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NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 1 - PROF. EWERTON RODRIGUES 1. INTRODUÇÃO À MEDICINA LEGAL As inúmeras relações com outras ciências e o seu extenso raio de atividade tornam a Medicina Legal difícil de ser definida com precisão. Em geral, cada definidor conceitua esta ciência levando em consideração sua forma de atuação, como entende sua prática, sua contribuição e sua importância diante dos justos e elevados reclamos da sociedade. Ambroise Paré definiu medicina legal como “a arte de fazer relatórios em juízo”, e Foderé como “a arte de aplicar os conhecimentos e os preceitos dos diversos ramos principais e acessórios da Medicina à composição das leis e às diversas questões de direito, para iluminá-los e interpretá-los convenientemente”. A Medicina Legal é uma ciência de largas proporções e de extraordinária importância no conjunto de interesses da coletividade, porque ela existe e se exercita em razão das necessidades de ordem pública e social. É difícil definir com precisão a Medicina Legal. Cada especialista costuma defini-la de maneira subjetiva, partindo de suas relações práticas e convívio com a mesma. Vejamos a definição de alguns dos maiores especialistas em Medicina Legal: "É a Medicina considerada com suas relações com a existência das leis e a administração da Justiça" (Adelon). "A aplicação dos conhecimentos médicos nos casos de procedimento civil e criminal eu possam ilustrar" (Marc). "É a ciência do médico aplicada aos fins da ciência do Direito" (Buchner). "A aplicação do conhecimento médico cirúrgico à legislação" (Peyró e Rodrigo). "A ciência que ensina, através dos conhecimentos naturais, maneiras de auxiliar a Justiça a descobrir a verdade" (Schermeyer). "Disciplina que utiliza a totalidade das ciências médicas para dar respostas às questões judiciais" (Bonnet). Deve-se saber que tanto o Direito quanto a Medicina se preocupam com a harmonia que deve existir com o ser humano. Os dois têm um ponto em comum. O Direito se ocupa do ser integrado na sociedade, onde há leis, regras e ordenamentos que lhes ditam obrigações e lhes conferem direitos para que exista uma convivência serena e pacífica. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 2 - A medicina cuida do homem dotado de inteligência, de órgãos e aparelhos, que devem funcionar a contento. Quando o equilíbrio orgânico é quebrado surgem doenças e enfermidades. Entre os direitos protegidos temos a saúde, a integridade física e a vida, mas esses direitos podem ser violados, num grupo social, é aí que essas ciências se tocam, sendo a Medicina Legal o elo de união, que age como uma ponte unindo ambas. A expressão da violência e dos conflitos em geral, na atualidade, torna cada vez mais difícil a manutenção da ordem social, pois os direitos aumentam e os deveres se atenuam. A Medicina Legal sendo um ramo extenso e complexo dos conhecimentos científicos que une a Medicina ao Direito, na aplicação e elaboração das leis que regulam os atos humanos, é de extraordinária importância para a solução de fatos de interesse jurídico. Desta forma, a medicina legal não se restringe apenas ao estudo de cadáveres, mas se estende a outras áreas, envolvendo o ser humano ainda vivo, tendo surgido para colaborar na solução das questões existentes entre os membros da sociedade, tornando, desta forma, a vida em grupo viável e menos conturbada. O Direito Processual Penal tem como meta o reconhecimento e o estabelecimento de uma verdade jurídica, e tal fim se alcança por meio das provas que se produzem e se valoram segundo as normas prescritas em lei. A finalidade da prova é formar a convicção do juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa. Para tanto, o magistrado se vale dos documentos médico-legais, que são instrumentos escritos ou simples exposições verbais mediante os quais o médico fornece esclarecimentos à justiça. Dentre estes se citam: atestado, laudo, parecer, auto, relatório, etc. e cada um deles possui características diferentes, tanto do ponto de vista médico como jurídico, e serve à finalidade também diversificada como será visto após. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 3 - Desta forma, a Medicina Legal é uma ciência de largas proporções e importância nos interesses da comunidade, porque existe e se exercita em razão das necessidades de ordem pública e social. É uma disciplina de amplas possibilidades e de profunda dimensão, porque não se resume ao estudo da Medicina, mas de se constituir na soma de todas as especialidades médicas acrescidas de fragmentos de outras ciências acessórias, destacando o Direito. 2. HISTÓRICO DA MEDICINA LEGAL Historicamente, embora seja comprovada a participação médica em processos judiciais, os antigos não conheciam a Medicina Legal como ciência. Pompílio, em Roma, ordenou o exame médico na morte das grávidas. Adriano e Justiniano utilizaram-se dos conhecimentos médicos para esclarecer fatos de interesse da Justiça. Somente com a legislação de 1209, por um decreto de Inocêncio III iniciou-se a perícia médica. Gregório IX, em 1234, exigia a opinião médica para distinguir dentre os ferimentos, aquele considerado mortal e até no cancelamento de casamentos, caso houvesse suspeitas comprovadas de sexo entre os noivos antes da cerimônia. O início da Medicina Legal prática foi na Itália, em 1525. Foi no séc. XVI que a Medicina Legal teve sua contribuição reconhecida, quando começou a ser exigida a presença dos peritos na avaliação dos diversos tipos de delitos. Em 1521, quando o Papa Leão X morreu com suspeita de envenenamento, seu corpo foi necropsiado. Ambroise Paré é considerado o pai da Medicina Legal por ter lançado o primeiro tratado de Medicina Legal, em 1575. Nos séculos seguintes, mais avanços aconteceram, principalmente nas áreas de toxicologia, e psiquiatria médico-legal. No Brasil, a Medicina Legal francesa foi decisiva. Hoje, a escola portuguesa também fornece importante contribuição, através das obras de diversos autores. Inúmeros são os nomes de pesquisadores e cientistas que veem desenvolvendo a Medicina Legal até os dias atuais. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 4 - 3. O INSTITUTO MÉDICO LEGAL (IML) Visto pela sociedade como sinônimo de repulsa e evitação, o Instituto Médico Legal (IML) ou Posto Médico-Legal (PML) é uma instituição que tem a função de manter a ordem pública garantindo o bem-estar da sociedade de maneira geral. A busca pela justiça, o trabalho coerente, ético e a conduta prezando pelo ser humano na sua singularidade, são características que permeiam o cotidiano dessa instituição e de todos os profissionais que atuam frente a ela. Por tratar da violência em seus múltiplos âmbitos e adjuntamente ao trabalhar com a morte é que a maioria das pessoas evita falar sobre esse assunto a fim de não se aproximar de algo que causa medo, tristeza, ou angústia, característica visível na vivência de todo o ser humano. A morte representa uma das maiores dores sentida pelo ser humano, a dor da perda, que apesar de todos os esforços, não pode ser negada, ignorada. Visto como tabu cultural e histórico, a finitude humana ainda é um assunto que precisa ser desmistificado e trabalhado a fim de que ela possa ser compreendida como um ciclo natural da vida humana nos reconhecendo como seres finitos. A dor é universal, está presente em todas as crenças e religiões. Em nenhum lugar a morte é motivo de alegria. O nível de tolerância é que varia. O Instituto Médico-Legal (IML) é responsável pela avaliação de casos de pessoas que foram violentadas ou decorrentes de morte e tem como objetivo assegurar o cuidado singular encontrando as causas de tais violências a fim de buscar pela justiça e assegurar a integridade do ser humano. Adiante será analisado emque é pautado o exercício desenvolvido nos IMLs; qual é a importância que este tem diante da comunidade; como os colaboradores avaliam suas atividades e quais as condições de trabalho e de saúde desses profissionais. O exercício realizado pelos colaboradores que atuam frente ao Instituto Médico-Legal (IML) ainda é pouco conhecido e valorizado pela sociedade, o que, por vezes, os coloca como meros atores em um cenário do qual, na realidade, são protagonistas. A sublime atividade desenvolvida por eles frente à comunidade é pautada na busca pela segurança, justiça e cuidado pleno para todas as pessoas que a procuram. Bem como suas condutas de zelarem pelos corpos, garantindo que as histórias e identidades sejam mantidas sob sigilo e cuidado a fim de garantir a integridade de cada ser humano. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 5 - 3.1. CONCEPÇÕES GERAIS ACERCA DA COMPREENSÃO DO TRABALHO REALIZADO NO INSTITUTO MÉDICO-LEGAL (IML) O IML é o órgão da Polícia Civil responsável pela realização de perícias médicas e pela emissão de laudos para subsidiar as investigações e o julgamento de processos criminais sobre agressões físicas, acidentes, estupro, atentado violento ao pudor, tentativas de homicídio, homicídios consumados e suicídios. A instituição que tem como missão manter a ordem pública, a moralidade, a saúde pública e assegurar o bem-estar coletivo é vista, por boa parte da sociedade, como sinônimo de amoralidade, ameaça à saúde, à vida, ao bem-estar coletivo. O estigma carregado pelo IML aos olhos da sociedade é diferente do estigma da Polícia, até porque as pessoas sequer associam uma instituição à outra. Não se sabe que o IML está subordinado à Polícia Civil porque não se deseja saber nada sobre o IML. Ninguém quer conhecer, de preferência nem passar perto do IML. A identidade institucional é “amaldiçoada” pela natureza do trabalho, pela intimidade que este tem com a morte, tabu cultural e histórico difícil de romper. De acordo com alguns autores apesar de a morte ser reconhecida como natural universal e inevitável, o homem é incapaz de imaginar a sua própria morte e, por esta razão, na sociedade a maioria das pessoas tende a evitá-la. A sociedade marcada por um ritmo alucinante parece ter deixado de lado o fato de todos nós sermos finitos. Assim, o homem, tende a não pensar sobre sua finitude e a das pessoas que o rodeiam. Nota-se um despreparo no que diz respeito ao enfrentamento dessa situação. Os IMLs não trabalham somente com situações já decorrentes de mortes, mas com um número cada vez maior de lesões e outras agressões que não chegam a provocar a letalidade. 95% das perícias realizadas no IML são em pessoas vivas. Costuma-se dividir as áreas técnicas do IML em: Clínica Médico Legal: Oferece serviços de realização de exames de conjunção carnal, ato libidinoso, lesão corporal, verificação de aborto, verificação de idade, sanidade física, sanidade mental, identificação de sexo somático, psiquiátrico; emitindo seus laudos. Laboratórios: Executam serviços de realização de exames anatomopatológicos, toxicológicos e de química legal emitindo seus laudos. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 6 - Técnica-Pericial/Outros: Existem outros trabalhos realizados no IML necessários como complementação aos demais serviços mencionados, como: identificação do cadáver, radiologia para localização de projéteis/objetos, antropologia (exame em ossadas), coleta de material para dosagem alcoólica, controle dos materiais analisados, etc. O IML também é responsável por fazer o exame de corpo de delito em vítimas vivas ou mortas, relacionando-se com os mais diversos campos do direito, e elaborando laudos que permitam a análise de fatos ocorridos durante o crime, de armas utilizadas, da causa da morte. Esses laudos auxiliam na investigação de cada caso, e é imprescindível na resolução de casos judiciais, consubstanciando os inquéritos e ações penais. 3.2. O EXAME DE CORPO DE DELITO O exame corpo de delito é o conjunto de elementos sensíveis do fato criminoso, ou seja, o conjunto de vestígios materiais deixados pelo crime. Nas infrações criminais que deixam vestígios, é necessário o exame de corpo de delito, isto é, a comprovação dos vestígios materiais por ela deixados torna-se indispensável, sob pena de não se receberem a queixa ou a denúncia. De todas as perícias o exame de corpo de delito é considerado o mais importante e pode ser realizado SOMENTE por um médico legista. Há seis tipos de exames de corpo de delito: LESÃO CORPORAL: É feito quando envolve um episódio de violência e classifica em que ponto a integridade física foi afetada. A vítima relata o ocorrido e o legista procura sinais que comprovem ou não o que foi dito. Se num acidente, um osso foi quebrado, o legista verifica o quanto essa fratura impossibilita os movimentos da pessoa. Agressões físicas são o motivo mais comum para solicitar um exame de corpo de delito. EXAME DE IMPUTABILIDADE PENAL: Feito para avaliar se o acusado é ou não, capaz de responder pelo crime que cometeu. Pela lei, uma criança não pode responder por um crime, porém se o crime foi cometido contra uma criança, o exame também é realizado para incriminar o agressor. Exames psiquiátricos também são válidos para se considerar a imputabilidade. EMBRIAGUEZ: Além do bafômetro, que mede a quantidade de álcool no sangue (mas não determina se a pessoa está ou não embriagada), são feitas perguntas NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 7 - passíveis de reações exaltadas pelo médico legista para a avaliação emocional. Após esta fase, passa-se para testes de equilíbrio. VIOLÊNCIA SEXUAL: Exame composto por três pontos: sinais de violência (no corpo de quem sofreu a agressão), presença de material genético masculino e, se a vítima for uma mulher, diagnosticam a possibilidade de gravidez. Nestes exames, o legista é especialista em ginecologia. As vítimas de estupro devem procurar uma delegacia rapidamente, sem tomar banho ou trocar de roupa. EXAME PSIQUIÁTRICO: É realizado para saber se quem cometeu o crime estava sob influência de drogas ou para avaliar uma pessoa fora de seu estado normal. O legista neste caso é um especialista em psiquiatria. Os trabalhos podem ser iniciados por um psicólogo. EXAME CAUTELAR EM DETENTOS: Feito por precaução para a verificação de lesões recentes no preso. O legista examina se a integridade física do indivíduo foi mantida durante seu transporte a caminho da delegacia, tribunal ou em uma transferência de presídio, por exemplo. É realizado sempre que os presos entram e saem da cadeia, caso seja comprovada alguma agressão a vítima pode processar o Estado. 3.3. O PAPEL DO TÉCNICO EM NECRÓPSIA NO IML São atos privativos do profissional médico as atividades que envolvam diagnósticos e indicação terapêutica, todavia, os atos que não impliquem nestas ações, podem ser atos profissionais compartilhados. Os técnicos em necrópsia poderão realizar os atos que não maculem estas normas sob a orientação ou supervisão do médico legal. As atribuições típicas consistem na identificação dos corpos; abertura, evisceração e fechamento dos corpos; identificação dos órgãos; projéteis e traumas; fixação de peças NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 8 - anatômicas para posterior exame; a devida identificação, guarda, organização e arquivamento temporário do material em estudo e de reserva, tanto do material de necrópsia quanto das peças cirúrgicas; preparo das várias soluções fixadoras; manutenção dos aparelhos e instrumental; arrumação e limpeza da mesa de necropsia e instrumental; afiação do instrumental cortante; embalsamento de cadáveres. Estas atividades são executadas tanto pelo profissional da polícia cientifica(APC) quanto pelo técnico em necrópsia, sempre sob a supervisão e orientação do médico. A capacitação de cada um se dá por vias diferentes, sendo o APC através de concurso e curso de aprendizado e o técnico através de curso de aprendizado. As atribuições dos técnicos em necrópsias ainda não foram tratadas em todos os seus aspectos porem existe normatizações, leis e pareceres que nos auxiliam a determina estas atribuições entre os quais, citam-se os artigos do Código de ética ANANEC - Associação Nacional de Auxiliar de Necrópsia: Art. 2º. – O Técnico de Necropsia, ciente de que o desempenho de sua função requer formação aprimorada, procurará ampliar e atualizar seus conhecimentos técnicos, científicos e do desenvolvimento da própria profissão; Art. 3º. – O Técnico de Necropsia executará com rigor e presteza as orientações do Médico legista, com vistas ao pleno sucesso da necrópsia; Art. 4º. – O Técnico de Necrópsia, evitará abandonar o corpo em meio à necrópsia sem causa justa e sem garantia de solução de continuidade de sua atividade; Art. 6º. – O Técnico de Necrópsia procurará manter relações cordiais, espírito de colaboração e integração com todos os membros da equipe de necrópsia; Art. 7º. – O Técnico de Necropsia guardará segredo sobre fatos que tenha conhecimento no exercício de sua profissão; Art. 9º. – O Técnico de Necropsia colocará seus serviços profissionais à disposição da comunidade em casos de urgência, independentemente de qualquer proveito pessoal; Quem deve proceder à reconstituição de cadáver vítima de morte violenta? Entende-se reconstituição como sendo a sutura para fechamento de cavidades pós- autópsia. Este ato é habitualmente executado pelo auxiliar de necrópsia, por designação do médico legista. Sendo parte do ato necroscópico médico-legal (morte violenta), todas as pessoas sem competência específica para o mesmo não poderão realizá-lo. A retirada de órgãos é parte do ato necroscópico e não tem como objetivo a reconstituição do cadáver. Os órgãos removidos, após examinados macroscopicamente, NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 9 - são encaminhados para exames complementares (toxicológicos, histopatológicos, etc.), ou então recolocados nas cavidades do cadáver. 3.4. HUMANIZAÇÃO DO AMBIENTE DE TRABALHO É sabido que o ambiente do Instituto Médico Legal (IML) geralmente causa medo, nojo, incômodo na maioria das pessoas, e é interessante observar reações populares quando retratam como alguém pode se interessar em estudar este ambiente que é desagradável, execrado, e excluído da sociedade. Para estudiosos da área, melhorar a imagem do IML é um desafio. A sociedade precisa ser mais bem atendida e tomar conhecimento de que o IML não é sinônimo de “morte”, mas sim de justiça. É necessário lutar para que o cidadão não tenha medo de procurá-lo quando necessário e lhe instruir sobre a real função do IML, mostrando em que situações devem recorrer à instituição e a importância deste ato. Vítimas de violência precisam de um atendimento diferenciado, ágil e de qualidade, que possa ao menos aliviar a dor e dar suporte aos familiares que perderam seus entes queridos. Por este motivo, precisam-se humanizar os ambientes de atendimento, tornando- os mais confortáveis e reservados. Afinal, são situações de extrema delicadeza que ali são tratadas. O trabalho realizado pelos profissionais que atuam junto ao Instituto Médico-Legal (IML) ainda é pouco compreendido pela sociedade. As atividades por eles desempenhadas têm uma grande dimensão, surtindo situações de trabalho saturadas de sofrimento mental. Conforme relatos de profissionais, as primeiras experiências nesse local de trabalho foram de sentimento de certo mal-estar, deixados pelo cheiro e pela visão de corpos a ser necropsiados. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 10 - O odor característico de corpos em decomposição aliado aos riscos potenciais de contaminação e prática de medicina forense, que envolve evidências de crime em muitos casos, limitam consideravelmente o trânsito de pessoas nesse local. Vale ressaltar que, o odor também é responsável muitas vezes pela manutenção das portas abertas durante o procedimento de necropsia o que contribui para a inadequação da temperatura ambiente e dificuldade da sala em relação à refrigeração ideal. Nesse ambiente é fundamental o emprego dos equipamentos de proteção individual (EPIs), que reduzem os riscos de contaminação. Os profissionais que trabalham nas áreas em que a morte ocorre frequentemente devem compartilhar sentimentos e reações com os outros. A vivência dos colaboradores que trabalham no IML por vezes desperta sentimentos de angústia, aflição e desconforto emocional. Há um elevado desgaste psicológico dos profissionais que atuam no instituto, tendo em vista o contato direto com cenas de crimes graves que exigem do profissional um grande preparo emocional. Também é produzido sobre o trabalhador um alto grau de pressão institucional, onde os prazos processuais são curtos, e devido à escassez de recursos e profissionais, esses prazos, por vezes, não são cumpridos, surgindo então à pressão do judiciário. Por vezes, a rotina desses profissionais se dá de forma árdua, onde a carga horária de trabalho excede o que está estabelecido, fazendo com que os colaboradores desempenhem suas funções acompanhadas de esgotamento e cansaço. Partindo de tal pressuposto, é importante que os profissionais desenvolvam a auto eficácia, ou seja, crenças individuais na capacidade de organizar e executar os cursos de ação necessários para lidar com situações potencialmente estressantes mantendo o equilíbrio mental. Pessoas que possuem forte sensação de controle pessoal têm mais probabilidade de utilizar formas adaptativas e focalizadas nos problemas para lidar com eles. O crescente aumento do profissionalismo, conjuntamente com o aumento da apuração da opinião pública, requer que a atividade forense seja clara, correta e franca com os seus valores fundamentais. Sendo o desempenho e credibilidade dos profissionais forenses colocados cada vez mais em causa, os seus valores, espelhados num código de ética, poderão ser a melhor “proteção” por se apresentarem claramente afirmados e continuamente atualizados. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 11 - 3.5. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL (EPIs) O termo “Segurança Profissional Durante Procedimento de Necropsia” traduz para os peritos e auxiliares que a prática deste ato técnico deve estar revestida de toda garantia de segurança. Uma vez que durante a necropsia os profissionais se expõem às áreas com solução de continuidade na pele ou nas mucosas do cadáver, a fluídos, secreções orgânicas e dejetos humanos. Qualquer pessoa em vida pode ser portadora de microrganismos altamente patogênicos, o que, mesmo após a morte, põe em risco a saúde de quem entra em contato com eles, principalmente, os profissionais de necropsia. Agentes infecciosos como vírus, bactérias, fungos, parasitas e prions podem infectar esses profissionais, em especial quando as barreiras usuais do corpo são ultrapassadas ou não estão íntegras. Em geral, os organismos penetram no corpo através de feridas feitas acidentalmente por agulhas ou pontas afiadas, gotículas em membranas mucosas, inalação ou passagem de microrganismos por feridas preexistentes. Portanto, peritos médicos- legistas e auxiliares técnicos que realizam necropsias, estão expostos a risco de contaminação caso medidas adequadas de proteção não sejam rigorosamente observadas. A fim de minimizar o risco de se infectar, barreiras adequadas devem ser acionadas. É bastante difícil determinar quais casos de necropsias envolvem agentes infecciosos e quais não. Portanto, é prudente considerar que todas as necropsias são potenciais fontesde agentes infecciosos. O plano central de todo programa de biossegurança em necrópsia é a utilização de precauções-padrão de controle de infecções. Assim, toda necropsia e seus objetos devem ser tratados como se portassem algum agente infeccioso. Toda a área do procedimento e seus conteúdos são designados como áreas de ameaça biológica e, portanto, devem ter placas informativas. A sala de necropsia ideal deve ser bem ventilada, com sistema exaustor negativo. Todos os procedimentos devem visar diminuir o risco de derramamentos, respingos ou aerossóis. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 12 - Equipamentos contaminados, instrumentos, bacias e demais objetos devem ser confinados a áreas designadas até sua desinfecção (mesa de necropsia, mesa de instrumentos, mesa de dissecção, pia e etc.). Os Equipamentos de Proteção Individual - EPI são dispositivos usados individualmente para proteger a integridade física do trabalhador e incluem: luvas, jaleco, protetores oculares ou faciais, protetores respiratórios, aventais, bota e proteção para os membros inferiores. São equipamentos de uso obrigatório no ambiente da sala de necropsia e nas salas de radiologia pericial. A utilização de equipamentos como barreira contra as infecções externas passa por constantes modificações, sobretudo, na busca de novos materiais que sejam impermeáveis a microrganismos sob pressão, flexíveis, distensíveis e confortáveis, além de permitir a boa prática nos procedimentos. As principais funções dos EPI são: I - redução da exposição humana aos agentes infecciosos; II- redução de riscos e danos ao corpo provocados por agentes; III - redução da exposição a produtos químicos tóxicos; IV- redução da contaminação de ambientes 3.6. LAVAGEM DAS MÃOS A ação de lavar as mãos utilizando água, sabão ou detergente é considerado o mais importante modo de atuar na prevenção e controle de infecções. O objetivo da lavagem das mãos é impedir que microrganismos mantenham-se nas mãos do profissional de necropsia, e que este carreie os mesmos para outras áreas ou demais pessoas. Portanto, a correta lavagem das mãos é, sem dúvida, a rotina mais simples, mais eficaz, e de maior importância na prevenção e controle da disseminação de infecções, devendo ser praticada por toda equipe, sempre ao iniciar e ao término de uma tarefa. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 13 - 3.7. DOCUMENTOS MÉDICO-LEGAIS Os exames médico-legais deverão ser realizados somente mediante requisição escrita por parte de autoridade competente em que conste o tipo de exame a ser realizado, o órgão solicitante e o registro da ocorrência. Se for solicitado por juiz constará o número do processo e não da ocorrência. Em caráter excepcional poderá ser solicitado verbalmente e depois formalizado. Nestas solicitações necessariamente o pedido do exame deverá estar consignado conforme consta na relação de exames realizados pelo IML, cabe ao solicitante especificar o exame desejado para esclarecimento do caso não podendo o perito subtrair, alterar ou acrescentar pedidos do exame. As solicitações de exames podem ser emitidas pelas seguintes autoridades: delegado de polícia, promotor de justiça, juiz de direito ou autoridade militar presidindo inquérito. O resultado da perícia feita no IML será exposto na forma de um documento médico- legal. Entende-se por documento qualquer base do conhecimento fixada materialmente e disposta de maneira que se possa utilizar para consulta, de estudo, prova; e pode se apresentar na forma de notificações, atestado, relatório, consulta, parecer ou depoimento oral. NOTIFICAÇÕES São comunicações compulsórias feitas pelos médicos às autoridades competentes de um fato profissional, por necessidade social ou sanitária, como acidente do trabalho, doenças infectocontagiosas, uso habitual de substâncias entorpecentes ou crime de ação pública que tiverem conhecimento e não exponham o cliente a procedimento criminal. ATESTADOS É a afirmação simples e por escrito de um fato médico e suas consequências. Pode ser de vacina, de sanidade física ou mental, de óbito ou de insanidade física ou mental. A legislação diz: “Dar o médico no exercício de sua profissão, atestado falso”. Pena: detenção de 1 mês a 1 ano. RELATÓRIO É a descrição minuciosa de um fato médico e de suas consequências, requisitadas por autoridade competente. O relatório recebe o nome de AUTO quando é ditado pelo perito ao escrivão, durante ou logo após, e denominado de LAUDO quando é redigido pelo(s) próprio(s) perito(s), posteriormente ao exame. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 14 - Partes de um relatório oficial: Preâmbulo: É a parte onde os peritos declaram suas identificações, títulos, residências, qualificam a autoridade que requereu e a autoridade que autorizou a perícia, e o examinado; hora e data em que a perícia é realizada e a sua finalidade. Quesitos: São as perguntas formuladas pela autoridade judiciária ou policial, pela promotoria ou pelos advogados das partes. Histórico: Consiste no registro dos fatos mais significativos que motivam o pedido da perícia ou que possam esclarecer e orientar a ação do legisperito. Descrição: É a descrição minuciosa, clara, metódica e singular de todos os fatos apurados diretamente pelo perito. Constitui a parte essencial do relatório. Discussão: É a análise cuidadosa dos fatos fornecidos pelo exame e registrado na descrição, compará-los com os informes disponíveis relatados no histórico, encaminhando naturalmente o raciocínio do leitor para o entendimento da conclusão. Conclusão: É o sumário de todos os elementos objetivos observados e discutidos pelo perito, constituindo a dedução sintética natural da discussão elaborada. Resposta aos Quesitos: As respostas aos quesitos formulados devem ser precisas e concisas. CONSULTA MÉDICO-LEGAL: É a solicitação na qual o(s) interessado(s) ouvem a opinião de um ou mais especialistas a respeito do valor científico de determinado relatório médico-legal, quando o mesmo deixa dúvidas a respeito de seu conteúdo. PARECER MÉDICO-LEGAL: É a resposta escrita de autoridade médica, de comissão de profissionais ou de sociedade científica, a consulta formulada com o intuito de esclarecer questões de interesse jurídico (Preâmbulo, Exposição, Discussão, Conclusão). DEPOIMENTO ORAL: São os esclarecimentos dados pelo perito, acerca do relatório apresentado, perante o júri ou em audiência de instrução e julgamento. Consideramos ainda o prontuário médico, o boletim, e até mesmo a receita médica como documentos de importância médica e jurídica. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 15 - 4. A MORTE NAS DIFERENTES SOCIEDADES A morte é sem dúvida um acontecimento importante em qualquer sociedade. Sua importância se deve, entre outras razões, ao fato de ela torna necessária a transmissão de costumes dentro de um grupo, já que o contato entre diferentes gerações é sempre limitado. Nos dias de hoje, por exemplo, a expectativa de vida média faz com que uma pessoa dificilmente tenha contato direto com alguém de uma geração que vá além de seus bisavós, da mesma maneira dificilmente poderá conhecer os filhos de seus bisnetos. Para que os costumes de uma cultura sejam duráveis, ou seja, para serem conhecidos por tataravô ou tataraneto é preciso que sejam transmitidos sucessivamente de geração em geração. Por isso, a cultura está diretamente relacionada à morte. A existência da cultura, isto é, de um patrimônio coletivo de saberes, só tem sentido porque a gerações morrem e é constantemente preciso transmiti-las as novas gerações. A morte não se refere apenas ao envelhecimento contínuo, às doenças constantes, á perda de forças, ela refere-se também a outro mundo,aterrador “aquele da confusão, do caos, onde não existe mais nada nem ninguém.” Nas principais civilizações da antiguidade, eram muitas as diferenças que existiam sobre o significado ético – religioso da morte, mas em todas as civilizações existe uma semelhança: a morte é um lugar inacessível para os vivos. É necessário aprender a trabalhar a questão da morte desde cedo, pois morrer é um dos fatos mais concretos que existe no desenvolvimento humano. Muitas vezes somos apresentados a ela durante o período da infância com a perda do primeiro animal de estimação ou a perda de um familiar querido o que nos faz perceber mais uma vez o quanto a morte se apresenta de forma contraditória e conflituosa em nossas vidas. Observa-se que as sociedades contemporâneas utilizam o mecanismo da negação em relação a morte para se afastar da mesma, como se ela ocorresse apenas para com o outro nunca em relação a si próprio, demonstrando assim o temor que a sociedade atualmente sente em relação a própria morte. Todos nós possuímos uma herança cultural que define a nossa visão da morte e nossas interpretações atuais, estas constituem parte da herança que as gerações anteriores, as antigas culturas, nos deixaram. A visão da morte ao longo do tempo, e a construção da sua própria identidade coletiva constitui um dos elementos mais relevantes para a formação de uma tradição cultural comum. Mas, como a concepção de morte se moldou ao longo do tempo em diferentes sociedades? NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 16 - PRÉ-HISTÓRIA Na pré-história as primeiras tribos humanas não enterravam seus mortos, eles eram deixados ao ar livre para seus corpos se decomporem. Com o tempo, o homem pré-histórico percebeu que os corpos deixados em grutas ou cavernas tinha um tipo de decomposição diferente porque decomposta a carne, os ossos se cobriam de carbonato de cálcio e o esqueleto era preservado por muito mais tempo. Praticamente esta era a forma encontrada para cristalizar a presença daquele que morreu. Os túmulos, assim, passaram também a ser local de adoração ao ancestral morto. SOCIEDADE DA ANTIGA MESOPOTÂMIA Os povos mesopotâmios tinham por costume enterrar os corpos dos mortos da maneira mais escrupulosa, sendo o cadáver cuidadosamente acompanhado de todas as marcas da sua identidade pessoal e familiar, como seus pertences, objetos de uso, roupa e até mesmo as suas comidas prediletas. O ato de enterrar os corpos é quase tão antigo quanto o próprio ser humano. Pesquisadores descobriram cemitérios estimados em 60000 a.C., com chifres de animais sobre os restos mortais, indicando que já existia o ritual de presentear o falecido. A necessidade de “esconder” os corpos embaixo da terra, ou mesmo de pedras, tinha um sentido diferente do atual: corpos em putrefação atraíam animais. Sendo assim, essa era uma maneira de se proteger dos predadores. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 17 - SOCIEDADE HINDU Na sociedade hindu, era praticada a incineração crematória. O cadáver não era conservado com as marcas da sua identidade, personalidade e inserção social, mas completamente consumido pelo fogo, destruído até às cinzas, que eram lançadas ao vento, ou nas águas dos rios, sendo o morto privado de todos os seus traços. A destruição do cadáver marcava a destruição integral da sua existência, ficando livre de todos os seus pecados. Nesta sociedade a morte era interpretada como a via de acesso ao absoluto, ao eterno e à paz originária . A lenda desta sociedade, diz que quando a “mãe terra” se encontrava sobrecarregada de pessoas vivas, apelava ao deus Brahma, que enviava a “mulher de vermelho” (que representa a morte, na mitologia ocidental) para levar pessoas, aliviando assim, os recursos naturais e a sobrecarga populacional da “mãe-terra”. ANTIGO EGITO Segundo o sistema de crenças egípcio, a morte consistia em um processo onde a alma se desprendia do corpo. Com isso, acreditavam que a morte seria um estágio de mudança para outra existência. Sendo o corpo compreendido como a morada da alma, havia uma grande preocupação em conservar o corpo dos que faleciam. Dessa forma, NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 18 - desenvolveram-se variadas técnicas de mumificação capazes de preservar um cadáver durante anos a fio. A mumificação era realizada por um profissional específico. Após retirar as vísceras, os restos mortais da pessoa eram repousados em uma mistura contendo carbonato de sódio e água. Finalizada a imersão, diversas substâncias e ervas eram introduzidas no corpo para evitar a deterioração dos tecidos. Na etapa final do procedimento, o morto era enfaixado e coberto por uma cola que impedia a contaminação pelo ar. Terminada a mumificação, o falecido era colocado em um sarcófago posteriormente depositado em um túmulo. Através da análise dos túmulos, estudiosos puderam descobrir qual era a posição ocupada pelos mortos. Os sacerdotes e faraós eram sepultados nas mastabas, construções em formato de trapézio divididas em dois compartimentos, um destinado ao sarcófago e outro que armazenava as oferendas do ritual funerário. Logo após o falecimento, segundo a crença egípcia, o indivíduo perdia acesso a todos os prazeres e regalias que desfrutava em sua existência terrestre. Para recuperar seus benefícios em sua nova existência, a pessoa – seja qual fosse a sua posição social em vida – era conduzida pelo deus Anúbis para se apresentar ao Tribunal de Osíris, local em que sofria uma avaliação de seus erros por outros quarenta e dois seres divinos. Antes do início do julgamento, era entregue ao falecido o “Livro dos Mortos”, onde obtinha as devidas orientações de seu comportamento durante a sessão a ser realizada. Para que recebesse a aprovação das divindades, era necessário que o julgado não tivesse cometido uma série de infrações, como roubar, matar, cometer adultério, mentir, causar confusões, manter relações homossexuais e escutar as conversas alheias. No ápice do julgamento, Osíris pesava o coração do falecido em uma balança. Para que a pessoa recebesse aprovação, seu coração deveria ser mais leve que uma pena. Caso contrário, o indivíduo não poderia entrar no Duat, uma espécie de submundo dos mortos, e sua cabeça era devorada por um deus com cabeça de crocodilo. Dessa maneira, a civilização egípcia dedicou uma grande importância a seus mortos e demonstrou por meio destes rituais um instigante traço de sua cultura. 5. A MORTE E SEU SIGNIFICADO A palavra morte desperta o medo no coração das pessoas, sendo um tema atualmente tão incompreensível quanto inevitável. Mal conseguem falar a respeito, NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 19 - perscrutar além da palavra em si e se permitir contemplar suas verdadeiras implicações. Esta é uma reação compreensível, pelo fato de que tantas pessoas pensam sobre a vida como nada mais que um estado no qual o corpo humano está biologicamente ativo. Mas é hora de nos perguntarmos: o que a morte realmente significa? Como a morte moldou seu significado ao longo do tempo? O tema morte vem sendo discutido ao longo dos anos. Ultimamente tem-se observado um aumento crescente de estudos relativos a esta temática. Apesar de compor o ciclo biológico dos seres vivos (nascer, crescer e morrer), o homem moderno tem procurado manter-se afastado de sua evidência, em razão das mudanças de costumes que se processaram com o correr dos tempos. A morte é um desafio para os homens. A falta de explicações sobre o que acontece após a morte sempre despertou interesse e, ao mesmo tempo, grande temor entre os homens em razão de nossa dificuldade em lidar com este tema. De uma maneira geral, as sociedades desenvolveram costumes ou rituais de como conviverem com a morte. Durante muitos séculos foi consideradacomo um acontecimento natural esperado, sendo possível ao homem morrer em seu leito, cercado de familiares e amigos, mantendo um controle sobre suas últimas vontades. Temia-se a morte inesperada porque privava o homem de preparar-se para este momento. Desde a antiguidade, os egípcios possuíam um sistema mortuário explícito e detalhado em seu Livro dos Mortos, no qual eram traçadas ações individuais a serem desempenhadas diante da morte. Assim, acreditavam no controle mágico sobre as poderosas forças da morte e a pós vida estimulando-se com esta crença. Neste período, a morte era visualizada como algo agressivo que gerava a sensação de perda. Os homens apoiavam-se em crenças e mitos com o intuito de supera-Ia ou aceita- Ia com mais resignação. Dos séculos V e VI até o século XII, a morte fazia parte do cotidiano dos homens. Não havia individualização da morte e quando alguém morria era enterrado em valas ou fossas comuns. Todos os corpos ficavam amontoados sem a preocupação de individualização, ou seja, de dar um túmulo especial para cada um. Apenas os sacerdotes e reis, grandes personalidades, possuíam um locai reservado em igrejas ou catedrais. A morte, nesta época, era encarada com naturalidade, não sendo interpretada de maneira dramática. Do século XII ao século XVIII, o aparecimento do capitalismo europeu na Europa Ocidental trouxe com ele a questão do individualismo. Começam a ocorrer transformações e a morte passa, então, a ser personalizada, surgindo inscrições em NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 20 - túmulos ou placas no chão. Entretanto, ainda não havia a noção de sepultura individual. Nesse período, a morte era desejada, solicitada em preces, pedindo que se morresse de doença, cercado de familiares e amigos. Temia-se a morte inesperada, acidental ou por epidemias, sendo esta considerada um castigo divino. Na morte esperada, o próprio indivíduo preparava sua morte, procurava confessar- se, eliminando suas culpas, dizia seus últimos desejos e partilhava seus bens entre seus familiares. A salvação da alma era a grande preocupação, sendo dada ao corpo pouca importância, o fundamental era a vida após a morte, conforme preconizam as ideias da igreja. No início do Cristianismo, a morte era considerada um fenômeno de perda, mas acreditava-se na vida após a morte. Nesse momento, apesar desta crença, já se inicia o sentido do individualismo, começando a se desejar o adiamento da morte. No século XVIII, decorrentes da Revolução Industrial, surgem mudanças essenciais a nível econômico, social e político na Europa Ocidental. Realiza-se a urbanização, aparecendo cidades e operários, sendo exaltado o indivíduo. A morte passa então, a ser dramatizada, começando os períodos de luto, os enterros e as cenas das choradeiras. Nesse momento, com a ampliação das populações, surgem os cemitérios públicos, em decorrência do sanitarismo e pelas mudanças na forma de pensar. O cemitério assume a característica de um local sagrado e de reverência onde residem os mortos. Das décadas de 30-40 deste século aos nossos dias, as sociedades mais avançadas transformaram-se e, graças à industrialização e à tecnologia, os homens passaram a controlar os fenômenos da vida e morte, através de mecanismos que visam prolongar a vida ou impedir a ocorrência da morte. Através da utilização de modemos recursos, aumenta a expectativa de vida e, em consequência, diminui o convívio do homem com a morte, que passa a ser, então, indesejável, devendo ser ocultada, escondida. O enfrentamento da morte, com o passar dos anos, modificou-se, deixando de ser um cerimonial cultuado entre familiares e amigos, para ser vivenciado ao lado de estranhos. Nos dias atuais, doenças e mortes são uma realidade das instituições de saúde. Estas, inseridas no sistema para o qual foram preparadas, ficam alicerçadas a uma estrutura muitas vezes desumana, separando o homem do contexto em que ele vive, levando-o a encontrar dificuldades no adoecer e morrer. 6. A ELABORAÇÃO DO LUTO O luto (do latim luctu) é um conjunto de reações a uma perda significativa, geralmente pela morte de outro ser. Segundo estudiosos, quanto maior o apego ao objeto NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 21 - perdido (que pode ser uma pessoa, animal, fase da vida, status social etc.), maior o sofrimento do luto. O luto pode apresentar diferentes formas de expressão em culturas distintas. A elaboração do luto – em casos de mortes – não pode ser considerada completa sem os rituais fúnebres. Essas celebrações, além de possibilitarem contatos afetivos e de conforto entre parentes, apresentam simbologias que pretendem concretizar o ocorrido. Em todas as sociedades existem ritos e mitos sobre a morte, pois ela implica a tomada de providências práticas e a reordenação das relações sociais. Existem também questões lógicas que os rituais têm que resolver. A morte é um grande desorganizador cultural; e a cultura encontra respostas para ela por meio dos rituais, que juntam as pessoas, dão uma condição segura para a expressão dos afetos e ajudam no processo de construção do significado. A morte física não é suficiente para que qualquer sociedade considere um de seus membros completamente extinto imediatamente após sua morte, isso porque a morte representa o desaparecimento de um ser social, a destruição de alguém que se relacionava com os outros e que era importante para consciência coletiva. Há, portanto uma discrepância entre o evento físico da morte e seu reconhecimento social. O tempo que transcorre até que a sociedade considera o morto como tal é o período durante o qual ocorre o luto, sua duração é determinada pelos costumes de cada cultura e pode variar conforme o status do morto. O luto por um chefe de estado, por exemplo, geralmente dura mais tempo do que o decorrente da morte de uma pessoa comum pelo primeiro ser considerado o mais importante para as pessoas em geral. A relação que havia com morto também influi na duração do luto. Os familiares mais próximos geralmente permanecem enlutados por um período maior do que as demais pessoas. Durante esse tempo, enquanto a morte “não está completa”, a presença da pessoa que morreu permanece sendo sentida ainda por algum tempo, mesmo que era completamente não esteja mais entre os vivos. Há sociedades que chegam a tratar o falecido como se ele estivesse vivo, como nas culturas primitivas da Oceania onde os vivos levam comida para o morto e seus parentes e amigos fazem companhia e conversam com ele. Há ainda povos do ártico em que as mulheres, parentes do morto, fazem um boneco com sua imagem que passam a vestir, banhar e alimentar todos os dias, durante dois anos e meio se o falecido for homem e por dois anos se for mulher. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 22 - Assim como a duração do luto é estabelecida pelos costumes, os sentimentos experimentados ao longo desse período também são fruto do meio social. Qualquer que sejam os sentimentos individuais, os vivos devem mostrar a sua tristeza durante determinado período, mudar as cores de suas roupas e modificar os padrões e sua vida usual. Desta forma a morte tem um significado específico para consciência social, ela é objeto de uma representação coletiva que não é nem simples e nem imutável. Para alguns estudiosos as pessoas se lamentam não simplesmente por que estejam tristes, mas porque são “obrigadas” a se lamentar. É uma atitude ritual que se deve adotar para o respeito ao costume, mas que em larga medida independe do estado afetivo dos indivíduos. Os choros e outros tipos de expressões de sentimentos são fenômenos essencialmente sociais não espontâneos de caráter obrigatório, para diversos autores uma prova disso é que há mortes que despertam mais e outras que despertam menos emoções, na sociedade brasileira,por exemplo, a morte de um idoso é de certa forma esperada e por isso ela geralmente não gera a mesma comoção que é de um jovem que falece abruptamente. O fato de os sentimentos demonstrados serem determinados socialmente não significa, no entanto, que os enlutados estejam apenas simulando não sentindo efetivamente o que expressam. Tudo é ao mesmo tempo social, obrigatório e, todavia, violento e natural. A dor demonstrada de maneira obrigatória revela a existência de uma emoção original, assim, a tristeza e a dor exagerada não significa que este sentimento não sejam verdadeiramente sentidos durante o cerimonial. O luto pode ser visto de dois modos: 1 - Como um processo social e 2 - como um processo individual. O processo social corresponde ao que foi abordado nesta seção e diz respeito à maneira como os membros de uma determinada cultura devem reagir quanto à morte de uma pessoa e aos sentimentos despertados pelo falecimento. O processo individual, por sua vez, corresponde ao que se passa internamente do psiquismo de cada indivíduo, ambos os processos se inter-relacionam já que os indivíduos estão inseridos em contextos sociais específicos De acordo com a psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross, é possível identificar a reação psíquica de cada paciente e elaborou cinco fases do luto. As fases do luto, não possuem um tempo predefinido para acontecerem. Depende da perda e da pessoa. Porém sabe-se que a que leva mais tempo é da fase da depressão para a fase de aceitação, algumas pessoas levam décadas de vida e outras nunca conseguiram aceitar com serenidade a perda. Acontece principalmente no caso de perda de um filho. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 23 - FASE 1: NEGAÇÃO Seria uma defesa psíquica que faz com que o indivíduo acaba negando o problema, tenta encontrar algum jeito de não entrar em contato com a realidade seja da morte de um ente querido ou da perda de emprego. É comum a pessoa também não querer falar sobre o assunto. FASE 2: RAIVA A raiva surge depois da negação. Mas mesmo assim, apesar da perda já consumada nega-se a acreditar. Pensamento de “porque a mim?” surgem nesta fase, como também sentimentos de inveja e raiva. Nesta fase, qualquer palavra de conforto, parece falsa, custando acreditar na sua veracidade. FASE 3: NEGOCIAÇÃO Essa é fase que o indivíduo começa a negociar, começando com si mesmo, acaba querendo dizer que será uma pessoa melhor se sair daquela situação, faz promessas, procura conforto espiritual. É como o discurso “Vou ser uma pessoa melhor, serei mais gentil e simpático com as pessoas, irei ter uma vida saudável”. FASE 4: DEPRESSÃO A depressão surge quando o individuo toma consciência que a perda é inevitável e incontornável. Não há como escapar à perda, este sente o “espaço” vazio da pessoa (ou coisa) que perdeu. Toma consciência que nunca mais irá ver aquela pessoa (ou coisa), e com o desaparecimento dele, vão com ela todos os sonhos, projetos e todas as lembranças associadas a essa pessoa ganham um novo valor. FASE 5: ACEITAÇÃO Última fase do luto. Esta fase é quando a pessoa aceita a perda com paz e serenidade, sem desespero nem negação. Nesta fase o espaço vazio deixado pela perda é preenchido. Esta fase depende muito da capacidade da pessoa mudar a perspectiva e preencher o vazio. É importante esclarecer que não existe uma sequencia dos estágios de luto, mas é comum que as pessoas que passam por esse processo apresentem pelo menos dois desses estágios. E não necessariamente todas as pessoas conseguem passar por esse processo completo, algumas tendem a ficar estagnadas em uma das fases. A resolução do estágio exige a vivência de sentimentos e pensamentos que o indivíduo evitava, algumas vezes pode exigir auxílio profissional o qual permita que o paciente vivencie o luto. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 24 - 7. DIVISÃO DIDÁTICA DA MEDICINA LEGAL Para maior facilidade de estudo divide-se a Medicina Legal em várias partes, a saber: Antropologia Forense: Estuda a identidade e a identificação do homem. A identificação médico legal é determinada através de métodos, processos e técnicas de estudo dos seguintes caracteres: idade, sexo, raça, altura, peso, sinais individuais, sinais profissionais, dentes, tatuagens, etc. e a identificação judiciária é feita através da antropometria, datiloscopia etc. Traumatologia Forense: Estuda as lesões corporais, (queimaduras, sevícias, infanticídio e asfixias) sob o ponto de vista jurídico e das energias causadoras do dano. Este reconhecimento é feito através do exame pericial na vítima, bem como no local do crime, denominado exame de corpo de delito. Sexologia Forense: Vê a sexualidade sob o ponto de vista normal, anormal e criminoso (estudo do matrimônio, gravidez, aborto, estupro, himeneologia, atentado aos costumes, contaminação venérea, etc.). Tanatologia Forense: Estudo científico da morte. Investiga os mecanismos e aspectos forenses da morte, tais como mudanças corporais que acompanham o período após a morte, bem como os aspectos sociais e legais mais amplos. É, principalmente, um estudo interdisciplinar. Envolve autópsias, embalsamamento, direitos sobre o cadáver, etc. Toxicologia Forense: É o estudo dos venenos, envenenamentos, intoxicações médicas legais, abuso de drogas, overdoses e etc. A toxicologia forense é uma ciência multidisciplinar que busca mostrar a verdade de um fato perante a lei, mas também identificar e quantificar os efeitos prejudiciais associados a produtos tóxicos, ou seja, qualquer substância que pode provocar danos ou produzir alterações no organismo. Psiquiatria Forense: É o estudo das doenças mentais, psicoses, psiconeuroses, personalidades psicopatias, simulação, dissimulação etc. Psiquiatras forenses avaliam a capacidade de criminosos serem responsabilizados criminalmente (quando não, são chamados "inimputáveis"), baseando-se no estado mental do indivíduo avaliado e determinando recomendações. Os principais tópicos relacionados às áreas de estudo da Medicina Legal serão explorados a seguir. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 25 - 7.1. ANTROPOLOGIA FORENSE A questão da identificação vem preocupando os seres humanos há muito tempo. Nas sociedades primitivas, antes da descoberta da impressão digital o reconhecimento era feito de pessoa para pessoa. Com o evoluir das sociedades tornaram-se maior as exigências no que diz respeito a identidade individual no ser vivo e principalmente nos cadáveres decompostos, carbonizados, esqueletos etc. A identidade é o fim de todas as classificações, pertence a todos os seres e interessa particularmente ao homem. No estudo antropológico é importante conhecer alguns conceitos e suas respectivas definições: CONCEITO DEFINIÇÃO ANTROPOLOGIA Ciência que estuda o homem. ANTROPOLOGIA FORENSE É a aplicação prática de conhecimentos, dos métodos nos casos em que a lei deles necessita para a sua execução. IDENTIDADE Conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa. Qualidade de ser a mesma coisa e não diversa. RECONHECER Conhecer de novo, afirmar, admitir como certo, certificar-se de. IDENTIFICAR Determinar a identidade. IDENTIFICAÇÃO Processo pelo qual se determina a identidade ou não NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 26 - IDENTIFICAR OU RECONHECER? Identificar – Procedimento técnico-científico pelo qual se determina, de maneira indubitável, a personalidade de um indivíduo. No âmbito da polícia técnica, identificar é o processo ou conjunto de processos realizados por especialistas, destinados a estabelecer a identidade de uma pessoa. Reconhecer – Processo empírico, realizado por testemunhas, sem o emprego de técnicas específicas. Reconhecimentoé uma identificação empírica e identificação é o reconhecimento cientifico. NECESSIDADE SOCIAL DA IDENTIFICAÇÃO No meio social há necessidade da identificação individual das pessoas, tanto para assegurar direitos como para exigir cumprimento dos deveres. Evita erros sobre a pessoa. REQUISITOS TÉCNICOS DA IDENTIFICAÇÃO: Unicidade (ser único) Imutabilidade (não mudar) Praticabilidade (qualidade de ser prático, fácil) Classificabilidade (ser possível classificar) Perenidade (desde a vida embrionária à putrefação) Qual o método mais eficaz e que preenche todos os requisitos técnicos da identificação? ___________________________________________________________________________ IDENTIFICAÇÃO MÉDICO-LEGAL a) ESPÉCIE ANIMAL: Ossos, dentes, pelos, sangue etc. b) RAÇA: Forma do crânio, índice cefálico, ângulo facial, dimensões da face, cor da pele, cabelos etc. c) IDADE: Elementos morfológicos = aparência, pele, estatura, pêlos, peso, olhos, dentes, órgãos genitais e raio x = dentes e ossos. d) SEXO: Vivo: Inspeção das genitálias. Morto e Esqueleto (ossos em geral, ossos do crânio, ossos do tórax e ossos da bacia, órgãos internos etc.). NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 27 - e) ESTATURA: Vivos, mortos, esqueleto. f) PESO: Gordo, magro etc. g) MALFORMAÇÕES: Lábio leporino, pé torto, desvios da coluna, doenças cutâneas. h) CICATRIZES: Naturais, cirúrgicas, traumáticas etc. i) TATUAGENS: Bélicas, religiosas, amorosas, eróticas, sociais, profissionais, nomes. j) SINAIS PROFISSIONAIS: Espessura e coloração da pele, alterações musculares. k) SINAIS INDIVIDUAIS: Prótese, nariz, orelhas, mamas etc. l) BIÓTIPO: Síntese das qualidades vitais do indivíduo (morfológica, funcional, intelectual). 7.2. TRAUMATOLOGIA FORENSE TRAUMATISMO (trauma): Qualquer lesão, aberta ou fechada, produzida no organismo pela ação mecânica de um agente exógeno. LESÃO: a) Medicina Curativa: É a alteração anatômica ou funcional do órgão. b) Medicina Pericial: Qualquer modificação de normalidade de origem externa, capaz de provocar dano pessoal em decorrência de culpa, dolo ou acidente. c) Doutrina Penal: Consequência de um ato violento, capaz de produzir direta ou indiretamente, qualquer dano a integridade ou a saúde de alguém ou responsável pelo agravamento ou continuidade de uma perturbação já existente. d) Lesão Corporal: São as que atingem a integridade física e psíquica de alguém. e) Lesões Pessoais: São as que atingem ao corpo, a saúde e à mente. f) Classificação das Lesões: • Quanto a Quantidade: Leves, graves, gravíssimas e seguidas de morte. • Quanto a Qualidade: Ofensa à integridade corporal, incapacidade para as ocupações. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 28 - VIOLÊNCIA: É toda ação material ou pressão moral exercida contra uma pessoa, visando submetê-la a vontade de outrem (física, moral, presumida). CAUSA: É o que leva a resultados imediatos e responsáveis por determinada lesão, suscitando uma relação entre causa e efeito. CONCAUSA: São as causas ou fatores que se associam para o agravamento ou melhora de uma lesão; geralmente são alegadas quando se produz agravamento. AGENTES TRAUMATIZANTES Os agentes traumatizantes (aqueles que provocam o trauma) podem ser classificados nas seguintes ordens de acordo com sua energia: ENERGIA DE ORDEM FÍSICA TEMPERATURA a) Calor direto – Queimaduras: 1º Grau – eritema; 2º Grau – flictema; 3º Grau – escara; 4º Grau – carbonização; b) Calor difuso – Insolação; c) Frio -Direto – Geladuras: 1º Grau - palidez; 2º Grau - bolhas hemorrágicas; 3º Grau - necrose; 4º Grau – gangrena ELETRICIDADE a) Natural ou Cósmica: Fulminação ou Fulguração (Litchtenberg) b) Artificial: Eletroplessão (Jellineck) LUZ Velocidade 300.000 Km/s. Lesões visuais = cegueira. Queimaduras de 1º, 2º e 3º grau Fulminação e eletroplessão NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 29 - SOM Ruído permitido 85 dB. As lesões provocadas por explosões, tiros, grandes ruídos são: surdez, ruptura da membrana do tímpano etc. ENERGIA DE ORDEM MECÂNICA INSTRUMENTOS PERFURANTES É todo instrumento capaz de produzir uma lesão punctória (perfurações ou furos). Esses instrumentos propriamente ditos possuem forma cilíndrico-cônica, são alongados, finos e pontiagudos, tais como: agulha, espinho, arame, prego, alfinete, picador de gelo etc. Atuam por pressão através da ponta e afastamento das fibras do tecido e são caracterizados por um ponto. A natureza jurídica geralmente leva a homicídios, principalmente entre detentos. Recém-nascidos também podem ser vítimas desse tipo de lesão (infanticídio). Não é de se desprezar a possibilidade de acidente comum ou do trabalho. Como meio de suicídio não é muito frequente. Os instrumentos perfurantes têm ponta, mas não tem gume. INSTRUMENTOS CORTANTES É todo instrumento que atuando linearmente sobre a pele ou sobre os órgãos, produz feridas incisas. Agem por pressão e deslizamento sobre o seu fio ou gume. O aprofundamento depende da pressão ou fio, mas a extensão da lesão depende do NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 30 - deslizamento do instrumento. Possuem bordas nítidas e regulares, há hemorragia geralmente abundante, corte perfeito dos tecidos moles, ausência de outro trauma em torno da lesão. Ex: Navalha, bisturi, lâmina, canivete, gilete, caco de vidro. A natureza jurídica pode variar, é frequentemente homicida, mas pode tratar-se de lesão de defesa ou suicídio. A lesão acidental pode ocorrer, mas geralmente é de menor gravidade e não chega ao legista, senão ao clínico. Os instrumentos cortantes têm gume, mas não tem ponta. INTRUMENTOS CONTUNDENTES Os instrumentos contundentes provocam lesões através da pressão exercida em alguma parte do corpo, batendo ou chocando. A forma da lesão provocada é irregular, manifestando-se com hematomas ou escoriações. Quando alguém está com o “olho roxo” provavelmente foi vítima dum instrumento contundente. Esses instrumentos podem ser a mão de uma pessoa (soco), um pedaço de madeira, uma pedra, barra de ferro, para-choque de carro, taco de beisebol etc. Os instrumentos contundentes são os maiores causadores de danos, suas lesões mais comuns se verificam externamente. As lesões provocadas por instrumentos contundentes (lesões contusas) são classificadas em: Rubefação: Caracteriza‐se pela congestão repentina e momentânea de uma região do corpo atingida pelo traumatismo, evidenciada por uma mancha avermelhada, efêmera e fugaz, que desaparece em minutos. Pode ser produzida por tapas de mão aberta, palmatória, cinto, beliscão. Sinônimos: Vermelhidão, hiperemia. Edema: Consiste em um acúmulo anormal de líquido no compartimento extracelular intersticial ou nas cavidades corporais devido ao aumento da pressão hidrostática. É constituído de uma solução aquosa de sais e proteínas do plasma e sua composição varia NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 31 - conforme a causa do edema. Caracterizado por elevação e palidez na área do impacto, surgindo de 1 a 3 minutos. Pode ser produzida, por exemplo, por um soco. Escoriação: Tem como resultado a ação tangencial (arraste) de meios contundentes. Define--se como o arranchamento da epiderme e o desnudamento da derme, de onde fluem serosidade e sangue (erosão epidérmica ou abrasão). A regeneração é por reepitelização. Nas escoriações produzidas post mortem, não há formação de crosta, a derme é branca e não sugila serosidade nem sangue. Equimoses: Se traduzem por infiltração hemorrágica nas malhas dos tecidos, quando se apresentam em forma de pequenos grãos, recebem o nome de sugilação e, quando em formade estrias, toma a denominação de víbice. A tonalidade de início é sempre avermelhada, depois passa por vermelho‐escura, violácea, azulada, esverdeada e amarelada, desaparecendo, em média entre 15‐20 dias, dependendo da extensão. Isto se denomina de espectro equimótico de Legrand du Saulle. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 32 - ESPECTRO EQUIMÓTICO DE LEGRAND DU SAULLE No morto, a equimose mantém seu colorido até surgirem os fenômenos putrefativos. A absorção dos pigmentos ocorre por atividade fagocitária, daí esse pigmento pode ser encontrado na rede ganglionar da região atingida, mesmo após o desaparecimento da equimose. INSTRUMENTOS CORTOCONTUNDENTES São instrumentos que possuem gume rombo, de corte embotado e que agindo sobre o organismo, rompe a integridade da pele, produzindo feridas irregulares, retraídas e com bordas muito traumatizadas. Agem por pressão e percussão ou deslizamento. A lesão se faz mais pelo próprio peso e intensidade de manejo, do que pelo gume de que são dotados. A forma das feridas varia conforme a região comprometida, a intensidade de manejo, a inclinação, o peso e o fio do instrumento. São em regra mutilantes, abertas, grandes, fraturas, contusões nas bordas, perda de substância e cicatrizam por segunda intenção. É mais frequente no homicídio e no acidente, sendo raro no suicídio. Ex: Machado, foice, facão, enxada, motosserra, rodas de trem, mordidas e garras de animais. Em casos de mordidas humanas, pode ser feito um swab de DNA, para possível confronto com o agressor. Fotografias também devem ser feitas, com escalas, para permitir comparações futuras. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 33 - INSTRUMENTOS PERFUROCORTANTES São aqueles que além de perfurar o organismo exercem lateralmente uma ação de corte. Penetram perfurando com a ponta e cortam com a borda afiada (gume). Podem ser monocortante (faca, peixeira, canivete), bicortante (punhal), tricortante (lima, florete) ou multicortante (fresas, perfuratriz manual). Geralmente apresentam profundidade, mas depende da força aplicada. INSTRUMENTOS PERFUROCONTUNDENTES É todo agente traumático que ao atuar sobre o corpo, perfura-o e contunde simultaneamente. Os instrumentos desta classe são, na maioria das vezes, os projeteis de arma de fogo que atuam perfurando por pressão e contundindo pelo impacto da energia cinética. O projétil desloca-se da arma graças à combustão da pólvora (empuxe), quando ganha movimento de rotação propulsão, ao atingir o alvo atuam por pressão, havendo afastamento e rompimento das fibras. O alvo é também atingido por compressão de gases que acompanha o projétil. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 34 - Uma lesão completa por projétil de arma de fogo é constituída de 03 (três) partes: Orifício de entrada, Trajeto e Orifício de saída. ORIFÍCIO DE ENTRADA: (ELEMENTOS): a) Zona de Contusão: Deve-se ao arrancamento da epiderme motivado pelo movimento rotatório do projétil antes de penetrar no corpo, pois sua ação é de início contundente. b) Orla de Enxugo: É uma zona que se encontra nas proximidades do orifício, de cor quase sempre escura que se adaptou às faces da bala, limpando-as dos resíduos de pólvora. c) Zona de Tatuagem: São mais ou menos arredondadas, nos tiros perpendiculares, ou de formas crescentes nos oblíquos. É resultante da impregnação de partículas de pólvora incombustas que alcançam o corpo. d) Zona de Esfumaçamento: É produzida pelo depósito de fuligem da pólvora ao redor do orifício de entrada, é superficial e pode ser facilmente removida por lavagem. Aumentando a distância entre a boca de fogo e o alvo, cresce o diâmetro da zona de esfumaçamento. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 35 - e) Zona de Queimadura: É produzida pelos gases superaquecidos resultantes da combustão do explosivo propelente e se forma nos tiros encostados (distância zero) e a curta distância. Facilmente identificada pelas queimaduras dos pelos e da pele da vítima (bem como de tecidos, podendo-se dar a combustão das vestes quando estas se interpõem no local atingido e são de fios sintéticos.) Tiro Encostado: É aquele dado com a boca da arma apoiada no alvo. Nesse caso todos os elementos que saem da arma penetram na vítima. A ferida de entrada adquire o aspecto de câmara de mina (Hoffman), acompanhado de deslocamento e trajeto. O sinal de Benasi, esfumaçamento/queimadura óssea, geralmente acompanha a câmara de mina. TRAJETO É o caminho que o projétil descreve dentro do organismo. É aberto quando tem orifício de saída e em fundo de saco, quando termina em cavidade fechada. Pode ser retilíneo ou sofrer desvios. ORIFÍCIO DE SAÍDA É o orifício produzido pelo projétil isoladamente ou aderido por corpos ou autor que a ele se juntam no decorrer do trajeto. Apresenta-se de forma irregular ou dilacerado, maior que o orifício de entrada, com maior sangramento e ausência de orlas e zonas. Os ferimentos perfuro contusos podem causar morte, perda da função de um membro ou órgão ou prejuízo da função e ou deformidade local. A consequência vai depender: do tipo de NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 36 - arma, número de tiros, o calibre, a distância, idade e condições de saúde prévia da vítima, do tempo decorrido entre o recebimento do tiro e os primeiros socorros A natureza jurídica pode ser: Suicídio (50%) Haverá um ferimento, ponto de eleição (têmporas, boca, pregão precordial), presença da arma na mão da vítima, disparo a curta distância, queima roupa ou com a arma apoiada e mãos escurecidas pela pólvora. Homicídio (35%) Existência de impressões digitais do autor na arma ou nas cápsulas, vestígio do uso da arma nas mãos do atirador. Acidente (15%) ENERGIA DE ORDEM QUÍMICA As energias químicas, por sua vez, estudam todas as substâncias que, por ação física, química ou biológica, são capazes de, entrando em reação com os tecidos vivos, causar danos à vida ou à saúde. Tais energias podem agir de forma externa (cáusticos) ou interna (venenos). CÁUSTICOS São consideradas substâncias cáusticas (de Kaustikos, aquilo que queima), tanto os ácidos (ácido sulfúrico ou óleo de vitríolo, que empresta seu nome à vitriolagem, o ácido azótico ou nítrico, o ácido clorídrico, o ácido crômico, o hipoclorito de sódio, o permanganato de potássio, o fenol, o fósforo branco, a água de cobre - mistura de água, ácido sulfúrico e ácido oxálico), que atuam por coagulação das albuminas e intensa desidratação dos tecidos mortificados, quanto as bases cáusticas (potassa, soda, amônia), liquefacientes que agem por dissolução dos minerais. Os cáusticos são todas as substâncias que, conforme sua natureza química, provocam lesões tegumentares mais ou menos graves. Essas substâncias podem ocasionar efeitos coagulantes ou liquefantes. As de efeito coagulante são aquelas que desidratam os tecidos e lhes causam escaras endurecidos e de tonalidade diversa, como, por exemplo, o nitrato de prata, o acetato de cobre e o cloridrato de zinco. Já as de efeito liquefaciente produzem escaras úmidas, translúcidas, moles e têm como modelo a soda, a potassa e a amônia. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 37 - Queimadura por ácido (coagulante) Queimadura por base cáustica (liquefaciente) A importância do estudo das lesões externas acarretadas pela ação dos cáusticos possui um grande significado, não só pelo interesse de determinar sua gravidade, mas também quanto à necessidade de distinguir uma lesão in vitam e outra post mortem, e, finalmente, a identidade da substância usada. A gravidade da lesão varia de acordo com a quantidade, a concentração e a natureza do cáustico;seu prognóstico depende do seu desdobramento por infecção, cicatrizes retráteis ou lesões mais graves como a cegueira. A diferença entre as escaras produzidas em vida ou depois da morte nem sempre é fácil, pois alguns ácidos, por exemplo, atuam com a mesma intensidade e características no vivo ou no cadáver, e sua diferença é tanto mais difícil quanto mais precocemente o morto foi atingido. Ademais, a identidade da substância é feita pelo aspecto das lesões e por reações químicas. A natureza jurídica desses tipos de lesões pode ser criminosa, suicida ou acidental. A criminosa (quase sempre motivada por ciúme ou vingança) é crime cometido através do arremesso de ácidos ou de bases cáusticas na face, pescoço, tórax, ou aparelho genital da vítima, objetivando enfeia-la, causando-lhe danos corporais deformantes (permanentes e aparentes), resultando em lesão gravíssima. Também é possível o homicídio criminoso por ingestão forçada, nas hipóteses de superioridade de forças ou em que a vítima não possa, por qualquer motivo, oferecer resistência. O suicídio pode se dar por ingestão de potassa ou de soda cáustica; o acidente é explicado pela ingestão involuntária de substâncias cáusticas por embriagados ou nas fábricas, por explosões ou derrame de recipientes que as contêm. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 38 - VENENOS Os doutrinadores são unânimes em asseverar ser muito difícil dar-se uma definição precisa de veneno, pois certas substâncias perigosas para a vida, em circunstâncias determinadas, revelam-se inócuas em outras; e quantas coisas que podem absorver-se, chegam a fazer-se perigosas para a saúde, ingeridas em excesso. Até mesmo os alimentos e os medicamentos podem, em determinadas situações, serem prejudiciais à vida ou à saúde (especialmente quando sua nocividade sofre profundas modificações em face da dosagem posta, da resistência individual, da maneira de ministração e do veículo utilizado); e o inverso também é verdadeiro: em certas situações, dependendo da dose, os venenos podem ser medicamentos. Veneno é uma substância que, quando introduzida no organismo em quantidades relativamente pequenas e agindo quimicamente, é capaz de produzir lesões graves à saúde. Os envenenamentos podem ocorrer: a) Por medicamentos Depressores do SNC: Hipnóticos (barbitúricos e derivados); sedativos (brometos); neuroplégicos (clorpomazina); anestésicos (hidrato de cloral, clorofórmio); hipnoanalgésicos (codeína, morfina). Vagolíticos: Atropina e derivados; extrato de beladona. Bacteriostáticos e antiparasitários: Sulfas e derivados; tártaro emético; sulfonas; antimonais; tetracloreto de carbono; Neo-arsfenamina; extrato de feto macho; Metoquina; antibióticos. Cardiotônicos: Digitálicos. Estimulantes do SNC: Estricnina e derivados; Cardiazol-efedrina. Antipiréticos: Ácido acetil-salicítico e derivados. Antissépticos: Ácido fênico. Antialérgicos: Fenergan, Benadryl, Neo-Antergan. Expectorantes: Creosoto. Hipotensores: Reserpina. Vasodilatadores croronários: nitrato de pentaeritrol. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 39 - b) Por produtos químicos de usos diversos: Produtos de uso caseiro: raticida e formicida; inseticidas em geral (DDT, Gammexane, Paration): detergentes (gasolina, benzina, creolina): corrosivos (soda cáustica, ácido muriático, ácido sulfúrico, bicloreto de mercúrio); gás de iluminação (monóxido de carbono); querosene; óleo diesel: loções: amoníaco: água sanitária. Substâncias de laboratório: arsênio, fósforo, ácido cianídrico e cianetos, bicloreto de mercúrio, bissulfeto de carbono, etc. c) Por plantas tóxicas: Saia-branca (Datura arbórea e suaveolens); mandioca-brava (Manihot utilíssima): mamona (Ricinus communis): pinhão-do-paraguai (Jatropha curcas); fungos; Sabina (Juniparus sabina); arruda (Ruta graveolens): apiol (Apium graveolens). d) Por venenos animais: De répteis (serpentes); de artrópodes (aracnídeos: aranhas, escorpiões; insetos: abelhas, vespas) etc. Para este crime se dar como existente não é necessária a morte da vítima. Por isso a tentativa é já a consumação do crime. Todavia, o envenenamento pode não constituir crime e traduzir um caso de suicídio ou simples acidente. As mortes por envenenamento têm sido frequentemente atribuídas a suicídio ou acidente, especialmente quando a vítima consome regularmente drogas, por receita médica ou para alcançar estimulação. INTOXICAÇÃO COM ARSÉNIO Arsénio: elemento mineral que faz parte da composição de pesticidas. Pó branco, facilmente solúvel em açúcar e farinha. Os sinais são: descamação da pele, unhas quebradiças e estriadas, queda de cabelo, etc. Assim, as unhas e o cabelo, resistindo para além da putrefação do corpo, viabilizam as possibilidades de detecção. Devido à fácil aquisição no mercado (em raticidas e insecticidas) é frequente a sua utilização em suicídios e homicídio, sendo responsável por inúmeras situações acidentais. O arsénio permanece no corpo durante largo tempo e é possível determinar a sua presença em cadáveres. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 40 - O mesmo se pode dizer relativamente a um outro produto tóxico: paratião (insecticida Organofosforados), em cuja morte os livores adquirem uma cor característica, cinzento acastanhada. Esta forma de envenenamento está associada a crises sentimentais das vítimas, normalmente mulheres. Outra forma de intoxicação procurada por suicidas (também acidente, e em pequena escala, crime) é o envenenamento por gás. SINAIS DE ENVENENAMENTO Morte rápida, sem sintomas especiais, sugere morte por ácido prússico ou por cianeto e potássio, apresentando o cadáver uma cor carminada e possível cheiro a amêndoas amargas; Vómitos de cor escura (tipo café), com cheiro a cebola e alho, sugerem a utilização do mortífero fósforo incolor (fósforo vermelho não é venenoso); Vómitos negros e escaras profundas nas vias de absorção, com aparência de queimaduras, com agonias de horas e dias são indicativos de ácido sulfúrico; Vómitos brancos, que ficam negros à luz do dia, sugerem ingestão de sais de prata; Vómitos de substâncias de cor acres sugerem a ingestão de vinagre ou amoníaco; Escaras profundas nas vias de absorção, de cor amarela, resultam de ingestão de água forte (ácido nítrico), líquido corrosivo que causa agonia de dias; Vómitos e diarreia, espuma abundante pela boca, suores e cólicas são sintomas de absorção de compostos de mercúrio, sais de arsénico ou chumbo. ENERGIA DE ORDEM FÍSICO-QUÍMICA É a parte da Medicina Legal que trata das asfixias (interrupção da hematose). Hematose é a transformação do sangue venoso em arterial, por meio de oxigenação nos pulmões. NECRÓPSIA – INSTITUTO MÉDICO LEGAL – MÓDULO IV - 41 - Em sentido genérico entende-se asfixia como a suspensão da função respiratória por qualquer causa que se oponha à troca gasosa, nos pulmões, entre o sangue e o ar ambiente. HEMATOSE: a) Verificação Pulmonar: Inspiração de O2 e sua distribuição pelos alvéolos. b) Difusão: Passagem de O2 e CO2 através dos capilares. c) Fluxo Capilar Pulmonar: É a circulação sanguínea nos capilares pulmonares. CONDIÇÕES NORMAIS DA RESPIRAÇÃO a) Ambiente externo c) Funcionamento da caixa torácica b) Permeabilidade do aparelho respiratório d) Movimento sangue LEGISLAÇÃO: No CPB art. 61, inciso II, letra "d", diz que o emprego da asfixia como meio de produzir a morte constitui circunstância agravante do crime, pela crueldade de que se reveste este recurso. CLASSIFICAÇÃO MÉDICO-LEGAL: a) Modificação Física do Meio: Quantitativa: Confinamento Qualitativa: Líquido: Afogamento Sólido: Soterramento Gasoso: Gases Tóxicos b) Constrição no Pescoço:
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