinar como a língua deve ser. Terá de dizer como a língua é, como funciona, e não como deveria ser. Sobre isso o autor dá o exemplo da pronúncia coloquial da palavra chimpanzé, que muitos pronunciam chipanzé. • É preciso melhores gramáticas. As definições devem ser claras e compreensíveis, aplicáveis: “Se digo que uma vaca é um animal de quatro patas, não tenho o direito de afirmar que Mimosa é uma vaca porque tem manchas no lombo” (PERINI, 2005, p. 56). 2.2.1 Três problemas básicos, segundo Perini (2002) No capítulo “Três Problemas Básicos”, do livro Para uma Nova Gramática do Português, Perini (2002) reflete acerca de três problemas, que, como o título já sugere, estão na base dos desencontros da gramática tradicional: • relação entre o aspecto semântico e o formal; • noção de paradigma gramatical; • distinção entre classes e funções. 2.2.1.1 O formal e o semântico Perini (2002) retoma a crítica aos critérios de classificação da GT. Ele evidencia a fragilidade (ainda que reconheça sua importância) do critério semântico, argumentando que idealmente uma boa gramática deveria descrever as formas da língua e explicitar o relacionamento dessas formas com o significado que elas veiculam. Mas isso nem sempre acontece, como foi visto nas seções anteriores, em que as descrições não raras vezes se distanciam do significado proposto para a classe a que pertencem. “As relações entre a forma e o conteúdo são extremamente complexas, e em grande parte permanecem obscuras ainda hoje para os linguistas” (PERINI, 2002, p. 22). 73 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa O autor enfatiza a importância da análise linguística considerando forma‑conteúdo, mas sem perder de vista a responsabilidade que a correspondência entre estas descrições provoca, funcionando como efeito generalizador. A GT dá essa relação como simples: “para cada forma sintática ou morfológica o significado básico e só um [...] uma questão de justaposição: a forma X tem o significado Y” (PERINI, 2002, p. 22). Porém não é bem isso o que ocorre sempre com essa correspondência. Ele dá exemplos de não identidade entre a descrição formal e a semântica de algumas formas. De acordo com uma gramática tradicional, “Verbo é [...] a palavra que exprime um fato (ação, estado ou fenômeno) representado no tempo [...] O verbo apresenta as variações de número, de pessoa, de modo, de tempo e de voz” (CUNHA, 1975, p. 253 apud PERINI, 2002, p. 23). Veja‑se que na definição de verbo aparecem as duas noções: semântica (expressão de fato representado no tempo) e formal (apresenta variações de número, pessoa, modo etc.). Entretanto, o autor evidencia que é fácil encontrar palavras que correspondam a uma das definições e não à outra. Por exemplo, em “A chuva de ontem lavou a minha rua”, embora chuva represente um fenômeno e ontem represente o tempo passado, assim como luta representa uma ação, não podemos afirmar que essas palavras sejam verbos, mesmo que elas correspondam parcialmente ao que indica a definição dessa classe. Podemos constatar que a palavra chuva corresponde a um fenômeno natural que está representado no tempo passado (ontem), mas não podemos classificá‑la como verbo, mesmo que ela esteja atendendo ao funcionamento de uma das definições (a semântica), porque chuva e ontem não se flexionam pelo conjunto de variações formais típico dos verbos. Choveu é um verbo, pois refere o significado semântico de fenômeno natural, representado no tempo que está flexionado dentro da própria palavra por meio do conjunto variacional número‑pessoal e modo‑temporal. Outros casos, porém, deixam os estudiosos em maiores dificuldades. Veja‑se o caso de “Gato come rato”. Come é sem dúvida um verbo, refere uma ação representada no tempo pela estrutura morfológica variacional; porém, ao contrário de referir o tempo presente, conforme indica a sua variação, ele indica uma atemporalidade, assim como nos exemplos “A água ferve a cem graus” e “O homem é mortal” o que se tem é uma informação atemporal, ou seja, não implica uma ação realizada no passado, no presente e/ou no futuro, mas é atemporal. Isso não está contido na definição semântico‑formal da classe dos verbos. “O tempo gramatical não é simplesmente uma representação formal do tempo cronológico” (PERINI, 2002, p. 25). A mesma designação para ambos não nos deve enganar quanto às suas naturezas distintas. Algo semelhante acontece com o exemplo: “Pode deixar que eu frito os bolinhos” – em que uma ação é referida morfologicamente no presente, mas na verdade indica uma ação a ser realizada no futuro; ou ainda na célebre frase: “Nesse momento, D. Pedro tira a espada e grita: Independência ou Morte!” – em que a ação é referida no presente, mas indica uma ação realizada no passado (PERINI, 2002, p. 25). São exemplos da complexidade na relação forma‑conteúdo. Assim, o autor destaca que, embora a definição semântica seja muito importante para a explicitação da classe dos verbos, a definição morfológica é mais fácil de elaborar e de testar, portanto é possível definir formalmente a classe: verbo “é a palavra que pertence a um paradigma cujos membros se opõem quanto a número, pessoa e tempo” (PERINI, 2002, p. 25). Conforme o autor, tal critério permite que se identifique claramente correu como um verbo e corrida como um não verbo. Correu pertence ao 74 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II mesmo paradigma formal de corremos, correrei, corro (verbo); já corrida pertence a outro paradigma formal que também abrange corridas, corridinha (substantivo). 2.2.1.2 A noção de paradigma gramatical Sobre o conceito de palavra, Perini (2002) destaca que a GT fala em várias formas da mesma palavra (singular/ plural; masculino/feminino). Isso significa que correr, corrida, corridinha, corridas são várias formas da mesma palavra. O autor, porém, discorda dessa afirmação: na opinião de Perini (2002, p. 27, destaque nosso), “Homem e homens são duas palavras distintas, ainda que membros de um mesmo paradigma, e não duas formas da mesma palavra”. O conjunto flexional de uma palavra é já um traço para constituir um paradigma (verbo/adjetivo). Mas essa caracterização tem seus problemas. “Uma classificação puramente morfológica é, estritamente falando, impossível” (Idem, p. 28). Nesse sentido, uma classificação sintática é fundamental, sustenta Perini (2002). Vejam‑se os exemplos, citados pelo autor, de diferentes palavras, com seus paradigmas variacionais diversos (PERINI, 2002, p. 28): • adjetivos: branco, branca, branquíssimo; • não adjetivos: brancura, branqueamos. Uma classificação morfológica não dá conta de diferenciar essas palavras sem cair em circularidade, e uma classificação semântica produz confusões entre palavras de uma classe e de outra. Perini (2002) retoma o exemplo “os topázios brilham muito”, questionando o critério morfológico/semântico de classificação. Ele argumenta que brilham funciona morfologicamente como um verbo (pelas variações flexionais que assume brilhou, brilharam), mas semanticamente também poderia ser definido como um adjetivo – brilhar é uma característica/qualidade dos topázios, e não ação, estado ou fenômeno da natureza. Mesmo assim, a descrição morfológica das palavras é muito importante, e o autor tenta chegar a uma definição morfológica que seja clara e que abranja essa classe de forma menos confusa. Ele iniciaapontando que “todos os membros de um paradigma devem ter pelo menos um morfema em comum” (p. 29). Tal concepção deixa claro por que casa e sempre pertencem a paradigmas diferentes. Contudo, o autor reflete que, apesar de necessária, esta condição não é suficiente. Ela difere bem os diferentes paradigmas de casa e sempre, mas não esclarece o porquê de correm (verbo) e corrida (substantivo) pertencerem a paradigmas diferentes (já que eles têm o mesmo morfema lexical em comum), ou ainda se falei e comprei seriam variações da mesma palavra por terem em comum o mesmo morfema gramatical ‑ei. É preciso refinar a definição. O autor reflete sobre outra possibilidade de definição morfológica: “todos os membros de um paradigma devem pertencer à mesma classe de palavras” (Idem, p. 29). Tal definição ajuda a separar correm de corrida, mas há o perigo da circularidade nas definições de classes e paradigmas. “Será necessário definir as classes em termos não morfológicos” (Idem, p. 29), ou seja, sintaticamente. As classes de palavras [...] serão definidas [melhor] segundo critérios sintáticos: pertencem a uma mesma classe as palavras que ocorrem no mesmo conjunto característico de ambientes sintáticos. Por exemplo, 75 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa branco, branca e branquíssima pertencem à mesma classe por ocorrerem nos mesmos ambientes sintáticos. Um desses ambientes pode ser expresso assim: ocorrência logo após uma sequência de artigo + substantivo, formando (os três) um sintagma nominal: (17) comprei um cachorro branco/a galinha branca/uma camisa branquíssima (PERINI, 2002, p. 29). Já brancura/branqueiam não partilham o mesmo ambiente sintático que branco/branca/branquíssima, conforme ilustra o autor. O que se pode verificar é que “a condição de que os membros de um paradigma pertençam à mesma classe de palavras ainda nos poderá trazer problemas” (PERINI, 2002, p. 30). Até aqui as definições morfológicas não impediram falei/comprei de estarem no mesmo paradigma por trazerem o mesmo morfema gramatical ‑ei em comum. A tradição da GT não autoriza que falei e comprei sejam formas da mesma palavra. Portanto, ainda falta algo na definição. Nesse sentido, Perini (2002, p. 31) dá mais um passo na definição de paradigma morfológico: “Paradigma é um conjunto de palavras que pertencem à mesma classe e que diferem apenas quanto a morfemas flexionais”. Com essa definição é possível separar as palavras com morfemas lexicais e derivacionais em comum daquelas que possuem apenas morfemas flexionais comuns, como falei e comprei, que agora podem ficar mais nitidamente separadas no paradigma dos verbos. Porém, conforme Perini (2002), o problema dessa definição anterior é que até hoje nos estudos linguísticos não se tem uma definição totalmente clara acerca da diferença entre morfemas derivacionais e morfemas flexionais. Tal distinção às vezes pode ser fugidia. Em princípio, a regularidade é própria dos morfemas flexionais (todos os verbos se flexionam com os mesmos morfemas flexionais número‑pessoais e modo‑temporais ‑r, ‑ei, ‑ríamos, ‑ria etc.) e se opõe a uma não regularidade dos morfemas derivacionais (é possível opor fazer a desfazer, atar a desatar, montar a desmontar, mas essa regra não se aplica a todos os verbos – não existe desacender, desfalar, descomprar etc.). Isso oporia (pela falta de regularidade) os morfemas derivacionais aos morfemas flexionais nos verbos. Entretanto, há casos de irregularidades também nos morfemas flexionais: os verbos anômalos (ser – sou, fui e ir – vou, fui) e os defectivos (chover, falir, abolir – que não podem ser flexionados em todas as pessoas). Isso acaba fragilizando a generalização da diferença entre os morfemas flexionais (regulares) e os morfemas derivacionais (irregulares). Ainda assim, por se tratarem de “irregularidades” excepcionais nos morfemas flexionais, o autor mantém essa condição como um fator importante na definição de paradigma (trazerem os mesmos morfemas flexionais). Assim, ficam definidas quatro possibilidades de relação entre as palavras, segundo Perini (2002, p. 32‑3): • mesma classe, com identidade de morfemas não flexionais (ex.: branco/branca – adjetivos); • classes diferentes, com diferença de morfemas não flexionais (ex.: branco/brancura – adjetivo, substantivo); • mesma classe, com diferença de morfemas não flexionais (fazer/desfazer – verbos); • classes diferentes, com identidade de morfemas não flexionais (corrida/corro/correr – substantivos, verbos). 76 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II Importante! A GT coloca no mesmo paradigma corro e correr e as considera como formas da mesma palavra, porém estas palavras são idênticas quanto aos morfemas não flexionais, mas pertencem a classes distintas. Corro é verbo, mas correr é infinitivo, ou seja, é uma forma nominal do verbo, corresponde a um nome, assim como correndo (gerúndio) e corrido (particípio passado), que também são formas nominais: não são flectíveis no paradigma número‑pessoal‑modo‑temporal dos verbos. Conforme vários estudiosos, essas formas nominais, especialmente o infinitivo, não funcionam sintaticamente na classe dos verbos. Seu comportamento é predominantemente nominal. Considerando essa reflexão, temos que corro e correr possuem identidade de morfemas não flexionais, mas pertencem a classes diferentes – verbo e nome. Contudo, tal reflexão não está prevista nas concepções da GT que consideram corro e correr como variações da mesma palavra na mesma classe. (PERINI, 2002, p. 34). A nomenclatura tradicional não costuma tratar de paradigmas, mas de palavras e de formas da mesma palavra: corro, correr, corríamos. Perini (2002), pela discussão exposta, prefere referir‑se a corro e correr como palavras distintas, pois estas palavras pertencem a classes distintas e, principalmente, exercem comportamentos sintáticos distintos. Por fim, o autor argumenta que o problema é da definição de paradigma e que ela é morfológica, e não sintática. Qual é a utilidade da noção de paradigma na descrição gramatical? Ela permite a formulação de definições morfológicas, como a de verbo, permite uma apresentação compacta das palavras flexionalmente relacionadas, o que é uma vantagem, e tem sua importância quanto à descrição semântica da língua, mas não define/descreve bem, nem distingue os papéis sintáticos, pois uma mesma palavra pode ter diferentes comportamentos sintáticos e consequentemente pode pertencer a diferentes classes de palavras. 2.2.1.3 Classes e funções Quanto à relação entre classes e funções, o autor esclarece que a GT se utiliza de algumas noções que nunca são devidamente explicitadas e, em decorrência disso, acaba abrigando incoerências nessas noções. Embora as noções de classe e função sejam próprias da nomenclatura da GT, não há uma distinção satisfatória dessas noções, que poderiam ser mais bem‑aproveitadas. A noção de “classe” encontra‑se reconhecida, ainda que não bem‑definida, nas gramáticas, mas seu uso é pouco sistemático. Admite‑se sempre a necessidade de classificar as palavras, e a doutrina fornece nomes para essas classes (“verbos”, “advérbios”, “pronomes” etc.). Além dessas classes, existem outras que não são explicitamente reconhecidas como tais, mas que também recebem nomes: termos como “oração”, “frase”, “oração subordinada” se referem a classes de formas, ou a suas subclasses. E, como quaisquer outras classes, podem ser definidas pela sua distribuição sintática, sua estrutura interna, ou (com as limitações que conhecemos) suas propriedades semânticas. No entanto, nem todas as classes são explicitadas (PERINI, 2002, p. 36). Perini (2002) aponta como exemplo uma classe importante que em geral não é reconhecida pela GT: a dos sintagmas nominais. Vejam‑se as formas que o autor ilustra: 77 Re vi sã o: Ju lia na - Dia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa Carminha a Carminha aquela moça do terceiro andar uma funcionária da Universidade que eu conhecia (PERINI, 2002, p. 37). É claro que estas formas são estruturalmente bem diferentes, mas elas possuem importantes papéis sintáticos comuns. Todas elas podem ocupar a posição sintática de sujeito, objeto direto, ser precedidas por preposição, podem atuar como adjunto adnominal ou objeto indireto. Em contrapartida, “nenhuma dessas formas pode ser o núcleo de um predicado verbal, nem aparecer coordenada com a conjunção e mais um adjetivo” (PERINI, 2002, p. 37). Em outras palavras, estas quatro formas têm um comportamento sintático semelhante. Se a função das classes de palavras é justamente descrever de forma compacta e generalizada o comportamento sintático das formas, as quatro formas citadas (dentre tantas outras possíveis) deveriam ser colocadas em uma mesma classe, a de sintagma nominal. Mas isso a GT não faz. A inexistência desse termo na GT a obriga a descrever “o comportamento sintático dessa classe de maneira desnecessariamente complicada e sem unidade, em outras palavras, de maneira não sistemática” (Idem, p. 37). Perini (2002) exemplifica que o gramático tradicional Celso Cunha (1975) lista ao menos quinze possibilidades principais, dentre outras, do que pode ser o núcleo da categoria de sujeito (um pronome pessoal, um substantivo, um pronome interrogativo etc.), quando poderia sintetizar essa descrição dizendo que o núcleo do sujeito sempre vai ser um sintagma nominal. Essa maneira pouco compacta de descrever os fatos linguísticos tem dois problemas: • deixa de descrever a estrutura formal do sujeito, mostrando apenas uma lista dos possíveis núcleos do sujeito; • obriga‑nos a repetir a mesma lista de possibilidades toda vez que precisamos referir o que é o núcleo do objeto direto, objeto indireto e adjunto adnominal (que também são estruturados a partir de um sintagma nominal). Isso poderia ser sanado e descomplicado simplesmente com a noção da classe do sintagma nominal. “O sintagma nominal se compõe de um substantivo, ou de artigo seguido de substantivo, ou de pronome pessoal etc. (a composição do sintagma nominal é bem complexa)” (Idem, p. 38). Porém, uma vez descrita a classe do sintagma nominal, podemos dizer que o sujeito é sempre composto por um sintagma nominal, assim como o objeto direto e o objeto indireto, que se compõe de preposição + sintagma nominal também (excetuando‑se o caso dos pronomes clíticos, como lhe, que precisam ser tratados à parte). Com esse exemplo, o autor quer deixar clara a distinção entre classe e função. Acompanhe: “‘Sujeito’ é uma função, isto é, um dos aspectos da organização formal da oração. Uma função sintática se define através das relações sintagmáticas entre os diversos termos da oração” (Idem, p. 39). A partir da função de sujeito é possível definir uma classe de formas diferentes com a função de sujeito. Considerando que a classe de formas que funcionam como sujeito é igual à classe de formas que podem ser objeto 78 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Unidade II direto, indireto (quando precedidas de preposição), adjunto etc., podemos concluir que a classe não se identifica com a função, pois sujeito, objeto direto e objeto indireto são funções diferentes que podem ser formadas por estruturas da mesma classe. Veja: • Carminha montou o quebra‑cabeça (Carminha pertence à classe de substantivo e tem função de sujeito aqui); • Paulo gosta de Carminha (Carminha pertence à classe de substantivo e tem função de objeto indireto); • José cutucou Carminha (Carminha pertence à classe de substantivo e tem função de objeto direto). As noções de classe e função são distintas e exprimem aspectos bem diferentes do funcionamento da língua: “uma classe é um conjunto (não necessariamente finito) de formas linguísticas; uma função é um princípio organizacional da linguagem” (Idem, p. 40). A partir das reflexões expostas, ficam evidentes as deficiências da nomenclatura gramatical tradicional. Evidencia‑se também a necessidade do esforço entre os diferentes estudos linguísticos para ampliar as descrições da linguagem e melhorar as possibilidades de trabalho com a gramática na pesquisa e na escola. No próximo tópico, serão apresentadas algumas possibilidades de trabalho com a gramática no ambiente escolar, com uma abordagem mais produtiva e frutífera para os alunos em relação ao conhecimento da língua e de seu uso. 2.3 alternativas para o ensino de gramática: uso, reflexão e análise Nessa discussão, pretendemos apresentar algumas sugestões alternativas à GT de diferentes autores, como Travaglia, Possenti, Geraldi e Antunes, em relação ao trabalho com a gramática em sala de aula. Também faremos uma apresentação da proposta de ensino de Língua Portuguesa veiculada oficialmente pelos PCN, sobre os quais teceremos alguns comentários. Em sua obra, Gramática e Interação: Uma Proposta para o Ensino de Gramática, Travaglia reúne contribuições de diversos teóricos da linguagem no sentido de perseguir caminhos para uma melhor compreensão e uma prática mais efetiva e produtiva do ensino de gramática na escola. O autor retoma a consensual opinião de que “o ensino de gramática em nossas escolas tem sido primordialmente prescritivo, apegando‑se a regras de gramática normativa”, exemplificada com o cânone literário clássico, cujas regras são repetidas por décadas e décadas como formas corretas de expressão. (TRAVAGLIA, 2006, p. 101). Não há ênfase em atividades de produção e compreensão de textos, há um excesso na abordagem da metalinguagem gramatical com vistas à classificação das categorias e funções que gasta o tempo da maioria das aulas e impede um avanço no alcance de um domínio linguístico mais desenvolvido, no sentido de que a prática de produção textual não é encorajada, a não ser como pretexto para a abordagem gramatical. O que se vê é ano a ano a repetição dos mesmos tópicos gramaticais: 79 Re vi sã o: Ju lia na - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 4/ 07 /1 5 Ensino dE Gramática na PErsPEctiva Enunciativa classificação de palavras e sua flexão, análise sintática do período simples e composto a que se acrescentam ainda noções de processos de formação de palavras e regras de regência e concordância, bem como regras de acentuação e pontuação. Alguns professores ainda realizam estudos de figuras de linguagem e bem menos frequentemente de versificação. Como bem registra Neder (1992, p. 56), a gramática é dada “para se cumprir um programa previamente estabelecido sem se levar em conta as dificuldades ou não dos alunos no emprego que fazem efetivamente da linguagem” (TRAVALGIA, 2006, p. 102). O autor refere um estudo de Neves (1990 apud TRAVAGLIA, 2006) especificamente a respeito dos objetivos de ensino de gramática nas escolas e sobre o que é ensinado. Em resumo, o estudo aponta que a maioria dos professores entende como objetivo do ensino de gramática o bom desempenho na expressão, comunicação e compreensão no domínio da língua, bem como o conhecimento das regras do padrão culto e maior correção linguística, sucesso profissional e social, e poucos, que as aulas servem apenas para cumprir um programa. Mas o ensino de gramática é denotado como algo desconectado de qualquer utilidade prática, o que traduz um pensamento, para alguns, de que o ensino de gramática seja desnecessário. Quanto ao que é ensinado na escola, Neves (1990, p. 12‑4 apud TRAVAGLIA, 2006, p. 103) descreve os tópicos do programa de Língua Portuguesa trabalhados com mais frequência nas escolas: 1. Classes de palavras .................................................................. 39,71% 2. Sintaxe ..........................................................................................35,85% 3. Morfologia ..................................................................................10,93%