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A Geografia Crítica no Brasil 1[1] Helio de Araujo Evangelista Resumo: O presente trabalho versa sobre a Geografia Crítica no Brasil. Nós verificamos que a Geografia Crítica apresentou um grande crescimento nos últimos vinte anos, porém ela não o manteve até os nossos dias. Assim, o objetivo deste texto é o de entender porque isto ocorreu. Abstract: This work is about Critical Geography in the Brazil. We observe, after a great development of the Critical Geography in the last twenty years, that it didn’t stand this development until nowdays . So, the goal of this papper is to understand why it happened. Palavras-chaves: Geografia Crítica, Brasil, tendências Work-keys: Critical Geography, Brazil, last tendencies. • • Introdução O presente trabalho se propõe a analisar uma corrente da Geografia que já teve maior influência na Geografia Brasileira, a saber: a Geografia Crítica. Durante a graduação, iniciada em 1977, na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, foi possível acompanhar uma forte renovação do pensamento geográfico combinado ao processo de abertura política. Numa primeira avaliação, percebe-se que a Geografia Crítica, que atraiu tantos quadros jovens à época, era emulada por um processo político que procurava restabelecer a ordem democrática e lutar pela justiça social. No entanto, verifica-se, ao longo da década de 80 passada, que ocorreu uma inflexão neste processo, o que levou Oliveira ( 1997, p. 155 ) a observar: “A partir de 1989, esta Geografia ( a Crítica ) começou a apresentar seus primeiros sinais de esgotamento diante da realidade em transformação, expondo seus limites teórico-metodológicos. A queda do muro de Berlim, o fim da URSS, aliados à crise do marxismo e à falência dos paradigmas da 1[1] Trabalho publicado na Revista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Duque de Caxias ( RJ ), setembro de 2000, ano II, nº 2. modernidade na explicação da nova realidade em mudança, inclusive o da teoria social crítica, revolucionam o pensamento e a produção geográfica em todos os sentidos e direções.” Entendemos, no entanto, que é possível vislumbrar estes sinais de esgotamento antes mesmos dos impressionantes episódios que marcaram os países socialistas, e é isto que procuraremos apresentar ao longo do nosso trabalho. *** A realização do I Encontro de História do Pensamento Geográfico em novembro de 1999 foi marcada por uma surpreendente produção . Nota-se na leitura dos dois volumes dos anais do encontro, que a Geografia Crítica só é lembrada, explicitamente, no eixo temático referente à sala de aula. Assim, parece que ocorre hoje o inverso do que ocorria ao início da década de 80, ou seja, enquanto nos meios universitários a Geografia Crítica propagava-se de forma muito avançada, particularmente entre os graduandos e recém-formados, no sistema de ensino de 1º e 2 º graus, os livros didáticos comportavam-se de forma relativamente imunes ao que se dava no meio universitário, os autores em voga, como Igor Moreira, entre outros, não tinham ainda absorvido, em seus trabalhos, a efervescência do 3º grau. Hoje, no entanto, a partir dos trabalhos de José W. Vessentini, Douglas Santos, entre outros, os livros didáticos passaram a ter uma nova concepção para a qual a Geografia Crítica trouxe uma contribuição decisiva; mas, no meio universitário, verifica-se uma certa “indiferença” quanto à Geografia Crítica. A tirar pelos trabalhos encontrados nos anais, é possível perceber uma enorme quantidade de trabalhos históricos voltados, sobretudo, para personalidades brasileiros que pertenceram ou não à Geografia; é como se houvesse um esforço, inconsciente ou não, de recuperação das raízes do que significa pensamento geográfico. A análise, no entanto, da Geografia Crítica brasileira é um tema por demais vasto, ainda mais que a sua história ainda não terminou; de modo que pode-se encontrar nestas páginas uma contribuição à análise de quem acompanhou a evolução da Geografia Crítica, embora não de forma engajada. • • A Geografia Crítica A origem A influência desta corrente de pensamento na Geografia só ocorreu após a 2ª Guerra Mundial...2[2] “É somente no limiar da crise do pensamento tradicional que as idéias de Marx virão à tona no debate da Geografia. Tal processo se inicia no pós-guerra, e adquire alguma intensidade nos anos cinqüenta, já no bojo de uma perspectiva de renovação da Geografia.” ( Moraes, 1987, p. 40 ) Houve diferentes aspectos sócio-econômicos que deflagaramm a influência do marxismo na Geografia; de forma resumida, a partir de Horacio Capel in Filosofia y Ciência en la Geografia Contemporânea, cabe destacar: a) após a morte de Stalin e a tendência de coexistência menos beligerante entre os sistemas socialistas e capitalistas, houve um florescimento da reflexão marxista que não se viu tão premida em defender as políticas do estado soviético; b) a expansão dos movimentos libertários nas antigas colônias dos países europeus encontrados no Terceiro Mundo impulsionou a reflexão sobre o subdesenvolvimento social e a reflexão sobre a busca de solução para os problemas sociais encontrados; c) a consciência da degradação ambiental concorreu com a verificação da deterioração da qualidade de vida das grandes cidades, justificando o aparecimento de movimentos sociais que procuraram se opor a estes processos. ( 1981, pp. 404-406 ) Segundo Antônio Carlos Robert de Moraes et Costa in Geografia Crítica - a valorização do espaço, os geógrafos que introduziram, na Geografia, uma abordagem crítica foram Pierre George, Bernard Kayser, Jean Tricart entre outros e um marco que formou o grupo de geógrafos da Geografia Crítica foi as Jornadas dos Intelectuais Comunistas realizadas em Ivry, na França, em 1953. ( 1987, p. 40 ) Segundo Horacio Capel, o aparecimento da Geografia Crítica nos Estados Unidos ocorreu em 1969, quando foi apresentado na reunião da Associação dos Geógrafos Americanos a revista Antipode. A Radical Journal of Geography editada por Richard Peet . Cinco anos mais tarde, houve a organização da Geografia Crítica americana através da criação da Union of Socialist Geographers e da associação Socially and Ecologically Responsible Geographers ( SERGE ). ( 1981, p. 427 ) Segundo Horacio Capel, a Geografia Crítica surgiu na Europa, em parte, dadas as condições internas e também ao influxo da escola americana, que teve forte influência em países como a França. Neste país, a Geografia Crítica teve, a partir de Yves Lacoste e a criação da revista Herodote, em 1976, uma intensificação na formação de um expressivo grupo de geógrafos críticos. ( Ibidem, p. 435 ) 3[3] 2[2] R. J. Johnston in Philosophy and Human Geography indica a forte influência do marxismo na Geografia a partir de um ponto de vista estruturalista, pelo qual as explicações dos fenômenos devem estar referenciadas às estruturas que os sustentam, mas que não são imediatamente identificados por estes fenômenos; assim não basta um estudo empírico para compreender a realidade, cabe sim uma análise que rompa o véu dado por aquilo que nos trás os nossos sentidos e apreenda, através de um esforço de raciocínio e abstração, estruturas universais que dinamizam a sociedade. ( 1986 a, pp. 97-101 ) 3[3] Esta observação, combinada a de Moraes sobre a origem da Geografia Crítica ( 1987, p. 40 ), destaca a supremacia americana em estabelecer a hegemonia das idéias. Emborca subjacente na década de 50, na França, a Geografia Crítica adquiriu capilaridade a partir do seu alcance junto as diferentes aparelhos de divulgação e das instituições de ensino americanas que lhe deram uma popularidade que até então não tinha alcançado. Josefina Gómez Mendoza et alli in El Porém, o crescimento e projeção da Geografia Críticanão ocorreu sem os percalços das divisões internas e disputas. Na França, por exemplo, houve aqueles que comungando a teoria marxista defenderam a abjuração da Geografia na justificativa de que a mesma era uma herança da sociedade burguesa, de base positivista, e, portanto, contrária aos interesses dos trabalhadores, eram os chamados liquidacionistas segundo Yves Lacoste. ( Moraes, 1987, pp. 43-44 ) Nos Estados Unidos, por sua vez, ocorreu uma discussão interna sobre a propriedade de se manter ou não o caráter revolucionário da Geografia Crítica, se deveu ou não ser propugnadora de uma quebra da estrutura social vigente. Horacio Capel exemplificou esta polêmica na discussão sobre a adoção do termo radical ou revolucionária pela Geografia. ( Capel, 1981, pp. 430-431) 4[4] Matriz teórica Intentaremos, a seguir, analisar o ato de conhecer numa perspectiva marxista, pois isto nos auxilia a compreender melhor o teor da Geografia Crítica. 5[5] Karl Marx foi um homem da tradição revolucionária, herdeiro de uma tradição francesa que buscou a “... a retomada do movimento que foi interrompido, e depois invertido, pela instituição “burguesa” da república ... pela ditadura napoleônica, e enfim pela Restauração e a Contra-Revolução.” 6[6] Não se tratava de uma busca por uma situação ideal, mas sim de um movimento social cujos herdeiros dos anteriores revolucionários eram os operários , os trabalhadores . 7[7] pensamiento geográfico - estudio interpretativo y antologia de textos ( de Humboldt a las tendencias radicales ) chegam a indicar que para a Geografia Radical existiram dois centros priviligiados, o dos Estados Unidos e o da França. ( 1982, pp. 135-140 ) 4[4] Pelo exposição que se segue, é adotado o termo Geografia Crítica, como é conhecida esta corrente no Brasil.. Havendo, porém, aqueles, por razões várias, que procuraram distinguir nesta corrente tendências revolucionárias ou reformistas, nós procuramos, no entanto, nos ater às principais marcas da Geografia Crítica, sem entrar em nuances das diferenças internas. 5[5] A obra de Karl Marx é extremamente ampla, e a apreensão de sua concepção do ato de conhecer encontra-se disseminada em seus escritos. As obras como Teses sobre Feuerbach, Manifesto Comunista, A miséria da filosofia, O capital e seus estudos históricos pontificam a constituição de sua forma de abordar a socieade. Porém, não há um trabalho de sua autoria que sistematize uma gnoseologia. Por esta razão, nos pautaremos em autores que tiveram preocupação semelhante a nossa. 6[6] In A filosofia de Marx de Étienne Balibar, pp. 30-31, ( 1995 ). 7[7] Ibidem, p. 31. Karl Marx ao fixar-se na Inglaterra, em 1850, portanto com trinta e dois anos, já tinha passado por uma série de movimentos sociais, tendo sido expulso da França e Prússia, e perseguido na Bélgica 8[8]. Enfim, a constituição de seu pensamento esteve intimamente vinculada a uma atividade política, revolucionária, que por sua vez esteve alicerçada a uma determinada concepção filosófica de mundo cujas raízes podemos encontrar em Hegel .9[9] Sobre Marx, que não chegou a sistematizar o seu método de trabalho 10[10], há fragmentos de reflexões metodológicas pelas quais Jürgen Kocka chamou atenção para o seguinte: Marx não opera uma separação entre sujeito e objeto, ele entende a realidade como atividade sensorial-humana, como prática, deste modo, a realidade histórica é ...“um processo no qual se objetiva de forma permanente, e em medida crescente, o trabalho humano e, através deste, a consciência humana; e isto, por sua vez, constitui condição para influir reflexivamente sobre o sujeito que pensa e age...a realidade não precisa, por princípio, ser estranha e externa ao entendimento racional do homem, uma vez que ela é crescentemente mediada pelo trabalho e pelo fato de que a consciência tornada prática ajuda na sua constituição”. ( 1994, p. 41-42 ). A consciência, segundo Marx, não se aproximava ...“da realidade com categorias estranhas às coisas; ...valores e perspectivas devem ser vistos como momentos do processo social e histórico global, e não contrapostos à coisa de forma descompromissada”. ( Ibidem, p. 48 ) Esta forma de conceber a realidade é interpretado por Jürgen Kocka como a tomada da concepção de Hegel segundo o qual foi localizado uma unidade estruturada em toda a multiplicidade, há um cerne em todos os fenômenos, e isto levou a Marx a reivindicar ...“para a ciência a apreensão da essência das condições históricas, isto é, conhecimento da substância ou apreensão da totalidade”. ( Ibidem, p. 46 ) O pensamento de Marx surgiu como uma visão geral da história humana, detendo- se com maior profundidade nas características da sociedade capitalista, e visualizou a partir das contradições inerentes a esta sociedade, uma profunda transformação social. Enfim, o marxismo caracteriza-se por um pronunciamento teórico radical. Pretende ser uma cosmovisão e uma revolução completa. Esta corrente não pode ser caracterizada por uma ética ! O ponto de partida do marxismo é o de ter uma concepção da sociedade e história humana que explicita os grandes movimentos destas mesmas sociedade e história e, com isso, acredita ter condições de vizualizar o cenário futuro. Não há o êmulo da moral em Marx para lutar a favor do proletariado; a perspectiva é operacional, ou seja, pela concepção construída, o proletariado corresponde a nova vanguarda da sociedade, tal como foi a burguesia no passado 11[11] !. 8[8] Vide Karl Marx - Pequena biografia de Evguénia Stepánova ( 1979 ). 9[9] Jürgen Kocka ( 1994, p. 46 ), destaca este aspecto mencionando diferentes pensadores contemporâneos concordes com este ponto. 10[10] Como destaca Henri Lefebvre in a Sociologia de Karl Marx ( 1979 ) . 11[11] Naturalmente que na mobilização política a questão ética ( a luta pelos mais pobres ), ou até mesmo o nacionalismo ( defesa dos interesses nacionais ) podem ser utilizados como formas de galvanizar a opinião pública, porém, estas O pensamento filosófico da Geografia Crítica, por sua vez, é, segundo Josefina Gómez Mendoza et alli in El pensamiento geográfico - estudio interpretativo y antologia de textos ( de Humboldt a las tendencias radicales ), reconhecido pela sua diversidade de pronunciamentos e direções. ( 1982, p. 135 ) Horacio Capel indica que o marxismo foi considerado até a Primeira Guerra Mundial como um pensamento que proporcionava uma visão completa da sociedade e da natureza, ( 1981, p. 439 ) tendo assim proporcionado uma espécie de um novo padrão científico, pelo qual seria possível um forma global de se analisar a realidade.12[12] Após a Grande Guerra, a interpretação sobre o marxismo primou por uma discussão histórica; já não se alimentava a pretensão desta corrente ser considerada uma nova forma de fazer ciência, mas fundamentalmente uma nova forma de ver a sociedade. Por este enfoque a história humana seria compreendida por trocas nos sistemas sociais decorrentes do esforço humano em dominar a natureza, e esta mudança seria permeada por um progresso que levaria a um fim. ( Capel, pp. 439-440 ) Josefina Gómez Mendoza et alli observam que o discurso do marxismo na Geografia assumiu duas rotas, a saber: 1ª rastreou a existência de uma teoria geográfica nos textos fundadores do materialismo histórico; 2ª a partir das categorias existentes e do método marxista, operaram novos conceitos para a Geografia. ( 1982, p. 148 ) Pela primeira rota é verificado uma divergência entre aqueles que entendem que Marx teria fundado uma teoria da geografia, como o fez para a sociologia, história, economia 13[13] ; e os que afirmam Marx teria negligenciado o espaço 14[14]. ( Ibidem, p. 149 )“bandeiras” decorrem de movimentos táticos que podem ser substituídos assim que ocorram mudanças nas circunstâncias então vigentes. 12[12] Horacio Capel interpreta estar incluso nesta visão a preocupação positivista de que “...el materialismo histórico dialéctico ha formulado las leyes causales del desarrollo de la humanidad, las cuales permiten predecir de forma ineluctable la evolución pasada - es decir, el origen y desarrollo del capitalismo - y futura - es decir, la necesaria transición al socialismo - de la humanidad.” ( Capel, op. cit. p. 439 ) 13[13] “Marx não é portanto um geógrafo ( assim como não é um historiador nem um sociólogo ), mas no marxismo, assim como existe uma teoria da história e uma análise da sociedade, existe também uma geografia, sempre que por geografia se queira entender principalmente “a história da conquista cognoscitiva e da elaboração regional da terra, em função de como veio a se organizar a sociedade” ( L. Gambi ). No marxismo existem, além de inúmeros temas de pesquisa, também uma teoria da geografia e dos limites das condições e fatores geográficos”. ( Quaini, 1979, p. 51 ). 14[14] “O que choca não é a falta de interesse de Marx para com os problemas geográficos: é a disjunção entre seus textos teóricos mais elaborados, O Capital em primeiro lugar, e seus textos mais circunstanciais, militares ou político- estratégicos. O que choca no próprio bojo dos textos mais elaborados não é tanto a falta de interesse para com os problemas geográficos do que a irrupção, numa problemática globalmente a-espacial, de raciocínios geográficos grosseiramente deterministas”. ( Lacoste, 1988, p. 141 ). Pela segunda rota é importante destacar o método como a afirmação da viabilidade do materialismo como teoria da sociedade. Por esta teoria, há relações complexas entre a sociedade e o espaço; tal posicionamento incorre em negar a autonomia ao espaço, tendo seu conteúdo dado pela sociedade. ( Ibidem, p. 149-150 ) 15[15] A partir da configuração do pensamento marxista na Geografia, onde é enfatizado um entendimento historicista da sociedade, surge a dificuldade para se adequar a linguagem da temporariedade com o da espacialidade. Yves Lacoste indica a dificuldade de se ter em Marx um ponto de apoio para a Geografia, como fica claro nesta passagem apresentada por Josefina Mendonza: “...Señala, en efecto, dicho autor que, con el enfoque marxista, los problemas básicos del entendimiento geográfico quedan diluidos e irresueltos en un discurso articulado por - y para - otros dominios del conocimiento social, de forma que a menudo no se hace sino extrapolar, para las estructuras espaciales, interpretaciones que remiten a estructuras econômicas y sociales, a reflexiones de la historia y de la economía política. Siempre según Lacoste, el razonamiento marxista no basta, en particular, para garantizar un fecundo entendimiento de las estrategias diferenciales sobre el espacio. Se acepte o no en toda su dimensión la crítica lacostiana al discurso geográfico marxista, parece indudable que éste supone un modo de entendimiento que, al centrar toda su argumentación en las capacidades de determinación que se atribuyen a los procesos históricamente actuantes, se ve abocado a negar de hecho - explicita o implicitamente - la espacialidad. ” ( Grifo nosso, 1982, 152-153 ) Além deste aspecto, Josefina Mendoza indica um outro ponto que diz respeito a falta de uma melhor compreensão dos aspectos ecológicos e energéticos por parte dos geógrafos marxistas; falta, segundo ela, uma tomada de consciência conceitual e analítica para tratar destes temas. ( Ibidem , p. 153 ). Sobre a relação homem-natureza, Antônio Carlos Robert de Moraes identifica que o marxismo força a opção dos geógrafos “... ou a Geografia é uma ciência da sociedade ou uma ciência da natureza” e sendo adotada a Geografia como ciência social, os fenômenos da natureza são destacados “...enquanto recursos para a vida humana” . ( Moraes et Costa, 1987, p. 58 ) 16[16] Na análise da relação da Geografia Radical com os outros campos da Geografia, por sua vez, verifica-se uma acirrada luta contra a Geografia Quantitativa, não pelo seu 15[15] “Pero si el espacio es la proyección de la sociedad, sólo podrá ser excplicado - y ésta es la consecuencia metodológica fundamental de la asunción inicial - desentrañando en primer lugar la estructura y el funcionamiento de la sociedad o formación social que o ha producido”. ( Mendoza et alli, 1982, p. 150 ) 16[16] Durante a realização do Seminário de Geografia Humana, do curso de doutorado, coordenado pela Professora Bertha K. Becker, no primeiro semestre de 1995, pelo programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ; o prof. Antônio Carlos Robert Moraes teve a oportunidade de externar o mesmo ponto de vista. E, segundo o relato da coordenadora do seminário, que presenciou um debate de David Harvey com uma ecóloga nos Estados Unidos, este deixou claro que o método marxista não foi pautado por uma visão integradora na análise da relação homem-natureza. conteúdo técnico, mas sim aos seus pressupostos de base positivista. Neste aspecto, há um ponto de proximidade com a Geografia Humanista. 17[17] A Geografia Radical alega que os elaborados métodos quantitativista, em função de sua base de apoio, são enfoques que não trazem contribuições para a compreensão da sociedade, além de ter uma função mitificadora sobre a realidade; por trás da “parafernália” tecnológica há um subjacente objetivo de não revelar os processos sociais, as dinâmicas das lutas travadas no bojo da sociedade. ( Mendoza et alli, 1982, p. 143 ) Deste modo, a Geografia Quantitativa apresenta dois aspectos condenáveis, a saber: o reducionismo e o feitichismo espacial. Pelo primeiro aspecto há um esforço de matematização dos fenômenos naturais e de sua relação com os aspectos sociais, o que segundo Anderson, citado em Mendonza et alli, é um forma de camufladamente introduzir a ciência natural na ciência social e desta forma naturalizar as relações sociais.( Ibidem, pp. 143-144 ) 18[18] O segundo aspecto diz respeito à formalização geométrica do espaço, pela qual as relações sociais se apresentam como relações entre áreas, assim, o espaço é tido como uma variável independente, onde as origens dos processos sociais são detectados e compreendidos por processos espaciais, cuja dimensão unidimensional não destaca a própria dinâmica da evolução da economia capitalista. ( Ibidem, p. 144 ) Enfim, nestes embates teóricos, o marxismo na Geografia forma uma nova escola. Pela primeira vez na história da disciplina temas sociais e políticos marcados por perspectiva crítica deixam de ser tratados episodicamente, como o fez precursores como Elysée Reclus 19[19], para serem tratados sistematicamente. E não foram poucos os geógrafos que adotaram o marxismo; de certo modo, o marxismo facilitou a resolução de certos impasses ( p. ex: a glosa de que a Geografia seria uma disciplina a-política, neutra, etc. ), pois proporcionou uma visão de mundo ( articulando variáveis econômicas, políticas, sociais etc. ), relacionando-a a um projeto político ( o que proporcionava um sentido para suas próprias vidas ). Houve a nítida percepção de que se participava de um processo histórico que os arremessava para o futuro - em nome de uma sociedade igualitária.20[20] 17[17]A explicitação do teor e comparação destas correntes da Geografia foi por nós realizada no texto “Os debates recentes na Geografia e o futuro da disciplina” que veio a ser divulgado na Revista FEUDUC, nº 1, agosto/99, pp. 44-63. 18[18] Este aspecto trás consequências para o campo político, pois a partir de uma visão natural da sociedade as desigualdades sociais, por exemplo, são tidas como o aspecto natural de um organismo em crescimento ( ou doente ) cujo problema podevir a ser superado sem rupturas das estruturas sociais. 19[19] Élisés Reclus ( 1830-1905 ) que embora não fosse marxista, pelo contrário, seu adversário, pois era anarquista e aliado de Bakunin, grande opositor de Karl Marx na I Internacional, foi precursor de uma linha da Geografia que assume um caráter crítico à organização social. ( Andrade, 1985, pp. 15-16 ) 20[20] Entre os recalcitrantes, havia o preconceito de serem considerados pró-capitalistas ... coniventes com a sociedade burguesa ! Assim, não raro, o marxismo alcançou seu avanço na Geografia, senão pela livre adoção, pelo menos para se • • A Geografia Crítica no Brasil O seu aparecimento ocorreu no segundo lustro da década de setenta. Nesta época, a Geografia Crítica iniciou sua influência no âmbito universitário e teve decisiva participação nas disputas verificadas na Associação de Geógrafos Brasileiros-AGB. Podemos afirmar que o Encontro Nacional de Geógrafos Brasileiros realizado em Fortaleza ( Ceará ), no ano de 1978, demarcou o início da Geografia Crítica a nível nacional, sendo o encontro seguinte, o de 1980, no Rio de Janeiro, a vitória desta corrente frente às tendências existentes. Com o estabelecimento da abertura política brasileira a partir da década de setenta, o marxismo tornou-se um verdadeiro ponto de referência na Geografia para ajudar a compreender o que se passava e o que passou. Cabe destacar, no entanto, que este vigor da Geografia Crítica foi mais fácil ser verificado no ambiente universitário e muito menos nos órgãos de planejamento do governo. Já Armando Corrêa da Silva observa que o processo de renovação tem, também, a concorrência de uma velha instituição, a saber: o Departamento de Geografia da Universidade São Paulo ( 1984, p.73) Mas, acreditamos que o grande gestor da Geografia Crítica foi o momento histórico que compreendeu o início de abertura política, a volta dos exilados políticos e a realização de várias greves de operários, sobretudo no Estado de São Paulo ( o principal pólo industrial do país ), enfim, uma época propícia à contestação ! Importa frisar que a primeira instituição que passou a divulgar a Geografia Crítica foi a AGB, a universidade enquanto instituição, foi mais lenta em adotar a Geografia Crítica . Aliás, a presença da Geografia Crítica nas universidades é menos marcante que o verificado na AGB. Esta maior receptividade, à época, pela AGB, decorreu de sua maior permeabilidade aos episódios que então marcavam a política nacional. O resgate das franquias democráticas ( queda do AI-5 em dezembro de 1978, promulgação da anistia e quebra do sistema bipolar da vida partidária em 1979, 21[21] etc. ) evitar má interpretação ou obter melhor aceitação em certas coletivos de geógrafos, edições de revistas, encontros acadêmicos, etc. 21[21] Ato Institucional nº 5 foi adotado pelo regime militar em dezembro de 1968 durante o então Presidente da República Arthur Costa e Silva. Este ato legitimou o fechamento do Congresso Nacional, demissão de funcionários, cassação de mandatos, destituição de cargos executivos, caso fosse interpretado que tais medidas serviriam para conter qualquer movimento subversivo. O AI-5 era visto pelo governo militar como um instrumento útil para a defesa de sua revolução! À época do início do governo do então Presidente João Batista Figueiredo, em 1979, só havia dois partidos, a Aliança Renovadora Nacional - ARENA e o Movimento Democrático Brasileiro - MDB, isto porque as regras que reconheciam a existência de um partido político eram extremamente exigentes quanto ao número de estados da federação que já apressentassem diretórios regionais, ao número de deputados já partidários da nova gremiação, etc. propiciaram um clima em que as entidades civis se viram convocadas a participarem do processo. Inicialmente, a própria estrutura de poder então vigente na AGB foi avessa à adoção de uma nova conduta que só ocorreu a partir da entrada de novos elementos em sua estrutura, entre 1978 e 1980. Um outro fator importante para compreendermos o vigor da Geografia Crítica, à época, foi a volta do exílio do Prof. Milton Santos. A sua obra Por uma Geografia Nova , combinada ao seu estilo carismático, atraiu para si a atenção da comunidade acadêmica e novos adeptos para a nova corrente de pensamento, de tal modo que mesmo aqueles que não somaram com o movimento, reconheceram a sua importância em função da estatura intelectual deste professor.22[22] Mas ele não estava sozinho, diversos professores somaram com os seus esforços, destacadamente os professores Armen Mamigonian e Armando Corrêa da Silva e uma série de outros mais jovens que ainda não tinham suficiente influência na estrutura de poder dos meios universitários, órgãos de planejamento e de pesquisa. 23[23] Porém, paulatinamente, por força das iniciativas tomadas por este novo coletivo em ascensão que não deixou de contar com o apoio da “conversão” de outros geógrafos situados em diferentes locais de trabalho, tivemos uma progressiva expansão da Geografia Crítica. A rigor, a Geografia Crítica expandiu-se sobre um terreno que apresentava resistências pontuais. A rigor, as principais dificuldades teóricas ocorriam dentro da própria corrente ! No início da década de 70, a Geografia Quantitativa, por exemplo, embora disseminada no ensino de graduação, não se encontrava suficientemente capilarizada. Pelo contrário, a Geografia Quantitativa estava inserida em algumas “ilhas” do meio universitário e órgãos de governo. Quanto à Geografia Humanista, esta apresentava pequena produção à época. No entanto, como já observado, o que mais influiu a favor da Geografia Crítica é a época . O clima de reabertura política incentivava toda e qualquer iniciativa estimuladora de crítica ao governo, ao modelo econômico, à injustiça social, etc. Para alguns, o Brasil Estes e outros aspectos do regime militar e posterior processo de abertura política já podem contar com diversos trabalhos, mas lembraríamos a recente obra do ex-ministro Ronaldo Costa Couto - História indiscreta da ditadura e da abertura Brasil: 1964 - 1985 por registrar o relato de personalidades diretamente envolvidas no surgimento e/ou enfrentamento ao regime militar. Esta obra vem acompanhada por uma outra - Memória via do regime militar Brasil: 1964 - 1985; todas as duas obras foram editadas pela Record, respectivamente nos anos de 1998 e 1999. 22[22] Pedro Pinchas Geiger ( 1988, p. 80 ) assinala que a sua vinda teve uma repercussão próxima à influência dos professores estrangeiros que aqui ajudaram a formar os primeiros quadros universitários tanto no estado de São Paulo, quanto no Rio de Janeiro. 23[23] Houve ainda professores que demonstraram apoio à temática social adotada pela nova corrente, embora não estivessem articulados ao movimento, tais como Manuel Correia de Andrade e Orlando Valverde. vivia um grande período de efervescência política, chegando a estimular a perspectiva de que pudesse ocorrer mudanças profundas no Brasil. 24[24] Mas este processo não desconheceu sérias divergências internas quanto a melhor forma de se apropriar a concepção marxista, divergências estas que atingiam as relações pessoais. O que nos dá a impressão, a partir de uma certa época, de que os geógrafos críticos tinham maiores desentendimentos com os seus próprios pares, do que propriamente com linhas de pensamento adversárias. Estes impasses, em nossa avaliação, decorre de um certo repressamento do seu caráter inovador, salvo a área didático-pedagógica, onde os livros didáticos pautados pela Geografia Crítica, ou influenciados pelamesma, cresciam em importância até o final da década de 80 e início da década de 90. Porém, além das incongruências teóricas, parece que o grande impasse que a Geografia Crítica enfrentou foi de ordem política, o que nos remete à AGB. • • A AGB e as conjunturas nacional e internacional É notório que a Associação de Geógrafos Brasileiros ( AGB ), com a ascensão dos elementos vinculados à Geografia Crítica em seus postos de governo, passou a discutir com muito maior ênfase temas políticos. Este enfoque visou melhor compreender o que acorre com o Brasil, e, deste modo, vislumbrar quais as melhores alternativas. Esta mudança de rumo da AGB expressa pelas características assumidas pelo entidade a partir do final da década de 70, foi acompanhada por uma profunda alteração do estatuto da entidade, o que abriu a oportunidade de maior atuação de estudantes e professores recém-formados. Assim, a partir do final da década de 70, a AGB transformou-se internamente e externamente ao procurar inserir-se nos debates as mudanças que podiam ser promovidas no país. A primeira metade da década de 80, neste sentido, foi extremamente fecunda nas discussões políticas, além dos impasses teóricos. 24[24] Pedro Pinchas Geiger, em intervenção no IV Encontro Nacional de Geógrafos realizado no Rio de Janeiro, em 1980, observa: “Vejo diversos geógrafos preocupados com mudança de modo de produção. Não vou discutir se existem, ou não, condições objetivas de mudança próxima do modo de produção. Mas quero lembrar o filme de Eisenstein, “Ivã o Terrível”: na corte, discute-se a sucessão de Ivã, que, à morte, está recebendo a extrema-unção. Mas Ivã se restabelece, e, como conviver com Ivã vivo ?” ( 1980, p. 349 ) Observamos que há como que uma grande sintonia entre o teor do processo discursivo encontrado na entidade com o que se passava no centro político brasileiro.25[25] Deste modo, parece-nos apropriado analisar o que ocorria na política brasileira ao início da década de oitenta. No ano de 1980, nós tivemos a eleição, nos principais estados do país, de três governadores de oposição ao regime militar, foram eles: Franco Montoro pelo PMDB ( São Paulo ), Leonel Brizola pelo PDT ( Rio de Janeiro ) e Tancredo Neves pelo PMDB ( Minas Gerais ). A eleição destes candidatos, combinada ao aumento da bancada oposicionista no Congresso Nacional aceleraram as iniciativas em favor da queda do regime militar pontificadas pela defesa da eleição direta para presidente . Contrariamente às expectativas, após ocorrer uma forte mobilização social envolvendo milhões de pessoas em várias passeatas, em todo Brasil, em prol da eleição direta ( emenda do então deputado federal Dante de Oliveira ), esta medida não foi aprovada em abril de 84. Este desfecho deve ter ocasionado um sério momento de perplexidade na sociedade civil, na medida em que não ficava claro quanto ao possível caminho futuro da mobilização. Nesta situação, surgiu a solução de consenso ao se defender a vitória de Tancredo Neves sobre o então candidato oficial Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, o que de fato ocorreu no início do ano de 1985. Ora, esta solução de consenso parece ter quebrado uma expectativa de que a mobilização social “teria vindo para ficar”, ou seja, que não teríamos apenas uma luta pela Diretas-Já, havia questões mais profundas para se enfrentar, por exemplo: a má distribuição de renda, reforma agrária, dívida externa, etc. Outros dois fortes e decisivos momentos da vida nacional foram o falecimento do Tancredo Neves em abril de 1985, não chegando a tomar posse da presidência, tendo o substituído José Sarney, e a implantação do Plano Cruzado em 1986 que conteve o processo inflacionário por alguns meses, mas que proporcionou ao então partido do governo, o PMDB, uma avassaladora vitória nas eleições de novembro daquele ano. Estes dois momentos, embora díspares em suas características, reforçaram no imaginário da população brasileira a idéia de se ter um pacto em torno do Governo, pois a nova estrutura de poder, de característica civil, mostrava-se “bem intencionada” em realizar as mudanças desejadas. O surgimento da esperança, na assim chamada Nova República, ou na intenção de melhorar a situação econômica através do Plano Cruzado, etc. deslocam o 25[25] Isto não era um processo incomum na época; pelo contrário, por exemplo, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, ou a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiro - CNBB, entre outras entidades estavam profundamente envolvidas no processo que finalizou o período militar no governo brasileiro. Parte deste vigor decorreu da própria inviabilização da via partidária enquanto instrumento para alavancar as mudanças desejadas. Mesmo tendo ocorrido melhor abertura dos partidos, as entidades civis encontravam-se marcadas pela participação de diferentes pessoas que viam nestas entidades que em passado recentes não tinham obtidos melhores espaços nos partidos existentes. Assim, só com a normalização do processo democrático, que algumas destas entidades passaram a ter um papel menos políticos e mais conformes as suas características básicas que a fundaram. grosso da população brasileira de qualquer caminho que fosse na direção das quebras das estruturas sociais. Assim, a chamada Nova República, no plano político, e o plano Cruzado, no plano econômico, minoram, entre outras iniciativas, movimentos contestatórios mais acentuados na época Enfim, houve uma mudança de horizonte que acabou afetando as diferentes entidades civis, e naturalmente a AGB. A percepção de que se pudesse ter sinais de um processo mais profundo no país, revolucionário, não logrou o sucesso esperado. Porém, esta retenção não foi somente ocasionada pelas circunstâncias nacionais, houve as internacionais. A questão do socialismo na década de 80 passou por fortes percalços ! O movimento dos trabalhadores portuários de Gdansk, na Polônia, que recrudesceu a partir de 1980 - gerando o movimento Solidariedade, acentuou o processo de sucessivas revisões quanto ao adequado papel que os então países socialistas teriam no avanço do socialismo. O então euro-comunismo acentuou a adoção de posturas polítcas, distintas da antiga União Soviética e vislumbrou formulação teórica que se distanciava cada vez dos postulados do marxismo-leninismo, a saber: a conquista do poder pelo voto !. As políticas de Glasnost e Perestroika adotadas pela então União Soviética, em meados da década de 80, promoveram fortes discussões nos partidos comunistas em diferentes países. Foi a época que o principal vetor da causa socialista no globo, a URSS, abandonou, na prática, o postulado da ditadura do proletariado em favor de uma abertura política e econômica. Por fim, a repentina queda do bloco socialista, em 1989, e, em seguinte, o da própria União Soviética no dia de Natal do ano seguinte, demarcaram uma acentuada virada da história da humanidade. Foram fatos impressionantes tendo em vista que na primeira metade do século 20 o marxismo-leninismo teve grande expressão no campo político, econômico, filosófico... e, de 1917 até o final da década de 70, aproximadamente 1/3 da humanidade encontrava-se sob sua influência; no entanto, em menos de 10 anos, a partir de meados da década de 80, ocorreu um verdadeiro desmoronamento do sistema socialista de governo! Isto não deixa de causar espécie, pois esta ocorreu sem declaração de guerra e durante um século que apresentou duas guerras mundiais, extermínio de milhões de judeus, vietnamitas e africanos, explosão de artefatos nucleares, etc. O bloco socialista simplesmente implodiu e tivemos a oportunidade de ver, pela televisão, esta mudança ! Estas considerações de ordem mais abrangente, versando sobre as circunstâncias nacionais e internacionais, se de umlado ajudam a compreender o refluxo do movimento comunista ao final da década de 80 e início da década de 90 26[26],por outro lado, não são suficientes para explicar a retração que a Geografia Crítica tem hoje na produção geográfica. Um aspecto a ser destacado diz respeito aos próprios limites encontrados nos que promovem a Geografia Crítica no país. Por incongruências que não estamos ao par, o certo é que não há unidade entre os geógrafos críticos. 27[27] O que ocorre é um certo nº de pessoas afinadas com a concepção marxista, mas que não conseguem transferir esta afinidade teórico-metodológica em uma versão propriamente geográfica de forma coesa. As divergências quanto à forma de se realizar esta passagem mostram-se muito séria. De modo que não é possível estabelecer esta escola, em termos institucionais, tal como ocorreu, por exemplo, com a Universidade Estadual de Rio Claro em relação à Geografia Quantitativa durante uma certa época. • • Avaliação A nossa época caracteriza-se por um profundo aceleramento das relações sociais, investimento financeiros, decisões políticas ... é como se em uma dada dimensão de tempo ocorressem mais coisas, simultaneamente, ocasionando mudanças mais densas e rápidas. Há um processo veloz que a tudo e a todos procura enveredar, juntar, em nome de uma produção. Neste sentido, as verdades estabelecidas deixam de sê-la e a perplexidade é a tônica neste momento.28[28] Para onde vamos ? Neste contexto, no campo da ciência, uma nova aventura procura ser empreendida, tal como a iniciada por René Descartes séculos atrás. A teoria do caos, o paradigma da complexidade, a abordagem interdisciplinar ou transdisciplinar, enfoque holístico, etc. são correntes que procuram dar conta de nosso admirável e assustador mundo novo. A Geografia, por sua vez, como tanto outras disciplinas, também enfrenta problemas quanto a sua permanência no cenário futuro. Quanto à Geografia Crítica ... esta ainda existe ( ou resiste ? ) ! 26[26] Este refluxo atinge não só os partidos ( que comungam o ideário marxista-leninista ), mas a linha editorial de coleções de livros, os quadros políticos e o de intelecutais que passam a ser em menor número, etc. Enfim, há toda uma rede de relações e projetos correlatos que são sériamente atingidos por este refluxo. 27[27] O texto de Armando Corrêa da Silva - “A renovação geográfica no Brasil - 1976/1983 ( as Geografias Crítica e Radical em uma perspectiva teórica )” publicado pelo Boletim Paulista de Geografia nº 60, de 2º sem. 83/1º sem. de 84, pela seção AGB de São Paulo, apresenta um quadro representativo de quem estava diretamente envolvido neste processo. 28[28] É sintomático, deste período, que o cientista político René Dreifuss que escreveu um trabalho marcante sobre ascensão dos militares ao poder, em 1964: a conquista do estado, tenha recentemente publicado o livro A época das perplexidades . No Brasil, o seu destino parece estar bem articulado ao da AGB e à produção de livros didáticos. Embora não tenha sido o nosso objeto uma análise detida da AGB e dos livros didáticos, foi-nos possível notar que a partir de um certo momento esta entidade, que existe desde a década de 30, foi o principal instrumento de divulgação da Geografia Crítica29[29], ficando por conta dos livros didáticos a capilarização do fomento de uma nova consciência política . Se comparamos a AGB do tempo da Geografia Crítica com a AGB do tempo que a produção geográfica não era realizada pela universidade 30[30] , mas pelo IBGE, temos uma notória diferença de “estilo”, enquanto no primeiro momento promoveu-se encontros relativamente fechados, mas com grande rigor acadêmico 31[31], no segundo incentivou-se, com mais intensidade, encontros com grande afluência de pessoas, destacando-se sobretudo a presença de professores. 32[32] Hoje, após mais de 20 anos do início da Geografia Crítica em termos nacionais, parece que ocorre um processo inverso ao de 1979. Enquanto neste ano, a Geografia Crítica iniciou a sua capilarização nas instituições e mentes, mas não acessava a estrutura de poder; 29[29] Em entrevista com Milton Santos, e publicada pela revista Geosul, nº 12/13, 2º sem. de 1991 e 1º sem. de 1992, ele aborda a cobertura que a AGB lhe deu quando de sua volta para o Brasil. Esta cobertura lhe era útil, assim como ao próprio movimento que vinha sendo desenvolvido. 30[30] A produção universitária passou a tomar maior vulto com a expansão dos cursos de pós-graduação, na década de 70, o que certamente deve ter influido na criação dos Encontros Nacionais de Geógrafos - ENG, proporcionando encontros com grande afluência, isto antes da Geografia Crítica tomar vulto no cenário brasileiro. O que os geógrafos críticos introduzem de novo é a temática política acompanhada por novos quadros nos postos de governo da AGB, seja em seções locais ou a nível nacional. 31[31] Sobre esta comparação, em entrevista com Roberto Lobato Corrêa, e publicada pela revista Geosul, nº 12/13, 2º sem. de 1991 e 1º sem. de 1992, ele chega a afirmar: “Objetivamente falando acho que a AGB tradicional era mais proveitosa. Contudo nós temos que ser realistas, e pensar um pouco nas centenas e centenas de estudantes de geografia e professores do secundário que necessitam de um Encontro para aperfeiçoamento. Acho que a AGB atual tem seus méritos, sobretudo porque, através de suas Mesas-Redondas e cursos, tem suprido uma deficiência grave dos cursos de graduação. Portanto, a AGB atual tem um enorme papel social...” ( p. 36 ) 32[32] Cabe notar que no tempo que a produção geográfica estava sob a influência direta do IBGE, esta produção estava articulada a uma clara lógica de planejamento, visando possível intervenção no território nacional, logo, os trabalho discutidos nos encontros promovidos pela AGB são sobretudo de ordem prática. Em entrevista com o Prof. Orlando Valverde em maio de 1994, ele destaca o significado estratégico da criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE durante a ditadura de Getúlio Vargas. A perspectiva de que uma nova guerra ser novamente deflagrada na Europa leva o governo a ter iniciativas que lhe facultem melhores conhecimentos sobre as características, potencialidades, recursos do país. O IBGE ao proporcionar um quadro cada vez mais exato da realidade brasileira faculta ao estado nacional, que encontrava-se em franco processo de fortalecimento, uma maior eficiência em suas intervenções, mitigando a ação dos poderes das oligarquias regionais que encontravam-se alojadas nas estruturas de governos estaduais. hoje, alguns de seus representantes encontram-se bem situados em termos profissionais, mas verifica-se uma retração de seu campo de influência. Parece que a Geografia Crítica enquanto movimento parou ! E parou não por falta de consciência dos impasses que atravessam a corrente 33[33], mas porque a época que a ensejou não existe mais, seja a nível nacional, seja a nível internacional. 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Geopolítica34[1] Helio de Araujo Evangelista Resumo: O artigo aborda a geopolítica, tendo por objeto a sua relação com a geografia política a partir de textos de geógrafos brasileiros. Ao final, apresentamos nossa posição sobre o tema. Abstract : This article deals with the geopolitics. It has for objective to show the relationship between political geography and geopolitics by using text’s brazilian geographers. At the end, we explain our position about it. • • Apresentação 34 [1] Uma versão deste trabalho foi publicada na Revista de Geociências, do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, ano 1, nº 1, 2000. Ao retomarmos as argumentações favoráveis ou contrárias à transferência da capital brasileira para o interior do Brasil, encontradas em Vesentini ( 1996 ) e Vasconcelos ( 1978 ), chama-nos a atenção a polêmica que envolveu o geógrafo alemão, naturalizado americano, Sr. Leo Waibel, que então prestava seus serviços no Conselho Nacional de Geografia. Desta polêmica, pelo artigo intitulado “ Determinismo Geográfico e Geopolítica ( contribuição ao problema da mudança da capital ) ”, 35[2] o Sr. Leo Waibel comenta o Relatório Técnico da Comissão de Estudo para a Localização da Nova Capital do Brasil, no qual é observado que o trabalho do engenheiro Cristóvão Leite de Castro, escrito sob a orientação de Leo Waibel, coloca “...a área do “Retângulo de Cruls” em 6º lugar por não ter querido se elevar até o plano geopolítico do problema, preferindo ficar no plano de puro determinismo geográfico ...” ( 1961, pp. 612-614 ).36[3] O primeiro aspecto que Leo Waibel esclarece é quanto ao determinismo, ele entende ser este um conceito introduzido por Ratzel pelo qual os elementos da geografia humana seriam determinados, principalmente, pelos fatores naturais. Waibel, enquanto discípulo de 35 [2] Ele foi originariamente publicado no O Jornal, do Rio de Janeiro, a 19 de dezembro de 1948 e reproduzido no Boletim Geográfico de 1961, nº 164, pp. 612-617. 36 [3] O engenheiro Cristóvão Leite de Castro, como explicita o próprio texto de Leo Waibel, teria redigido o relatório da Segunda Expedição Geográfica que compreendeu três meses de trabalho de campo, contando com a atuação de seis membros do Conselho Nacional de Geografia chefiados pelo sr. Fábio Macedo de Soares Guimarães. A equipe, de forma unânime, foi desfavorável à localização da Comissão Cruls, chefiada pelo astrônomo Cruls ao início do século, que indicava, tendo por base parâmetros eminentemente físicos, a localização da capital num quadrilátero do planalto goiano. Alfred Hettner, considera que os fatores físicos não tem tamanha densidade para exlicar a dinâmica social. “A decisão cabe ao homem, ao seu estágio de desenvolvimento, ao poder da sua vontade ( que é forte ) e ao espírito. Esta é a filosofia geográfica que hoje em dia é geralmente aceita na França e na Alemanha...” ( Ibidem, p. 613 ) Sobre o trabalho desenvolvido pelo astrônomo Cruls, ele observa que os fatores físicos assumiram grande destaque na indicação da localização da futura capital, e : “Os fatôres humanos mereceram ali muito pouca ou nenhuma consideração, e aí está, sem dúvida, o mérito da Segunda Expedição Geográfica, que aplicou os princípios da geografia humana ao problema da futura capital. Se há um determinismo geográfico em algum dos dois relatórios, êle está no da Comissão Cruls e não no nosso! nestas circunstâncias, a observação do senhor presidente de que “mesmo êsse ( o nosso ) relatório confirma e completa os dizeres essenciais do relatório da Comissão Cruls” é para mim completamente desprovida de sentido.” ( Ibidem, p.. 614 ) Quanto à acusação de que Leo Waibel não teria se elevado ao plano geopolítico do problema, este retrucou: “Mais uma vez êle errou ; o que eu não quero é rebaixar o meu padrão profissional ao nível de um geopolítico! Para os geógrafos alemães a palavra Geopolitik tem sabor amargo. A geopolítica é aquela pseudo-ciência que é largamente responsável pela catástrofe da Alemanha atual, ...” ( Ibidem, p. 614 ) E Waibel continua : “...O grande problema é : qual a diferença entre a Geopolitik de Rudolf Kjellén e a Politische Geographie de Friedrich Ratzel ? Esta pergunta nunca foi respondida satisfatóriamente.” ( Ibidem, pp. 614-615 ) 37[4] Pelo exposto, há uma notória repulsa ao termo geopolítica, porém, nos dias atuais, costuma ser muito mais usado que geografia politíica. Por quê esta ambiguidade ? É o que procuraremos tratar nas linhas que se seguem a partir de autores brasileiros que chegaram a abordar o tema de forma aprofundada. • • A geopolítica brasileira Percebe-se na literatura nacional uma certa dicotomia entre uma escola militar, para a qual não poucos civis prestaram seus serviços, e uma escola acadêmico-civil, mais recente, que trazem modos distintos na análise da relação entre geopolítica e geografia política. Pela primeira escola, destacamos as contribuições dos militares Mário Travassos ( 1938 ), Golbery do Couto e Silva ( 1981 ), Meira Mattos ( 1979 ) e Octávio Tosta ( 1984 ). Nesta corrente não incluimos Nelson Werneck Sodré que embora militar não veio a configurar com os autores mencionados um coletivo coeso. Cabe ressaltar ainda que para a formalização desta corrente, dita militar, contribuiram civis, particularmente, Everardo Backheuser, Delgado de Carvalho e 37 [4] Ao longo do texto, Waibel tece uma série de comentários sobre a Comisão que definiu a posição que a capital do Brasil atualmente ocupa. Therezinha de Castro ( esta falecida recentemente ao início do ano ). A rigor, a contribuição destes decorre de uma época na qual o diálogo entre civis e militares era mais fluente. Assim, não é exclusivamente o paramento militar que configura este coletivo, mas assim o designamos por formar uma unidade que veio a ser mais estimulada pela Escola Superior de Guerra, criada em 1949. O segundo grupo teria uma índole influenciada pela ambiência acadêmico- universitária, do qual destacaríamos : Wanderley Messias da Costa ( 1992 ), José William Vesentini ( 1996 ), André Martin ( 1993 ), Demétrio Magnoli ( 1988 ), Manoel Correia de Andrade ( 1989 ) e Bertha Koiffman Becker ( 1988 ) . 38[5] Destaca-se, pela linha dos militares, que a geopolítica é a face dinâmica da própria geografia política, isto porque a geopolítica teria a incumbência de inspirar raciocínios que enveredariam em favor da formulação de estratégias de características militares . Assim, a geografia política teria um papel eminentemente informativo, ficando à geopolítica a incumbência de traçar diretrizes estratégicas para o exercício do poder. Já na linha do pensamento civil, verifica-se uma diferença interna. Pois há os que entendem ser a a geopolítica como algo a ser proscrito enquanto uma versão ideológica ( de cunho facista ) que pouco contribuiu para o avanço da geografia. Por esta linha destacaríamos Wanderley Messias da Costa. 38 [5] Isto sem mencionar os autores de áreas de conhecimento distintas da geografia, mas voltados à discussão do tema, tais como Miyamoto ( 1995 ) e Mello ( 1999 ), que curiosamente, somam com a posição dos que defendem a geopolítica, como os militares, enquanto uma feição dinâmica da reflexão política sobre bases territoriais, feição esta que a geografia política não teria logrado alcançar. Por outro lado, há os que entendem ser a geopolítica um cabedal de conhecimento não passível de ser descartado pela comunidade acadêmica; particularmente, por este caminho, perfila Bertha Koiffman Becker.• • Geopolítica e a geografia política Para o Gen. Meira Mattos ( 1979 ) a geografia política ficou no campo das ciências geográficas como a entendiam Whittlesey, Renner, Brunhes, Vallaux e tantos outros, enquanto que a geopolítica de Kjéllen e de Ratzel adquiriu o sentido dinâmico das ciências políticas, indicadora de soluções governamentais inspiradas na geografia. Na escola raztzeliana, alinharam-se Kjéllen, Maul, Mackinder, Spykman e o Haushofer. Mahan, norte-americano, anterior a Ratzel, pode ser considerado o precursor da teoria geopolítica com a sua concepção de “destino manifesto”, que tanta influência teve nos rumos da política exterior dos Estados Unidos. O despretígio da geopolítica como ciência vem de sua apropriação pelos adeptos do Gen. Karl Haushofer que, depois da ascensão de Hitler na Alemanha, apoderaram-se do Instituo de Munique e transfomaram a geopolítica em um pretexto científico para justificar as teses do expansionismo nazista. A teoria do lebensraum - espaço vital - que dominou o espírito geopolítico da Alemanha nazista, foi responsável pelo seu descrédito como ciência. ( Mattos, 1979, p. 4 ) Para o general Golbery do Couto e Silva ( 1981 ), por sua vez, a geopolítica de Kjellén, tanto quanto a de Haushofer, sempre se propôs a ser conselheira da política, sendo essencialmente uma arte, uma doutrina, uma teoria e nunca uma ciência. Para Kjellen, ela era apenas um dos cinco grandes ramos em que dividia a política; e, embora nas múltiplas definições da escola alemã se fale tanto em arte, como em doutrina e mesmo em ciência, a geopolítica é sempre caracterizada como “base da ação política”; o próprio Haushofer buscou ressaltar o seu caráter dinâmico. ( Silva, 1981, p. 29 ) A geopolítica é sobretudo uma arte - arte que se filia à política e, em particular, à estratégia ou política de segurança nacional, buscando orientá-las à luz da geografia dos espaços politicamente organizados e diferenciados pelo homem. Seus fundamentos se radicam, pois, na geografia política, mas seus propósitos se projetam dinamicamente para o futuro. ( Silva, 1981, p. 33 ) A geopolítica nada mais é que a fundamentação geográfica de linhas de ação política, quando não uma proposição de diretrizes políticas formuladas à luz dos fatores geográficos, em particular de uma análise calcada, sobretudo, nos conceitos básicos de espaço e de posição. Um dos ramos, portanto, da política, como a imaginara o próprio Kjellén e sempre a qualificou, entre nós, o mestre Backheuser: “política feita em decorrência das condições geográficas”. ( Silva, 1981, p. 64 ) Wanderley Messias da Costa ( 1992 ) , por sua vez, observa: ... Descartadas as confusões e dissimulações em torno do rótulo, pode-se afirmar com relativa segurança que a geopolítica, tal como foi exposta pelos principais teóricos, é antes de tudo um subproduto e um reducionismo técnico e pragmático da geografia política, na medida em quem se apropria de parte de seus postulados gerais, para aplicá-los na análise de situações concretas interessando ao jogo de forças estatais projetado no espaço. Nesse sentido, a exemplo do que ocorre com parte da ciência econômica em relação à economia política clássica, a geopolítica representa um inquestionável empobrecimento teórico em relação à análise geográfico-política de Ratzel, Vallaux, Bowman, Gottmann, Hartshorne, Whittlesey, Weigert, e tantos outros. Essa é a questão essencial, desde logo, que deve sobrepor-se às demais, a começar dos artifícios notoriamente simplórios como o de tentar situá-la como “ciência de contato” entre a geografia política e a ciência política, a ciência jurídica, etc., bastante comum nas introduções de inúmeros generais-geógrafos- geopolíticos, a começar por Haushofer. Por outro lado, o assunto também está sujeito a todo tipo de confusão terminológica, já que análises e estudos ditos geopolíticos podem freqüentemente tratar-se de estudos geográficos-políticos, preferindo os autores a utilização da primeira expressão por simples comodismo vocabular ou modismos. Finalmente, e após um processo de “filtragem” por que passou no período do pós-Segunda Guerra, especialmente em suas conotações ideológicas vinculadas ao nazismo, muitos autores, até mesmo os críticos da velha geopolítica, passaram a adotar esse rótulo em seus estudos de geografia política. ( 1992, p. 55-56 ) Bertha K. Becker ( 1988 ) , por sua vez, observa que a busca de novos paradigmas da ciência e o rompimento das barreiras entre as disciplinas - a transdisciplinaridade - parecem hoje tornar-se uma exigência. E o rompimento da barreira entre a geografia e a geopolítica numa perspectiva crítica, integrando a natureza holística e estratégica do espaço, pode representar um passo importante nesse caminho, pois que o poder e o espaço e suas relações são, sem dúvida, problemáticas contemporâneas significativas. Neste ponto, há uma distinção clara entre Becker e Costa. Este último destaca o caráter ideológico que a geopolítica tem; para Becker, no entanto, a geopolítica tem um caráter instrumental que não pode ser desprezado, embora isto não a leve olvidar da ideologia que permeia a geopolítica, como podemos perceber pela passagem abaixo. “Mas a herança de Ratzel, embora por alguns exacerbada, foi, em geral, negada pelos geógrafos que, ao recusarem sua concepção determinista, negaram também toda a sua riqueza teórica. Sua herança foi por outro apropriada. Permaneceu, assim, a Geografia, à margem de todo um conjunto de técnicas e de um saber que instrumentalizam e pensam o espaço a partir da ótica do Estado ( e também da grande empresa ) - embora com ele colaborando direta ou indiretamente - o que certamente a esvaziou de seu conteúdo. Negar, portanto, a prática estratégica, seja a das origens da disciplina, seja a teorizada por Ratzel, seja a da Geopolítica explícita do Estado Maior ou a implícita na prática dos geógrafos, é negar a própria Geografia, que foi, assim, prejudicada no seu desenvolvimento teórico e na sua função social. E repensar a Geografia envolve necessariamente o desvendar da Geopolítica, sua avaliação crítica e seu resgate, e o trazer desse conhecimento para debate na sociedade. Em outras palavras, nesse campo de preocupações, à Geografia caberia a teorização sobre a prática estratégica desenvolvida pela Geopolítica. ... A Geopolítica que queremos resgatar é a do reconhecimento, sem fetichização, da potencialidade política e social do espaço, ou seja, a do saber sobre as relações entre espaço e poder. Poder multidimensional, derivado de múltiplas fontes, inerente a todos os atores, relação social presente em todos os níveis espaicias. Espaço, dimensão material, constituinte das relações sociais e, por isso mesmo, sendo, em si, um poder. A tentativa desse resgate é aqui apresentada em questões que constituem a nossa prática atual de pesquisa, sem a menor pretensão de esgotá-las..( 1988,.p. 100 ) A dúvida, no entanto, que se abre da leitura do texto de Becker é se ela não confunde o resgate da dimensão política do espaço com o resgate da própria geopolítica. Não podem ser considerados procedimentos distintos ? Mas, por outro lado, é possível retomarmos uma análise do conteúdo político do espaço sem termos em conta o legado da geopolítica ? Ela propõe resgatar a geopolítica : “Resgatar não significa negar e sim reler criticamente, aceitando o que se considerar uma contribuição e descartando o que se considerar inaceitável. A postura metodológica aqui adotada para tal releitura é a que privilegia a construção do objeto de estudo e não o objeto em si. A Geopolítica não está dada - ela é construída hoje, no atual período histórico, pelo trabalho humanao tanto material quanto intelectual e, assim produzida, tem movimento e abertura para o indeterminado,que é essencialmente político. Trata-se, portanto, de reconstruir o processo de sua produção material e intelectual no final do Século XX, detectando as forças que nele atuam. .... É, portanto, no contexto da instrumentalização do espaço - e do tempo - bem como do reconhecimento de sua potencialidade que se pode resgatar a dimensão política da Geografia contida no seu projeto original e posteriormente renegada.” ( Ibidem, p. 101 ) Nesta passagem, Becker destaca o objeto em construção, estando a indicar que se a geopolítica foi o quê muitos condenam, poderá vir a ter outro perfil. Poderá mesmo ? Qual a raiz da geopolítica ? Acaso não é o raciocínio pautado em dados geográficos voltado para a luta ? A cerne da geografia política/geopolítica para Becker encontra-se em duas contribuições de Ratzel, a saber: 1 - A Geografia Política como base de uma tecnologia espacial do poder do Estado. A Geografia Política deveria ser um instrumento para os dirigentes que, em contrapartida, aprenderiam a instrumentalizá-la. Ela explica que, para compreender a natureza de um império, é necessário passar pela escola do espaço, isto é, de como tomar o terreno ( Korinman, 1987 ). Daí a importância atribuída à Geoestratégia e à concepção da situação geográfica como um dispositivo militar para o geógrafo que analisa o comércio e as relações em geral, a economia, sempre configurada espacialmente, é a guerra; os fatos do espaço são sempre singulares, cada qual situado na interseção de processos diversos, onde precisamente devem atuar as estratégicas. 2 - A busca de leis gerais sobre a relação Estado-espaço. A busca de leis gerais reside na ligação estreita do Estado com o solo, considerado a única base material da unidade do Estado uma vez que sua população, via de regra, apresenta-se diversificada. Assim, politicamente, a importância absoluta ou relativa do Estado é estabelecida segundo o valor dos espaços povoados. Como uma forma de vida ligada a uma fração determinada da superfície da terra, o Estado tem como propriedades mais importante o tamanho do seu espaço ( raum ), a sua situação ou posição ( lage ) em relação ao exterior - conceitos - chave da Geografia - e as fronteiras. Se o desenvolvimento do Estado é um fato do espaço, Ratzel admite que seu laço com o solo não é o mesmo em todos os estágios da evolução histórica; em sete leis do crescimento do Estado, estabelece que o crescimento deste depende de condições econômicas e da incorporação de novos espaços, e é tarefa do Estado assegurar a proteção de seus espaços através da política territorial. A concepção organicista de Ratzel não se restringe a comparar o Estado a um ser vivo. Ela reside na naturalização do Estado, entendido como única realidade representativa do político, única fonte de poder. Todas as categorias de análise procedem de um só conceito; Estado e nação se confundem em um só ator, o Estado indiviso, como algo natural, preestabelecido, não se concebendo conflitos a não ser entre Estados. Isso não elimina sua contribuição básica sobre a tecnologia espacial do poder e sobre a relação Estado-espaço naquele período histórico. Um segundo momento crucial da relação Estado-espaço se configura no segundo pós-guerra, não previsto por Ratzel. ( Ibidem, p. 103 ) Pelo exposto, Becker destaca a postura de quem produz o estudo geográfico, que deve ser passível, ou não, de recriminações. Deste modo, não se deve imputar a um rótulo, no caso geopolítica, a encarnação de algo inválido. Assim, Becker elogia em Ratzel o fato deste ter colocado o Estado dentro das preocupações geográficas. O que cabe, então, é manter este caráter renovador de seu pensamento, ao vislumbrar novos horizontes para a geografia política. Para Becker, a nova geopolítica, na verdade, resultará da interação entre dois processos, a reeestruturação tecnológica e os novos movimentos sociais. No entanto, ela ensina que esses movimentos e os atores políticos só poderão reverter as tendências atuais se forem capazes de se situar no novo domínio histórico resultante da revolução tecnológica e da reorganização do capitalismo. Wanderley Messias da Costa ( 1992 ) sobre a proposta de Becker, observa que ela é inovadora : “...sob todos os aspectos, e põe em debate no país questões fundamentais que transcendem o âmbito da geografia. Independente do rótulo pouco apropriado ( por que não resgatar a Geografia Política, que afinal sempre gerou as “geopolíticas” ? ), o seu trabalho ( e de seu grupo ) é realmente notável, especialmente porque introduz essa reflexão incorporando o que há de mais avançado no setor ( assunto com o qual nos ocuparemos adiante ). Com ele, também, Bertha Becker não resgata esse campo de reflexões apenas para a Geografia, mas, ao lados de alguns poucos estudiosos desses temas nas ciências sociais, recupera-o para o ambiente acadêmico. A considerar-se a nossa peculiar história política, isto equivale, no Brasil, a um legítimo resgate civil. ( 1992, p. 228 ) Ao refletirmos sobre a consideração acima, parece-nos que Becker deseja resgatar algo que o primeiro deseja preterir, ou seja, Becker intenciona encontrar na geopolítica instrumentos para melhor resgatar o teor político da geografia. Já Costa, ao entender que a geopolítica só se apresenta como um engodo ideológico, cabe então descartamos de nosso intinerário uma preocupação com a mesma ! Na nossa interpretação, a origem histórica dos dois termos, geopolítica e geografia política, está pautada pela situação de que esta última está mais identificada com a formação de diagnósticos, enquanto a primeira com a proposição de medidas que digam respeito à ação do estado. No entanto, esta diferenciação, no curso dos estudos não se mostra tão decisiva para se compreender a diferença entre os dois campos. A rigor, nesta discussão, o que está em pauta é a questão da legitimidade entre a geopolítica e a geografia política. Se não encaramos os dois rótulos como sinônimos, estes campos estão a disputar temas de estudos próximos. E sendo o caso, ao longo do tempo, um ou outro estará sobressaindo ... • Conclusão Entendemos, que a geopolítica, tal como se apresenta hoje, e pelo que foi no passado, parece estar mais apta à realçar o conteúdo político da geografia. A geopolítica apresenta uma maior densidade política em função, de um lado, por estar marcada por uma maior interdisciplinaridade ( envolvendo diretamente a ciência política, assim como a ciência social ) , mas, sobretudo, por estar voltada para a luta/guerra, algo comum na história humana. Entendemos, também, que o caráter intrincado do poder na geografia solicita uma melhor compreensão quando temos a perspectiva de que uma guerra está sendo travada ( mesmo quando o conflito é incruento, como numa luta comercial ). Esta familiaridade com a guerra, podemos verificar mais claramente na geopolítica ! Pode-se argumentar que na geopolítica encontra-se uma dimensão ideológica, sustentadora, por exemplo, da ação do Estado. No entanto, esta dimensão ideológica adquire corpo quando se trava uma luta. Se a pessoa opta em aceitar ou combater este viés, isto decorrerá de sua inserção na sociedade. Inclusive, poderíamos pensar em sentido semelhante em relação à geografia política, à qual não se atribui uma função ideológica ... ora, este caráter não ideológico da geografia política parece ser a sua própria ideologia ... Deste modo, o campo de estudo da geopolítica é, necessariamente, um campo que envolve todos os artifícios para se controlar as diferentes partes do planeta, inclusive fazendo uso da ideologia. Deste modo, quem se dedica à geopolítica cabe percorrer as linhas de pensamento à luz dos dilemas que envolviam aqueles que as elaboraram; o que, aliás, é algo próprio de quem se debruça sobre as ciências humanas como
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