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O Direito ao Conhecimento da Origem Biológica no ECA

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O ECA na era do direito ao conhecimento da origem biológica
 
 
 
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O ECA NA ERA DO DIREITO AO CONHECIMENTO DA ORIGEM BIOLÓGICA
Revista de Direito da Infância e da Juventude | vol. 4/2014 | p. 41 - 77 | Jul - Dez / 2014
DTR\2014\21005
	
Elimar Szaniawski 
Professor Associado da Faculdade de Direito da UFPR no Programa de Pós-graduação/Mestrado/Doutorado e no Curso de Graduação. Advogado. 
 
Área do Direito: Internacional; Civil; Infância e Juventude
Resumo: O presente estudo dedica-se à análise crítica do art. 48 do ECA, reformado pela Lei 12.010/2009, o qual introduziu, no direito positivo brasileiro, a categoria do direito ao conhecimento da própria origem biológica do adotado. O legislador brasileiro ao positivar a mencionada categoria, o fez mediante um único dispositivo legal, cuja natureza consiste de uma cláusula geral, ilimitada, a qual autoriza ao filho adotivo o direito de conhecer sua ascendência biológica e de obter acesso irrestrito às informações, documentos e conteúdo do processo de adoção, após completar 18 anos de idade, ou mesmo ao adotado menor de 18 anos, em atendimento à sua pretensão dirigida ao juiz. Embora se trate de um "direito novo" no sistema jurídico brasileiro, os tribunais já há algum tempo, vem construindo, paulatinamente, a categoria jurídica em estudo, buscando impor limites na atuação deste direito e edificar os fundamentos jurídicos ao exercício do direito ao conhecimento da própria origem biológica do adotado.
 Palavras-chave:  Adoção plena - Art. 48 da Lei 8.069/1990 - Direito ao conhecimento da própria origem biológica - Direito ao segredo familiar e profissional - Reais vantagens para o adotando - STJ.
Abstract: La présente étude est dédiée à l'analyse critique de l'article 48, l' ECA, réformé par la Loi 12.010/2009, qui a introduit, dans droit positif brésilien la catégorie du droit des origines de l'adopté. Le législateur brésilien, en accueillant la catégorie en question, l'a fait par un unique dispositif légal, dont la nature consiste d'une clause générale, illimitée, qui donne au fils adoptif, le droit de connaître son origine biologique et d'obtenir un accès illimité aux dossiers, aux documents et au contenu de la procédure d'adoption, après avoir compléter ses 18 ans, ou même à l'adopté mineur de 18 ans, conformément à sa demande adressée au juge. Bien qu'ils' agisse dans "droit nouveau" dans le système juridique brésilien, les tribunaux depuis un certain temps construisent, petit à petit, la catégorie juridique en question, tout en essayant d'imposer des limites à l'exercice de ce droit et à établir la base juridique pour l'exercice du droit des origines de l'adopté.
 Keywords:  L' adoption plénière - L' art. 48 de la Loi 8.069/1990 - Le droit des origines - Le droit au secret de la vie familiale et professionnelle - Reels interêts pour l' adopté - STJ.
Sumário:  
1. Introdução - 2. Noção sobre o direito ao conhecimento da própria origem biológica - 3. O direito ao conhecimento da própria origem biológica na perspectiva do direito internacional - 4. O direito ao conhecimento da própria origem biológica no direito francês - 5. O direito ao conhecimento da própria origem biológica no direito alemão - 6. O direito ao conhecimento da própria origem biológica no direito brasileiro - 7. Crítica ao sistema brasileiro de acesso irrestrito ao processo de adoção e de conhecimento da origem biológica do adotado - 8. A evolução da jurisprudência no reconhecimento do direito ao conhecimento da origem biológica no brasil - 9. Limitações ao exercício do direito ao conhecimento da origem biológica decorrentes de construção jurisprudencial - 10. Considerações finais - 11. Referências bibliográficas
 
1. Introdução
O direito ao conhecimento da origem biológica, segundo terminologia francesa ou o direito ao conhecimento da origem genética, de acordo com a nomenclatura alemã, ingressou recentemente no direito positivo brasileiro, através da promulgação da Lei 12.010/2009, a qual alterou, substancialmente, o art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Diz o art. 48 do ECA:
“Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos.
Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.”
O dispositivo legal, acima transcrito, consiste em uma cláusula geral, ilimitada, a qual outorga ao adotado o direito de conhecer sua ascendência biológica e de obter acesso irrestrito às informações, documentos e conteúdo do processo de adoção, após completar 18 anos de idade, ou mesmo, em atendimento à pretensão do adotado, menor de 18 anos.
Através desta norma, o legislador rasga o véu que envolvia o segredo familiar e profissional dos membros da família adotante e dos profissionais que atuaram e tiveram conhecimento dos fatos nascimento e adoção do adotado.
A presente inovação legislativa que outorga ao filho adotivo o direito subjetivo de conhecer sua própria origem biológica ou genética, não possui tradição em nosso direito, tratando-se a espécie, de categoria jurídica transladada do direito europeu.
Vamos encontrar as origens mais remotas do citado direito, no direito consuetudinário da baixa idade média entre os povos que habitavam as margens do rio Reno, denominados pelos romanos de alamanus.
O primitivo direito medieval alemão admitia a prática do segredo das identidades da parturiente, do genitor da criança e das circunstâncias que envolviam seu nascimento, visando resguardar a honra da gestante e do amante, principalmente se casado fosse.
Ao final do período denominado de alta idade média, o direito germânico ampliou a prática do juramento nos processos judiciais, empregando-o, como meio de prova, também, nas causas cíveis. Consequentemente, passou-se a obrigar que a mulher grávida, que pretendesse tornar anônimo seu parto, de revelar sua condição e denunciar a identidade do genitor da criança à autoridade pública.
No âmbito do direito de família, os magistrados alemães utilizavam o sistema probatório mediante juramento e, desta maneira, era a mulher não casada e que fosse mãe, obrigada a revelar publicamente sob juramento, o nome do genitor de seu filho quando o mesmo se mantivesse incógnito.
Verifica-se que o direito ao conhecimento da própria origem genética é uma categoria conhecida há muito tempo na Europa, sendo encontrada na Alemanha em estado embrionário desde a alta idade média e reconhecida como instituição jurídica desde o século XIV.1
O direito ao conhecimento da própria origem biológica, no entanto, não é encontrado no antigo direito francês, tendo em vista que a França desde a alta idade média manteve em seu sistema jurídico o parto anônimo, (l’accouchement sous X), como categoria jurídica absoluta, até meados do século XX.
A revelação forçada do nome do genitor da criança, quando o mesmo se mantivesse incógnito, permitia ao filho, nascido fora do casamento, conhecer a identidade de seu pai biológico e, eventualmente, estabelecer o vínculo de paternidade/filiação. Esta modalidade de conhecimento da identidade biológica do genitor prevaleceu, perante o direito alemão como categoria jurídica, do século XIV até 31.12.1899, quando passou a viger o direito de família regulado pelo Código Civil, (o BGB).2 O legislador civil de 1896 construiu o direito de filiação a partir do modelo canônico, amalgamado com a ideologia burguesa do século XIX, a qual concebia a família como um ente matrimonializado, constituído pelo marido, pela mulher e pelos filhos legais, nascidos na constância do vínculo matrimonial. Os demais filhos, não originários da estrutura familiar formada pela iustae nuptiae, tinham seus direitos reduzidos, a exemplo dos filhos adotivos e outros, qualificados de espúrios, que foram excluídos, não encontrando a necessária tutela pelo direito civil. Por esta razão,o direito de o filho nascido fora do casamento obter a revelação forçada do nome dos seus genitores biológicos, quando sua identidade se mantivesse incógnita, caiu em desuso no direito alemão durante quase todo o século XX, vindo, somente, a renascer no crepúsculo do século através da categoria do direito ao conhecimento da própria origem genética (das Recht auf kenntnis der eigenen Genetische Abstammung).
A promulgação do Código Civil alemão de 1896 dividiu a doutrina em relação à matéria, a qual gravitava em torno da admissibilidade ou não, de possuir o filho o direito de ação visando estabelecer sua ascendência biológica perante o novo ordenamento jurídico vigente.
Considerando o direito vigente digna de proteção apenas a família legítima oriunda do matrimônio, tornava-se juridicamente impossível de o filho nascido fora do casamento, possuir algum direito de ação para estabelecer sua ascendência biológica. A paternidade de uma criança, nascida fora do casamento, somente, poderia ser declarada incidentalmente, no curso de uma ação de alimentos. Esta posição petrificou-se tornando-se extremamente enraizada no pensamento jurídico alemão.
O fundamento utilizado pela jurisprudência construída a partir da promulgação do Código Civil, sustentava ocorrer a impossibilidade jurídica da pretensão de o filho demandar sua mãe no sentido de obter o conhecimento de sua ascendência biológica paterna, diante da ausência de dispositivos legais específicos no Código Civil. Também argumentava que o deferimento do direito ao conhecimento da origem genética da criança colidiria com o direito à intimidade da mãe, cuja vontade seria a de manter em segredo seus relacionamentos amorosos. O conhecimento da origem genética paterna pelo filho automaticamente revelaria o número de homens e suas identidades, com os quais a mãe ter-se-ia relacionado sexualmente, mesmo correndo o processo em segredo de justiça.
Esta situação, segundo entendimento quase absoluto dos operadores do direito, constituir-se-ia em violação ao direito à intimidade da mãe do requerente.3 Com estes fundamentos durante muito tempo, negou a jurisprudência alemã ao filho nascido sob filiação incógnita, um direito de ação destinado ao conhecimento da identidade de seu genitor biológico embora pudesse ter pais adotivos.
O direito ao conhecimento da própria origem genética, resurgiu na Alemanha mediante paulatina construção jurisprudencial no período do segundo pós-guerra, a partir da promulgação da Lei Fundamental de Bonn a qual, na alínea 1 do art. 1.º, combinado com a alínea 1 do art. 2.º, que tutelam a dignidade e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana e que informam do direito geral de personalidade.4 O direito ao conhecimento da própria origem genética de um indivíduo se identifica no âmbito do direito geral de personalidade, reconhecido pela Constituição. Esse “novo direito” foi-se logo ampliando, provocando polêmica entre os juristas no tocante a sua extensão e aos limites de sua atuação. De imediato, predominou tanto para a doutrina como para a jurisprudência, a noção de que o direito ao conhecimento da própria origem genética não poderia ser considerado um direito ilimitado. Em resposta às indagações da comunidade jurídica o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha passou a entender que o direito ao conhecimento da própria origem genética, somente, pode ter guarida quando a matéria posta ao seu conhecimento tenha por objeto casos concretos individuais, cujos interesses próprios se identificam com “interesses humanos gerais”.5
Embora tenha o Tribunal Constitucional Federal procurado consolidar e fixar o objeto do direito ao conhecimento da própria origem biológica deixou, a citada corte para a doutrina, a construção teórica final desta categoria jurídica.
2. Noção sobre o direito ao conhecimento da própria origem biológica
O direito de o indivíduo poder conhecer sua própria origem biológica e familiar vem se desenvolvendo no direito europeu dentro de duas perspectivas diversas. De um lado, encontramos os países cujo sistema jurídico está aberto à recepção e ao desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial do direito ao conhecimento da origem genética da criança. De outro, países cujo direito interno é mais resistente à recepção desta categoria, predominando o direito ao segredo familiar em relação aos genitores da criança e ao segredo profissional, relativo aos profissionais da saúde, entre outros, que participaram do nascimento e da adoção, envolvidos pela obrigação de sigilo que circunscreve o nascimento e a origem familiar da criança.
O direito europeu apresenta dois sistemas jurídicos opostos, o sistema jurídico alemão receptivo ao direito ao conhecimento da própria origem genética de uma pessoa, cuja tradição, segundo mencionamos acima, encontra sua gênese na idade média clássica e o sistema jurídico francês, mais resistente à recepção desta categoria jurídica, uma vez que em seu direito predomina a categoria do parto anônimo, em grau quase que absoluto, cuja tradição, também, remonta aos tempos medievais.
O direito ao conhecimento da própria origem genética, ou direito ao conhecimento da própria origem biológica ou, simplesmente, de direito das origens, é considerado, pela maioria dos doutrinadores, um “novo direito” inserido no âmbito do direito geral de personalidade.6
O direito ao conhecimento da própria origem biológica surge, geralmente, em decorrência do abandono ou da colocação da criança em família alheia, da realização da adoção plena e da reprodução assistida heteróloga.
A adoção plena atribui a condição de verdadeiro filho ao adotado, titular dos mesmos direitos e obrigações, inclusive sucessórios, que possuiriam os filhos naturais dos adotantes, desligando-o de qualquer vínculo com genitores e parentes biológicos, salvo os impedimentos matrimoniais.7 Por estas razões, o processo de adoção corre em segredo de Justiça possuindo, somente, o adotado, acesso às informações, mediante prévia autorização judicial.
As modalidades da paternidade socioafetiva decorrente da filiação adotiva e da reprodução assistida heteróloga, se inscrevem no âmago de uma esfera secreta, no que diz respeito à família e à identidade pessoal da criança, ficando do lado de fora desta esfera, todos aqueles que não pertencem ao restrito círculo familiar, sendo que, na maioria dos casos, o próprio filho permanece na linha aquém do círculo de segredos dos pais, não conhecendo os fatos que ocorreram no interior dos limites desta esfera sigilosa. Permanece a criança, sem conhecer sua verdadeira origem biológica e familiar, tendo como seus verdadeiros genitores, os pais socioafetivos e sua família, os familiares destes. Todo este segredo que envolve a adoção tem por escopo consolidar ao máximo o vínculo socioafetivo, preocupando-se o legislador em facilitar a construção do vínculo afetivo e de integrá-lo no seio da família social como membro efetivo desta família, pertencente à história e ao acervo da memória familiar da família dos adotantes.
Muito se discute em diversos ramos do conhecimento humano se seria aconselhável ou não, revelar à criança adotada ou concebida mediante reprodução assistida heteróloga bilateral, sua origem biológica ou o fato de que os pais que a criaram não são os mesmos que a conceberam.
A corrente de pensadores que se mostra contrária a esta revelação, composta tanto por médicos, psicólogos, educadores e juristas, alega que a revelação da verdadeira origem biológica da criança poderá fragilizar consideravelmente o vínculo familiar socioafetivo, devido à perturbação que esta revelação poderia criar nas relações familiares da criança com seus pais adotivos ou sociais.
Outro argumento reside na defesa do direito à vida privada dos genitores biológicos da criança dada em adoção. Os pais biológicos possuem as mais diversas razões para a colocação de seu filho em outro lar por meio de adoção, seja de ordem psíquica, moral, econômica ou por total abandono da mãe pelo pai da criança e sua condição de miserabilidade.Ao proceder desta maneira, seja qual for o motivo, a revelação ao filho sobre o fato da adoção ou a identidade dos pais biológicos, constituiria um atentado à vida privada aos genitores biológicos, os quais, na maioria das vezes, preferem que estes fatos fiquem sepultados para sempre. Depois de muitos anos, revolver os fatos do passado poderá representar aos genitores biológicos, bem como, aos pais socioafetivos, muita dor ou problemas que os mesmos preferem não enfrentar.
Argumenta-se, ainda, que a revelação das origens da criança poderá atentar contra o segredo profissional em relação ao médico, ao psicólogo, ao assistente social, ou em relação a qualquer outro profissional que estiver vinculado ao nascimento e ao processo de adoção e as pessoas às quais a criança foi entregue. Todas as pessoas envolvidas poderão ficar expostas e sofrer as consequências da ruptura do segredo familiar e do segredo profissional em relação ao fato do nascimento da criança, à identidade de seus genitores biológicos e ao fato da adoção, eventos que deveriam ser mantidos a todo custo em permanente segredo.8
A segunda corrente, ao contrário, defende a ideia de que a criança possui o direito de ter conhecimento da sua origem biológica e familiar a fim de poder conhecer um passado que lhe teria sido apagado. Segundo este pensar, o direito ao conhecimento da origem biológica da criança se caracteriza como direito de personalidade da mesma, cujo exercício constitui-se de prerrogativa exclusiva do filho, que não deverá ser impedido, quer por parte dos pais socioafetivos, quer por qualquer autoridade ou pela própria lei. Segundo este pensamento, qualquer restrição ao exercício deste direito geral de personalidade poderá caracterizar a subtração à pessoa da possibilidade de descobrir elementos que comporiam sua personalidade e que poderiam construir sua autodeterminação.9
Sabemos, porém, que nem todas as crianças conseguem facilmente aceitar e conviver com a revelação de que os pais que a estão criando não são seus genitores biológicos, trazendo, muitas vezes, confusão, traumas ou revolta, outras vezes, uma imensa curiosidade de buscar sua origem biológica.
Os psicólogos, de um modo geral, afirmam que o melhor procedimento a ser seguido pelos pais adotivos, consiste em dizer a verdade desde cedo e ficar sempre ao lado da criança com muito carinho, para que ela perceba o amor dos pais. Os vínculos afetivos estabelecidos com os pais adotivos serão responsáveis pelo bem estar, segurança e autoestima da criança, podendo, a mesma, superar os traumas vividos pelo “abandono”, pela adoção ou pela revelação de ser seu pai biológico outro homem que não aquele ao qual chama de pai.
Diante destes dois aspectos antagônicos, delicados e extremamente polêmicos, pondera Grataloup que, para vencer os interesses da sociedade, a exigência seria a de não revelar as verdadeiras origens à criança ou, então, ser assegurada uma completa transparência em torno de todos os fatos que cercaram a adoção.10
Neste último caso, propõe o citado autor que o legislador não deveria aplicar no processo de adoção, a obrigação ao sigilo familiar e profissional, facultando às pessoas envolvidas a possibilidade de obter o conhecimento da origem biológica e familiar da criança com maior acessibilidade, porém com algumas restrições.
No Brasil é muito comum a existência de mães solteiras que com seus filhos constituem um núcleo familiar, a família monoparental. A família monoparental é geralmente oriunda do abandono do companheiro ou do próprio marido, do não reconhecimento da filiação pelo namorado, pela prostituição e pela própria ignorância das pessoas. Esta entidade familiar, constituída por apenas um genitor e sua prole tornou-se comum não só no Brasil, mas, também, nos EUA e nos países que compõem a Europa ocidental. Existe, ainda, nos países europeus ricos, o modelo de família monoparental voluntário ou espontâneo, constituindo-se, nestes casos a família monoparental liderada pela mulher, no símbolo de “liberação feminina”.11
Muitas famílias monoparentais são constituídas por homens divorciados ou solteiros e seus filhos ou por mulheres e seus filhos. Tem-se tornado frequente mulheres escolherem, por livre e espontânea vontade, um homem para ser genitor de seu filho, excluindo-o, porém, da possível paternidade. A mulher oculta de seu parceiro sexual a existência do filho e mantém incógnito da criança a identidade de seu pai. A hipótese não é rara, sendo muito empregada pelas mulheres ditas “liberadas”, pelas celibatárias e pelas homossexuais.
A manutenção dos fatos relativos ao nascimento de uma criança envolvido por uma esfera secreta, bem como, o segredo da identidade do pai, da mãe ou de ambos os genitores biológicos, poderá constituir-se em um interesse superior dos genitores e a revelação da origem familiar da criança poderá constituir-se em um atentado à vida privada de seus pais biológicos. Sendo esta última, a visão predominante no direito francês, através da categoria do nascimento secreto ou parto anônimo (l’accouchement sous X).
Desde sempre encontramos homens casados ou não, pertencentes à classe social superior se relacionarem sexualmente com uma mulher fora do casamento, geralmente pertencente à classe social inferior. Neste contexto a gravidez, bem como, a identidade do pai, deveriam ser mantidos em segredo a fim de não abalar a estrutura da família legal, mantendo, igualmente, imaculada a boa imagem do homem perante a sociedade. Da mesma maneira, a mulher casada, solteira ou viúva que tenha se relacionado sexualmente com algum homem, possui interesse em manter sua identidade e o fato da gravidez e do nascimento da criança em segredo. Fatos como estes, consolidaram a categoria jurídica denominada de segredo das origens (le secret des origines), do direito francês ou o segredo da origem biológica ou parto anônimo, como preferem alguns estudiosos no Brasil. O segredo da origem genética ou biológica, permite manter-se em segredo todos os fatos que cercam o nascimento de uma criança, a identidade do genitor e, muitas vezes, a identidade da própria genitora.12 Quando rejeitadas por ambos os genitores biológicos, as crianças terminam sendo criadas nos conventos religiosos ou nas instituições de assistência social ao menor.
Todas as situações envolvendo a gravidez indesejada, o nascimento da criança, a omissão da identidade dos genitores da criança, a adoção plena, a reprodução assistida heteróloga, provocaram o desejo do filho em pesquisar e conhecer a identidade biológica e familiar de seus genitores, abrindo o caminho ao surgimento da categoria do direito ao conhecimento da própria origem biológica.
3. O direito ao conhecimento da própria origem biológica na perspectiva do direito internacional
O direito ao conhecimento da própria origem biológica encontra seu principal fundamento a nível internacional nas diversas declarações universais dos direitos humanos e a nível interno, nas normas constitucionais garantidoras dos direitos fundamentais e de personalidade.13
O direito ao conhecimento da própria origem biológica no direito comparado europeu, a nível internacional, encontra seus principais fundamentos na combinação do art. 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, com o disposto no art. 10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950, os quais outorgam a toda pessoa o direito à liberdade de opinião e de expressão e se revelam como os fundamentos informadores do direito ao conhecimento da própria origem biológica da pessoa. O direito ao conhecimento da própria origem genética consiste no direito da pessoa que tenha nascido de parto discreto, de reprodução assistida heteróloga ou que esteja no exercício da posse de estado de filho, de poder realizar a investigação de suas origens familiares, inserindo-se este direito, segundo Coppart-Ollerich,14 no âmbito do conceito de necessidades superiores do ser humano. Para Grataloup,15 o art. 10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, constitui o fundamento jurídico na investigaçãodas origens familiares de qualquer pessoa.
Grataloup realiza um atento estudo da jurisprudência emanada das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) a partir de reclamações realizadas por cidadãos europeus àquela Corte, que tiveram negado o exercício do direito ao conhecimento da própria origem genética pelos tribunais de seus países de origem. As diversas reclamações ao TEDH tiveram por escopo a pretensão de revisão dos arestos proferidos pelos tribunais que priorizaram os superiores interesses dos genitores na manutenção do segredo familiar em detrimento ao interesse dos filhos no conhecimento de sua origem biológica.
Grataloup conclui que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), em relação às decisões sobre o exercício do direito ao conhecimento da própria origem biológica pelos tribunais dos países membros da União Europeia, tem se mostrado bastante cautelosa, não se comprometendo em declarar expressamente, a existência de um direito geral de o indivíduo receber informações de origem familiar e de caráter pessoal tanto de instituições públicas como privadas que se dedicam aos cuidados de crianças e adolescentes. Segundo observa o autor, a cautela tomada pelo TEDH tem por objetivo evitar que o direito ao conhecimento da própria origem biológica, interpretado em grau absoluto, possa vir a originar conflitos entre o direito do interessado em conhecer suas próprias origens familiares e o direito de terceiros de protegerem determinados fatos do passado que tenham sido propositadamente esquecidos. Segundo pensamento dominante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o exercício amplo e ilimitado do direito ao conhecimento da própria origem biológica poderá conduzir à situações exacerbadas, mormente em relação às investigações que acabam por violar determinados direitos e liberdades de terceiras pessoas, atentando, consequentemente, o seu direito geral de personalidade. Por estas razões, a doutrina16 e, em especial, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), embora reconheçam e tutelem o direito de a pessoa conhecer sua origem biológica, procuram salvaguardar o anonimato de terceiros. A preocupação do TEDH, em proteger o anonimato de terceiras pessoas nas demandas em que o autor pretende realizar uma profunda investigação nas suas origens familiares e biológicas ocorre, geralmente, nas causas em que o interessado nasceu de procedimentos de reprodução humana assistida heteróloga, procurando, a mencionada Corte Europeia, salvaguardar o anonimato do doador de gametas ou a identidade da mãe receptora.
O fato de o TEDH, em suas decisões, salvaguardar o anonimato de terceiras pessoas nas causas em que o requerente pretendia realizar uma investigação objetivando o conhecimento de suas origens familiares e biológicas, conduziu alguns doutrinadores a afirmar que a Corte Europeia não interpretava o art. 7.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças,17 como a norma específica destinada à criança buscar sua origem biológica.18
Segundo Grataloup, o TEDH, embora se oriente no sentido de aceitar a possibilidade de um indivíduo buscar sua origem biológica, fez referência ao art. 7.º da Convenção Internacional dos Direitos da Criança em apenas um de seus julgados. Trata-se do caso em que a adoção de uma criança ocorreu contra a vontade e sem o consentimento do pai biológico da mesma. No referido julgado, o art. 7.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças foi utilizado pelos julgadores para fundamentar a decisão com a finalidade de possibilitar à criança vir a conhecer posteriormente sua origem biológica.
Grataloup faz uma veemente crítica em relação à interpretação do conteúdo do art. 7.º, da referida Convenção. Afirma o autor que “há uma inevitável inadequação entre o liame jurídico e a filiação biológica na adoção. Dando-se a possibilidade à criança, no limite à adoção, de buscar suas origens, portanto seus pais biológicos, será necessário concluir que os adotantes não seriam seus pais. Ora, operando uma ruptura completa entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva, chega-se a uma solução totalmente inversa à desejada pelo direito de filiação adotiva, operando, na prática, a substituição dos pais legais por outros pais legais”.19
Em decorrência da perspectiva adotada pela jurisprudência do TEDH, pode-se afirmar que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem se mostra favorável à permanência da categoria dos nascimentos anônimos (accouchement sous X), no direito europeu, especialmente em relação aos países que acolheram a espécie em seu direito interno. Contudo tenham a Alemanha, a Bélgica e os países nórdicos, em decorrência de sua longa tradição, recepcionado de imediato o direito ao conhecimento da própria origem genética, como categoria jurídica no seu direito interno, o citado direito vem sendo aplicado na prática com bastante descrição, não havendo nenhum esforço por parte de qualquer autoridade no sentido de ser consagrado um direito absoluto da criança em relação à verdade biológica da filiação.
A prudência nas decisões emanadas pela Corte Europeia dos Direitos do Homem, segundo Grataloup, reside no fato de haver uma dupla diversidade. A primeira, em razão de as legislações europeias serem heterogêneas, oscilando ora pela preeminência da verdade biológica, ora pela primazia da verdade social ou socioafetiva, consagrando o parentesco afetivo em detrimento do parentesco biológico. A segunda, pelo fato de permanecer uma inadequação entre as disposições nacionais e as normas europeias, resultantes de sólidas reservas e da diversidade cultural. Embora o direito da criança à sua família de origem se constitua em um princípio maior no direito europeu, este direito, ainda, precisa ser construído, dispensando-se as necessárias preocupações à família socioafetiva, a qual clama pelos mesmos cuidados que merece a família biológica.20
4. O direito ao conhecimento da própria origem biológica no direito francês
O direito ao conhecimento da própria origem biológica não recebeu boa guarida na França devido à prevalência da categoria dos partos anônimos e do direito ao segredo que envolve a identidade dos genitores da criança e de seu nascimento, prática oriunda do direito costumeiro desenvolvido na idade média.
Há franca predominância na França da categoria dos partos anônimos ou nascimentos secretos sobre o direito ao conhecimento da origem biológica. O parto anônimo na França se revela como instituição de um sistema jurídico completo, organizado e bem regulamentado, que produz efeitos diversos aos efeitos do sistema jurídico da Alemanha, que recepcionou a categoria do direito ao conhecimento da origem genética.
Todavia, por influência das convenções internacionais e resoluções do Parlamento europeu para a infância e adolescência, o direito ao conhecimento da origem biológica vem sendo reconhecido, também, na França em algumas circunstancias específicas.21
A admissibilidade de tutela do direito ao conhecimento da origem biológica vem sendo reconhecido, algumas vezes, pelo direito interno francês no tema da adoção plena. A legislação francesa ao tratar da adoção optou pelo critério dicotômico. O Código Civil francês dispõem nos arts. 343 a 359 sobre a adoção plena e nos arts. 360 a 370-2 regulamenta a adoção simples.22
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos diversos affaires sobre a matéria, submetidos à sua jurisdição, confirma o entendimento de que a legislação francesa que permite os partos anônimos, está em harmonia com as disposições pertinentes à espécie, contidas na Convenção Europeia dos Direitos do Homem sem, no entanto, aprofundar o mérito da questão. Cumpre à Corte Europeia, tão somente, verificar se o Judiciário do país membro da União Europeia observa, no caso concreto, os requisitos trazidos nos arts. 8.º e 14 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O Tribunal Europeu verifica, também, se a medida originária, requerida perante o Tribunal local recorrido, protegeu a privacidade e os reais interesses dacriança e se o Estado membro não ultrapassou os limites de sua esfera discricionária e se foi realizada a ponderação proporcional dos interesses da pessoa diante dos bens jurídicos tutelados no inc. II do art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.23
Respeitando o Tribunal de Grande Instância de Paris, as normas contidas nos arts. 8.º e 14 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ponderando adequadamente os interesses das pessoas diante dos bens jurídicos tutelados no inc. II do art. 8.º e protegido adequadamente a vida privada e os reais interesses do reclamante, entende a referida Corte supranacional, pela inexistência de violação às normas internacionais quer pela legislação, quer pelo judiciário da França.
Contudo albergue o direito francês a prática dos accouchements sous X, salvaguardando o direito da mãe de manter o anonimato de sua identidade pessoal, da identidade do genitor e das circunstancias que cercam o nascimento de seu filho, pouco a pouco, por influência das Convenções internacionais, vem-se admitindo, em casos excepcionais, a possibilidade de o filho vir a conhecer fatos relativos ao seu nascimento e a identidade de seus genitores, quando o mesmo foi entregue a uma entidade assistencial pública para ali ser criado. Esta nova postura dos tribunais vem relativizando e harmonizando, perante o direito francês, o instituto do parto anônimo e o direito ao conhecimento da própria origem biológica de uma pessoa.24
5. O direito ao conhecimento da própria origem biológica no direito alemão
O denominado direito ao conhecimento da própria origem genética (Recht auf kenntnis der eigenen Genetische Abstammung) se consagrou e se firmou como um “novo direito”, protegido a nível constitucional, a partir da promulgação de dois arestos do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, o BVerfG, no mês de janeiro de 1988 e em janeiro de 1989.25
O ponto central dos fundamentos do aresto de 1989, parte do fundamento constitucional do direito ao conhecimento da origem biológica da pessoa sob a ótica do direito geral de personalidade e seus reflexos no âmbito do direito processual, no sentido da admissibilidade do direito ao segredo da mãe, quanto à origem da criança nascida fora do casamento em relação à sua paternidade; o segredo da origem na adoção plena; e na reprodução assistida heteróloga.26
O Tribunal Constitucional Federal embora reconhecesse, expressamente, a existência desse mencionado direito, através da decisão de 18.01.1988, pronunciou-se naquele julgado, de maneira pouco precisa, deixando de estabelecer com detalhes o âmbito de atuação e as limitações dessa “nova” categoria jurídica.
No aresto proferido em 31.01.1989, declarou o Tribunal Constitucional Federal, o BVerfG que “o direito ao conhecimento da própria origem genética de uma pessoa é abrangido por seu direito geral de personalidade, o qual permite não só a alteração do estado familiar do indivíduo, autorizando, também, ao interessado, a pedir judicialmente esclarecimentos sobre sua verdadeira ascendência biológica e das circunstâncias que envolveram seu nascimento”.27
A jurisprudência alemã, através de sua Corte Constitucional Federal, tomando posição inovadora sobre a matéria, decidiu no sentido de que todo filho, nascido de inseminação artificial heteróloga, ao atingir a maioridade, possui o direito de conhecer seu verdadeiro pai biológico, com vistas de alterar seu estado familiar e pedir esclarecimentos sobre sua verdadeira origem e ascendência biológica.
Embora o aresto do Tribunal Constitucional Federal alemão de 31.01.1989, tenha afirmado em sua histórica decisão que a partir desta data, constituiu-se um “novo direito”, o direito ao conhecimento da própria origem genética de um indivíduo não é considerado, por muitos doutrinadores, um direito tão novo assim. Consoante vimos no Capítulo 1, supra, a revelação forçada do nome do genitor da criança, quando o mesmo se mantivesse ignorado, permitia ao filho, nascido fora do casamento, conhecer a identidade de seu pai biológico e, eventualmente, estabelecer o vínculo de paternidade/filiação. Esta modalidade de conhecimento da identidade biológica do genitor prevaleceu, perante o direito alemão, do século XIV até 31.12.1899, quando passou a viger o direito de família regulado pelo Código Civil (o BGB).28
Segundo a sistemática do Código Civil, somente, havia um modelo de família reconhecida pelo direito, a família legítima, oriunda do matrimônio, razão pela qual, o direito vigente negava a possibilidade de o filho, nascido fora do vínculo matrimonial, possuir algum direito de ação para estabelecer sua ascendência biológica e a obtenção da respectiva prestação alimentar de seu genitor biológico. A paternidade de uma criança, nascida fora do casamento, somente, poderia ser declarada incidentalmente, no âmbito de uma ação de alimentos. Esta posição petrificou-se, tornando-se extremamente arraigada no pensamento jurídico alemão.29
A jurisprudência do Supremo Tribunal do Reich, constituída durante o período do regime nacional socialista, não alterou a jurisprudência alemã tradicional nesta matéria, orientando-se, a mesma, no sentido de negar a admissibilidade ao filho de possuir uma pretensão judicial ao conhecimento da própria origem genética, através da interposição da Auskunftanspruch, medida destinada à obtenção de informações sobre pessoas ou situações jurídicas, contidas em repartições e órgãos públicos.30 A nova jurisprudência que se constituía, não conseguiu abalar a forte oposição da doutrina alemã do início do século XX, contra a ideia de uma pessoa possuir o direito de ação destinado ao conhecimento da verdadeira ascendência biológica.31 O fundamento utilizado pelos negadores do direito de uma pessoa ao conhecimento de sua ascendência genética, repousava sobre duas premissas.
A negativa dos tribunais em amparar um suposto direito de o filho vir a conhecer sua verdadeira origem biológica decorria da impossibilidade jurídica de o filho demandar sua mãe diante da ausência de dispositivos legais específicos no Código Civil. De outro lado, entendia-se que o eventual direito ao conhecimento da origem biológica da criança iria colidir com o direito à intimidade da mãe, que poderia querer manter em segredo seus relacionamentos amorosos. O conhecimento da origem genética paterna pelo filho revelaria o número de pessoas e suas identidades, com as quais a mãe ter-se-ia envolvido sexualmente, mesmo correndo o processo em segredo de Justiça. Tal situação constituiria violação ao direito à intimidade da mãe do interessado.32 Por essas razões, preferiu a doutrina e a jurisprudência alemã, durante muito tempo, negar ao filho um direito de ação destinado ao conhecimento da identidade de seu genitor biológico.33
O direito ao conhecimento da própria origem biológica, resurgiu na Alemanha através de construção jurisprudencial, a partir da promulgação da Lei Fundamental de Bonn a qual, na alínea 1 do art. 1.º, combinado com a alínea 1 do art. 2.º, tutelam a dignidade e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana.34 O direito ao conhecimento da própria origem genética de uma pessoa integra seu direito geral de personalidade, reconhecido pela Constituição. Esse mencionado direito destina-se a salvaguardar a dignidade humana e tudo aquilo que diga respeito à essência do homem.
Assim, a Corte Constitucional Federal da Alemanha passou a entender que o conhecimento da própria origem genética constitui-se em um direito individual limitado, cuja pretensão, somente, poderá ser conhecida quando a matéria posta ao seu conhecimento trate de “casos concretos individuais, cujos interesses próprios se identifiquem com interesses humanos gerais”.35
Embora tenha o Tribunal Constitucional Federal alemão reconhecido, a mais de 20 anos, a titularidade de um direito ao conhecimento da origem genética a uma pessoa, nos casos de adoção, de vivenciar a posse de estado de filho ou de reprodução assistida heteróloga, tendo procurado fixar o âmbito e os limites de atuação desta categoriajurídica em seus arestos, Frank e Helms, demonstram que o direito ao conhecimento da própria origem genética não está acabado, constituindo-se em uma categoria jurídica em construção.36
6. O direito ao conhecimento da própria origem biológica no direito brasileiro
Não encontramos na tradição jurídica brasileira nenhuma figura jurídica que se assemelhe ao direito ao conhecimento da própria origem biológica de uma pessoa.
O legislador do direito civil brasileiro, codificado no início do século XX, encontrou ampla resistência na aceitação de um direito que outorgasse a alguém a possibilidade de realizar a investigação das suas origens no seio da família legítima.
O Código Civil brasileiro de 1916, em sua redação originária, teve por principal escopo salvaguardar ao máximo a pureza da imagem da família monogâmica matrimonializada, patriarcal e burguesa, para a qual foi construído, determinando no art. 348, que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento (…”.
O mencionado art. 348, possuía força suficiente para impedir a realização de eventuais alterações do estado pessoal do indivíduo, sendo seu assento de batismo e, posteriormente, o de nascimento, imutável. A justificativa desta imutabilidade do assento de nascimento teria sua razão na busca pelo legislador da segurança que a sociedade deveria ter em relação à identidade das pessoas, estando o assento de nascimento vinculado a preceito de ordem pública, consistindo a certidão de nascimento na prova de que a pessoa existe e a partir do registro o indivíduo de fato passa a atuar no universo jurídico.37
A rígida jurisprudência constituída no direito de família admitia apenas a retificação do assento de nascimento diante de notório erro ou falsidade do registro originário. Era juridicamente impossível o ajuizamento de ação investigatória enquanto perdurasse o assento de nascimento originário. O filho adulterino, somente, podia ser reconhecido por seu genitor após a dissolução da sociedade conjugal, ou através de testamento cerrado que contivesse disposição especial de reconhecimento voluntário.
O Código Civil de 2002 não possui nenhuma previsão regulamentadora desta categoria jurídica, nem na Parte Geral, entre os direitos especiais de personalidade, nem na Parte Especial, que trata do direito de filiação e do reconhecimento dos filhos.
A Codificação de 2002 ao deixar de regulamentar o direito ao conhecimento da própria origem biológica construiu uma injustificável lacuna em relação à matéria, provocando considerável atraso no desenvolvimento teórico e prático da categoria.
Vamos encontrar no direito brasileiro, anterior à reformulação do ECA pela Lei 12.010/2009, somente, tentativas de regulamentação da categoria do direito ao conhecimento da própria origem biológica em alguns projetos de lei, tal como o PL 90/1999, de autoria do Senador Lúcio Alcântara e o PL 2.285/2007, Projeto de Estatuto das Famílias, de autoria do Deputado Sérgio Barradas Carneiro.
Devido aos limites impostos a este trabalho, limitar-nos-emos a realizar uma breve abordagem da categoria, no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente reformado pela Lei 12.010/2009, que trata, especificamente, do direito ao conhecimento da própria origem biológica do adotado.
O art. 48 do ECA, na redação dada pela Lei 12.010/2009, autoriza o adotado a conhecer sua origem biológica e obter acesso irrestrito ao processo de adoção e seus eventuais incidentes, após completar 18 anos de idade, podendo ser, também, deferido o acesso irrestrito ao processo de adoção ao adotado menor incapaz, a seu pedido.
A presente inovação rompe com o dever de sigilo que guardava a adoção plena, destinado a proteger do vínculo socioafetivo que se constituía e as relações familiares entre adotante e adotado. A adoção plena, segundo magistério de Orlando Gomes, “cria verdadeiros laços de parentesco entre o adotado e a família dos adotantes. Trata-se de uma espécie de adoção pela qual o adotado adquire, para todos os efeitos legais, a condição de filho legítimo dos adotantes”.38
O regime da adoção plena estabeleceu grande controvérsia no tocante à revelação ao filho, de sua condição de adotado ou à manutenção da ignorância do indivíduo em relação a esta situação. Prepondera a ideia da manutenção do sigilo e da constituição do direito ao segredo familiar em relação aos adotantes e das circunstâncias do nascimento da criança e do direito ao segredo profissional a favor dos mesmos e dos genitores biológicos, em relação aos profissionais da saúde, do Judiciário e demais classes que participaram do processo de adoção. Neste sentido, preleciona Orlando Gomes,39 afirmando que “predomina a opinião que a lei deve prescrever as medidas necessárias a evitar que o adotado venha, a saber, que é filho de criação. Exigências como as de novo registro de nascimento e mudança de prenome tendem a este fim. Preconiza-se igualmente que o processo corra em segredo de Justiça”. Finaliza o autor, em tom pessimista afirmando que “a verdade, porém, é que todas estas precauções não impedirão que o adotado venha a conhecer sua verdadeira condição”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente em sua versão originária de 1990 filiou-se à corrente que defende o processo de adoção sigiloso e a manutenção do filho na ignorância de sua situação de adotado. Tal opção do legislador tem por fundamento estreitar o máximo possível as relações entre o adotado e o adotante e sua família para a constituição de um vínculo familiar forte e seguro, como se o adotado fosse, efetivamente, o verdadeiro filho biológico.
A ruptura mal feita com a sistemática vigente pelo advento da Lei 12.010/2009, trouxe contradições ao sistema da adoção que poderiam ter sido evitadas pelo legislador.
O direito ilimitado e absoluto de o filho adotivo conhecer sua origem biológica, trazido no art. 48, conflita com os ditames do art. 47 do ECA, o qual mantém alguns mecanismos garantidores ao total sigilo em relação ao processo de adoção. No caput do art. 47, consta vedação ao fornecimento de certidão do mandado que determina a inscrição da sentença constitutiva da adoção no competente registro civil, evitando, desta maneira, o acesso de terceiros e a publicidade do ato, prevalecendo o direito ao sigilo. O § 3.º do citado art. 47, faculta ao adotante realizar o novo registro do adotado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência, não sendo mais obrigatória a lavratura do novo registro civil do adotado na comarca na qual se deu seu nascimento, tal qual previa o ECA na sua versão originária de 1990. A lavratura de novo registro de nascimento pelo adotante e a possibilidade da mudança de comarca para a lavratura deste novo registro, tem por escopo a manutenção da esfera secreta que envolve a adoção. O § 4.º do art. 47 do ECA, dispõe que “nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro”. Este dispositivo legal traz implícito o direito ao sigilo o qual ainda envolve a adoção plena, cingindo o processo com o manto do segredo familiar e profissional. Convém lembrar que os processos relacionados ao casamento, ao divórcio, à união estável, à filiação, aos alimentos, à guarda e aos menores, em geral, correm, obrigatoriamente, em segredo de justiça, ficando o acesso aos dados e peças do processo limitado às partes e aos advogados, não havendo qualquer margem para a atuação do juiz.
O regime da adoção plena, no entanto, a partir da promulgação da Lei 12.010/2009, denominada de Lei Nacional de Adoção, possibilita a desconstituição do direito ao segredo familiar e ao segredo profissional a favor do adotado, o qual poderá ter acesso ao processo de adoção e seus eventuais incidentes de modo irrestrito, e conhecer sua origem biológica e familiar.
Consoante se verifica o próprio ECA reformado pela Lei 12.010/2009, estabelece um conflito de normas. De um lado, o art. 47, preserva ao máximo o sigilo no processo de adoção e de outro, o art. 48, o qual rompe com o direito ao segredo, possibilitando ao adotado o acesso irrestritoao processo de adoção, permanecendo o direito ao segredo, tão somente, em relação aos terceiros, estranhos ao feito.
As observações críticas a estas contradições serão objeto de reflexão no capítulo que segue.
7. Crítica ao sistema brasileiro de acesso irrestrito ao processo de adoção e de conhecimento da origem biológica do adotado
Vimos anteriormente que o reconhecimento do direito ao conhecimento da própria origem genética como direito geral de personalidade e o melhor desenvolvimento teórico deste instituto, deu-se na Alemanha. O direito alemão ao admitir a existência da referida categoria preocupou-se, de imediato, com a fixação do âmbito e dos limites de atuação desta categoria jurídica. O Tribunal Constitucional Federal por sua vez, passou a entender que o conhecimento da própria origem genética constitui-se em um direito individual limitado, cuja pretensão, somente, poderá ser conhecida e provida quando a matéria posta ao seu conhecimento tratar de “casos concretos individuais, cujos interesses próprios se identifiquem com interesses humanos gerais”.40
O legislador brasileiro ao contrário do que mostra a melhor doutrina e jurisprudência estrangeira, inseriu no ECA apressada e irrefletidamente, mediante um único dispositivo legal, autorização ao filho adotivo de exercer o direito de conhecer sua origem biológica, bem como, de obter acesso irrestrito ao processo de adoção e anexos, sem se ter preocupado em trazer qualquer regulamentação pormenorizada à categoria. O legislador brasileiro inseriu o citado instituto no direito positivo na forma de cláusula geral, ampla e ilimitada, não apresentando os necessários limites de atuação nem a finalidade específica da categoria, podendo o adotado ter acesso irrestrito ao processo de adoção para conhecer sua origem biológica.
Simone F. Bochnia critica com total procedência, a inovação trazida pela Lei 12.010/2009 ao § 3.º do art. 47 da Lei 8.069/1990, o qual determina que “a pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência”.41
A inovação, segundo grande parte dos comentaristas42 ter-se-ia dado para facilitar aos adotantes, que residem em local diverso ao do registro originário do adotado, justificar ao filho o fato que seu registro ocorreu em comarca diversa da de residência de seus pais, (socioafetivos) devido à adoção, promovendo a manutenção dos segredos da origem e do nascimento da criança.
Para Andréa Maciel Pachá, Enio Gentil Vieira Junior e Francisco Oliveira Neto, “a medida é importante, pois evita que o adotante tenha que explicar para a criança ou adolescente adotado o motivo pelo qual seu registro é feito em cidade diversa daquela de residência dele e, em muitos casos, completamente fora do histórico familiar de vivência da família que o está adotando. Pelo sistema anterior, em casos de adoções feitas em cidades ou estados diferentes daquele de residência dos novos pais, a obrigatoriedade de fazer o registro na localidade onde se deu o nascimento da criança obrigava-os a contar que a mesma era adotada, decisão que deve ficar exclusivamente a cargo dos adotantes”.
Bochnia é defensora da revelação espontânea à criança de ser a mesma, filho adotivo, sendo contrária à prática do exercício do direito ao segredo familiar pelos adotantes. Para a autora, os adotantes deverão, desde logo, revelar ao adotado sua condição de filho adotivo, não devendo ser constituída nenhuma esfera secreta em torno da adoção e seu processo, devendo sempre prevalecer a verdade na história familiar. O § 3.º do art. 47 da Lei 8.069/1990, consiste, para a autora, em um mecanismo destinado aos pais para omitir a origem biológica do adotado.43
Maria Josefina Becker,44 no mesmo sentido, afirma que “em que pese à igualdade incontestável de direitos e qualificações em relação aos filhos havidos biologicamente, isto não deve significar que a construção dos vínculos familiares deva-se dar sobre a negação da verdade (…. É universalmente reconhecido que as adoções bem-sucedidas são aquelas em que os filhos adotivos conhecem suas origens desde o início, nas quais os pais são capazes de falar livremente sobre o fato”.
Segundo o entendimento acima esposado, o conteúdo do art. 48 do ECA, somente, deverá alcançar as adoções nas quais perduram os segredos familiar e profissional sobre os fatos do nascimento e da adoção, não se estendendo às adoções nas quais os fatos do nascimento e da adoção tenham sido revelados ao adotado, desde o princípio.
A amplitude ilimitada do mandamento contido no art. 48 do ECA, instituída pela Lei 12.010/2009, derroga a obrigação absoluta ao sigilo profissional e ao segredo familiar, que envolveria o processo de adoção, diante do acesso irrestrito ao processo e aos seus eventuais incidentes, outorgado ao adotado.
Os profissionais da psicologia, da sociologia e do direito, costumam justificar a negligência do legislador, no tocante à medíocre regulamentação da matéria, afirmando que, neste caso, o direito ao segredo estaria sendo, somente, substituído pelo direito à verdade e esta, se não foi revelada pelo adotante ao adotado espontaneamente, durante sua criação, poderá ser obtida compulsoriamente, mediante interposição de petição fundamentada ao juiz competente, o qual, após processamento, determinará a expedição de mandado judicial para que o adotado tenha livre acesso aos arquivos judiciais e extrajudiciais, referentes à sua adoção e à identidade de seus genitores biológicos.
Não concordamos inteiramente com o esgarçar ilimitado da verdade sobre o fato adoção, através do denominado direito ao conhecimento da própria origem biológica. Dois fatores impõem reflexões.
Primeiramente, cumpre examinar a ideologia protetiva e humanitária imprimida pelo ECA, no tocante à adoção de crianças e adolescentes e as consequências trazidas pela reforma do art. 48 do ECA.
Segundo o Estatuto, a adoção é a categoria jurídica que constitui um vínculo de parentesco civil, em linha reta, estabelecendo entre adotante e adotado uma relação de paternidade e filiação socioafetiva, a qual desfaz qualquer vínculo do adotado com os genitores biológicos, salvo os impedimentos matrimoniais.45
Inspirado nos ditames dos arts. 7.º e 8.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças de 1989,46 o ECA infundiu na adoção um mecanismo destinado a colocar as crianças e adolescentes abandonados, expostos ou cujos genitores não possuam condições psíquicas, morais ou mesmo, econômicas, no seio de uma família permanente, para propiciar aos mesmos, sua criação e seu desenvolvimento harmonioso em clima de paz, de amor e de compreensão. Trata-se de uma instituição protetiva, de caráter humanitário, que tem, por um lado, finalidade assistencial, constituindo um meio para estas crianças desenvolverem livremente sua personalidade, de constituir laços de afeto entre si e seus pais adotivos, ficando providas as necessidades morais e materiais do adotado. Por outro lado, a adoção outorga filhos àqueles que naturalmente não os puderam ter, realizando, desta maneira, o binômio paternidade/filiação. A adoção plena propõe atender o desejo da pessoa, de trazer ao seio da família uma criança ou adolescente, na qualidade de filho e proteger a infância desvalida, possibilitando ao menor abandonado ou órfão se desenvolver como membro de uma família organizada e estável, integrando-se à família do adotante como se fosse, verdadeiramente, um filho biológico, produzindo importantes reflexos no seu direito geral de personalidade, no direito geral de personalidade dos pais socioafetivos e nos direitos sucessórios. O adotado deixa de pertencer à família de seus genitores biológicos e passa a integrar a família dos pais socioafetivos.
O art. 48 do ECA, totalmente reformado pela Lei 12.010/2009, revela-se um dispositivo legal precipitado e impensado, que não traz limites nem restrições, no tocante à sua aplicabilidade, necessários à preservação do vínculo afetivo entre adotante e adotado, conduz à conclusão de que a atual legislação do Brasil,que regula a adoção, não mais considera os adotantes como se fossem os verdadeiros pais do adotado. O art. 48 do ECA, na sua redação atual, se não for cuidadosamente ponderado pelos operadores do direito, poderá provocar uma ruptura completa na filiação adotiva, desconstituindo o vínculo afetivo entre adotado e adotante, criando um total descompasso em relação aos superiores interesses e objetivos da categoria da adoção plena, que inspiraram a construção do ECA, desejados pelo direito de filiação, “operando a substituição dos pais legais por outros pais (…” (os pais naturais).47
Em segundo lugar, nem sempre o conhecimento da origem biológica do adotado se mostra salutar. Diversos casos concretos mostram quanto se torna difícil a revelação tardia ou abrupta de a pessoa ser filho adotivo e quão delicado pode se apresentar o conhecimento da verdadeira origem biológica do indivíduo na adoção.
O conhecimento da origem biológica, tão almejado pelo interessado, quando não houver o devido preparo, assistência e acompanhamento psicológico adequado, acabará por trazer-lhe decepções e traumas, exigindo enorme esforço para tentar superar os traumas que a curiosidade em conhecer sua origem biológica lhe causou. Mencionamos dois casos famosos e pontuais, os quais traduzem perfeitamente nossa preocupação com o acesso ilimitado e irrestrito pelo adotado, ao processo e às informações sobre seu nascimento, identidade dos genitores biológicos e sobre a adoção, principalmente tratando-se de indivíduo menor de idade.
O primeiro caso concreto diz respeito à adoção de uma menina, por um casal de conhecida família curitibana que não possuía filhos. Este casal tinha em sua residência uma moça que exercia a profissão de empregada doméstica. A referida moça durante o período que trabalhou na casa do casal, por cerca de três anos, teve vários namorados até que um deles a engravidou. O genitor da criança nunca casou com mãe, nem assumiu a paternidade da menina. Muito menos, contribuiu para o sustento da criança. O casal de empregadores é quem sustentava e assistia a criança junto com a mãe.
Tempos depois, a moça, mãe da criança, passou a namorar outra pessoa, saindo do emprego para viver com o novo namorado. Ao deixar a casa onde trabalhava, decidiu dar a menina em adoção para seus patrões mediante processo legal.
A criança criada como filha única, por seus pais socioafetivos, recebeu todo o afeto e amor, principalmente, uma educação esmerada. A filha esteve sempre perfeitamente integrada à sua família socioafetiva, muito amiga das primas e demais parentes. Excelente aluna frequentou os melhores colégios, formando-se em direito. Ao realizar o estágio em um escritório de advocacia, acabou, a mesma, por descobrir, ao visitar a penitenciária, seu pai biológico que ali cumpria pena sendo este um conhecido traficante. A partir de então passou a mesma a frequentar a penitenciaria com certa frequência para visitar seu pai, fazendo amizade com outros delinquentes, dos quais se tornou advogada de defesa. Na medida em que criava vínculo de afeto com o pai biológico afastava-se da família socioafetiva vindo, finalmente, a cortar totalmente os laços de afeto com estes e sair de casa para morar com seu pai biológico quando este saiu da prisão e com outro homem, de quem se tornou amante. A jovem passou a advogar para detentos relacionados ao tráfico de entorpecentes e a assaltos, mantendo, a partir deste momento, permanente vínculo com a criminalidade.
Outro caso diz respeito à uma recém nascida adotada por um casal sem filhos na Bahia. A mãe socioafetiva queria, a todo custo, vivenciar a maternidade, sendo, porém, seu marido portador de impotência generandi irreversível. Durante um veraneio em determinada praia, tomaram os adotantes conhecimento de que um casal de pescadores que já tinha oito filhos e estando a mulher novamente grávida, não desejavam o filho, pois, na sua pobreza, não tinham as mínimas condições econômicas para criar mais uma criança. Assim, foi tratada entre os casais a adoção e depois de preparados os documentos necessários à adoção, submeteram-se ao respectivo processo judicial que foi deferido, constituindo-se a adoção em meados 1991.
Ao atingir a adolescência, a adotada passou a indagar sobre seu nascimento e sobre a família dos adotantes, pois estranhava o fato de ser morena e todos os demais familiares serem claros e loiros. Por fim, acabou sabendo, por intermédio de terceiros, que era filha adotiva dos seus pais. A curiosidade em conhecer os genitores biológicos surgiu e durante as férias do mês de julho de 2009, a adotada viajou para a localidade onde supunha estarem vivendo seus pais biológicos iniciando as investigações. Descobrindo onde se localizavam os familiares biológicos a moça acabou por encontrar seus genitores.
O impacto que causou o primeiro contato foi muito grande e doloroso. A extrema pobreza em que viviam os genitores, a ignorância, o vício em bebida do pai e, principalmente, a indiferença dos mesmos em relação a ela, foi traumatizante. Seus pais biológicos haviam se esquecido de que tiveram esta filha e de que participaram de uma adoção. O mais triste foi a descoberta de que o pai que não queria mais um filho estava disposto a jogar a criança no rio, assim que nascesse.
O conhecimento da origem biológica, tão ansiado pela moça, acabou por trazer-lhe decepções e traumas. Deixou de ser a pessoa alegre e comunicativa que era, deixou de ser carinhosa com seus familiares socioafetivos, tornando-se uma pessoa triste, introspectiva e solitária. Atualmente a adotada se submete a um tratamento psicológico para tentar superar os traumas que a mera curiosidade em conhecer sua origem genética e familiar lhe causaram.
Os citados casos, entre muitos outros, não dão azo a que se afirme que o conhecimento da origem biológica realizado pelos adotados seja sempre desastroso. Em muitas hipóteses, o conhecimento da origem biológica trás ao adotado informações que lhe interessam e complementam sua história pessoal e familiar, integrando seu acervo histórico familiar.
O que não nos parece certo é a inserção na lei de uma cláusula geral de efeitos irrestritos e ilimitados no tocante ao acesso ao processo de adoção e aos fatos que cercam seu nascimento e sua origem biológica e familiar, principalmente em relação às crianças e adolescentes que ainda não possuem sua personalidade formada nem amadurecimento suficiente para compreender a magnitude da adoção e a grandiosidade do afeto dos pais socioafetivos.
O fato de muitos casos concretos, nos quais a verdade biológica da filiação foi tardiamente revelada, não dá azo a que se afirme que o conhecimento da origem biológica realizado pelos adotados seja sempre desastroso. Em muitas hipóteses, o conhecimento da origem biológica trás ao adotado informações que lhe interessam e complementam sua história pessoal e familiar, integrando seu acervo histórico familiar.
O que não nos parece certo é a inserção na lei de uma cláusula geral de efeitos irrestritos e ilimitados no tocante ao acesso ao processo de adoção e aos fatos que cercam seu nascimento e sua origem biológica e familiar, principalmente em relação às crianças e adolescentes que ainda não possuem sua personalidade formada nem amadurecimento suficiente para compreender a magnitude da adoção e a grandiosidade do afeto dos pais socioafetivos.
8. A evolução da jurisprudência no reconhecimento do direito ao conhecimento da origem biológica no brasil
O instituto da adoção na sua feição atual, principalmente no direito brasileiro, possui duas finalidades. De um lado, permitir às pessoas sem geração de perpetuar seu nome, as tradições familiares e seu patrimônio pessoal e familiar. De outro, a adoção destina-se a resolver, pelo menos em parte, o gravíssimo problema das crianças sem lar que perambulam pelas ruas do mundo em estado de abandono. Por estas razões, estabeleceu o legislador no art. 41 da Lei 8.069/1990, o ECA, que, por intermédio da adoção, rompem-se todos os vínculos do adotado com sua família originária atribuindo-lhea qualidade de filho do adotante, em idêntica situação a de um filho biológico, possuindo os mesmos direitos e deveres, inclusive os sucessórios.48
A exceção contida no artigo em comento, que diz respeito aos impedimentos para o casamento, impõe-se por razões da possibilidade de eventual casamento do adotado com parente consanguíneo, preocupando-se o legislador em manter a boa eugenia e a saúde genética da prole que eventualmente viesse a nascer.
Diante desta situação, indaga-se da possibilidade de o filho adotivo vir a conhecer sua origem biológica e familiar, sem desfazer-se a paternidade civil oriunda da adoção?
A pergunta deve ser ponderada uma vez que a adoção constitui uma paternidade civil, diversa da paternidade meramente biológica. Também se indaga se a investigação que o adotado desenvolverá para conhecer seu genitor biológico produzirá o efeito de anular o assento de nascimento originário?
A adoção possui como principal princípio informador e que sempre deve preponderar, a presença das reais vantagens da adoção para o adotando. Deve ser observado, que o vínculo familiar da adoção se origina a partir de uma sentença judicial, proferida em processo próprio, que será inscrita no registro civil, sendo a adoção irrevogável, segundo determinação do § 1.º do art. 39 do ECA. Desta maneira, em princípio, não se deverá falar em anulação do assento de nascimento, diante da verificação da verdadeira paternidade biológica do adotado, nem em desconstituição do vínculo familiar com os adotantes, em virtude de expressa vedação legal.
Na adoção, não há que se falar de existência de erro ou falsidade das declarações contidas no assento de nascimento originário. Embora venha o investigante a conhecer seu verdadeiro pai biológico, o reconhecimento do vínculo de sangue não afetará a paternidade civil e os efeitos decorrentes dos laços de família estabelecidos com os demais membros da família do adotante. O vínculo de parentesco socioafetivo civil não sofrerá ruptura nem alteração.
Em virtude deste entendimento, os tribunais brasileiros passaram, inicialmente, a negar a possibilidade de uma pessoa adotada, de acordo com o procedimento previsto na Lei 8.069/1990, e art. 1.626 do CC/2002,49 de utilizar-se da investigação de paternidade, com o objetivo de o adotado conhecer sua ascendência biológica.50 A jurisprudência dominante da época negava o direito à verificação da paternidade por filho adotivo, quer pretendesse conhecer sua verdadeira ascendência biológica, sob fundamento da impossibilidade jurídica do pedido de investigar sua paternidade biológica, tendo em vista que a adoção plena possui por efeito principal, desconstituir do e qualquer efeito jurídico em relação à filiação biológica, constituindo um novo vínculo paterno-filial com a família adotiva. Devendo, por esta razão, permanecer incólume o vínculo da filiação adotiva com a consequente estabilização do poder familiar em favor dos pais adotivos.
Ressalte-se que o processo de adoção é envolvido pelo segredo de justiça, segundo dispõem o inc. II do art. 155 do CPC. O segredo de justiça possui por principal finalidade, proteger a criança e sua nova família das estatísticas, da curiosidade, da maledicência alheia e do assédio tardio da família biológica, preservando a identidade das pessoas envolvidas no processo de adoção. Assim, o manto protetor do segredo de justiça abriga o adotado e sua família social dos olhos, dos ouvidos e da curiosidade de terceiros que não pertencem ao estrito círculo familiar. O parágrafo único do art. 155 do CPC, autoriza, apenas, às partes e seus procuradores consultar os autos do processo e solicitar certidões de seus atos. E, em relação ao adotado, poderia ele ser considerado parte no processo? A interpretação restrita da lei retiraria do adotado a qualidade de parte, pois o mesmo não obrou no processo, não sendo, na realidade, nem autor nem réu. Todavia, o adotado se qualifica como um dos principais sujeitos do processo de adoção, se não o principal, o destinatário final do processo, uma vez que o processo será sempre desenvolvido atendendo as reais vantagens e benefícios ao adotando. Por esta razão, possui o mesmo, o direito de efetuar pesquisas nos autos e conhecer os fatos que envolvem seu nascimento e sua adoção. Para aqueles que excluem o adotando da qualidade de parte e o vislumbram como terceiro juridicamente interessado, o parágrafo único do mesmo art. 155 do CPC, outorga o direito de conhecer o processo e requerer certidão do dispositivo da sentença proferida no feito de adoção. O art. 48 do ECA, segundo redação dada pela Lei 12.010/2009, reforça a legitimação do adotado de conhecer integralmente seu processo de adoção, exercendo seu direito ao conhecimento da própria origem genética e à identidade dos genitores biológicos.
O filho adotivo possui o direito de conhecer sua origem biológica e familiar, sem, no entanto, desfazer o vínculo socioafetivo oriundo da adoção. O vínculo familiar com a família biológica, porém, não se desfaz integralmente com a adoção, mantendo-se parcialmente, tendo em vista a parte final do caput do art. 41, que mantém os impedimentos matrimoniais do filho adotado com seus parentes biológicos.
Embora o vínculo do adotado com a família biológica não se desfaça integralmente, o fato de o filho adotivo vir a conhecer sua verdadeira origem genética e familiar, não conduzirá o mesmo ao direito de desconstituir ou anular o assento de nascimento, mantendo-se o vínculo familiar adotivo. Este entendimento vem sendo reiteradamente afirmado pelo STJ, no sentido de o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolver qualquer desconsideração ao mandamento disposto no art. 48 da Lei 8.069/1990. A adoção subsiste inalterada uma vez que a lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com genitores e demais parentes naturais.
Das mais significativas decisões judiciais que apreenderam o real conteúdo do direito ao conhecimento da própria origem genética no direito brasileiro, reconhecendo a existência de um vínculo socioafetivo e ao lado deste, um vínculo de sangue e da possibilidade de uma pessoa adotada vir a conhecer seus ascendentes biológicos revela-se o aresto do STJ, proferido em 2000, de autoria do Min. Eduardo Ribeiro, cuja ementa segue transcrita:
“Adoção. Investigação de paternidade. Possibilidade.
Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no art. 48 da Lei 8.069/1990. A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no art. 27 do ECA.”51
O presente aresto, proferido nove anos antes da reforma do art. 48 do ECA, pela Lei 12.010/2009, a qual introduziu no direito positivo brasileiro, a categoria jurídica do direito ao conhecimento da própria origem biológica, sufragou a presente categoria reconhecendo a possibilidade de o adotado conhecer sua origem biológica sem, no entanto, trazer qualquer alteração ao vínculo adotivo. A adoção subsiste inalterada, desconstituídos os vínculos jurídicos com os genitores e parentes, todavia persistindo os vínculos naturais.
A seguir, trazemos a ementa de um aresto do STJ proferido em 2007, o qual afirma o direito de o adotado de conhecer sua ascendência biológica, sob fundamento da existência de necessidade psicológica do indivíduo em saber da verdade biológica e ter reconhecido seu estado de filiação.
“Direito civil. Família. Investigação de paternidade. Pedido de alimentos. Assento de nascimento apenas com o nome da mãe biológica. Adoção efetivada. Unicamente por uma mulher.
– O art. 27 do ECA qualifica o reconhecimento do estado de filiação como direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, o qual pode ser exercitado por qualquerpessoa, em face dos pais ou seus herdeiros, sem restrição. – Nesses termos, não se deve impedir uma pessoa, qualquer que seja sua história de vida, tenha sido adotada ou não, de ter reconhecido o seu estado de filiação, porque subjaz a necessidade psicológica do conhecimento da verdade biológica, que deve ser respeitada. – Ao estabelecer o art. 41 do ECA que a adoção desliga o adotado de qualquer vínculo com pais ou parentes, por certo que não tem a pretensão de extinguir os laços naturais, de sangue, que perduram por expressa previsão legal no que concerne aos impedimentos matrimoniais, demonstrando, assim, que algum interesse jurídico subjaz. – O art. 27 do ECA não deve alcançar apenas aqueles que não foram adotados, porque jamais a interpretação da lei pode dar ensanchas a decisões discriminatórias, excludentes de direitos, de cunho marcadamente indisponível e de caráter personalíssimo, sobre cujo exercício não pode recair nenhuma restrição, como ocorre com o direito ao reconhecimento do estado de filiação. – Sob tal perspectiva, tampouco poder-se-á tolher ou eliminar o direito do filho de pleitear alimentos do pai assim reconhecido na investigatória, não obstante a letra do art. 41 do ECA. – Na hipótese, ressalte-se que não há vínculo anterior, com o pai biológico, para ser rompido, simplesmente porque jamais existiu tal ligação, notadamente, em momento anterior à adoção, porquanto a investigante teve anotado no assento de nascimento apenas o nome da mãe biológica e foi, posteriormente, adotada unicamente por uma mulher, razão pela qual não constou do seu registro de nascimento o nome do pai. – Recurso especial conhecido pela alínea a e provido.”52
Embora os presentes acórdãos não tenham expressamente consagrado o direito ao conhecimento da própria origem biológica como categoria jurídica autônoma, reconhecem na adoção a presença de um vínculo socioafetivo e de um vínculo biológico ou genético simultâneos e a possibilidade de o genitor biológico ser compelido a prestar alimentos ao filho genético, contudo tenha havido extinção do vínculo familiar originário, entre estes.
A regra geral esposada pela jurisprudência tem determinado que o vínculo civil entre o adotado e os pais socioafetivos tenha preeminência, perdurando, porém, o vínculo biológico. Este entendimento abre caminho para que, na hipótese de o adotante perder a capacidade de sustentar o filho adotivo ou no caso de seu falecimento precoce e diante da inexistência de outros parentes em linha reta, os genitores biológicos venham a suportar a obrigação alimentar em relação ao filho genético. Atribuir a obrigação alimentar aos parentes colaterais, por parte dos adotantes, nem sempre será justo, principalmente quando não houver vinculo de amizade ou afeto entre os parentes colaterais do adotante e o adotado. Assim, diante da existência do vínculo genético entre genitores biológicos e o filho, embora tenha o filho sido dado em adoção, caberá a estes suportar o dever de sustento do mesmo. Embora a primeira exegese dos arts. 1.694 e 1.700 do CC/2002, apontem a responsabilidade dos parentes socioafetivos pelo fornecimento de alimentos ao adotado, o rompimento do vínculo jurídico entre o filho e seus genitores biológicos não é absoluto, mantendo-se, neste caso, o vínculo iure sanguinis que é inextinguível, podendo ser exigido destes, a obrigação alimentar ao filho biológico.
O STJ ao reconhecer a permanência do vínculo de filiação natural e o direito de o filho adotado de pedir alimentos ao genitor biológico, mesmo antes da reforma do ECA pela Lei 12.010/2009, dá um novo e amplo entendimento ao art. 41 do Estatuto.
O recente acórdão do STJ, proferido em 2013, confirma o citado entendimento, em ação intentada por uma moça que havia sido adotada e que pretendia conhecer sua paternidade biológica, consoante se vislumbra na seguinte ementa:
“Direito de família. Recurso especial. Ação investigatória de paternidade e maternidade ajuizada pela filha. Ocorrência da chamada ‘adoção à brasileira’. Rompimento dos vínculos civis decorrentes da filiação biológica. Não ocorrência. Paternidade e maternidade reconhecidos.
1. A tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto. É que, em diversos precedentes desta Corte, a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica foi proclamada em um contexto de ação negatória de paternidade ajuizada pelo pai registral (ou por terceiros), situação bem diversa da que ocorre quando o filho registral é quem busca sua paternidade biológica, sobretudo no cenário da chamada ‘adoção à brasileira’.
2. De fato, é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, a assertiva seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva. No caso de ser o filho – o maior interessado na manutenção do vínculo civil resultante do liame socioafetivo – quem vindica estado contrário ao que consta no registro civil, socorre-lhe a existência de ‘erro ou falsidade’ (art. 1.604 do CC/2002) para os quais não contribuiu. Afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de ‘adoção à brasileira’, significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei.
3. A paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada ‘adoção à brasileira’, independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram. E, do mesmo modo, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo, no caso, haver equiparação entre a adoção regular e a chamada ‘adoção à brasileira’.
4. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido deduzido pela autora relativamente ao reconhecimento da paternidade e maternidade, com todos os consectários legais, determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que figurem os réus como pais da requerente.”53
Nos fundamentos do presente aresto, afirma o ministro relator, haver possibilidade, em ação de investigação de paternidade, na qual se pretende reconhecer a paternidade biológica, de impugnar o registro de nascimento feito por pais casados, não incidindo na espécie, o prazo prescricional de quatro anos, previsto no art. 1.614 do CC/2002.54 Assim, a pretensão poderá ser ajuizada a qualquer tempo, visto que se busca no caso, a prova de filiação. Será aplicável o disposto no art. 1.606 do CC/2002, o qual assegura ao filho o direito de propor a correspondente ação de prova de filiação, enquanto viver.55
Tratando-se de caso de “adoção à brasileira”, tal qual constitui a espécie em análise, entende o STJ que caberá anulação do registro civil atual para a constituição de outro registro em que figurem os pais biológicos. O fato de alguém registrar como seu o filho de outra pessoa, comete o delito de falsa declaração de paternidade ou maternidade, previsto no art. 242 do CP, ficando sujeito à anulação do registro e desconstituição do vínculo de filiação.
Constituindo-se a paternidade em um dado objetivo, o qual é determinado, em regra, pelo critério sanguíneo, consistindo em um direito derivado diretamente da filiação e seu reconhecimento, quando buscado pelo filho, poderá se dar, segundo ditames do art. 1.606 do CC/2002, quando provado pelo filho, já que não depende de considerações de ordem moral e subjetiva.
9. Limitações ao exercício do direito ao conhecimento da origem biológica decorrentes de construção jurisprudencial
Consoante afirmamos no início do presente trabalho, o legislador brasileiro reformou o art. 48 do ECA, estabelecendo uma cláusula geral, ilimitada, através da qual o adotado possui o direito de conhecer sua ascendência biológica e obter acesso irrestrito às informações, documentos

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