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UniSALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Psicologia Fernanda Silva Sant’ana Letícia Cavina Bispo A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE ENTRE GÊNEROS E SUAS INFLUÊNCIAS FAMILIARES: Um estudo da percepção de pais e mães acerca da educação dos filhos LINS – SP 2017 FERNANDA SILVA SANT’ANA LETÍCIA CAVINA BISPO A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE ENTRE GÊNEROS E SUAS INFLUÊNCIAS FAMILIARES: UM ESTUDO DA PERCEPÇÃO DE PAIS E MÃES ACERCA DA EDUCAÇÃO DOS FILHOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, curso de Psicologia sob a orientação da Profª Ma. Liara Rodrigues de Oliveira e orientação técnica da Profª Ma. Jovira Maria Sarraceni. LINS – SP 2017 Sant’ana, Fernanda Silva; Bispo, Letícia Cavina A Construção social da desigualdade entre gêneros: um estudo da percepção de pais e mães acerca da educação dos filhos / Fernanda Silva Sant’ana; Letícia Cavina Bispo – – Lins, 2017. 81p. il. 31cm. Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Psicologia, 2017. Orientadores: Jovira Maria Sarraceni; Liara Rodrigues de Oliveira 1. Gênero. 2. Sexualidade. 3. Infância. 4. Sócio-Histórica. 5. Esteriótipos sexuais. I Título. CDU 159.9 S223c FERNANDA SILVA SANT’ANA LETÍCIA CAVINA BISPO A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE ENTRE GÊNEROS E SUAS INFLUÊNCIAS FAMILIARES: UM ESTUDO DA PERCEPÇÃO DE PAIS E MÃES ACERCA DA EDUCAÇÃO DOS FILHOS Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Aprovada em: ____/____/____ Banca Examinadora: Profª Orientadora: Liara Rodrigues de Oliveira Titulação: Mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de SP, PUC-SP Assinatura: ____________________________ 2º Prof.(a) ______________________________________________________ Titulação: ______________________________________________________ _______________________________________________________________ Assinatura: ____________________________ 2º Prof.(a) ______________________________________________________ Titulação: ______________________________________________________ _______________________________________________________________ Assinatura: ____________________________ Dedico a todas as mulheres e meninas, que lutam para conquistar seu lugar de direito nessa sociedade que ainda se encontra tão condicionada à naturalização da desigualdade e da violência, a todas que sofrem ou já sofreram por serem mulheres. A todos os homens e meninos, que também sofrem as consequências da imposição da cultura machista, a todos que lutam e caminham na contramão da violência, desconstruindo a desigualdade. Fernanda Silva Sant’ana Dedico a todos os professores do curso, à nossa orientadora Liara e a todos os participantes desta pesquisa que de alguma forma foram tocados a refletir sobre este tema de essencial importância para a nossa sociedade. Letícia Cavina Bispo AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por me conceder a oportunidade de estar na Psicologia, de entrar em contato com essa temática e por propiciar o conhecimento e pesquisa pelo qual pude não só me identificar, mas também vivenciar a temática desse projeto. Aos meus pais, João e Sueli que sempre me apoiaram, incentivaram e investiram para que eu estudasse e construísse não só minha profissão, mas também minha vida, me dando todo o alicerce moral e ético necessário para que eu chegasse até aqui. À Letícia, minha companheira de estudos e amiga de todas as horas, obrigada pela compreensão, pelo encorajamento e por dividir comigo essa realização. À nossa querida orientadora Liara, que nos aceitou, nos acolheu, e nos incentivou a dar continuidade a nossa proposta de pesquisa nos dando todo o suporte, sem o qual este trabalho não seria concretizado. Ao meu querido amigo Nathã, que além de me apoiar e incentivar em todas as situações de minha vida, me auxiliou também no processo de construção deste trabalho. A todos os professores do curso, que estiveram presentes e atuantes em minha formação, propiciando o conhecimento da Psicologia integral e cientifica, nos orientando e conduzindo da melhor forma. Ao professor Maurício (in memoriam) em especial, que nos transmitiu seu amor à Psicologia e mais do que isso nos deu a oportunidade de vivenciá- la em sua integralidade, reconhecendo todos os seres humanos e trabalhando para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, através da nossa profissão, presente em todo lugar e atendendo a todos. Sem essa influência e direcionamento, não teríamos essa consciência e nem esse trabalho realizado. Minha eterna gratidão! Fernanda Silva Sant’ana Agradeço primeiramente a Deus, aos meus pais Sergio e Renata e à minha irmã Laylla que me deram a oportunidade de concluir este curso e foram a minha fortaleza em todos os momentos, deixando-me sempre abastecida de muito amor. Sem estas bases eu jamais chegaria até aqui. Um agradecimento especial ao meu namorado Phelipe, que sempre quando solicitado colaborava para a construção deste trabalho, compreendeu de maneira muito paciente as minhas ausências, os meus estresses momentâneos, passando longas madrugadas em minha companhia me dando total apoio e me auxiliando na construção desta pesquisa. À minha grande amiga Fernanda, parceira de faculdade e de TCC, obrigada por me deixar fazer parte de sua vida e poder compartilhar a concretização deste trabalho. Não conseguiria explicar nestas linhas a importância de nossa amizade e companheirismo nestes anos e em muitos que certamente virão. À todos os professores que foram peças chaves para o meu crescimento profissional e também pessoal. À minha orientadora Liara um obrigado mais do que especial por ter nos amparado e acolhido quando fomos afetadas pela triste notícia do falecimento de nosso ilustre professor Mauricio. Muito obrigada a este grande mestre Mauricio (in memoriam) que me mostrou a sua paixão pela psicologia e a cada aula eu me apaixonava ainda mais por este curso. Com ele compreendi a importância de conhecer e tocar de maneira sutil aquilo que o ser humano tem de mais importante: seus sentimentos e subjetividade. Sou eternamente grata a todos vocês! Letícia Cavina Bispo “Tanto homens quanto mulheres devem se sentir livres para serem sensíveis. Tanto homens quanto mulheres devem se sentir livres para serem fortes. É hora de entendermos gênero como um espectro, ao invés de dois conjuntos de ideais opostos.” Emma Watson Embaixadora da Boa Vontade da ONU Mulheres. RESUMO A presente pesquisa tem como objetivo a compreensão sobre o que os pais e mães consideram importante em relação à questão de gênero na criação e educação de seus filhos e como estes influenciam no desenvolvimento, considerando que a definição de gênero depende de um conjunto de fatores como, os aspectos biológicos, psicológicos e sociais, essa constituição ocorre por meio do contato com a sociedade e cultura que determina assim os papeis sexuais. Realizou-se a pesquisa quantitativa-descritiva com 15 mães e 15 pais com idades entre 25 e 55 anos de idade. Para a coleta de dados foi utilizado um questionário com 25 questões sendo 12 fechadas e 13 abertas, onde as respostas foram categorizadas e analisadas a partir da Psicologia Sócio- Histórica, que nos permitiu olhar as relaçõessociais entre homens e mulheres a partir do contexto histórico e social no qual somos inseridos e compreender os sentidos e significados empregados nas palavras utilizadas pelos participantes da pesquisa. Através dos discursos obtidos nas entrevistas foi possível identificar a transmissão de crenças que refletem a desigualdade entre os sexos e corroboram para a limitação da menina quanto a atividades ligadas à força, coragem, lógica e o menino quanto à sua sensibilidade, expressão de emoções e potencialidades que sejam referentes à cuidados tanto à nível familiar, como pessoal e profissional. Palavras-chave: Gênero. Sexualidade. Infância. Sócio-Histórica. Estereótipos sexuais. ABSTRACT The current research aims at understanding what parents consider important in relation to the issue of gender in the creation and education of their children and how they influence development, considering that the definition of gender depends on a set of factors such as, the biological, psychological and social aspects, this constitution occurs through the contact with the society and culture that determines the sexual roles. The study quantitative-descriptive was carried out with 15 mothers and 15 fathers between 25 and 55 years old. For the data, a questionnaire was used with 25 questions, 12 of which were closed and 13 were open, which the answers were categorized and analyzed from Socio-Historical Psychology, which allowed us to look at the social relations between men and women from the historical context and social in which we are inserted and to understand the meanings and meanings used in the words used by the participants of the research. Through the speeches obtained in the interviews, it was possible to identify the transmission of beliefs that reflect the inequality between the sexes and corroborate the limitation of the girl (females) in relation to activities related to strength, courage, logic and the boy your sensitivity,expression of emotions and potentialities that are referring to care about family, personal and professional. Keywords: Gender. Sexuality. Infancy. Socio-Historica. Sexual stereotypes. LISTA DE QUADROS Quadro 1: Demonstrativo dos participantes de pesquisa identificados pela sigla Q – Questionário, respectivo parentesco com a criança e/ou adolescente e idades, sexo do filho(s) e idade(s) ........................ 44 Quadro 2: Agrupamento das respostas do que os participantes de pesquisa consideram ser importante para a educação de seus filhos ........ 53 Quadro 3: Categorias das respostas sobre se os participantes de pesquisa enxergam diferença entre filhos homens e mulheres .................. 55 Quadro 4: Características atribuídas pelos participantes de pesquisa sobre o que consideram como próprias de ser homem ............................ 57 Quadro 5: Características atribuídas pelos participantes de pesquisa sobre o que consideram como próprias de ser mulher ............................. 60 Quadro 6: Categorias das respostas sobre o que os participantes de pesquisa consideram como vantagens de ser homem ............................... 62 Quadro 7: Categorias das respostas sobre o que os participantes de pesquisa consideram como vantagens de ser mulher ................................ 65 Quadro 8: Categorias das respostas sobre o que os participantes de pesquisa consideram como desvantagens de ser homem .......................... 66 Quadro 9: Categorias das respostas sobre o que os participantes de pesquisa consideram como desvantagens de ser mulher ........................... 68 Quadro 10: Agrupamentos dos motivos pelos quais os participantes de pesquisa consideram que existem facilidades para criar meninos/meninas ......................................................................... 70 Quadro 11: Agrupamentos dos motivos pelos quais os participantes de pesquisa consideram que existem dificuldades para criar meninos/meninas ......................................................................... 73 Quadro 12: Agrupamentos dos motivos pelos quais os participantes de pesquisa que consideram que existe diferença entre brinquedos para meninas e para menino ........................................................ 74 Quadro 13: Categoria das respostas dos participantes de pesquisa referente aos brinquedos e brincadeiras vivenciados por seus filhos ......... 76 Quadro 14: Agrupamentos dos motivos pelos quais os participantes de pesquisa consideram a existência ou não de diferença nas obrigações entre as tarefas e deveres entre um menino e uma menina .......................................................................................... 78 Quadro 15: Categorização de exemplos de profissões que os participantes de pesquisa consideram ser mais apropriadas para homens e as mais apropriadas para mulheres .......................................................... 81 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Demonstrativo de participantes da pesquisa por parentesco, idade e estado civil ................................................................................. 49 Tabela 2: Demonstrativo por quantidade, idade e sexo dos filhos (as) dos participantes da pesquisa ............................................................... 49 Tabela 3: Demonstrativo de ocupação e estudo por participante da pesquisa ....................................................................................................... 49 Tabela 4: Demonstrativo relativo à ocupação/trabalho dos participantes da pesquisa ......................................................................................... 50 Tabela 5: Demonstrativo relativo ao estudo dos participantes da pesquisa .. 50 Tabela 6: Demonstrativo referente a moradia dos filhos ................................ 50 Tabela 7: Demonstrativo relativo a quais pessoas passam mais tempo com os filhos (as) dos participantes da pesquisa .................................. 51 Tabela 8: Demonstrativo relativo a quais pessoas o participante da pesquisa considera ser o(s) responsável pela educação de seus filhos(as) . 51 Tabela 9: Demonstrativo referente à existência de facilidades para se educar uma criança/adolescente em relação ao gênero (feminino- masculino) ...................................................................................... 51 Tabela 10: Demonstrativo referente à existência de dificuldades para se educar uma criança/adolescente em relação ao gênero (feminino- masculino) ...................................................................................... 52 Tabela 11: Demonstrativo acerca da(s) influência(s) na educação de crianças/adolescentes .................................................................... 52 Tabela 12: Demonstrativo sobre a crença de diferenças entre brinquedos para os gêneros femininos e masculinos ............................................... 52 Tabela 13: Demonstrativo referente aos brinquedos e brincadeiras vivenciados pelos filhos dos participantes da pesquisa ..................................... 53 Tabela 14: Demonstrativo sobre a crença de diferenças entre as tarefas e deveres de uma criança/adolescente de acordo com seu gênero . 53 Tabela 15: Demonstrativo referente à opinião dos participantes da pesquisa sobre a existência de profissões mais apropriadas de acordo com o gênero (feminino-masculino) .......................................................... 53 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ART: Artigo FEM: Feminino IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. MASC: Masculino Nº: Número ONU: Organização das Nações Unidas OXFAM: Oxford Commitee for Famine Relief – Comitê de Oxford de Combate à fome PEA: População economicamente ativa Q: Questionário TCLE: Termo de consentimento livree esclarecido SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................ 15 CAPÍTULO I – GÊNERO E SEUS DESDOBRAMENTOS: DEFINIÇÃO E DIFERENCIAÇÃO ........................................................................................... 18 1 CONCEITUAÇÃO DE GÊNERO .................................................................. 18 1.1 Diferenciação de identidade de gênero e identidade sexual ..................... 20 1.2 Interface com a psicologia ......................................................................... 23 CAPÍTULO II – PEDAGOGIAS DE GÊNERO E SUA INTERFACE PSICOLOGICA ............................................................................................... 26 1 SOCIALIZAÇÃO PRIMÁRIA E DESENVOLVIMENTO INFANTIL ............. 26 1.1 O enquadre do corpo ................................................................................ 29 CAPÍTULO III – IMPACTO SOCIAIS DA CONSTRUÇÃO DA DESIGUALDADE DE GÊNERO ..................................................................... 35 1 DADOS ESTATÍSTICOS ............................................................................. 35 1.1 Políticas públicas ....................................................................................... 38 1.1.1 Projeto de lei de licença para mulheres no período menstrual .............. 38 1.1.2 ONU Mulheres ........................................................................................ 39 1.1.3 Eles por Elas – “He for She” ................................................................... 40 1.1.4 Lei Maria da Penha ................................................................................ 41 CAPÍTULO IV – METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DE PESQUISA 43 1 METODOLOGIA .......................................................................................... 43 1.1 Psicologia sócio-histórica .......................................................................... 45 1.2 Procedimento de análise de dados ........................................................... 46 1.3 Adaptação, desenvolvimento e aplicação do instrumento de pesquisa .... 48 1.4 Análise de dados ....................................................................................... 48 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO ................................................................... 83 CONCLUSÃO ................................................................................................. 85 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 87 APÊNDICES.................................................................................................... 91 ANEXOS ......................................................................................................... 98 15 INTRODUÇÃO O presente trabalho teve como objetivo pesquisar e analisar os sentidos presentes na concepção de mães e pais acerca da educação de seus filhos, no que concerne aos valores incorporados nessa educação. As pesquisadoras, partindo do pressuposto de que a criação mediatizada no contexto familiar pode ser o maior condutor de valores sociais e culturais, que por sua vez pode vir a fomentar e reproduzir determinadas concepções estigmatizantes acerca da questão de gênero preocuparam-se em investigar e analisar quais valores estão presentes na concepção de pais e mães no tocante a educação de seus filhos, de modo a constatar a presença ou não de tais conteúdos que cristalizam e intensificam desigualdades existentes na dicotomia homem- mulher na sociedade. Os papéis sociais assumidos pelo homem e pela mulher – consolidados histórica e culturalmente, são transmitidos ao longo das gerações e reforçados muitas vezes de forma acrítica e a-histórica, desconsiderando as novas configurações sociais e familiares, bem como os novos papéis assumidos pelo homem e pela mulher. A psicologia voltada a compreensão dos fenômenos psíquicos, sociais, afetivos e comportamentais deve se movimentar na mesma proporção em que essas transformações ocorrem. Por isso, a inquietação das pesquisadoras, no sentido de propor a compreensão e revisão de tais conceitos presentes no contexto de socialização primária, tão responsável pela formação do indivíduo, tal como preconiza Vigotsky (2000) ao se referir ao desenvolvimento infantil e a aquisição da cultura e a aprendizagem. Entende que o ser humano necessita de condições adequadas para que possa se desenvolver em sua integralidade, ou seja, o meio em que está inserido irá influenciar seu aprendizado e desenvolvimento integral. Entende-se aqui como corrobora Louro (1997) a questão de gênero como uma construção social, cultural, psíquica e biológica pelo qual todo indivíduo está submetido. Desde a fase intrauterina é gerado as expectativas em relação ao sexo do bebê e com isso a idealização dos estereótipos femininos e masculinos (WHITAKER, 1988). Todas essas ideias serão continuadamente transmitidas durante toda a vida do indivíduo, inicialmente com a socialização primária que se dá com os 16 pais – família, secundariamente na escola, e ademais pela mídia e tantos outros meios aos quais se é inserido e consequentemente influenciado. Atualmente, as desigualdades presentes na sociedade colocam a mulher em posição inferior à do homem, levando em conta que segundo os dados da Oxfam Oxford Committee for Famine Relief (Comitê de Oxford de Combate à Fome), mulheres ganham 40% a menos que os homens, o Brasil é o 7º país do mundo com maiores taxas de feminicídio, as mulheres preenchem um pouco mais que 10% dos assentos no Congresso Nacional, 10% das prefeituras e constituem 12% dos conselhos municipais. A partir dos dados do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, as mulheres a partir dos 16 anos de idade gastam em média 25 horas semanais dedicadas aos serviços domésticos enquanto os homens com a mesma faixa etária gastam 10 horas, o que acarreta em sobrecarga no trabalho (fora do lar) e falta de tempo para cuidados íntimos, emocionais e lazer. A pesquisa foi organizada em 4 capítulos. Sendo o primeiro dedicado a apresentação da conceituação da questão de gênero, identidade sexual e seus desdobramentos, como a diferenciação do homem e da mulher nos aspectos orgânicos, sociais e culturais, e por fim, às implicações da psicologia acerca da sexualidade. Adiante, o capítulo 2 apresenta a concepção vygotskyana acerca do desenvolvimento infantil atrelado ao contexto de socialização primária somado a sua relação com a cultura. O capítulo seguinte versa sobre os impactos sociais e desdobramentos políticos no que tange a desigualdade de gênero e suas consequências. Por fim, o capítulo 4 apresenta a descrição metodológica da pesquisa, seu delineamento e desenvolvimento, precedido da apresentação dos resultados obtidos, sua análise, proposta de intervenção e conclusão. O método utilizado foi o qualitativo, com a investigação por meio de questionário semiestruturado, aplicado junto a quinze pais e quinze mães, com idades entre 25 e 55 anos. O questionário continha 25 questões, sendo 12 fechadas e 13 abertas, permitindo caracterizar os respondentes, bem como acessar os sentidos presentes em suas respostas, analisando-as a luz da psicologia sócio-histórica. Assim, a pesquisa foi planejada tendo como referência teórica a abordagem sócio-histórica da psicologia, que apresenta a concepção de 17 sentidos e significados que auxiliam a compreensão dos discursos dos indivíduos entrevistados, considerando o processo de constituição da dimensão subjetiva da realidade, empregando assim o sentido como descreve Vigotsky (2000) “uma formação dinâmica, fluída, complexa, que tem várias zonas de estabilidade.” (p.165). E o significado da palavra, que só se configuracomo um fenômeno de pensamento quando este se vincula à palavra e assim substancializa-a. (VYGOTSKY, 2000). Por meio da coleta de dados com o questionário de entrevista semiestruturado (APÊNDICE A), foi possível constatar que os pais e as mães transmitem aos filhos valores que refletem nas crianças e/ou adolescentes a disparidade entre os gêneros. A proposta de intervenção, portanto, reside na necessidade de promoção de diálogos acerca das discrepâncias encontradas e condicionadas para os sexos (feminino-masculino), como isso determina as desigualdades no tocante ao gênero e uma revisão de como está sendo articulado a educação das crianças e jovens, no tocante as especificidades de cada gênero. 18 CAPÍTULO I GÊNERO E SEUS DESDOBRAMENTOS: DEFINIÇÃO E DIFERENCIAÇÃO 1 CONCEITUAÇÃO DE GÊNERO Os estudos acerca das representações de gênero vêm se modificando ao longo da história, o conceito de sexismo e estereótipos sexuais reconhecem o homem como forte e racional, enquanto as mulheres são vistas como incapazes intelectualmente e pré-racional. Sendo anteriormente esta caracterização de gênero uma condição vinculada apenas ao sexo biológico (NUNES; SILVA, 2000). Entendemos aqui como identidade de gênero aquele conjunto de significações causais explicativas sobre o Ser-Homem (masculino) e o Ser-Mulher (feminino). O gênero seria a primeira classificação simbólica, portanto, a primeira representação significativa, entre as identidades do homem e da mulher. As primeiras identidades de gênero encontram-se nas narrações míticas, cosmogônicas e cosmológicas, representando a suposta origem do homem e da mulher a partir de discursos narrativos carregados de determinismos de poder e simbologias de diferenciação (NUNES; SILVA; 2000, p.69). O conceito de gênero está vinculado à história do movimento feminista contemporâneo, diversas ações isoladas ou coletivas contra a discriminação e aviltação das mulheres foram vistas em alguns momentos históricos, contudo quando se fala sobre o cenário do feminismo como movimento social organizado, remete-se ao Ocidente, século XIX (LOURO, 1997). Para Foucault (1986), desde muito tempo tenta-se limitar a mulher em sua sexualidade, considerando-as frágeis e geradoras de doenças, movimento que desencadeou no século XVIII a patologização da mulher. A mulher desde o início de seu ciclo menstrual (processo biológico natural) tem seu corpo patologizado, ou seja, considerado um corpo doente. As transformações pelas quais o corpo feminino passa (menstruação, gestação e menopausa) não são compreendidas em sua veracidade e sim como processos doentios, que necessitam de medicalização (WHITAKER,1988) 19 Ora, os movimentos feministas aceitaram o desafio. Somos sexo por natureza? Muito bem, sejamos sexo mas em sua singularidade e especificidade irredutíveis. Tiremos disto as consequências e reinventemos nosso próprio tipo de existência, política, econômica, cultural... (FOUCAULT, 1986, p.234). O maior movimento contra a opressão da mulher denominou-se sufragismo, onde as mesmas não possuíam direitos de voto. Esta manifestação chegou em vários outros países ocidentais, e ficou conhecida como a primeira onda do feminismo. Tendo como objetivo imediato a inserção das mulheres na política, maior oportunidade de estudo e acesso a outras profissões. Inicia-se ao final da década de 1960 a chamada segunda onda (LOURO, 1997). Será no desdobramento da assim denominada “segunda onda” – aquela que se inicia no final da década de 1960 – que o feminismo, além das preocupações sociais e políticas, irá se voltar para as construções propriamente teóricas. No âmbito do debate que a partir de então se trava, entre estudiosos e militantes de um lado, e seus críticos ou suas críticas, de outro, será engendrado e problematizado o conceito de gênero (LOURO, 1997, p.15). O ano de 1968 foi um marco da rebeldia e oposição, onde vários grupos que eram vistos como a minoria oprimida passou a demonstrar suas indagações no que envolvia tais arranjos sociais e políticos, a distinção, segregação. É, portanto, diante deste cenário social e político que tais grupos antes rejeitados passaram a participar de marchas e protestos públicos (LOURO, 1997). Tornar visível aquela que fora ocultada foi o grande objetivo das estudiosas feministas desses primeiros tempos. A segregação social e política a que as mulheres foram historicamente conduzidas tivera como consequência a sua ampla invisibilidade como sujeito – inclusive como sujeito da Ciência (LOURO, 1997, p.17). Com as contribuições das teorias do feminismo se faz relevante compreender que as distinções biológicas não justificam a desigualdade social, e sim a forma como as características são evidenciadas e enaltecidas em 20 determinadas culturas, desta forma, constituindo o que é compreendido como feminino ou masculino. Este discurso será arquitetado em torno de uma nova fala, onde gênero terá uma conceituação fundamental e trará mudanças (LOURO, 1997). A mudança é vista na ampliação do contexto da caracterização dos gêneros, onde ser homem e ser mulher ultrapassa os limites biológicos e passam a ser vistos e estudados a partir da visão integral do ser humano, levando em conta o contexto cultural e social pelo qual o individuo está inserido. Destarte, as variações de gênero estão ligadas à como o individuo se sente, seja no masculino ou no feminino, independentemente do seu sexo biológico e de seu genótipo, refere-se a uma vivência psíquica (SERRANO, 2008). Louro (1997) retrata sobre a construção do ser homem e do ser mulher em: Homens e mulheres certamente não são construídos apenas através de mecanismos de repressão ou censura, eles e elas se fazem, também, através de praticas e relações que instituem gestos, modos de ser e de estar no mundo, formas de falar e de agir, condutas e posturas apropriadas (e, usualmente, diversas). Os gêneros se produzem, portanto, nas e pelas relações de poder (p.41). Ou seja, entende-se que a definição de masculino e feminino se dá não somente pelo seu sexo biológico, mas também de acordo com o contexto cultural e social que irá influenciar as formas de comportamento referentes a cada gênero. 1.1 Diferenciação de identidade de gênero e identidade sexual O ser humano, visto como ser complexo e integral engloba em si uma série de características, marcas e determinações, que podem ser de origem biológica, social, cultural ou histórica. Dessa forma, compreender a conceituação de sexo se torna substancial para adentrar as questões pertinentes sobre identidade de gênero e sexual. 21 O sexo pode ser entendido como a marca biológica do ser humano, a caracterização genital e natural, aquilo que diferencia anatomicamente os corpos femininos e masculinos (WEEKS, 2007). A sexualidade é um conceito definido através da construção cultural de uma significação pessoal e social de traço genital, que todos nós temos naturalmente, característica inerente ao ser humano. Podendo ser definida como uma questão pessoal, social e política, construída ao longo de toda vida, de muitas maneiras (LOURO, 2007). Podemos entender que a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções ... Processos profundamente culturais e plurais. Nessa perspectiva, nada há de exclusivamente “natural” nesse terreno, a começar pela própria concepção do corpo, ou mesmo de natureza (LOURO, 2007, p.11). Para Costa (2008) a sexualidade humana é tida como a mais complexa dentre todos os animais, facultando que se caracterizem 11 maneiras de manifestação e não somente duas. São elas: mulheres heterossexuais; homens heterossexuais; homens homossexuais; mulheres lésbicas;mulheres bissexuais; homens bissexuais; homens travestis; mulheres travestis; transexuais masculinos; transexuais femininos; intersexo. A sexualidade não se define apenas por características biológicas, mas resulta também de aspectos psicológicos e interações com o contexto familiar e social. O cérebro é o principal órgão do Sistema Nervoso Central, no qual está localizado as áreas relacionadas com as atuações psicológicas e sociais do ser humano. No decorrer da gestação liberam-se hormônios que enviarão ao cérebro uma conformação masculina ou feminina, destarte todos estes hormônios juntamente com os valores do meio onde o indivíduo será educado, irá delinear até os dois anos e meio, a identidade de gênero (COSTA, 2008). Todavia, os aspectos psicológicos concernem-se à identidade sexual: a identidade de gênero (masculina ou feminina) e a orientação sexual (hétero, homo ou bissexual), sendo a identidade de gênero, sensação de ser homem ou mulher, relacionando-se com a bagagem biológica e a inserção do sujeito em determinada sociedade. Ao nascer apenas se considera a genitália externa, 22 sendo neste momento, irrelevantes os demais aspectos biológicos, este nascituro obterá uma certidão que será “definitiva”, desta maneira o menino será tratado como tal por familiares e conhecidos, os mesmos irão moldá-lo de acordo com os códigos sociais de comportamento de gênero masculino, enfim o indivíduo “aprenderá” como deve ser o comportamento social de um menino (COSTA, 2008). Nesse raciocínio, pensemos na influência que os processos culturais podem e acarretam nesse desenvolvimento e construção do que é natural e do que não é, e produzimos e transformamos o nosso meio, logo fazemos histórico. E então os corpos adquirem sentido social e a demarcação no gênero – feminino ou masculino – vai ser realizada (LOURO, 2007). Para Foucault (1988), a sexualidade é um dispositivo histórico, ou seja, é uma invenção social construída a partir de múltiplos discursos sobre o sexo, esses discursos regulam, normatizam, instauram saberes e produzem verdades. A definição das identidades sociais, seja relativa ao gênero, à sexualidade, à raça ou nacionalidade são constituídas a partir do contexto cultural e histórico no qual o sujeito está inserido, e é nessa junção das variadas e distintas identidades e circunstâncias que o sujeito se reconhece e se define. Entretanto, esse processo de constituição da identidade social revela-se instável e complexo, haja vista, somos sujeito de múltiplas identidades que requerem em desacordo lealdades distintas e até mesmo contraditórias, ou num primeiro momento mostram-se atraentes e depois não mais, o que as torna descartáveis e passíveis à rejeição e abandono (LOURO, 2007). A identidade de gênero e a identidade sexual são consideradas as principais representações daquilo que o sujeito é. Sendo que é a partir destas que constantemente nos apresentamos e nos reafirmamos, estas parecem traduzir com mais segurança o ser humano. Em meio as tantas possibilidades e múltiplas formas de pertencimento social, o indivíduo busca a certeza daquilo que é e sente, porque lidar com o desconhecido, e com a incerteza gera a sensação de ameaça, de não ter uma identidade estável. A tentativa de determinar uma identidade é para sustentar a 23 ideia de continuidade e pertencimento, como se o que somos hoje é o que sempre fomos (LOURO, 2007). Weeks (2007) afirma que: Só podemos compreender as atitudes em relação ao corpo e à sexualidade em seu contexto histórico específico, explorando as condições historicamente variáveis que dão origem à importância atribuída à sexualidade num momento particular e apreendendo as várias relações de poder que modelam o que vem a ser visto como normal ou anormal, aceitável ou inaceitável (p.43). Assim é possível compreender a manifestação dos comportamentos referentes a sexualidade como um processo de construção que são moldados e constituídos pelas relações de poder, pelas significações pessoais e culturais. 1.2 Interface com a psicologia O estudo de gênero e diferenças sexuais existe há quase um século. A psicologia diferencial passou a não conceituar gênero como atributo inato do sujeito (NUEMBERG, 2005). As características subjetivas legitimavam as diferenças entre masculino e feminino, onde ser e agir estavam vinculados ao sexo biológico. Com a chegada da segunda guerra mundial e a necessidade de inserção das mulheres no ambiente do trabalho houve um forte apelo para o confinamento das mulheres, onde o principal argumento era que as crianças necessitavam das mães em tempo integral para garantia de sua saúde mental (NUEMBERG, 2005). Todavia, ao longo do tempo surgiram algumas explicações e descrições para as diferenças sexuais e os papéis desempenhados por homens e mulheres. Mudanças radicais precisam de alterações extremas em diversas áreas, como a política e a psicologia. Pensar na transformação das percepções de papéis sexuais compreende conceitos, cultura, atitudes e expectativas. Faz- se necessário uma nova teoria psicológica para descrever as várias possibilidades em ser homem e em ser mulher (BARROSO, 1975). 24 Para Barroso (1975): “Além da elaboração da teoria de formação dos papéis sexuais, a psicologia tem uma tarefa muito importante: a descrição completa dos resultados destrutivos da desigualdade entre os sexos” (p.136). A hierarquização entre os sexos que perdurou durante muito tempo na literatura psicológica, encobriu as habilidades das mulheres em áreas muito reconhecidas pela sociedade atual. Estas não tiveram as mesmas condições para elaborar suas capacidades, afetando suas habilidades emocionais e causando desmotivação. Todos esses valores aqui destacados estão enraizados em nossa sociedade e talvez possam perdurar ainda por algum tempo, essas barreiras construídas pela falta de equidade entre os gêneros limitam o desenvolvimento de habilidades cognitivas, de tarefas e funções que são rotuladas masculinas, onde envolve o conceito de sexismo, no qual define diferenças pejorativas entre as identidades de gênero. Destarte criam-se estereótipos sexuais, molda-se homens fortes e objetivos e mulheres fracas e emotivas, esta falta de equidade poderá acarretar medo de sucesso e déficit intelectual, devido a sociedade construir e instituir as diferenças de gêneros, delimitando de maneira preconceituosa as habilidades cognitivas e distribuições de tarefas (BARROSO, 1975). É evidente a necessidade de construir uma ponte entre o feminino e masculino, haja vista os modelos repressores engendrados em nossa cultura e a falta de comunicação entre os gêneros. Por inúmeras vezes, mulheres e homens estão inseridos em um mesmo ambiente de trabalho, estando próximos fisicamente, destarte existe uma distância totalmente exacerbada quanto aos significados simbólicos das funções que realizam. Como no exemplo entre a aeromoça e o piloto de avião, ou esposas que passam a vida inteira administrando jantares e recepções de seus maridos empreendedores, até mesmo aquelas que são casadas com políticos e recebem o titulo sem algum significado profissional. Não há como negar que algumas questões sobre sexualidade vêm sendo discutidas com maior atenção, entretanto observa-se o quanto a repressão sexual está incutida em nosso país (WHITAKER,1988). Felizmente as coisas estão mudando. A sexualidade é hoje abertamente discutida. Mas não nos iludamos com o discurso 25 das vanguardas. O Brasil é um país imenso e cheio de subculturas diferenciadas. Eu diria que a repressão sexual continua a ser praticada contra meninas e adolescentes mulheres na maioria das famílias brasileiras. E não nos esqueçamos da repressão correspondente aos meninos, condenados à “impureza” pelos adultos apavorados com as possiblidades dohomossexualismo (WHITAKER, 1988, p.91). Contudo, faz-se necessário a inquietação e movimentação da Psicologia e áreas afins (Sociologia, Antropologia, Assistência Social, Medicina, dentre outras) para que a sociedade juntamente com as políticas públicas possam possibilitar uma discussão e mobilização acerca de questões referentes à desmistificação da construção da identidade de gênero e da sexualidade e quais as implicações provocadas por essas crenças enraizadas. 26 CAPÍTULO II PEDAGOGIAS DE GÊNERO E SUA INTERFACE PSICOLÓGICA 1 SOCIALIZAÇÃO PRIMÁRIA E DESENVOLVIMENTO INFANTIL Vygotsky (2000) defende a teoria Sócio interacionista, segundo a qual o desenvolvimento humano acontece por meio das relações de trocas, através de processos de interação e mediação. O autor enfatiza o processo histórico- social e a função da linguagem. A concepção do significado das palavras como unidade simultânea do pensamento generalizante e do intercâmbio social é de um valor incalculável para o estudo do pensamento e da linguagem. Permite-nos uma verdadeira análise genético- causal, um estudo sistemático das relações entre o desenvolvimento da capacidade intelectiva da criança e do seu desenvolvimento social (p.8). O desenvolvimento psicológico é produzido a partir das interações, estímulos e aprendizados nos quais são proporcionados à criança, visto que, ela por si só não tem condições de se desenvolver e aprimorar seu aparato psíquico, dependendo assim do meio em que está inserida e das experiências que vivencia (VYGOTSKY, 2000). A socialização é entendida como o processo pelo qual todos os seres humanos passam, onde neste ocorre a internalização de uma série de padrões, modelos, crenças, que nos moldam e nos constitui como integrantes de uma determinada cultura (WHITAKER, 1988). Bock et al. (1995) colabora para o pensamento acerca da socialização primária que se dá através da interação social. A criança quando nasce começa a pertencer a um mundo social dado, organizado, mas que não está acabado, onde a permanente construção deste ocorre através dos grupos sociais. A socialização é um processo de internalização (apropriação) do mundo social, com suas normas, valores, modos de 27 representar os objetos e situações que compõem a realidade objetiva (BOCK et al., 1995, p.208). O ser humano submetido a uma determinada classe social e cultural vai aprender e caracterizar o seu eu, sendo assim seu modo de agir, seu modo de falar e até mesmo de pensar. Aspecto importante a ser considerado é que a inserção de uma família em uma classe social de uma sociedade determinada faz com que o mundo e seus acontecimentos sejam “filtrados” para a criança (BOCK et al., 1995, p.209). A socialização primária acontece dentro do grupo familiar, ou seu substituto como a creche, ou instituição de acolhimento. É a partir da família que as representações de mundo chegam até a criança com significação. A família é a instituição de alta significação e impacto sobre a criança e é ela que vai reproduzir as relações sociais mais amplas, os valores morais e éticos. Como no exemplo: Uma família que mora numa favela pode passar para o filho seus sentimentos e opiniões a respeito da discriminação social que vive, em função de sua condição de moradia, de pobreza. Isto será internalizado pela criança (BOCK et al., 1995, p.210, grifo nosso). Rappaport, Fiori, Davis (2007) nos traz sobre a Teoria da Aprendizagem Social, onde objetiva que as experiências vividas pelos próprios sujeitos e aquelas que o mesmo observou outro indivíduo viver definem comportamentos de tal elemento. Todavia, a maneira adotada para se comportar em um dado momento, é produto das expectativas assimiladas em contextos parecidos àquela com que o sujeito hoje se apresenta. Desta forma, para Rappaport, Fiori, Davis (2007 p.89) “o ambiente controla o indivíduo na mesma medida em que é controlado por este”. Destarte, é possível compreender a influência que a família detém sobre a criança que sucedendo a socialização primária, a secundária é marcada pelas relações externas, ou seja, com todos os grupos sociais pelos quais o indivíduo tem contato durante a vida, como na escola, grupos de amigos e mais tarde no grupo de trabalho e tantos outros grupos sociais sendo que o 28 processo de socialização e assim consequentemente de internalização é ininterrupto, sendo onde ocorre a formação da identidade do indivíduo. Os conteúdos desse processo vão-se diversificando, tornando- se cada vez mais complexos; as exigências do grupo quanto ao desempenho de seus membros vão-se diferenciando, e o indivíduo vai adquirindo, cada vez mais, o poder de interferir no processo de construção de sua própria subjetividade e na construção do cenário social, contribuindo para a manutenção ou transformação (BOCK et al., 1995, p. 212). Retomando ao início da vida, temos uma dinâmica envolvida na gravidez e nas expectativas depositadas nesse período e também em seu planejamento e idealização. É sabido que os sentimentos e emoções geradas pela mãe ainda na fase intrauterina influencia e altera o psiquismo do bebê (WHITAKER,1988) Socialmente, de acordo com as diferenças de cada local e cultura são estabelecidos e assumidos preconceitos em torno dos gêneros e quanto ao valor dado a ser homem e à ser mulher. Visto que, em certas culturas há uma supervalorização do homem em detrimento do sexo feminino e consequentemente a idealização de se gerar um menino. Belotti (1983), corrobora sobre as crenças populares envolvidas na descoberta do sexo de crianças que estão próximas ao nascimento, revela que as expectativas e idealizações envolvidas nas discrepâncias entre o que se espera que os gêneros sejam e produzam se inicia no período de gravidez. Assim, tem-se o que Whitaker (1988) denominou como a “didática da gravidez”, que têm como referência três principais aspectos, são eles: - a maior valorização do bebê de sexo masculino, esperado com mais ansiedade e desejado mais ardentemente do que o bebê de sexo feminino; - a atribuição de maior vivacidade e vitalidade ao sexo masculino e de passividade ao sexo feminino, configurando os modelos a serem seguidos pela criança que vai nascer, cujos efeitos pedagógicos atuam muito eficientemente sobre as crianças à volta da gestante, as quais naturalmente participam desse jogo fascinante de expectativas; - a atribuição de características doentias ao feto do sexo feminino que deixaria a futura mãe “pesada ou redonda”, com pernas inchadas, prenunciando um parto difícil, o que anuncia a medicalização do corpo da mulher (1988, p.19-21 – grifo nosso). 29 Com esses três aspectos pode-se entender sobre a complexidade pela qual está inserido o período de gestação, e que esse contexto de valorização de um gênero e depreciação de outro, fazem com que meninas tenham baixa autoestima, carência essa provocada e internalizada a partir fase intrauterina. Essa condição vai sendo reforçada e potencializada no meio familiar e logo no meio externo, de socialização da gestante, onde se é aprendido que ser mulher tem menor valor em comparação a ser homem (WHITAKER, 1988). Com o passar dos anos e com o advento da modernização, os homens avançam para uma sociedade industrial, um paradoxo em que a didática da gravidez repercute de forma mascarada, ditando que é mais benéfico ter filho homem, porque mulheres tendem mais ao sofrimento, o que traz a reflexão: Homem não sofre? Ou o homem é ensinado através de vários fatores sociais e culturais que não pode demonstrar sofrimento, ou até mesmo chorar? (WHITAKER, 1988). Mas quando se pensa sobre a concepção de meninas, estas também são desejadas, mas os fatores que justificam esse anseio são representados por meio do trabalho domésticoe/ou características subjetivas projetadas sobre como ser mulher. Dessa forma, ter uma filha é benéfico para auxiliar nos cuidados com a casa e com os irmãos homens, além de serem consideradas mais dóceis e carinhosas são encarregadas nos cuidados dos pais na velhice ou casos de invalidez, doença (WHITAKER, 1988). É na família que ocorre a primeira construção psíquica de como deve ser e agir uma mulher e de como deve ser e agir um homem. Como afirma Castañeda (2006): “O machismo é uma forma de relação que todos nós aprendemos desde a infância e que, por essa razão, se intromete como moeda corrente em todo intercâmbio pessoal” (p.19). 1.1 O enquadre do corpo A criança através da socialização vai incorporando a cultura do grupo no qual ela faz parte, considerando a subjetividade de cada ser humano, há situações ou comportamentos os quais não serão aceitos, onde será produzida uma resistência a imposições permanentes. Quando o indivíduo resiste à algo: “Daí que a socialização se transforma em educação” (WHITAKER, 1988, p.24). 30 A palavra educação tem como definição, consultada através do Dicionário Aurélio (2011): “1. Ato de educar (- se), ou o resultado deste ato; 2. Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano: educação física; educação básica, educação religiosa; 3. Civilidade, cortesia, polidez” (FERREIRA, 2011, p. 345). Vamos pensar na educação como um meio de socialização artificial, porém imprescindível levando em consideração a sociedade na qual vivenciamos, que exige métodos e formas especiais para reproduzi-la, dentre eles a escola. Para compreender os mecanismos que influem e demarcam as desigualdades sociais entre os gêneros é necessário diferenciar as duas dimensões do processo educacional: a educação formal (produzida pela escola) e a educação considerada informal (desenvolvida através das relações sociais, principalmente por adultos que exerçam influência e meios de comunicação, em geral). No terreno nebuloso da educação informal estão escondidas as raízes de todos os problemas que massacram homens e mulheres, obstaculizando, principalmente para estas, a entrada no mundo das profissões e criando entraves até para viver naquele mundo onde supostamente deveriam estar bem, isto é, o mundo do lar e do casamento (WHITAKER, 1988, p.25). Para Whitaker (1988), é na família que são construídos os primeiros moldes, nos quais as crianças são induzidas e programadas a se encaixar para continuarem a reprodução dos hábitos e costumes familiares. Entretanto esses moldes podem ser repugnados, uns em maior grau de resistência outros em menor, seja para ambos os sexos. Desde muito pequenas, as crianças dividem-se até mesmo na atividade lúdica, meninas são dirigidas a brincar de bonecas e casinha, brincadeiras estas que descrevem o mundo doméstico. No que diz respeito aos meninos, estes são encorajados a chutar bola, subir em árvores, brincar com carrinhos e de lutar, influência que estimula as noções de espaço e direção, importantes para compreensão e desenvolvimento dos conceitos de matemática, geografia, física. 31 Aos meninos são dispensados qualquer atividade ou incentivo que dê margem à homossexualidade, dessa forma são podados à manifestação de sentimentos e de sua sensibilidade nata (WHITAKER,1988). As brincadeiras refletem as representações sociais investidas no lúdico, à mulher é reservada a tarefa de ser mãe, de cuidar do outro e ser dócil, já o homem é dispensado da tarefa de ser pai, estando sempre na condição da ação, o que as brincadeiras trazem como simbologia de ousadia, movimento, agressividade. O problema não está nas brincadeiras em si, mas na limitação a modelos e padrões de brincadeiras. É necessário que tanto as meninas quanto os meninos desenvolvam habilidades e raciocínios ainda na primeira infância, que vão colaborar para a execução de tarefas profissionais ou até mesmo para aprender na vida adulta à dirigir um carro ou motocicleta (WHITAKER, 1988). A infância é marcada por ser um período castrador, tanto para meninas quanto para os meninos. A família assume a função educacional de punir e domar as crianças, nesse contexto, há uma discrepância entre os gêneros, sendo que os modelos femininos impostos são sempre mais artificiais, requerendo submissão e repressão (WHITAKER, 1988). A escola se apropria da função de produzir gêneros, definindo e impondo como ser homem e como ser mulher, investindo no corpo e sobre o corpo. Dessa forma, o menino é estimulado a fazer esportes, a ser competitivo, ser “durão”, o que dificulta que eles expressem os seus sentimentos para amigos, as meninas em contraposição, precisam ser amáveis, dóceis, gentis, educadas. Nunes e Silva (2000) colaboram apoiados sob o preconceito de sexo, denominado como sexismo: Convencionou-se definir como sexismo o chamado preconceito de sexo, que consiste em identificar características que evoquem determinismos diferenciais e conceituações significativas pejorativas entre as identidades de gênero. Significaria reconhecer que o homem, grosso modo, tomado aqui como identidade de gênero, seria identificado e definido como essencialmente lógico, forte, objetivo, autônomo, voltado para atividades afirmativas, solidárias, conscientes, racionais e determinadas em oposição a uma concepção de feminilidade intuitiva, emocional, sensitiva, voluntarista e pré-racional (p.69). 32 Concomitantemente ao tentar definir e marcar as diferenças entre cada gênero, a escola também trabalha para adiar ao máximo o interesse das crianças e jovens em questões relativas à sexualidade. Um corpo disciplinado pela escola é treinado no silêncio e num determinado modelo de fala; concebe e usa o tempo e o espaço de uma forma particular. Mãos, olhos e ouvidos estão adestrados para tarefas intelectuais, mas possivelmente desatentos ou desajeitados para outras tantas (LOURO, 2007, p. 21 – 22). A escola é o primeiro ambiente social no qual a criança é inserida e nela existem grandes possibilidades do educador notar o início da sexualidade nos educandos. A principal vivência relatada por professores de escolas primárias é a prática da manipulação dos órgãos sexuais. Este ato proporciona descobertas e diferentes sensações, sendo essa busca causada por impulsos biológicos e psíquicos, sendo impróprio coibi-la como “masturbação”, onde por questões culturais há maior permissividade entre os meninos (NUNES; SILVA, 2000). A manipulação obedece a impulsos biológicos e psíquicos que satisfazem às crianças e lhe proporcionam uma apropriação sensorial de seu corpo e suas potencialidades. Trata-se de uma prática que pode apresentar-se como circunstancial ou passageira como pode ainda estruturar-se de maneira mais observável entre os meninos, pelas características culturais e educacionais de maior permissividade e estimulação de expressão social da sexualidade masculina, contrapondo-se aos eficientes mecanismos de repressão das meninas. É mais difuso entre as meninas, que podem manifestar-se no toque genital ou no auxílio de objetos, brinquedos, posições que provoquem estímulos prazerosos. Aos quatro anos é mais frequente esta manipulação genital tornar-se social e impulsiva (NUNES; SILVA, 2000, p. 77 – 79). Foucault (1986), descreve sobre a “masturbação infantil” e sobre a inaceitação deste comportamento que mantém sob a criança um olhar de que elas são problemas em comum para os pais, educadores, instituições de ensino e de higiene pública. Assim, o sexo das crianças configurou-se em um instrumento de poder e vigia com objetivo de controle da sexualidade infantil. 33 O menino busca sua realização e afirmação através do adestramento do corpo, moldando-o para que consiga alcançar seus interesses e desejos e neles são admirados e exacerbados as qualidadesreferentes à esperteza, coragem, ousadia, sendo permissível estar desarrumado, despenteado ou sujo, contanto que exerça a “masculinidade” (LOURO, 2007; WHITAKER, 1988). No desenvolvimento da autonomia das meninas é imposto desde muito cedo que elas precisam aspirar a beleza. O conceito de beleza é marcado pela artificialidade, ligado à necessidade de estarem sempre limpas, depiladas, perfumadas, enfeitadas, maquiadas, de usar o salto alto. Não é pensado e muitas vezes ignorado as consequências desses modelos de feminilidade, tanto a nível psíquico como à possíveis danos físicos – corporais (WHITAKER, 1988). Um fato importante para as meninas é a menarca, a primeira menstruação. Esse acontecimento é um marco de transitoriedade para as meninas que a partir desse momento passam a “ser moças”. Antes esse tema era apenas visto e tratado no sentido das mudanças que ocorrem com a menina, entretanto com o advento da medicalização da menstruação e com a imposição do uso de produtos de higiene especifico, essas questões perdem força e significado (LOURO, 2007). As queixas a respeito das cólicas, dores de cabeça e desconforto causados pelo período menstrual entram em confronto com a imagem da mulher idealizada pela mídia, onde são todas resistentes e imbatíveis. Nas escolas, essa era uma justificativa aceita para dispensa das aulas de educação física e muitas garotas faziam uso desse expediente todos os meses, pois, afinal, nesses dias estavam “doentes”. As professoras também tinham direito à falta mensal justificada, supostamente devido ao fato de que suas condições para dar aulas “naqueles dias” poderiam não ser adequadas (LOURO, p.25, 2007). Atualmente, no Brasil o deputado Carlos Bezerra criou um projeto de Lei 6784/16 cuja proposta permite a mulher uma licença de três dias durante seu período menstrual, baseado em uma empresa britânica que adotou esse tipo de licença, a proposta conta com dados estatísticos, como que 65% das mulheres sofrem de dismenorreia, 70% tem queda da produtividade no trabalho 34 causado pelas dores de cabeça, inchaço nas pernas, enjoo, diarreia (NOBRE, 2017). Amadurecidos, homens e mulheres são formados por comportamentos e atitudes advindos de uma série de identidades que foram construídas a partir de vivências, da cultura local, da família, do círculo de amizades, igreja, mídia e lei. Se as múltiplas instâncias sociais, entre elas a escola, exercitam uma pedagogia da sexualidade e do gênero e colocam em ação várias tecnologias de governo, esses processos prosseguem e se completam através de tecnologias de auto disciplinamento e autogoverno que os sujeitos exercem sobre si mesmos. Na constituição de mulheres e homens, ainda que nem sempre de forma evidente e consciente, há um investimento continuado e produtivo dos próprios sujeitos na determinação de suas formas de ser ou “jeitos de viver” sua sexualidade e seu gênero (LOURO, 2007, p. 25 – 26). A sociedade incorporada a todas essas mudanças, contradições e fragilidades opera em busca de ações que possam fixar nos sujeitos um gênero pré-definido, precisa-se ser homem ou ser mulher, de acordo com o sexo biológico e também a necessidade de enquadramento na “normalidade” da identidade sexual: modelo de identidade heterossexual. Os que não seguem e aceitam essas imposições estão prejudicando a ordem e ferindo os estigmas acordados entre a sociedade e instituições (LOURO, 1997). Em contrapartida, a escola tem a função de assegurar e estimular a sexualidade “normal” dos alunos, sem que isso estimule-os ao interesse em questões voltadas à sexualidade e sua prática. Ao atingir a idade de dois ou três anos e adentrar na Educação infantil a criança entra em relação direta com outros meninos e meninas, vendo a si e os outros, tendo a figura do professor (a) como instituição de poder. A carência de uma conversa natural sobre a sexualidade tanto dos pais quanto dos professores gera medos e ansiedades que podem comprometer o desenvolvimento de todo o processo psicossexual (NUNES; SILVA, 2000). 35 CAPÍTULO III IMPACTOS SOCIAIS DA CONSTRUÇÃO DA DESIGUALDADE DE GÊNERO 1 DADOS ESTATÍSTICOS Segundo os dados da Oxfam Brasil, 2017 - Oxford Committee for Famine Relief (Comitê de Oxford de Combate à Fome) sobre rendimentos salariais dos sexos masculinos e femininos, existem melhoras nos últimos anos. Desvencilhamo-nos de um cenário onde mulheres recebiam 40% do valor dos honorários dos homens para uma proporção de 62% em 20 anos, mormente devido ao crescente ingresso da mulher no mercado de trabalho. Hoje, ainda há uma implausível discrepância: o faturamento médio do homem brasileiro era de R$ 1.508,00 em 2015, enquanto o das mulheres era de R$ 938,0063. Conservada a linha dos últimos 20 anos, a Oxfam Brasil calcula que mulheres terão nivelamento salarial apenas em 2047. Ponderando somente a renda do trabalho, mulheres são mais numerosas na faixa salarial de 0 a 1,5 salário mínimo, e ocupam um menor espaço em todas as faixas decorrentes. 65% das mulheres recebem até 1,5 salário mínimo, em dissemelhança com 52% dos homens, e existe por volta de dois homens para cada mulher com renda superior a 10 salários mínimos. Por volta de 1991 e 2010, a parcela de mulheres que buscaram inclusão no mercado de trabalho alavancou de 35% para 53% (OXFAM, 2017). Esta parcela era de apenas 17% em 1960, apontando uma disposição histórica relativamente recente, e ainda inacabada. Os 47% de mulheres que não conseguem ingressar na População Economicamente Ativa (PEA) têm, em sua maior parte, um perfil singular: estão em idade de reprodução, possuem escolaridade média superior à dos homens inativos, têm filhos e são casadas. Isto tudo são características de uma sociedade patriarcal, que deixa com à mulher grande parte do trabalho de reprodução, ou seja, não remunerado. Todavia, este é um dos nossos maiores reveses para a atenuação drástica de falta de equidades de gênero no Brasil (OXFAM, 2017). 36 A Oxfam Brasil (2017) relata que mesmo a escolaridade média superior de mulheres sendo maior do que a dos homens – 8,4 anos de estudo e 8 respectivamente – existe uma exacerbada diferença salarial tendo com base as mesmas faixas educacionais. Mulheres com o terceiro grau completo ganham, em média, R$ 1.338,00, ou seja, 66% do que ganham os homens com respectiva escolaridade (R$ 2.023,00). Na faixa de graduação, mulheres recebem R$ 3.022,00 em média, apenas 63% do que recebem homens com a mesma condição educacional (R$ 4.812,00). Médicas ganham, em média, 64% dos honorários de homens médicos, e mulheres economistas recebem 61% do que ganham, em média, os economistas homens. As formações de baixa remuneração com grande atuação feminina, como letras, mulheres ganham por volta de 80% do que ganham os homens (OXFAM, 2017). Considerando que um terço das famílias brasileiras é governada por mulheres, e metade delas é monoparental, as mulheres dedicam mais do que o dobro de seu dia para as atividades de casa do que os homens. A taxa de feminicídio dobrou entre 1980 e 2011, e uma mulher é executada a cada duas horas, tendo como assassinos homens com os quais possuem relações íntimas. O Brasil é o sétimo país do mundo com maiores taxas de feminicídio. Em 2012, o número de estupros foi superior a 50.000. O Brasil ocupa o 121º lugar no ranking de participação das mulheres na política, ou seja as mulheres preenchem um pouco mais de 10% dos assentos no Congresso Nacional. As mulheres também desempenham apenas 10% das prefeituras e constituem 12% dos conselhos municipais, mesmo com o cumprimento da lei de cotas (30%) conquistado pela primeira vez nas eleições municipais de 2012. Desta forma, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas o Brasil ocupa a 85ª posição em desenvolvimentohumano e desigualdade de gênero. Segundo o relatório A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras - Oxfam Brasil, mulheres e negros são maiores utilizadores do sistema público de saúde. As admissões de mulheres a hospitais, postos de saúde e vacinação, entre outros serviços públicos, estão por volta de 60% a mais que os de homens (OXFAM, 2017). 37 Outra diferença exacerbada entre os gêneros se dá nas questões dos afazeres domésticos. De acordo com o artigo intitulado “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça” realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA): Em 2009, 69,4% da população com mais de 10 anos e 70,8% da população com mais de 16 anos cuidavam dos afazeres domésticos. Praticamente não há diferença entre as populações branca e negra, mas ela é bastante significativa em relação aos sexos: 49,1% dos homens com mais de 10 anos declararam cuidar destes afazeres, em face de 88,2% das mulheres, resultado bastante semelhante ao da população com mais de 16 anos (IPEA, 2011, p.36–37). Desde os 5 anos de idade as meninas são induzidas a realizarem tarefas domésticas, enquanto meninos não são estimuladas para estas atividades. Esta diferença perdura durante a vida adulta, onde a média de horas dedicadas aos serviços do lar por mulheres acima de 16 anos é de 25 horas semanais e por homens com a mesma faixa etária é de 10 horas. Todas essas horas dedicadas aos serviços domésticos, causarão impactos em relação as horas trabalho, acarretando sobrecarga de trabalho para as mulheres, haja vista que muitas delas cuidam do lar e trabalham fora (IPEA, 2011). A violência está presente em nossa sociedade, sendo ela física, verbal, sensação de medo ou insegurança de estar em determinados lugares, tentativa de roubo e furto. Nota-se que os gêneros sofrem violências de maneiras diferentes. Em relação às ocorrências de roubo e furto, de modo geral, os homens enfrentam, proporcionalmente, mais este tipo de situação. Cerca de 4% deles foram vítimas de roubo e 4,5% de furto, no período de um ano, ao qual a pesquisa se referiu. Para as mulheres, estes valores são um pouco menores, alcançado 3,2% e 3,5% respectivamente. Estes dados confirmam a ideia de que a população masculina vivencia um tipo de violência praticado no espaço público, enquanto as mulheres, conforme se verá a seguir, enfrentam, com mais intensidade, a violência no espaço doméstico (IPEA, 2011, p.39). 38 Vale notar que a existência de sensação de insegurança do sexo feminino dentro de seus próprios lares, onde as vítimas são agredidas pelos seus cônjuges, ex-cônjuges ou outros parentes. De acordo com IPEA: Entre os homens, 46,4% dos autores eram pessoas desconhecidas, mas somente 2% eram cônjuges ou ex- cônjuges, e 5,7% eram parentes. Para 26% das mulheres, a violência era perpetrada por seus próprios companheiros ou ex- companheiros, e para 11,3%, por algum parente. Ainda que em uma proporção alta (29%), a agressão física de mulheres por desconhecidos era menos significativa que a de homens (p.39, 2011). É perceptível o quanto as agressões variam de acordo com o gênero, ou seja, a mulher é a principal vítima de violência doméstica. 1.1 Políticas públicas 1.1.1 Projeto de lei de licença para mulheres no período menstrual O projeto de lei do Deputado Senhor Carlos Bezerra (2016), surgiu a partir de uma matéria publicada no Jornal Folha de São Paulo, onde relatava o caso de uma britânica ter conseguido afastamento remunerado no período menstrual, em uma pequena empresa residida em Britol (Reino Unido). Este afastamento nomeia-se como licença-menstrual, dando direito a funcionária que sofre neste período a trabalhar em casa, a ter maior flexibilidade de horários e compensar estas horas se necessário. Esta licença existe há décadas nos países Asiáticos, como China e Japão sendo cientificamente defendidas pelos médicos, tendo como justificativa as inúmeras alterações causadas no corpo feminino devido a menstruação. O Deputado Sr. Carlos Bezerra, apoia: Entendemos, portanto, que a norma proposta beneficiará as mulheres trabalhadoras, que padecem por ter que trabalhar com todos os incômodos causados pela menstruação, mas também trará vantagens para as empresas, que disporão da força de trabalho feminina sempre no melhor nível de produtividade (Projeto de lei 6784/16, 2016). 39 De acordo com a lei de 2016, esta licença trará benefícios à empregada e ao empregador pelo fato da mulher ter maior disposição fora do período menstrual. PROJETO DE LEI 6784/16 DE 2016 (Do Sr. Carlos Bezerra) Acrescenta-se ao artigo à Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre o afastamento do trabalho durante o período menstrual da empregada (PROJETO DE LEI, 2016). O Congresso Nacional decreta: Art. 1º A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo: “Art. 373-B. A empregada poderá se afastar do trabalho por até 3 (três) dias ao mês, durante o período menstrual, podendo ser exigida a compensação das horas não trabalhadas.” Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Há mulheres que entram em estado de grande sofrimento devido ao seu período menstrual, gerando uma dificuldade da mesma em exercer dadas funções, com esta lei a mulher sente-se amparada dentro do mercado de trabalho, contudo sem prejudicar sua função, aja vista que esta poderá compensar os 3 dias de afastamento (PROJETO DE LEI, 2016). 1.1.2 ONU Mulheres A ONU Mulheres foi criada em 2010, com objetivo de fortalecer e ampliar os esforços mundiais voltados à defesa dos direitos humanos das mulheres. Os principais eixos de atuação são: liderança e participação política das mulheres; empoderamento econômico; fim da violência contra mulheres e meninas; paz e segurança e emergências humanitárias; governança e planejamento; normas globais e regionais (ONU, 2017). As sedes da ONU Mulheres estão centradas em: Nova Iorque, Estados Unidos e possui escritórios regionais em países da África, Américas, Ásia e Europa. Nas Américas e Caribe, o escritório regional está situado no Panamá. No Brasil, o escritório atua em Brasília. 40 No momento atual, a ONU Mulheres está trabalhando pela iniciativa “Por um planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero”, direcionado para os líderes mundiais, governos, empresas, universidades, sociedade civil e mídia, para acelerar a concretização de ações que favoreçam os direitos das meninas e mulheres. 1.1.3 Eles por Elas – “He for She” Eles por Elas – He for She é um movimento de solidariedade da ONU Mulheres criado com o intuito de alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento das Mulheres, um esforço a nível global para criar condições para que homens e meninos estejam juntos com as mulheres e meninas trabalhando na extinção das barreiras sociais e culturais impostas que impedem as mulheres de alcançar o seu potencial máximo e causam à elas violências físicas, psicológicas e emocionais. O movimento entende que para a promoção da igualdade entre os gêneros é necessário a inclusão dos homens e meninos, como agentes transformadores, que irão juntamente com as mulheres descontruir a ideia de submissão e inferioridade feminina. O Eles por Elas (He for She) tem como objetivo: Engajar homens e meninos para novas relações de gênero sem atitudes e comportamentos machistas. Para a ONU Mulheres, a voz dos homens é poderosa para difundir para o mundo inteiro que a igualdade para todas as mulheres e meninas é uma causa de toda a humanidade (ONU MULHERES, 2014). O Eles por Elas pretende ampliar a reflexão e o diálogo acerca dos direitos das mulheres eassim agilizar os avanços para atingir a equidade de gênero, que só será alcançada por meio de uma reformulação sobre essas questões, fazendo que esta deixe de ser apenas um problema das mulheres para se tornar uma questão que exige a participação e atenção de homens e mulheres, o que beneficiará toda a sociedade nos âmbitos social, político e econômico. 41 O movimento é organizado através das diretrizes seguintes: Atenção: educação, sensibilização e conscientização; Argumentação: impacto através de políticas e planejamento; Ação: captação de recursos e outras ações. 1.1.4 Lei Maria da Penha “É mulher de malandro.” “Por que você provocou ele?” “É a primeira vez que ele te agrediu?” “Por que não denunciou antes?” “Está com ele porque quer!” A violência doméstica e familiar contra o sexo feminino infelizmente se faz presente no Brasil e no restante do mundo, ocasionando crimes hediondos. Apesar disto, muitas vezes estas agressões não são vistas como alarmantes, haja vista que a violência doméstica está engendrada em nossa sociedade machista sendo estas em muitos casos vistas como culpa da mulher. Estes abusos tornam-se de fato um problema social, de acordo com o Dossiê Violência doméstica e familiar realizado pela Agência Patrícia Galvão (2015): É comum os homens serem valorizados pela força e agressividade, por exemplo, e muitos maridos, namorados, pais, irmãos, chefes e outros homens acham que têm o direito de impor suas opiniões e vontades às mulheres e, se contrariados, recorrem à agressão verbal e física. Com base em construções culturais desse tipo, que vigoram há séculos, muitos ainda acham que os homens são ‘naturalmente superiores’ às mulheres, ou que eles podem mandar na vida e nos desejos delas, e que a única maneira de resolver um conflito é apelar para a violência. A Lei Maria da Penha foi criada no ano de 2016 e aprovada pelo então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a intenção de coibir as violências familiares e domésticas contra a mulher. Categorizou-se como agressões: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, foram formuladas medidas de prevenção, realizadas campanhas e palestras educacionais com o intuito de mostrar a sociedade o valor da mulher. 42 Caso houver denúncia, fica garantida a proteção à vítima, onde será decretada a importância de sua integridade física e mental. Ao confirmar a queixa, a mulher deverá ser protegida pela polícia, sendo encaminhada ao hospital, disponibiliza-se transporte a vítima e seus dependentes. A mesma é encaminhada ao tratamento multidisciplinar, onde ela e seus dependentes terão atendimento de psicólogos e do juizado. De acordo com a lei Nº11.340, de 7 de agosto de 2006: Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social (BRASIL, 2006). 43 CAPÍTULO IV METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DE PESQUISA 1 METODOLOGIA O projeto foi submetido na Plataforma Brasil atendendo a resolução 466 do Ministério da saúde e aprovado pelo comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – Parecer nº 2.358.232 - data da relatoria: 30 de outubro de 2017 (ANEXO A). Todos os participantes tiveram ciência da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO B) de forma voluntária. O tipo de pesquisa utilizado no estudo foi a Pesquisa de Campo que segundo Fonseca: “Caracteriza as investigações em que para além da pesquisa bibliográfica e/ou documental, se coletam dados juntos com pessoas, utilizando diversos tipos de pesquisa (2002, p.32). A pesquisa de campo quantitativo-descritiva, subdividida em estudos de avaliação de programa, que se utiliza de um questionário como coleta de dados, que de acordo com Marconi e Lakatos (2003): Consistem nos estudos quantitativo-descritivos que dizem respeito à procura dos efeitos e resultados de todo um programa ou método especifico de atividades de serviços ou auxílio, que podem dizer respeito à grande variedade de objetivos, relativos à educação, saúde e outros. As hipóteses podem ou não estar explicitamente declaradas e com frequência derivam dos objetivos do programa ou método que está sendo avaliado e não da teoria. Empregam larga gama de procedimentos que podem aproximar-se do projeto experimental (p.187). Para a coleta de dados utilizou-se uma entrevista semiestruturada (APÊNDICE A), na qual há uma combinação de perguntas fechadas e abertas em que o entrevistado pode falar sobre o tema proposto sem respostas e exigências pré-estabelecidas (MINAYO, 2000). Esse questionário é composto por 12 questões fechadas e 13 questões abertas que procurou produzir e levantar informações sobre: identidade e 44 formação de gênero; postura dos pais em relação à sexualidade e estereótipos de gênero. Os participantes da entrevista foram 15 pais entre 29 a 51 anos de idade e 15 mães entre 25 a 55 anos de idade de crianças e adolescentes que possuem entre 0 a 18 anos de idade da região de Lins/SP. Quadro 1: Demonstrativo dos participantes de pesquisa identificados pela sigla Q – Questionário, respectivo parentesco com a criança e/ou adolescente e idades, sexo do filho(s) e idade(s) (continua) Participantes Parentesco Idade Filhos Sexo Idade Q1 Mãe 30 anos Fem 3 anos;3 anos Q2 Mãe 41 anos Masc; Fem 8 anos; 20 anos Q3 Mãe 46 anos Fem;Masc 13 anos;28 anos Q4 Mãe 42 anos Fem; Masc; Fem; Masc 12 anos;6 anos;20 anos;22 anos Q5 Mãe 25 anos Fem 7 anos Q6 Mãe 31 anos Masc 4 meses Q7 Mãe 31 anos Fem 12 anos Q8 Mãe 30 anos Fem 2 anos Q9 Mãe 25 anos Fem 2 anos Q10 Mãe 45 anos Fem 4 anos Q11 Mãe 55 anos Masc; Masc 18 anos; 30 anos Q12 Mãe 46 anos Fem; Masc; Masc 10 anos; 14 anos; 25 anos; Q13 Mãe 28 anos Masc 7 meses Q14 Mãe 30 anos Masc; Masc; Masc 2 anos;4 anos;21 anos Q15 Mãe 27 anos Masc; Fem 3 anos;4 anos Q16 Pai 45 anos Masc 11 anos Q17 Pai 46 anos Fem; Fem 7 anos;10 anos Q18 Pai 48 anos Masc; Fem 3 anos;15 anos Q19 Pai 33 anos Fem 2 anos Q20 Pai 43 anos Fem 4 anos Q21 Pai 33 anos Fem 1 anos Q22 Pai 38 anos Masc; Masc 10 anos;14 anos 45 (conclusão) Participantes Parentesco Idade Filhos Sexo Idade Q23 Pai 51 anos Fem; Fem 9 anos;15 anos Q24 Pai 36 anos Fem 2 anos Q25 Pai 34 anos Fem; Masc 1 ano;9 anos Q26 Pai 40 anos Masc; Fem 11 anos;12 anos Q27 Pai 29 anos Masc 4 anos Q28 Pai 34 anos Masc 7 anos Q29 Pai 33 anos Fem 2 anos Q30 Pai 32 anos Fem 3 anos Fonte: elaborado pelas autoras, 2017. A aplicação da entrevista semiestruturada, deu-se em locais de circulação pública, com grande concentração de pessoas, já que o intuito da pesquisa é justamente acessar a compreensão do senso comum acerca da temática em questão. As pesquisadoras a partir do parecer favorável pelo Comitê de Ética demarcaram as datas e os locais os quais as entrevistas foram aplicadas, foram tomados todos os cuidados necessários para a preservação da identidade dos participantes. Todos os participantes foram esclarecidos acerca do público-alvo da pesquisa, os objetivos, a atividade a ser realizada, duração, ausência de ônus para a participação, possibilidade de desistência em qualquer momento e a garantia do sigilo das informações fornecidas, em caso de divulgação científica dos dados analisados, através da Carta de informação ao participante de pesquisa (APÊNDICE B). Depois de todas as dúvidas esclarecidas, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, autorizando a própria participação. 1.1 Psicologia
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