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História, Trabalho e Movimentos Sociais Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Ney de Souza Revisão Textual: Profa. Eliane Tavelli Alves Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho 5 • Introdução • Revolução Industrial: palco de transformações • Repercussões sociais da Revolução Industrial • O pensamento de Eric Hobsbawm • O pensamento de Edward Thompson · Conhecer a formação e o pensamento destes dois historiadores: Thompson e Hobsbawm; · Desenvolver o estudo visando ampliar o conhecimento das transformações das sociedades, dos movimentos sociais e dos fenômenos de protesto social (campesinato, trabalhadores industriais, movimentos de operários). · Conhecer, em linhas gerais, os pressupostos e os condicionantes do conteúdo da disciplina História, Trabalho e Movimentos Sociais; · Conhecer as principais vertentes do pensamento histórico - geral e brasileiro - sobre a temática. Nesta unidade, vamos aprender um pouco mais sobre um importante tema da História do Trabalho e dos Movimentos Sociais, vamos abordar algumas matrizes historiográficas para o estudo do Trabalho. Procure ler, com atenção, o conteúdo teórico disponibilizado e o material complementar. Não esqueça, a leitura é um momento oportuno para registrar suas dúvidas, por isso não deixe de registrá-las e transmiti-las ao professor-tutor. Para que a sua aprendizagem ocorra num ambiente mais interativo possível, além da apresentação narrada e da videoaula, na pasta de atividades, você encontrará as atividades de sistematização, de aprofundamento e de avaliação. Para realizar seu trabalho nesta unidade e desenvolver seu estudo, primeiro acesse ao link Material Didático, no qual você encontrará o texto teórico, ou seja, o texto que servirá de base para as atividades da unidade. Leia-o com atenção! Em seguida, verifique se houve uma suficiente compreensão do conteúdo, respondendo às perguntas da Atividade de Sistematização, que tratam das questões fundamentais sobre o assunto abordado. Foram disponibilizados ainda Material Complementar, Apresentação Narrada e Videoaula, para aprofundar a análise do tema. Finalmente, realize a Atividade de Aprofundamento da unidade onde você encontrará dicas para saber mais sobre as Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho. Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho 6 Unidade: Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho Contextualização Vivemos num mundo marcado por imensos contrastes. De um lado, realidades cada vez mais homogêneas, desfrutadas por grupos restritos de pessoas: os incluídos. Os shoppings, as comidas sofisticadas, os hotéis luxuosos, os automóveis, os computadores, os telefones celulares tornam-se padronizados em qualquer parte do mundo globalizado. De outro lado, percebemos inúmeros problemas e mazelas atingindo milhões de pessoas: os excluídos. No mundo globalizado, as decisões de um governo ou empresa influentes podem provocar efeitos em regiões distantes do lugar onde foram tomadas. Assim, o emprego de um trabalhador da indústria automobilística instalada no Brasil poderá deixar de existir se a matriz da empresa, situada, por exemplo, na Europa, decidir que é mais conveniente fechar as fábricas aqui e instalá-las em outro país; ou reduzir o número de funcionários; ou, ainda, substituir parcela da mão de obra por equipamentos eletrônicos sofisticados, objetivando ampliar os lucros. Sugerimos que vocês reflitam sobre a temática exposta e, para ampliar a reflexão sobre globalização, trabalho e mundo operário, assistam ao vídeo do endereço abaixo. Filme: Globalização e seus efeitos no mercado de trabalho. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=A-_kQIUkCpw Acesso em: 21 maio 2015. 7 Introdução Nesta unidade estudaremos as Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho, proporcionando um conhecimento consistente para uma melhor compreensão das transformações sociais que ocorrem na sociedade contemporânea. Buscando, para isso, no passado as raízes das diversificadas e grandiosas transformações do presente. Atualmente as relações de trabalho e produção enfrentam grandes mudanças: desenvolvimento de novas tecnologias, informática, robótica e o uso do computador com outros meios de comunicação. Será que estamos em novo processo de revolução da industrialização? Para pensar melhor sobre esta temática do trabalho no mundo contemporâneo estudaremos o pensamento de dois grandes estudiosos do século XX: Eric Hobsbawm e Edward Thompson. Primeiramente percorreremos, em linhas gerais, o contexto que os levou a elaborar estudos historiográficos considerados clássicos sobre o tema. Estes textos, sem dúvida, são matrizes para o estudo do trabalho e as questões sociais. Realizada esta contextualização sobre a Revolução Industrial, o texto seguinte abordará o perfil biográfico e o pensamento destes pensadores. Vamos começar? Revolução Industrial: palco de transformações É inimaginável na vida atual viver sem automóveis, eletrodomésticos, telefones e tantos outros recursos. Esse mundo de máquinas e tecnologias começou com a Revolução Industrial. Sua origem é a Inglaterra do século XVIII e se estendeu para outros países a partir do século XIX. “Antes deste período, a maioria das pessoas vivia no campo ou em vilarejos. Trabalhavam em pequenos grupos e produziam, em pequena escala, aquilo que precisavam – alimentos, roupas e objetos”. E ainda “havia grandes cidades, porém eram cidades comerciais e principalmente cidades capitais, ou seja, centros de poder político dos reinos” (DE DECCA, MENEGUELLO, 1999, p. 14). Glossário Revolução Industrial é o conjunto de transformações ocorridas na Europa Ocidental (XVIII–XIX) relacionadas à substituição do trabalho artesanal, que utilizava ferramentas, pelo trabalho assalariado, em que predominava o uso das máquinas. A Revolução Industrial na Inglaterra marcou a passagem da sociedade rural para a sociedade industrial e a passagem para a utilização da energia a vapor em lugar da energia humana. A indústria é considerada a fase adiantada da produção. Veja que antes dela existiam o artesanato e a manufatura, que originaram a maquinofatura. Artesanato é a forma de produção industrial mais simples. A manufatura é a fase mais adiantada da indústria. Nesta fase, os trabalhadores produzem sob a direção de um chefe, cada um executando uma tarefa precisa (divisão de trabalho). Já a maquinofatura é o trabalho executado por máquinas, isto revela uma característica do modo de produção capitalista juntamente com as relações sociais de produção assalariadas. 8 Unidade: Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho Contraste entre o trabalho rural e a industrialização Fonte: Robert Friedrich Stieler (1847–1908)/Wikimedia Commons Estas “relações passaram a predominar a partir do momento em que houve a separação definitiva entre capital e trabalho, reflexo direto da industrialização” (MARQUES; BERUTTI; FARIA, 1997, p. 27). Neste sentido, observa Maurice Dobb, “assim, uns possuem, enquanto outros trabalham para aqueles que possuem - e que são naturalmente obrigados a isso, pois que, nada possuindo, e não tendo acesso aos meios de produção, não dispõem de outros meios de subsistência” (DOBB, 1983, p. 15). Despojada de suas terras pelos burgueses no final do século XVIII, a classe dos pequenos proprietários tendia a desaparecer. Os donos de capitais investiram nas fábricas e adquiriram propriedades rurais, modernizando métodos de produção com a introdução de máquinas. É evidente que esta atitude levou a um aumento da produtividade e reduziu o número de trabalhadores rurais, substituídos pelas máquinas. Em consequência deste fato o êxodo rural será uma realidade no processo da industrialização. Na cidade as máquinas também substituíram algumas das funções exercidas pelos operários. 9 Repercussões sociais da Revolução Industrial As relações de trabalho sofreram uma enorme modificação. Os camponesesbuscaram emprego nas cidades, onde não eram proprietários dos instrumentos de produção e nem da matéria-prima. Sua única propriedade era sua força de trabalho, “vendida” em troca de péssimos salários. Esta situação conduz a uma oposição social: empresários industriais (proprietários) de um lado e os operários assalariados urbanos do outro. Nestas condições a exploração do trabalhador será um fato inegável. Os empresários, com o objetivo de aumentar seus lucros, pagavam salários baixíssimos aos operários, explorado sua capacidade de trabalho. A situação era tão degradante e sub-humana que toda a família era obrigada a trabalhar nas fábricas: mulheres, crianças - que recebiam salários inferiores. São longas as jornadas de trabalho. Em muitos casos ultrapassavam 16 horas diárias. As instalações das fábricas eram precárias e insalubres, prejudicando a saúde do trabalhador. As condições de moradia dos operários não eram diferentes. Não havia nenhuma assistência aos enfermos e desempregados. E hoje? Continua assim? O que você pensa? Se o avanço industrial consolidou o capitalismo, não há dúvida que também a exploração do trabalho gerou consequências sociais. Dentre estas consequências estão: prostituição, alcoolismo, suicídio, violência e epidemias. Operários e empresários entraram, na Inglaterra e em outras regiões da Europa, em enormes conflitos. Uma das primeiras revoltas contra essa miserável situação operária foi o Ludismo. Movimento Operário Ludista Fonte: si-educa.net Efeitos da Revolução Industrial Fonte: Wikimedia Commons Fonte: ucr.com.br 10 Unidade: Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho Atenção LUDISMO: expressão que deriva do nome de Ned Ludd, tecelão que se destacou na liderança do movimento operário de destruição das máquinas. Este movimento é considerando uma forma de resistência à exploração dos trabalhadores. Os operários invadiam as fábricas e destruíam suas máquinas. Era uma maneira, segundo eles, de lutar contra o desemprego, a miséria, os salários baixos e a opressão. O Parlamento inglês “organizou comissões secretas para acompanhar a situação e foi informado de que os insurretos dos distritos revoltados possuíam uma organização de tipo militar” (HENDERSON, 1979, p.180). Com o passar do tempo, os trabalhadores perceberam que a sua luta não deveria ser contra as máquinas, mas contra o sistema de injustiças originárias do capitalismo industrial. Surgiram na Inglaterra, no século XVIII, organizações operárias que iniciaram as lutas por melhores condições salariais e de vida para o trabalhador originando os primeiros sindicatos. A Revolução Industrial promoveu a revolução dos transportes e, por sua vez, acelerou o industrialismo. Algumas das importantes invenções foram: o navio a vapor, a locomotiva, o automóvel, o telégrafo e o telefone. Para aumentar a produtividade, a partir destas invenções, o trabalho foi subdividido (divisão do trabalho) em várias operações, dando origem às linhas de montagem. Devido a isto o operário perdia a noção do conjunto da produção. Este fator da divisão também dividirá o saber do trabalhador, surgindo as especializações nas tarefas e a alienação ao processo produtivo global. Neste contexto surge a produção em série que irá igualar e massificar o gosto dos compradores de produtos industriais, devido a produção em larga escala de um mesmo artigo. A especialização da produção dividiu o mundo em áreas industrializadas (desenvolvidas) e as áreas agrícolas (subdesenvolvidas) fornecedoras de matéria-prima. Esse contexto da Revolução Industrial, apresentado em suas linhas gerais, é um palco de grandes transformações, verdadeira mudança de época. Foi pesquisando e analisando essa situação de enormes mudanças econômicas, políticas e sociais que os historiadores Eric Hobsbawn e Edward Thompson nos contemplaram com seus textos que são matrizes historiográficas para o estudo do trabalho e os movimentos sociais surgidos nesses conflitos históricos. Ludismo – Quebra das máquinas Fonte: Wikimedia Commons 11 O pensamento de Eric Hobsbawm Eric John Ernest Hobsbawm nasceu em Alexandria (Egito) no ano de 1917, período em que o país estava sob dominação britânica. Filho de Leopold Percy Hobsbaum (sic), inglês e de Nelly Grun, austríaca, ambos judeus. A família se mudou para Viena, cidade onde passou sua infância e parte da adolescência. Após o falecimento dos pais, ele e sua irmã foram adotados pelos tios e, com a ascensão de Hitler ao poder, se mudaram para a Inglaterra (1933). Estudou história na prestigiosa Universidade de Cambridge (1936–1939), curso de destaque nas universidades britânicas. Era militante de esquerda e, em 1936, ingressou no Partido Comunista da Grã-Bretanha e neste permaneceu durante toda a sua vida. Durante a Segunda Guerra Mundial serviu ao Exército Britânico. Sua função era cavar trincheiras e preparar bunkers no litoral da Inglaterra para impedir a Operação Leão Marinho, invasão do país por exércitos anfíbios. Devido a seu conhecimento de quatro outros idiomas, foi servir nos trabalhos de inteligência. Após a guerra, Hobsbawm retornou à Universidade de Cambridge para o curso de doutorado. Universidade de Cambridge Fonte: iStock/Getty Images Neste período do pós-guerra, a geração de Hobsbawm contribuiu para o avanço da pesquisa e do ensino universitário de História. No ano de 1952, fundou a revista Past and Present juntamente com seus colegas historiadores marxistas britânicos: Christopher Hill, Rodney Hilton, George Rudé e Edward Thompson (MARTINS, 2010, p. 74-75). O intuito deste grupo era entender a organização das classes populares, suas lutas e ideologia. Neste link você encontrará um texto sobre o perfil de Hobsbawm Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,interprete-incansavel-do-seculo-20-imp-,938885 Acesso em: 22 maio 2015. Eric Hobsbawm Fonte: Rob Ward/Wikimedia Commons http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,interprete-incansavel-do-seculo-20-imp-,938885 12 Unidade: Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho A partir de 1947, Eric Hobsbawm começou a lecionar no Birkbeck College, em Londres. Nas décadas de 1950 e 1960, concentrou sua pesquisa nas classes populares, tendo por temáticas o campesinato, operários e a política, as revoluções liberais do século XIX, relações internacionais, cultura popular, história das ideias. Nos anos 1960 e 1970, direcionou suas pesquisas para a história contemporânea. Suas obras se tornaram verdadeiros manuais didáticos. Para esses estudos, utilizou o materialismo histórico, sendo considerado um renovador do marxismo (MARTINS, 2010, 75-77). Atenção Materialismo histórico: É um marco teórico que visa explicar as mudanças da história utilizando-se de fatores práticos, tecnológicos e o modo de produção. Estes três elementos são para esta teoria os principais fatores de mudança social, política e jurídica. Na obra As Origens da Revolução Industrial, Hobsbawm discute os fatores que possibilitaram a passagem de uma economia pré-capitalista para a produção industrial capitalista. Para ele, o processo de industrialização está diretamente relacionado a determinadas condições econômicas que já estavam presentes na Grã-Bretanha no final do século XVIII. Assim, afirma que “a maioria está de acordo em que o estímulo particular que impulsiona a indústria a atravessar a porta da Revolução Industrial pode apenas ocorrer sob determinadas condições econômicas e sociais” e continua relatando que “numa indústria produtora de bens de consumo amplamente difundidos, estandardizados razoavelmente mais para compradores pobres do que para ricos, fabricados com matérias-primas cuja demanda pode crescer sem aumentar excessivamente os custos...” (HOBSBAWN, 1979, p. 112). Entrevista de Eric Hobsbawm concedida a Willian Waack https://www.youtube.com/watch?v=UTpM0ELkpPc Este texto afirma a importância do pensamento de Marx sobre o ‘mercado mundial’, ou seja,“a árvore da expansão capitalista moderna cresceu numa determinada região da Europa, mas suas raízes tiraram seu alimento de uma área de intercâmbio e acumulação primitiva muito mais ampla”. O historiador possibilita uma maior reflexão sobre o tema ao afirmar que esta área ampla “incluía tanto as colônias do além-mar, ligadas por vínculos formais, quanto as economias dependentes da Europa oriental, formalmente autônomas” (HOBSBAWN, 1979, p. 113). Sua conclusão é que “a evolução das economias escravizadoras de além-mar, e das baseadas na servidão, do Oriente, participaram tanto do desenvolvimento capitalista, quanto a evolução da indústria especializada das regiões urbanizadas do setor mais avançado da Europa” (Ibidem, p. 124). No texto Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo, Hobsbawm revela o modo de vida da sociedade resultante da industrialização. “Ela transformou a vida dos homens a ponto de torná-los irreconhecíveis (...) destruiu seus antigos estilos de vida, deixando-os livres para descobrir ou criar outros novos, se soubessem ou pudessem. Contudo, ela raramente lhes indicou como fazê-lo” (1983, p. 74-75). Constatava que “a classe média vitoriosa e os que aspiravam a essa condição estavam contentes. O mesmo não acontecia aos pobres, aos trabalhadores (que pela própria essência, constituíam a maioria), e cujo estilo de vida tinha sido destruído pela Revolução Industrial” (1983, p. 79). 13 Operários e as más condições de trabalho Fonte: forsal.pl Discutindo a respeito do movimento ludista, sobre a quebra das máquinas por parte dos operários como reação a sua condição de trabalho e vida, Hobsbawm se questiona: “podem o tumulto e a destruição de máquinas, contudo, deter o avanço do progresso técnico?”. Ele afirma que não é possível deter o triunfo do capitalismo industrial desta forma, mas “no entanto, eles não são, de maneira alguma, a arma desesperadamente ineficiente que se tem feito parecer” (1981, p. 27). Devido a este pensamento o autor faz uma releitura do ludismo. Explore Aproveite o texto deste link que discute a questão da industrialização e o movimento operário no diálogo com alguns autores dentre eles Hobsbawm e Thompson. Disponível em: http://goo.gl/YOomkd Acesso em: 22 maio 2015. No capítulo 2, “Os destruidores de máquinas”, do livro Os Trabalhadores, Hobsbawm apresenta dois modelos de quebra de máquinas. No primeiro não se constata uma hostilidade contra as máquinas, mas uma forma de pressionar os empregadores. Ameaçavam também destruir as pequenas propriedades, fator que tornava eficaz o seu intento. O estratagema valorativo desta técnica é claro: pressão aos empregadores e solidariedade entre os trabalhadores. Recorda em seus textos que estas atitudes não eram impensadas. No segundo modelo de quebra das máquinas fica evidente que os trabalhadores não são contra o progresso ou são um obstáculo. Haja visto que, quando se decidia quebrar as máquinas, elas eram selecionadas. Seu interesse era a ameaça de destruição com a finalidade de não ficar desempregado. (1981, p. 17-27). Uma fundamental consideração é que as classes baixas são participantes da História e não meros espectadores, suas lutas são significativas para a História. 14 Unidade: Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho Em seu livro Mundos do Trabalho publicado em 1984, Hobsbawm reúne uma coletânea de textos em que estuda a aristocracia operária, camada de operários que se diferenciam dos outros devido a seus ganhos e condições de vida. Eric Hobsbawm estuda a questão operária em diferentes países e períodos. É uma complexidade de temáticas retratadas no livro. No capitulo “Notas sobre a consciência de classe”, estuda o que é conceituado como classe operária, independente do credo professado, origem étnica. Assim, estuda o coletivo, a classe, em que o individual é colocado de lado. Afirma que os conflitos de classe e a consciência de classe desempenham um papel de enorme importância na História. Insiste na tese de que esta consciência de classe não domina e o que domina é a identificação dos operários com seus interesses nacionais, religiosos e étnicos. Esse formato de domínio enfraqueceu a consciência de classe, temática que estudou no capítulo “Qual é o país dos trabalhadores?” Eric Hobsbawm é um dos grandes historiadores do século XX, militante de esquerda, utiliza o método marxista para a análise da história sempre partindo do conceito de luta de classes, destacando as classes dominadas. Faleceu em Londres em outubro de 2012. 15 O pensamento de Edward Thompson Edward Palmer Thompson (1924–1993) nasceu na cidade de Oxford, Inglaterra. É historiador pertencente à concepção marxista. Juntamente com Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores ingleses do século XX. Autor de inúmeras obras e consagrado com o clássico A Formação da Classe Operária Inglesa (1963). Ingressou no Partido Comunista aos 17 anos de idade. Lutou na Segunda Guerra Mundial e participou da reconstrução da Iugoslávia e da Bulgária. Enorme foi em sua vida e obra a influência de seu irmão Frank e o assassinato deste por fascistas búlgaros (MUNHOZ, 1997, P. 154). Estudou Letras, mas definiu-se pela História. Foi presidente do clube de estudantes socialistas da universidade. Em 1942, interrompe os estudos devido à Segunda Guerra Mundial. Após a guerra, concluiu seus estudos em Cambridge. Foi professor de escola noturna e ativista político. Somente mais tarde embrenhou-se no ensino universitário. Participava da esquerda juntamente com outros nomes importantes de seu tempo: Christopher Hill, John Saville, Raphael Samuel, Raymond Williams, Eric Hobsbawm, entre outros. Esse grupo deu origem aos marxistas humanistas (MUNHOZ, 1997, p. 154-155). A sua obra A Formação da Classe Operária Inglesa é um marco da historiografia de movimentos sociais das classes trabalhadores. Observava a criação de uma cultura popular em oposição à cultura das elites. No centro de seu estudo está o contexto de vida dos trabalhadores, suas interrogações, anseios, ritos e símbolos coletivos. O envolvimento emocional com o seu contexto fez com que Thompson apresentasse uma análise de grande sensibilidade, diferentemente dos áridos discursos da produção acadêmica. Apresenta os operários como protagonistas sociais na construção de suas identidades e ações coletivas. Este estudo está dividido em três partes. Na versão brasileira foram publicadas em três volumes. A melhor informação sobre a estrutura do texto vem do próprio autor: “na parte I, trato das tradições populares vigentes no século XVIII que influenciaram a fundamental aceitação jacobina no ano de 1790. Na parte II, passo das influências subjetivas para as objetivas, as experiências dos grupos de trabalhadores durante a Revolução Industrial que me parecem de especial relevância”. E, em seguida, na parte III, Thompson afirma “recolho a história do radicalismo plebeu, levando-a através do luddismo, até a época histórica no final das Guerras Napoleônicas. Finalmente, discuto alguns aspectos da teoria e da consciência de classe nos anos de 1820 e 1830” (THOMPSON, v. I, 1987, p. 12). Edward Thompson pcb.org.br 16 Unidade: Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho A tese central de seu estudo é de que entre 1790 e 1832 na Inglaterra ocorreu uma transformação de enorme importância: os diversos grupos heterogêneos de trabalhadores se transformaram em uma classe operária com identidade e consciência de classe no sentido marxista, “em sua maioria vieram a sentir uma identidade de interesses entre si e contra seus dirigentes e empregadores” (vol. I, 1987, p. 12). Por sua vez, o ponto fundamental de seu texto é a experiência contestatória dos trabalhadores ingleses no desdobramento do processo de construção da consciência de classe. “Transpor o limiar de 1832 para 1833 é entrar num mundo onde a presença operária pode ser sentida em todos os condados da Inglaterra e na maioria dos âmbitosda vida, a classe operária não está mais no seu fazer-se, mas já foi feita” (Ibidem, v. III, 2002, p. 411). Burgueses e operários sujeitos históricos da Revolução Industrial Fonte: Puck Magazine/Wikimedia Commons A contribuição de Edward Thompson para uma revisão do conceito de classe social dentro da tradição marxista foi incorporada pela historiografia. O pensador afasta os conceitos de estrutura e categoria social como inadequados para o conhecimento do fenômeno classe social. Trata-se de formação social e cultural, fenômeno histórico que unifica acontecimentos díspares, ligados à matéria-prima da consciência e à consciência dessa experiência. O fenômeno classe social está condicionado pelas relações de produção e, por sua vez, o fenômeno social também é constituído pela forma como um conjunto de indivíduos elaboram essa experiência social em termos culturais, políticos, religiosos, de costumes e tradições. Segundo Thompson “a consciência de classe surge da mesma forma em tempos e lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma” (Ibidem, 1987, p. 10). 17 A afirmação de Thompson de que a classe traz consigo a noção de relação histórica e não pode ser dissecada como uma estrutura, afasta sua estratégia de conhecimento do campo da sociologia estrutural, da economia e do marxismo estruturalista e economicista. Sendo assim, a situa no campo da história social, da antropologia cultural e de uma tradição marxista alternativa, crítica ao economicismo (THOMPSON, 1981, p. 187). Thompson sustenta que o entrelaçamento entre Revolução Industrial, contrarrevolução política a partir de 1793 e o crescimento demográfico acelerado, teve grande influência na formação da consciência e das instituições da classe operária inglesa. A Revolução possibilitou a base da experiência de classe. A contrarrevolução uniu aristocracia e burguesia industrial, travando reformas. O crescimento demográfico tornou disponível uma mão de obra abundante enfraquecendo os artesãos especializados. As pesquisas de Thompson estão dedicadas a demonstrar que as tradições do movimento operário inglês não foram produzidas pela Revolução Industrial e suas raízes estão fincadas num período muito anterior ao cartismo. Segundo ele, a classe ocorre quando interesses comuns são identificados e delimitados e quando interesses antagônicos são também identificados e qualificados. Este processo marca a textura da história com as evidências do crescimento da organização política e industrial e da constituição de instituições de classe “solidamente fundadas e autoconscientes: sindicatos, sociedades de auxilio mútuo, movimentos religiosos e educativos, organizações políticas, periódicos, além das tradições intelectuais, dos padrões comunitários e da estrutura da sensibilidade da classe operária” (THOMPSON, v. II, 2002, p. 17). Atenção Cartismo: movimento social inglês da década de 30 do século XIX. Sua fundamentação é a carta escrita pelos radicais William Lovett e Feargus O’Connor intitulada Carta do Povo que foi enviada ao Parlamento inglês. Motim cartista em Londres Fonte: Wikimedia Commons 18 Unidade: Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho Carta do Povo 1) Sufrágio universal masculino (direito de todos os homens ao voto) 2) Voto secreto por meio de cédula 3) Eleição anual 4) Igualdade entre os direitos eleitorais 5) Participação de representantes da classe operária no parlamento 6) Parlamentos remunerados Thompson assinala que os operários industriais tiveram um nascimento tardio e que “muitas das suas ideias e formas de organização do operariado industrial foram antecipadas por trabalhadores domésticos (...). Em muitas cidades, o verdadeiro núcleo de onde o movimento trabalhista retirou suas ideias, organização e lideranças era constituído por sapateiros, tecelões, seleiros e fabricantes de arreios, livreiros, impressores, pedreiros e pequenos comerciantes e similares” (Ibidem, v. II, 2002, p. 16). Assim, “os operários, longe de serem filhos primogênitos da Revolução Industrial, tiveram nascimento tardio” (Ibidem, v. II, 2002, p. 16). O principal canal para a energia dos trabalhadores entre 1816 e 1820, encontrava-se na sua própria organização (Ibidem, v. III, 2002, p. 228). Conclui Thompson que “de 1830 em diante, veio amadurecer uma consciência de classe, no sentido marxista tradicional, mas claramente definida, com a qual os trabalhadores estavam cientes de prosseguir por conta própria em lutas antigas e novas” (Ibidem, v. III, 2002, p. 307). Na década de 80 do século XX, Thompson participou ativamente do movimento antiarmamentista europeu, abandonando temporariamente seus estudos sobre o século XVIII (MULLER; MUNHOZ, 2010, p. 42). No final dos anos 80, com as grandes transformações ocorridas, como a queda do Muro de Berlim (1989), Thompson retoma suas pesquisas relativas ao século XVIII. Este estudo foi publicado em 1991 com o título Costumes em Comum. A obra apresenta a formação dos costumes e a complexidade de seu funcionamento. Salienta que a cultura plebeia se reveste da retórica do costume e não se autodefinia nem era independente de influências externas. É uma cultura conservadora baseada na tradição (THOMPSON, 1991, p. 13-25). Neste estudo sobre as Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho, foi apresentada a importância da contextualização e do estudo da Revolução Industrial para, assim adentrar às teorias destes grandes historiadores marxistas britânicos: Eric Hobsbawm e Edward Thompson. Ambos integravam o mesmo grupo de pesquisadores formados em Cambridge. O primeiro morreu em 2012 deixando uma vasta contribuição para essa temática de estudo e o segundo morreu em 1993 com uma influente produção no campo historiográfico. 19 Material Complementar “Leia” os filmes de forma crítica, lembre-se que mesmo os documentários são obras de ficção e carregam em si intenções e ideologias de quem produziu-os, assim como a própria história que nos foi deixada como legado pelos nossos antepassados. Vídeos: Tempos Modernos Modern Times, EUA (1936) Direção: Charles Chaplin Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, 87 min. preto e branco, Continental https://www.youtube.com/watch?v=LFZnunT28X4 Acesso em: 23 maio 2015. Revolução Industrial na Inglaterra (documentário, Enciclopédia Britânica) Retrata os primórdios da Revolução Industrial e seus desdobramentos. https://www.youtube.com/watch?v=jt-o3EBQPMU Acesso em: 23 maio 2015. Trabalho Infantil (documentário) Documentário do Programa A Liga, retrata a exploração da mão de obra infantil. https://www.youtube.com/watch?v=ie31wk3Y93o Acesso em: 23 maio 2015. Breve Século (Eric Hobsbawm) Diversas imagens e música ao fundo para apresentar a diversidade e contradições do século XX contidas na obra de Hobsbawm. https://www.youtube.com/watch?v=AuF4NITjSbQ Acesso em: 23 maio 2015. O Capital É uma versão parisiense do filme Wall Street de Oliver Stone. História em que o capitalismo, de maneira especial o financeiro, é exposto como sistema totalmente injusto e explorador. https://www.youtube.com/watch?v=xL8hXYGg8mA Acesso em: 23 maio 2015. As Aventuras de Oliver Twist Um clássico da literatura escrito por Charles Dickens. O contexto é a Inglaterra do século XIX. O jovem Oliver se vê sozinho pelas ruas de Londres. Envolvido por um bando de ladrões é preso por um crime que não cometeu. Interessante observar a realidade de vida no cotidiano do berço da industrialização. https://www.youtube.com/watch?v=NJ2DQFFj--0 Acesso em: 23 maio 2015. 20 Unidade: Matrizes Historiográficas para o Estudo do Trabalho Referências CASTELLS, M. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2010. GOHN, M. G. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. 7ª ed. São Paulo: Loyola, 2012. HOBSBAWM, E. J. Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. AQUINO, R. S. L. et al. Sociedade brasileira: uma história atravésdos movimentos sociais. Da crise do escravismo ao apogeu do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Record, 2005. FAUSTO, B. (Dir.). O Brasil republicano: sociedades e instituições (1889–1930). Col. História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. T. III. Vol. 9. GOHN, M. G.; BRINGEL, B. M. Movimentos sociais na era global. Petrópolis: Vozes, 2012. KHOURY, Y. A. 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