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1 SANÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Referência: Livro do Portela (material base) André de Carvalho Ramos Livro Hidelbrando Aciolly Valério Mazzuoli 1. INTRODUÇÃO O Direito Internacional Público é frequentemente associado a dificuldades referentes à eficácia de suas normas. Efetivamente, a aplicação das normas internacionais é peculiar, em vista de fatores como a complexidade da sociedade internacional, a inexistência de um poder mundial que, a exemplo do Estado, esteja encarregado de impor a observância dos dispositivos de Direito das Gentes, e a circunstância de que os mecanismos internacionais de solução de controvérsias nem sempre têm jurisdição automática sobre os Estados, dependendo destes para existir e de sua anuência para julgá- los. Entretanto, isso não significa que o DI não disponha de meios que permitam que os violadores das normas internacionais respondam pelos ilícitos que cometam. (Portela, 2015) Mazzuoli define (2015) a responsabilidade internacional como o instituto que visa - a responsabilizar determinado Estado - pela prática de um ato atentatório ao Direito Internacional (ilícito) - perpetrado contra outro Estrado, - prevendo certa reparação a este último pelos prejuízos e gravames que injustamente sofreu. Obs.: O direito internacional admite a responsabilidade por fato de terceiro. Portanto, tem-se que a responsabilidade internacional do Estado é o processo de atribuição de determinadas consequências jurídicas ao ato de um Estado quando tal ato é tido pela sociedade internacional como ilícito, ou seja, não conforme às normas de direito internacional, sejam elas consuetudinárias ou convencionais. Consoante ensina Malcolm Shaw, as características essenciais da responsabilidade internacional do Estado dependem dos seguintes fatores: 2 • a existência de uma obrigação jurídica internacional em vigor entre dois Estados determinados; • que tenha ocorrido um ATO ou OMISSÃO que viole essa obrigação e seja imputado ao Estado responsável; • que tenha resultado perda ou dano desse ato ou omissão ilegal. Não obstante a importância desse assunto para as relações internacionais (ou até mesmo por isso), a sociedade internacional ainda hoje não chegou ao estágio de codificar as regras que devem reger o processo de responsabilização dos Estados por ilícitos internacionais, o que vem impedindo a sistematização de dispositivos que serviriam para resolver recorrentes conflitos internacionais. Entretanto, há diversos estudos e propostas de convenções internacionais para tratar do tema, sendo o mais conhecido deles os “Draft Articles on responsibility of States for internationally wrongful acts”, que vem a ser um material elaborado pela Comissão de Direito Internacional da ONU. Responsabilidade primária e secundária: A abordagem do tema da responsabilidade internacional do Estado passa necessariamente pela análise de dois planos normativos: o das normas que estatuem as chamadas obrigações primárias e o das normas que prescrevem as denominadas obrigações secundárias. As obrigações primárias decorrem diretamente de um determinado vínculo jurídico que impõe a realização ou abstenção de uma conduta. Em havendo a violação de norma dessa espécie, surge para o Estado violador uma obrigação secundária decorrente de sua conduta internacionalmente ilícita, a qual, por sua vez, pode assumir diferentes modalidades, como o dever de REPARAÇÃO, SATISFAÇÃO ou INDENIZAÇÃO. Segundo André de Carvalho Ramos, “as normas primárias de direito internacional representam as regras de conduta, que, se violadas, fazem nascer as obrigações secundárias. As normas primárias contêm regras de conduta impostas aos Estados e as secundárias visam determinar quando se dá o descumprimento da obrigação internacional e as consequências desse descumprimento” Qual é o fundamento para a responsabilidade internacional? Segundo André de Carvalho Ramos, os fundamentos são a igualdade soberana e a juridicidade das normas internacionais 3 Igualdade soberana pois, Se não existir a responsabilização, o infrator terá uma posição juridicamente superior aos demais membros da comunidade internacional, já que ele estaria violando uma norma de Direito internacional e ficando impune. Outro ponto que vale a pena debatermos é justamente que se a responsabilidade internacional não existisse a própria juridicidade das normas internacionais seria abalada. Se você viola uma norma e nada acontece, na verdade essa norma não é vinculante, é apenas uma exortação, um conselho. E isso indica, portanto, a importância da responsabilidade internacional. Portela, por sua vez, aponta como fundamento dois pilares: o dever de cumprir as obrigações internacionais livremente avençadas e a obrigação de não causar dano a outrem. A responsabilidade internacional visa, portanto, a contribuir para a aplicação prática das normas internacionais e a promover a eventual reparação dos prejuízos sofridos pelos sujeitos de Direito Internacional. A responsabilidade internacional se aplica à Organizações Internacionais? SIM. A responsabilidade, hoje, também atinge as organizações internacionais, como definiu a Corte Internacional de Justiça no parecer relativo ao assassinato do mediador da ONU no Oriente Médio, Folke Bernadotte (CASO BERNADOTTE), em que ficou definido que aquela Organização fazia jus a uma reparação adequada por danos infligidos por outro Estado. Então, a responsabilidade é ampla o suficiente para abarcar tanto os ESTADOS quanto às ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS, os dois sujeitos de Direito internacional mais comuns que temos na sociedade internacional. Histórico da responsabilização: No passado, especialmente no século XIX, houve quem discutisse a juridicidade da matéria. Diziam que o Direito internacional não seria Direito. Eram os chamados negacionistas do Direito internacional, que defendiam a inexistência de força vinculante das normas internacionais, uma vez que os sistemas de responsabilidade e coerção eram extremamente precários. Kelsen afirmava, nos anos 50 do século passado, que o Direito internacional seria um Direito primitivo, não seria um Direito como os outros, por que lhe faltaria a força cogente. Cada vez mais isso é algo que não se sustenta. Não precisamos divagar muito para percebermos que, em primeiro lugar, a inefetividade de normas não é uma característica unicamente do Direito internacional. No Brasil, temos diversos problemas com o Direito penal, processual etc. Em segundo lugar, quando existe violação das normas de direito internacional, em geral os faltosos, os infratores, alegam que estão cumprindo de acordo com a sua 4 peculiar ótica. Por exemplo, quando a Rússia anexou a Criméia, ela não alegou que não tem que respeitar a integridade territorial da Ucrânia, na verdade, ela fundamentou no Direito internacional, mais precisamente na autodeterminação da Criméia, ou seja, o Direito internacional reconhece a autodeterminação do povo da Criméia. E isso se aplica aos EUA também. Quando os EUA bombardearam a pequena ilha de Grenada e a invadiram, o presidente Reagan não falava que o uso da força estaria proibido no Direito internacional e que essa norma estaria afastada pelos EUA. Na verdade, eles justificaram o uso abusivo da força, alegando que era legítima defesa ideológica. E a pequena ilha do caribe foi bombardeada. Os negacionistas estão em franca decadência. Teorias acerca da natureza jurídica da responsabilidade internacional: Segundo Portela (2015), existem três teorias: a teoria subjetivista, a objetivista e a mista. A teoria subjetivista, ou teoria da culpa, formulada por Grócio, leva em conta a CONDUTA do Estado ou do organismo internacional para definir sua eventual responsabilização, entendendo que, para que se configure a responsabilidade internacional,não basta a mera configuração do ilícito exigindo-se também que haja dolo ou culpa na ação ou omissão do sujeito de Direito das Gentes. A teoria objetivista, ou teoria do risco, defende que a responsabilidade internacional emerge a partir da mera ocorrência de um dano que seja diretamente decorrente da violação de uma norma internacional, não levando em consideração o dolo, a culpa ou qualquer outro motivo pelo qual o sujeito de Direito Internacional violou o preceito. Para essa teoria, exige-se meramente o nexo causal entre o ato ilícito e a lesão daí decorrente. Os principais expoentes da teoria do risco (objetivista) são Triepel e Anzilotti e, no Brasil, Rezek, para quem não cabe perquirir a culpa subjetiva para que se apure a responsabilidade internacional de um ente estatal, bastando a “afronta a uma norma de direito das gentes, e que daí tenha resultado para outro Estado ou organização”. É a teoria empregada no tocante à responsabilidade por ATO LÍCITO, ligados, por exemplo, à exploração espacial, ao emprego da energia nuclear e a proteção do meio ambiente. A teoria mista, defendida por Strupp, entende que, quando houver OMISSÃO DO ESTADO ou da Organização internacional, deve ser verificada a existência de culpa, na modalidade de negligência, para que se configure a responsabilidade internacional. Por outro lado, nos atos COMISSIVOS dos entes estatais e OI’s, basta haver um liame entre conduta e o prejuízo. 5 2. CLASSIFICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE Podemos dividir a responsabilidade em virtude de alguns critérios importantes. Em primeiro lugar, a responsabilidade pode ser dividida tendo em vista a posição do Estado – responsabilidade internacional direta e responsabilidade internacional indireta. Responsabilidade internacional direta: é aquela que nasce imediatamente das relações interestatais. Então, um Estado alega que o outro Estado descumpriu normas em relação a ele. Responsabilidade internacional indireta: É aquela que nasce depois de uma etapa anterior, na qual NÃO há uma relação direta entre um Estado e outro, mas sim entre o indivíduo e o Estado. Nasce a responsabilidade internacional indireta, que é conhecida por nós como proteção diplomática. O Estado se responsabiliza por um evento que não é inicialmente no plano internacional, mas no plano doméstico. Há um mecanismo, que é o endosso, que transforma esse litígio inicialmente doméstico, em um litígio internacional. É corrente falar também em responsabilidade direta e responsabilidade indireta, dizendo-se que a primeira deriva de atos do próprio governo ou de seus agentes, e que a segunda resulta de atos praticados por simples particulares, mas de maneira que possa ser imputável ao governo. Essa distinção, porém, é antes teórica do que prática. (ACCIOLY, 2012) Também é possível classificar a responsabilidade pelo tipo de ato: responsabilidade por ato comissivo e por ato omissivo. A responsabilidade pode ser comissional (comissão) quando decorrer da prática de um ato ilícito, ou omissional (omissão) quando o Estado ou o organismo internacional deixar de cumprir uma obrigação com qual tenha se comprometido internacionalmente. (Portela, 2015) E finalmente, alguns entendem que é possível diferenciar responsabilidade pela gravidade da conduta do Estado. Nasce a responsabilidade por crime internacional do estado. A responsabilidade pode ser convencional, quando resultar da violação de um tratado, ou delituosa, quando é consequência da transgressão de um costume. Por fim, a responsabilidade decorre, em regra, de atos ilícitos, mas pode também ser consequência de atos lícitos. Como caiu em prova: QUESTÃO TRF5: A responsabilidade de um sujeito de direito internacional decorre, necessariamente, de atos ilícitos. 6 Errado. 3. TEORIA DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL 3.1 Elementos Fato internacionalmente ilícito: Esse fato tem dois elementos: objetivo e subjetivo. Qual é o elemento objetivo? É a própria conduta que, depois, será imputada ao Estado. E o subjetivo? O elemento subjetivo é quem realizou a conduta. ATENÇÃO! O fato de o ato ilícito à luz do DI estar em conformidade com o Direito Interno do Estado NÃO exclui a transgressão e, portanto, a responsabilidade estatal, a teor da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, que dispõe que “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado” (art. 27). Além disso, compõe o fato internacionalmente ilícito, chamada imputação da conduta lesiva ao Estado (que pode ser também a organização internacional). É feita uma imputação da conduta ao próprio Estado ou à Organização internacional. Essa imputação é uma operação normativa, não é uma operação naturalística. A imputabilidade resulta, naturalmente, de ato ou omissão que possam ser atribuídos ao estado, em decorrência de comportamento deste. Nessa categoria estão apenas os atos ou as omissões de indivíduos que o representem. Mas como a imputabilidade exige certo nexo jurídico entre o agente do dano e o estado, é preciso que o agente tenha praticado o ato na qualidade oficial de órgão do estado ou com os meios de que dispõe em virtude de tal qualidade. (Accioly) O Direito internacional admite rompimento do nexo causal? 7 SIM. Admite, por exemplo, força maior, caso fortuito. Um evento imprevisto ou irresistível é admitido pelo Direito internacional para romper o nexo causal. O Direito Internacional admite também alegações de legítima defesa (contramedidas, por exemplo). O exercício da legítima defesa tem uma função protetora, punitiva e reparadora, estando voltado a interromper o ataque, a punir o agressor e a reparar o dano causado. No entanto, os atos de legítima defesa devem ser proporcionais à agressão ou ao perigo e devem ser praticados apenas até que o Conselho de Segurança tome as medidas necessárias para a manutenção ou restauração da paz. E o Direito internacional também admite o Estado de necessidade, ou seja, quando, em nome de um valor superior, é violada determinada norma internacional. Mas o Direito internacional admite que apesar de a conduta ser lícita, HÁ O DEVER DE REPARAR. O Estado de necessidade, portanto, NÃO elimina o dever de reparação. Voltando aos elementos, vimos que o fato internacionalmente ilícito tem o seu elemento objetivo (conduta) e o elemento subjetivo (quem). E depois temos o terceiro componente do fato internacionalmente ilícito, que é a imputação da conduta ao Estado. Então, esse fato não pode ser desconectado com o Estado. Além desses componentes, Portela (2015) aponta o dano. O dano é o prejuízo, decorrente de um ato ilícito, causado a outro Estado, a organização internacional ou a pessoa protegida pelo ente estatal ou organismo internacional. O dano pode ser material ou moral e pode ou não ter expressão econômica. Pode atingir a honra e a dignidade do Estado, seu território, seus bens etc. O dano pode ser, inclusive, imaterial. O Direito internacional não exige que o dano seja material apenas. O dano imaterial é o dano ao chamado patrimônio imaterial, inclusive do Estado. São danos que não geram consequências materiais. Um dano que é muito comum na prática internacional é a violação da integridade territorial. Por exemplo, se um avião militar brasileiro invade o espaço aéreo colombiano, o Brasil violou o Direito internacional. Qual é o impacto do dano material e do dano imaterial na teoria geral da responsabilidade? O impacto é na reparação. Veremos a teoria geral da responsabilidade em três momentos: teoria geral, reparação e sanção. O tipo de reparação tem um vínculo com o tipo de dano. O dano imaterial em geral é reparado pelo pedido de desculpas e pela garantia de não repetição. Por exemplo, “aceito as desculpas pela violação do meu espaço aéreo,mas exijo que isso nunca mais aconteça”. 8 Quais são os atos comissivos ou omissivos que são imputados aos estados? Como já afirmado anteriormente, a responsabilidade internacional pode ser: • Direta: decorre de atos do Poder Executivo do Estado, de seus órgãos ou de seus funcionários ou, ainda, de particulares que exercem atividades em nome do ente estatal. • Indireta: decorre de ações ou omissões de pessoas naturais ou jurídicas protegidas por um Estado, ainda que resultem de violação das próprias normas de direito interno. Analisando os precedentes arbitrais e judiciais do século XIX (arbitrais) e do século XX (arbitrais e judiciais), chegamos as seguintes conclusões. Primeiro - Ato do poder Executivo vincula, é imputável ao Estado. Por quê? O Direito internacional considera que o agente que atua no Poder Executivo vincula o próprio Estado. O Direito internacional afirma que cabe ao Estado agir para evitar o ato ultra vires. Por exemplo, um caso típico que aconteceu na comissão de repartição de danos entre México e EUA. Havia muitos problemas na fronteira entre os EUA e México, muitos proprietários norte-americanos residentes no México tiveram seus direitos violados por vários atos. Foi um caso envolvendo lesões corporais e o México alegou que não havia dado ordens para que seus funcionários ferissem os americanos. Não dá para acolher essa alegação porque os estados têm o dever de vigiar e escolher bem. Então, seja por culpa in vigilando ou in elegendo, o Estado responde. Portanto, a alegação de ato ultra vires no Direito internacional não prospera. Segundo – ato do Poder Legislativo – o Estado responde, inclusive por ato do Poder constituinte originário. Terceiro – atos do Poder judiciário – o Estado também responde. Aqui nasce a chamada deneração de justiça, que tem dois ângulos, ela pode ser em virtude da delonga, não há uma decisão, ferindo-se o Direito internacional, mas pode ser também o caso de uma decisão injusta. O Direito internacional entende que o Poder judiciário é parte do Estado. Quarto – ato de particular – a doutrina muito mal analisa o ato de particular. Em geral o ato de particular não vincula o estado. Entretanto, é possível que o Estado responda pelo ato do particular caso, no contexto de a conduta violar seus deveres de PREVENÇÃO e REPRESSÃO. É um pouco capcioso. O Estado não responde pelo ato do particular. Ele responde pela sua própria conduta no contexto do 9 ato do particular. Por exemplo: Estado que concorda com ações de seus nacionais que configuram ilícitos internacionais ou que se omite frente a tais atos. Veremos que há normas primárias de Direito internacional que exigem repressão – são os mandados de criminalização. Temos diversos tratados que estabelecem deveres de criminalização de condutas do Estado. Só assim podemos entender por que o Brasil foi responsabilizado pela COMISSÃO INTERAMERICANA pelo CASO MARIA DA PENHA. O caso Maria da Penha vem da Convenção de Direitos humanos e é fruto da Convenção de Belém do Pará. A Convenção de Belém do Pará estabelece um mandado de criminalização. O Brasil tem que prevenir e reprimir a violência doméstica. Quem atirou e tentou eletrocutar a senhora Maria da Penha? O marido, ou seja, um particular. E por que o Brasil foi responsabilizado no caso? Pela OMISSÃO na repressão. Houve tentativa de homicídio e ele quase prescreveu. O Brasil responde por ato do Poder judiciário também e nesse caso houve omissão do Judiciário. O CASO DAMIÃO XIMENES é o mesmo problema. É um caso da CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. O Damião Ximenes foi assassinado em uma clínica de repouso paga com dinheiro público (clínica do SUS). Então, além da omissão na repressão, havia também o dever de prevenção, era uma clínica do SUS. E se comprovou que o SUS não exercia qualquer vigilância preventiva em relação ao que estava ocorrendo nessas clínicas de repouso. E quanto ao ato do ente federado? O Brasil também responde por atos do ente federado. O Brasil pode ter normas primárias que o desonerem, mas isso não é comum. Em geral, o Brasil não consegue emplacar a chamada cláusula federal. O que vem a ser “cláusula federal”? Dispositivo inserido em tratados que desonera o estado federal de implementar os comandos do tratado perante os seus entes federados. A cláusula federal é uma bofetada na cara dos demais estados. Quem vai querer celebrar tratado com Estado federal que tem essa cláusula? Nunca vai haver certeza se a contraprestação vai ser cumprida. Então, a cláusula federal tem que estar expressa, obviamente. É um problema do Estado federal que celebrou um tratado que não podia cumprir. É novamente o problema da falta de reflexão antes de celebrar o tratado. 10 O Brasil é um Estado federal e sempre que celebra um tratado, ele o faz para todos os entes federados. Isso já foi muito discutido. Vimos na questão dos tratados tributários que quem celebra tratado no Brasil não é a União, mas sim o Brasil, a República federativa do Brasil. Então, vincula o Maranhão, vincula SP, vincula todo mundo, INDEPENDENTE DA VEDAÇÃO À ISENÇÃO HETERÔNOMA, norma de direito interno. A Convenção Americana nos Estados Federais A respeito da cláusula federal da Convenção Americana estabelece: "Artigo 28. 1. Quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado Federal, o governo nacional do aludido Estado Parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E JUDICIAL. 2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinentes, em conformidade com a sua constituição e suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta convenção. 3. Quando dois ou mais Estados Partes decidirem constituir entre eles uma federação ou outro tipo de associação, diligenciarão no sentido de que o pacto comunitário respectivo contenha as disposições necessárias para que continuem sendo efetivas no novo Estado assim organizado as normas presentes da convenção. Há países que já tentaram muitas vezes amparar-se em suas estruturas de Estados Federais para justificar o não cumprimento de suas obrigações internacionais. Daí, tal cláusula ter sido classificada como um "anacronismo", que gera dificuldades que ainda não foram solucionadas pelos órgãos do sistema. Os Estados são livres e soberanos para adotar a forma federal, unitária ou a que decidam como pertinente. Entretanto, não devem violar a Convenção amparando-se em sua forma federal de governo. A Corte já dispôs ao referir-se ao artigo 1.1 que a obrigação de garantia implica no dever dos Estados Partes de organizarem em todas as estruturas através das quais se manifesta o exercício do poder público sejam federais ou locais - e acrescentamos - de forma tal que sejam capazes juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. A partir desta perspectiva, considera-se que a Convenção Americana estabelece como deveres fundamentais a cargo dos Estados Partes, como é o caso do Brasil, os de respeito e garantia do pleno 11 exercício dos direitos humanos nela reconhecidos (art. 1.1). Adicionalmente coloca para os Estados Partes com organização federal, como é o caso do Brasil, a obrigação de adotar as disposições de direito interno pertinentes necessárias para cumprir tais deveres (art. 2 e art. 28.3). Assim é pertinente considerar o disposto pela Comissão no seu informe no 8/91, caso no 10.180, contra o Estado do México: "... o artigo 28.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, reconhecendo e respeitando cada sistema federal em particular requer que o governocentral adote as medidas que permitirão às autoridades das entidades componentes da Federação alcançar "o cumprimento desta Convenção". Esta norma permite aos Estados Partes organizados em um regime federal assegurar o total cumprimento da Convenção no marco de seu sistema federal." Efetivamente, temos tido cada vez mais processos internacionais contra o Brasil com base em ato de ente federado. Por exemplo, temos os casos da Fundação para o bem-estar do menor, antiga FEBEM, hoje chamada de Fundação Casa. Há diversos casos de tortura. São atos de ente federado, mas não importa, O BRASIL RESPONDE. Por fim, no que se refere à responsabilidade estatal por atos praticados por forças envolvidas em guerras civis ou por revolucionários, o tema é polêmico. O ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO é o de que o Estado deve ser responsabilizado pelas ações de grupos de revolucionários quando tiver concorrido para a ocorrência do conflito ou quando tiver faltado com a diligência devida para impedir ou reprimir o fato. Ressalte-se, entretanto, que o reconhecimento do caráter de beligerante ou de insurgente de um movimento revolucionário por parte do Estado que tenha sofrido o dano exclui a responsabilidade do Estado onde atua esse movimento, a qual passa a recair sobre o beligerante ou insurgente. Caso os revoltosos assumam o governo, a responsabilidade passa a caber ao Estado. 3.2 Responsabilidade por abuso de direito Apenas parte da doutrina admite a responsabilização por tal motivo, em razão da sua imprecisão e pela pouca menção a respeito nos tratados e na jurisprudência internacional, o que poderia gerar uma maior insegurança às relações internacionais. O abuso de direito consiste, fundamentalmente, no exercício do direito de modo contrário à sua finalidade social, que cause um dano a outrem. A noção do instituto é controversa na doutrina, existindo várias ideias a respeito, por exemplo: intenção de prejudicar a outrem; desvio da finalidade do direito; ato contrário à consciência jurídica da comunidade; exercício antissocial do direito. 12 O abuso de direito configura-se a partir da reunião dos seguintes elementos, quais sejam: i) exercício de um direito; ii) abuso no modo pelo qual é exercido; iii) prejuízo para terceiros. O direito internacional tende a acolher a ideia de abuso de direito, que permite que a norma não se desvincule da necessidade de resguardar os direitos e liberdades das demais pessoas e de haja o necessário equilíbrio entre interesses individuais e sociais, bem como de que sejam resguardados bens jurídicos de incontestável valia na atualidade, como a dignidade humana. 3.3. Responsabilidade e solução pacífica de controvérsias Temos o problema da determinação da responsabilidade. Como determinar que um Estado realmente violou o Direito internacional? Modos de determinação da responsabilidade: Modo unilateral – iudex in causa sua – esse é o modo mais comum. É quando o Estado lesionado exige reparação do Estado infrator. Qual é o problema desse modo unilateral? Em nome da igualdade soberana pode ser que o outro Estado infrator não aceite. O Estado infrator rechaça, afirma que não violou o Direito internacional. Isso gera um impasse. Esse impasse é conhecido como “guerra de sanção”. Por quê? O próximo passo é o Estado lesado sancionar o Estado infrator. Mas o Estado infrator não reconhece que violou Direito internacional, então ele vai receber a sanção como sendo algo indevido. Ele vai alegar violação ao Direito internacional pelo Estado pretensamente lesado. Com isso há uma guerra de sanção. Toda vez que é aplicada uma sanção e o Estado é inocente, há violação ao Direito internacional. Por exemplo, no congelamento de haveres, nos embargos, etc., e isso só é devido se o Estado pretensamente infrator de fato tiver violado o Direito internacional. Modo coletivo – existência de terceiros para avaliar a responsabilidade internacional. Nesse caso rompe-se o iudex in causa sua. Quais são os principais modos coletivos? Há diversas formas de intervenção de terceiros para determinar a responsabilidade internacional. 13 Pode ser por meio de mediação, conciliação e pode ser pelos chamados métodos jurídicos, tais como a arbitragem. Mediação - Os terceiros não fornecem uma solução, eles simplesmente tentam aproximar, mostrar que os pontos não são tão divergentes. Esse é um meio político. Conciliação – aqui os terceiros apresentam uma solução que não é vinculante. O conciliador apresenta uma solução, mas não a implementa. Esse também é um meio político. Arbitragem e tribunais internacionais – aqui temos o típico caso de gramática dos direitos. Não é meio político. Aqui temos um modo jurídico. Qual a diferença entre arbitragem e tribunais penais internacionais? A arbitragem existe desde o século XVIII no Direito internacional. Consiste na intervenção de terceiro, que é escolhido com a confiança das partes para dirimir a controvérsia (que no caso é a determinação da responsabilidade internacional). A decisão é vinculante. Existem vários tipos de arbitragem, mas podemos dizer que a arbitragem pode ser ad hoc (para o caso) ou arbitragem institucional. A grande vantagem da arbitragem é que ela é barata e célere. Ela não exige grandes investimentos. A grande desvantagem é que ela NÃO gera jurisprudência constante, não fornece segurança jurídica. Há muita dificuldade em se estabelecer a segurança jurídica usando a arbitragem. Se os litígios são em sequência, litígios de massa, se há uma sensação de que determinado tratado vai gerar muitos litígios, é melhor ter um tribunal ou então uma solução mista (adotada por órgãos quase judiciais, mas com uma permanência prolatada no tempo. Por exemplo, uma Comissão Mista de Reclamação. Aconteceu, por exemplo, depois da queda do Reza Shah Pahlavi no Irã, em 1979, na chamada revolução islâmica, quando ocorreram milhares de problemas envolvendo o Irã e EUA. Foram alguns problemas graves de empresas norte-americanas que perderam dinheiro no Irã e outros casos banais. Houve um precedente em que um norte-americano correu para o aeroporto para voltar para os EUA e o funcionário da empresa aérea pediu propina. Ele então pagou a propina e embarcou. Quando os EUA e o Irão, nos anos 80, entraram em um mínimo de acordo para tentar resolver as suas questões (os EUA haviam congelado os haveres do governo iraniano em bancos norte-americanos), montaram uma comissão mista de reclamações. Eram dois árbitros, um de cada lado e esses dois árbitros indicavam o terceiro. Tudo era resolvido no “dois ou um” sempre. Mas nesse caso foi unanimidade, porque quando o Executivo quis cobrar do governo iraniano à propina, 14 entendeu-se que era um ato de particular, não imputado ao governo iraniano. Pelo menos isso o governo iraniano não teve que indenizar. Então, a arbitragem não é ideal para litígios em sequência, litígios de massa, e não é ideal para gerar uma segurança jurídica ao longo do tempo. Por isso as críticas envolvendo o MERCOSUL. E aqui vamos ver a determinação coletiva da responsabilidade, que favoreceu muito à gramática dos direitos. Relativamente àquela parte introdutória de atos imputados ao Estado, temos as chamadas excludentes de responsabilidade, que são aferidas em uma gramática de Direitos, não por critérios políticos. Quais são as excludentes de responsabilidade? Como já mencionado, temos o caso fortuito e a força maior. O Direito internacional trata igualmente os eventos imprevisíveis ou os eventos previsíveis, porem irresistíveis, que rompem o nexo causal. Temos também a legítima defesa, que rompe a ilicitude do fato. A legítima defesa é uma conduta lícita. Também o estado de necessidade é lícito, porém exige indenização, reparação dos danos. E temos também a ausência de imputação do ato ao Estado. Aqui está muitoda defesa brasileira nos casos de responsabilidade internacional por violação de Direitos Humanos. Hoje temos cerca de 200 casos contra o Brasil na comissão interamericana. O Brasil sempre alega que esses atos não são atos imputáveis ao Brasil. Nesse ponto, atenção, ato de particular pode sim gerar a responsabilização do Estado (dever de prevenção e reparação). E quanto ao ato do Poder público, temos que lembrar que o Estado é uno, não cabe ao Estado alegar, portanto, separação de poderes, federalismo, coisa julgada. Isso tudo é absolutamente pacífico no Direito internacional. No caso Gomes Lund o Estado brasileiro tentou essas alegações e só ganhou experiência. Não adianta também alegar que o ato é imputado ao governo do maranhão, por exemplo, porque o Estado é uno perante o Direito internacional. Não pode também o Estado alegar, na defesa de um ato do Judiciário, que o Judiciário é independente, alegar separação de poderes. Isso não é uma quebra de imputação reconhecida como legítima. EXTRA Gomes Lund e outros (Caso Guerrilha do Araguaia: procedência) A Corte determinou que o Estado realizasse uma série de medidas para reparação dos danos causados, dentre elas promover todos os esforços para determinar o paradeiro das pessoas desaparecidas e ainda investigar, processar e punir, no foro criminal comum (e não na justiça militar), os responsáveis pelas 15 graves violações de direitos humanos na ditadura militar. A Corte declarou a anistia aos agentes da ditadura militar incompatível com a Convenção. O julgamento da Corte representou importante contribuição no tratamento do caso de desaparecimento forçado de pessoas em período de regime militar, em benefício dos familiares dos desaparecidos. Novamente, a Corte IDH enfatizou o direito à justiça e à verdade, exigindo punições penais aos violadores de direitos humanos. Também enfatizou que o controle de convencionalidade internacional deve ser respeitado, tendo considerado inconvencional a Lei da Anistia. 3.4. Responsabilidade e seus tipos Temos a Responsabilidade por culpa objetiva e absoluta. O que é a responsabilidade por culpa? É aquela na qual se investiga como elemento da responsabilidade, o estado anímico do agente. E quanto à responsabilidade objetiva? Quando vimos os elementos da responsabilidade internacional, não falamos do estado anímico do agente. Em geral a responsabilidade internacional do Estado é objetiva, NÃO precisa investigar o estado anímico do agente. Além disso, a partir da responsabilidade objetiva os Estados devem indenizar os prejuízos eventualmente causados por suas ações e omissões, ainda que para tais danos não tenham concorrido Coisa diferente é o termo “responsabilidade internacional absoluta”, que é aquela que não permite alegação de excludente. Mesmo ocorrendo força maior ou caso fortuito, o Estado tem que reparar. É muito raro e só é aceita nos fatos considerados extremamente perigosos. Temos aqui a responsabilidade do Estado lançador de objetos para a exploração do espaço, ele responde com base na responsabilidade internacional absoluta. O Estado não pode alegar caso fortuito e força maior se um satélite cai na terra e causa danos, justamente porque é uma atividade intrinsecamente perigosa, com inúmeras variáveis. O Estado sempre vai responder nesses casos. Eu entendo que o direito internacional do meio ambiente caminha para a responsabilidade internacional absoluta. No Brasil nós costumamos dizer que quem tem o bônus arca com o ônus. Então, 16 quem tem o bônus de energia nuclear, por exemplo, nem se existir um raio em céu azul que faça a usina explodir, ficará o Estado isento de responsabilidade. Como caiu em prova: QUESTÃO CESPE AGU (2004): O regime jurídico preponderante no sistema internacional de responsabilidade por danos ambientais, previsto nas principais convenções internacionais relativas ao tema, é o da responsabilidade objetiva. Certo. QUESTÃO CESPE: Entre os danos ambientais transfronteiriços, apenas aqueles causados por atividades de risco proibidas pelo direito internacional geram para as vítimas direito de reparação dos prejuízos. Errado. A resp. é objetiva. 3.5 Reparação Diante do dano causado pelo ato ilícito, o Estado ou a organização internacional que tenha violado norma internacional deve oferecer a reparação correspondente ao ente estatal ou ao organismo prejudicado. Sendo assim, a reparação consiste no conjunto de medidas adotadas para eliminar as consequências oriundas da violação prévia da norma internacional. Temos aqui uma série de medidas capazes de eliminar os efeitos deletérios oriundos da violação da norma internacional. A reparação pode ou não ter expressão econômica. Em qualquer caso, a reparação deve corresponder à natureza da lesão e a seus efeitos e é, normalmente, compensatória e de natureza não-punitiva. O ente responsável pela reparação é o ESTADO SOBERANO ou organismo internacional, cabendo a estes exercer o direito de regresso contra o agente que deu causa a reparação. Como caiu em prova: QUESTÃO TRF 5ª: A responsabilidade internacional enseja a reparação de danos tanto da parte do agente causador quanto da parte do Estado do qual esse agente se origine. COMENTÁRIO: Errada. O agente não responde diretamente pelo ilícito internacional. A responsabilidade é do Estado Soberano ou da OI. 17 Vamos quais são as espécies de reparação. Cada caso merece uma resposta reparatória diferente: Restituição na íntegra: Consiste no retorno ao status quo ante. Retorno à situação anterior ao descumprimento da norma. Sem dúvida essa é a melhor forma reparatória, porque coloca o Estado lesado e o Estado infrator na mesma situação anterior. Porém, há casos em que não há como retornar ao status quo ante, é a chamada impossibilidade material. O Direito internacional não aceita a impossibilidade jurídica, só aceita a impossibilidade material. Não pode o Estado, por exemplo, alegar que não pode soltar uma pessoa porque há um trânsito em julgado, ou seja, uma impossibilidade jurídica. E se existir impossibilidade material? Nesse caso tudo bem. Por exemplo, como restituir uma violação ao direito à vida? Não tem jeito. Nesses casos teremos que ver outras formas reparatórias. Cessação do ilícito: Não precisa dizer que a cessação do ilícito também é uma maneira de restituição na íntegra. A jurisprudência internacional, todavia, separa a restituição na íntegra da cessação do ilícito, as tratando como espécies reparatórias distintas. A terceira forma de reparação é a satisfação. Satisfação: O que é a satisfação? A satisfação consiste no conjunto de medidas reparatórias, em geral, associadas à reparação do dano imaterial. Então, a satisfação está associada ao pedido de desculpas, abarca também obrigações de fazer e não fazer e as somas nominais e punitivas (punitive damage). Uma das medidas de satisfação mais comum à reparação ao dano imaterial, por exemplo, é o pedido de desculpas, que talvez seja o mais comum (mais comum do que a indenização, inclusive). Outro ponto importante é que temos diversas obrigações de fazer e não fazer. Além do pedido de desculpas, há a saudação à bandeira, há a publicação da sentença em um periódico de alcance nacional, dentre outras medidas. 18 Então, a satisfação é tudo aquilo que a prática internacional determina, é quase residual. Inicialmente, a satisfação é apenas para reparar o dano imaterial. Indenização: A indenização é a compensação dos danos causados pelo pagamento de uma quantia em pecúnia. Essa indenização também é por danos morais. Então, tem danos materiais e danos morais. Garantias contra a não repetição, dever de investigar e punir: Esse dever acaba ingressando na teoria das reparações pelas mãos da satisfação. Mas elas ganhamtanta importância (especialmente na jurisprudência da corte interamericana e corte europeia de direitos humanos), que hoje ela é estudada como garantia de não repetição. Então, entende-se que investigar e punir previne por que dissuade. A impunidade é um fator criminógeno conhecido. Desde Beccaria se entende que não importa se a Lei é muito dura, o que importa é se ela é cumprida. É importante que se dê instrumentação para que haja o combate à impunidade. Termos mais leis penais sem investigação não é um inibidor da criminalidade. Então, a investigação e a punição evitam novas violações de direitos humanos. O direito internacional penal e o direito internacional de Direitos Humanos têm uma essência punitivista. Ele tem uma fé (que alguns entendem que é ingênua) no Direito penal no fator de dissuasão. E o movimento de Direitos Humanos no Brasil reproduz isso também. Cada movimento novo, cada Lei nova no congresso é acompanhada de uma disposição penal. Sanção: A sanção consiste no conjunto de medidas que serve para COAGIR o Estado infrator a reparar os danos causados. Então, a sanção é uma medida instrumental, ela não é vingança. O Kelsen tem uma obra “princípios de Direito internacional” em que ele fala que a sanção é vingança, mas não é isso. Na verdade, a sanção visa coagir o Estado infrator. Ele vai receber tanta sanção que vai finalmente cumprir a reparação acordada. Temos sanções unilaterais e sanções coletivas, bem como as sanções morais, também chamadas de mobilização da vergonha (blame in shame, ou seja, acusar e envergonhar). As sanções também podem ser armadas, políticas e econômicas. 19 Sanção x retorsão: É importante diferenciarmos a sanção da retorsão. Apesar de alguns autores colocarem a retorsão como sanção, a doutrina mais contemporânea entende que não é sanção, porque a sanção é uma medida de coerção, mas caracterizada por um caráter inicialmente ilícito. A sanção é um conjunto de medidas inicialmente ilícitas, mas que perdem a ilicitude porque é reação à conduta ilícita anterior por parte do Estado alvo. A retorção, por outro lado, é uma medida lícita, adotada claramente em reação a uma conduta anterior que o Estado não concorda. Accioly destaca que a retorsão “inspira-se no princípio da reciprocidade e no respeito mútuo, que toda nação deve ter para com as demais. Não é ato de injustiça, nem violação de Direito; mas, também, não pretende ser punição”. Alguns anos atrás, os brasileiros para entrarem nos Estados Unidos precisavam ser identificados, isso era uma medida de segurança para evitar entrada de terroristas. O Brasil, devido ao constrangimento causado aos brasileiros, retribuiu da mesma forma, fazendo com que os Americanos quando chegassem ao país fossem identificados também. Qual é a retorsão mais evidente? Fechar a embaixada. Não é ilícito. O Estado não é obrigado a ter relacionamento diplomático com todos os estados do mundo. Seria o caso de fechar a embaixada, por exemplo, em reação a determinado comportamento descortês do Estado. Pode haver o chamamento do embaixador, a retirada do pessoal diplomático, a suspensão das relações diplomáticas e até mesmo a ruptura das relações diplomáticas. Pode decorrer também de um comportamento ilícito do Estado, quando se entender que não é o caso de aplicar uma medida mais drástica (sanção). Claro que podemos pensar em sanção em SENTIDO AMPLO para abarcar as sanções em sentido estrito, as retorsões e inclusive as sanções morais (mobilização da vergonha, acesso a mídia internacional, etc.). Mas, sanção em sentido estrito são as medidas de coerção. Sanções unilaterais: As sanções unilaterais sofrem o mesmo problema do iudex in causa sua. Eu entendo que a sanção unilateral pode levar também à guerra de sanção, bastando que o Estado vítima da sanção não aceite a responsabilização. Se isso acontecer ele pode sancionar o Estado adversário, gerando uma guerra de sanção. 20 Como caiu em prova: Ministério Público Federal – 26º CPR – 2012: São formas de reparação do dano como decorrência da responsabilidade internacional do Estado: (A) a persecução penal obrigatória, a indenização e a garantia de não repetição; (B) a cessação da violação continuada, a satisfação e a persecução penal obrigatória; (C) a garantia de não repetição, a restituição e a persecução penal obrigatória; (D) a restituição, a indenização e a satisfação. COMENTÁRIOS: A questão exige do candidato o conhecimento das formas de reparação do dano a cargo do Estado responsável pelo cometimento de um ilícito internacional. A resposta correta à questão se encontra na assertiva D, haja vista que a restituição, a indenização e a satisfação são de fato as três hipóteses de reparação do dano por um ato ilícito internacional. Como visto, a restituição representa o dever do Estado violador de restabelecer o status quo ante, ou seja, de recompor o estado de fato antes da conduta tida por ilícita (p. ex., a redefinição de fronteiras). A indenização, por sua vez, terá lugar quando não for possível obter-se a restituição e também para o reparo às formas imateriais de dano. Por fim, a satisfação representa a modalidade de reparação em que o Estado violador reconhece publicamente a falta cometida, manifesta arrependimento pelo ato ou pede desculpas pelo ilícito cometido. Relativamente às demais assertivas (A, B e C), a incorreção está na indicação da “persecução penal obrigatória” como modalidade de reparação pelo ato ilícito. Com efeito, um ilícito internacional, na maior parte das vezes, não virá atrelado a uma conduta criminosa praticada pelos representantes de um determinado Estado, pois em grande medida os ilícitos internacionais são de ordem comercial, ambiental ou política. Já falamos então do conceito de sanção, já falamos que há a sanção em sentido amplo, retorsão e sanção moral (ou publicidade negativa). O que significa o termo contramedida? 21 A contramedida é a sanção em sentido estrito, de caráter individual. Também chamada de represália, significa a faculdade de um Estado vítima de um ato ilícito internacional tomar medidas contra o Estado infrator que, se não fosse a infração cometida, seriam por si só ilícitas perante o direito internacional. Em outras palavras, a contramedida equivaleria a um ato praticado em legítima defesa ou estado de necessidade, haja vista que um específico contexto retira a ilicitude de uma ação de represália que, em situações de normalidade, seria ilícita. Não se usa esse nome para sanção coletiva. A Sanção coletiva veremos em seguida. O grande problema da ausência de um tratado internacional sobre a responsabilidade internacional não está somente na teoria geral da responsabilidade, mas nas sanções. É fácil o consenso dos Estados em relação a teoria geral, mas é difícil em relação as sanções. As sanções são um problema em virtude do poder dos estados mais centrais. Há uma assimetria muito grande. Os estados centrais, estados protagonistas da cena internacional podem impor sanções individuais, mas eles não querem restrições. A prática internacional, entretanto, criou requisitos para as contramedidas. Antes de serem adotadas, as contramedidas exigem: Chamamento anterior à solução pacífica de controvérsias. Caso seja inviável a solução pacífica de controvérsias, parte-se para a contramedida e aqui há que se observar a proporcionalidade. Há muitos casos de arbitragem em que o Estado que emitiu as contramedidas foi condenado, porque adotou medidas desproporcionais. Há proibição do uso da força armada. Assim, o dever legal dos Estados de não utilizar a força para solucionar suas controvérsias é visto em diversos diplomas normativos internacionais no pós-45. Cite-se, por exemplo, a Resolução n. 188 de 1964 do Conselho de Segurança, que condenou o uso de contramedidas armadas.Da Assembleia Geral da ONU cite-se a edição da Declaração dos Princípios de Direito Internacional relativos às relações amistosas e a cooperação entre os Estados, na qual foi proclamado que (Princípio I) os Estados não devem recorrer às sanções (contramedidas) envolvendo o uso da força. Há, ainda, a exigência do respeito aos direitos fundamentais. Isso esbarra na questão das sanções inteligentes, ou seja, não se pode, nas sanções, constranger aquele que é inocente. É o respeito aos direitos fundamentais. Esse é um tema delicado, porque muitas vezes é quase impossível ter uma sanção inteligente que diferencie o culpado do inocente. Essa é uma discussão muito grande nos órgãos de defesas de direitos humanos, que especialmente nos casos de sanções a ditaduras (embargos aéreos, econômicos), que não haja dano, que não se provoque 22 fome. Esse foi o grande problema das sanções no Iraque. As sanções ao Iraque mataram crianças, porque houve dificuldade de acesso a medicamentos, por exemplo. Seguindo, existem algumas contramedidas que são proibidas pelo DIP, como o uso da força, a violação de normas de jus cogens, o afastamento de imunidades diplomáticas e consulares, dentre outras Como caiu em prova: QUESTÃO CESPE AGU (2010): O Estado B deslocou tropas e anunciou que invadiria, com o uso da força, o Estado C em um mês. Findo o período, o Estado B concretizou seu anúncio e anexou o território do Estado C ao seu. O Conselho de Segurança da ONU, em reunião extraordinária, impôs, então, embargo econômico ao Estado B. O Estado D, por considerar as medidas contra o Estado B ilícitas, declarou-se neutro no conflito e decidiu romper o embargo e praticar normalmente seu comércio exterior com B. Com base nessa situação hipotética, julgue os itens subsequentes. O embargo econômico imposto pelo Conselho de Segurança classifica-se como uma contramedida. COMENTÁRIOS: Contramedida, embora seja ilícita, é uma conduta que pode ser autorizada pelo direito internacional como forma de forçar o Estado violador a cumprir suas obrigações internacionais. Elas são muito usadas, por exemplo, no âmbito da OMC, quando o Estado perdedor não cumpre a sentença. Nesse contexto, o Estado vencedor frequentemente é autorizado a aplicar contramedidas para forçar o cumprimento da sentença. Existem algumas contramedidas que são proibidas pelo DIP, como o uso da força, a violação de normas de jus cogens, o afastamento de imunidades diplomáticas e consulares, dentre outras. Pode-se notar, portanto, que as contramedidas são aplicadas no plano horizontal, ou seja, entre Estados. Elas não têm natureza punitiva e devem ser proporcionais e reversíveis. No caso do embargo econômico imposto pelo Conselho de Segurança, trata-se de sanção Coletiva. As sanções só existem quando há relações verticais, como na situação entre um tribunal e um Estado. Elas possuem natureza punitiva e podem ocorrer quando são previstas em tratados celebrados pelos Estados. No caso da ONU, previu-se a possibilidade de aplicar sanções políticas, econômicas e militares, no âmbito do capítulo VII da Carta da ONU. Contramedida é uma excludente de ilicitude prevista no 23 Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas sobre Responsabilidade Internacional dos Estados. Sanções coletivas: As sanções coletivas são aquelas que são determinadas por organizações internacionais e por isso seriam qualitativamente superiores às sanções individuais, porque não da alçada do próprio Estado lesado. Combate à sanção coletiva o iudex in causa sua. Temos as sanções da ONU (conselho de segurança) e da OEA (sanções encaminhadas pelo conselho de representantes da OEA e aprovadas pela assembleia geral. A sanção coletiva pode ser de diversas espécies. Pode ser a sanção de não participação. Por exemplo, é a expulsão. O conselho da Europa pode expulsar um Estado que viole sistematicamente Direitos Humanos e não repare os danos, por exemplo, não cumpra as sentenças da corte europeia de Direitos Humanos. A OEA, por exemplo, pode suspender por maioria de 2/3 o Estado no qual houve ruptura do regime democrático. Além dessas, são possíveis sanções econômicas. O conselho de segurança pode, inclusive, adotar a chamada SANÇÃO ARMADA, que do ponto de vista da SANÇÃO INDIVIDUAL só é possível na LEGÍTIMA DEFESA. E na SANÇÃO COLETIVA, atualmente, no mundo, só é possível quando autorizada pelo conselho de segurança. SANÇÃO ARMADA – POSSIBILIDADES: Na sanção individual: SÓ EM LEGÍTIMA DEFESA Na sanção coletiva: Só nos CASOS DE AUTORIZAÇÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU E se, por exemplo, a Rússia agride a Polônia, que é membro da OTAN. A OTAN pode reagir contra a Rússia? Sim, mas no caso temos uma legitima defesa coletiva. A única organização que tem um mecanismo geral, amplo de defesa da paz, mesmo que o Estado agredido não seja membro, é a ONU. Dentre as sanções coletivas, temos medidas de comercio e temos o objetivo final da sanção, que é a coerção. A sanção é só uma coerção para que o faltoso cumpra suas obrigações, por exemplo, de reparação dos danos causados. 24 Como se implementa as sanções coletivas do conselho de segurança da ONU no Brasil? • Por edição de decreto presidencial, internalizando as resoluções vinculantes. • A internalização das medidas é um primeiro passo. Cada órgão, nas suas atribuições, deve cumprir o conteúdo das medidas propostas. Por exemplo, o congelamento de haveres – a AGU, representando a União, interpõe uma ação cautelar, visando o congelamento de haveres. Eventualmente se o conselho de segurança ordenasse, poderia haver uma ação principal para a perda da titularidade, para o confisco e eventual entrega ao conselho de segurança. 4. RESPONSABILIDADE INDIRETA OU PROTEÇÃO DIPLOMÁTICA Alguns também chamam de responsabilidade por danos causados a estrangeiros. É um costume internacional, que dita que os estados são obrigados a cumprir um tratamento mínimo adequado aos estrangeiros, porventura, admitidos no seu território. Então, esse costume internacional foi forjado em virtude das movimentações, dos fluxos de pessoas (especialmente europeus) para países recém emancipados. Não era tão importante a proteção diplomática até o século XIX. Esse tema se tornou importante do século XIX em diante. Um indivíduo, prejudicado por uma violação do direito internacional, cometida por um ente estatal do qual não é nacional, pode pleitear reparação pelo dano sofrido? Em princípio, não é possível que uma pessoa, natural ou jurídica, solicite qualquer indenização no âmbito internacional, embora em geral possa acionar o próprio Judiciário do Estado que causou o dano. Entretanto, nada impede que o ente estatal de origem da vítima possa formular a outro Estado pedido de reparação em favor de seu nacional, configurando o instituto da PROTEÇÃO DIPLOMÁTICA, a qual, vale dizer, não tem qualquer relação com os privilégios e imunidades diplomáticos. De todo modo, a proteção só pode ser conferida se a nacionalidade do beneficiário for efetiva. Há uma quantidade absurda de precedentes internacionais sobre proteção diplomática, porém, essa somente ganha musculatura depois dos fluxos populacionais de europeus chegarem a estados independentes (e não mais às colônias). A proteção diplomática é um costume internacional, assim, temos que analisar os seus elementos com base na análise da prática internacional. 25 Primeiramente, tem-se que o Estado de acolhida NÃO TEM O DEVER DE ADMISSÃO. Nada no direito internacional que indique isso. Só há um caso hoje de dever de admissão, que é o caso do solicitante de refúgio. É o único caso em que o Brasil é obrigado a aceitar um estrangeiro. Imaginemos que um estrangeiro chega no aeroporto de Cumbica com documento falso e grite que é um refugiado, ele tem que ser aceitono território brasileiro, até que o CONARE (comitê nacional para os refugiados) delibere sobre a sua situação. E depois, se for o caso, cabe recurso ao ministro da justiça. Então, apesar de um Estado não ser obrigado a admitir um estrangeiro, caso o Estado venha a admiti-lo, esse Estado de acolhida é obrigado a oferecer um tratamento mínimo adequado (internacionalmente falando – standard internacional). E como é a mecânica da proteção diplomática? E quais são esses direitos? Temos aqui um costume internacional. Então, foi necessário o estudo de diversos precedentes internacionais: direito a vida, liberdade, igualdade, direito a não ser discriminado em razão da nacionalidade, devido processo legal etc. Há vários casos de violação da vida, maus tratos, de delonga etc. E o costume internacional se desenvolveu da seguinte maneira: Primeiro – requisito do esgotamento prévio dos recursos internos. Foi quase uma reação dos países alvo da proteção diplomática, que eram os países subdesenvolvidos. Eles conseguiram extorquir esse requisito de admissibilidade. O esgotamento prévio dos recursos internos consiste na exigência de provocação anterior do próprio Estado de acolhida, para que o dano seja reparado. O estrangeiro é obrigado a provocar primeiro o Estado de acolhida. Mas o que acaba ocorrendo é que o Estado de acolhida não decide, então, o esgotamento prévio dos recursos internos pode ser dispensado caso haja delonga. Há casos na justiça internacional de dispensa, porque não há como obter uma resposta do Poder judiciário de maneira mais célere. Basicamente esse é o grande requisito. Depois se analisa se a proteção diplomática vai ser ou não deferida. Houve alguns precedentes internacionais que exigiram ainda as “clean hands”, ou seja, a tentativa de evitar que o estrangeiro seja beneficiado por um comportamento malicioso dele mesmo. Por exemplo, ele mesmo se expôs, perdeu os bens, mas antes pagava propina. Então, isso visa evitar que a proteção diplomática seja concedida a pessoas que pelo seu comportamento, geraram aquela situação Pedido de endosso: 26 A proteção diplomática concretiza-se a partir do ENDOSSO, que é o ato pelo qual o ente estatal do qual o indivíduo ou entidade é nacional assume como sua a reclamação de particular contra outro Estado. O Estado concede a proteção diplomática, caso queira. Isso mostra que a proteção diplomática não é direito do indivíduo, mas do Estado. Ela é discricionária para o Estado. O Estado só pode conceder o endosso depois de comprovado o esgotamento dos recursos internos e, finalmente, se o solicitante for um nacional. A sua concessão requer o cumprimento de três condições, quais sejam: • Nacionalidade do prejudicado (que deve perdurar durante toda a demanda). • Esgotamento dos recursos internos (administrativos e judiciais); • Conduta correta do autor da reclamação. Então, a nacionalidade é indispensável para o deferimento do pedido de endosso. Isso mostra, para alguns, que a proteção diplomática é discriminatória, ela só se preocupa com o estrangeiro. A proteção diplomática é um instituto que consagra a nacionalidade como um tema internacional (a nacionalidade não é apenas um tema de direito constitucional, mas também de direito internacional). Tivemos o famoso caso da corte permanente de justiça internacional, o caso dos decretos de naturalização no Marrocos e na Tunísia, em 1912. Que caso é esse? A Inglaterra processou a França que havia editado decretos de naturalização nos seus protetorados de Marrocos e da Tunísia. Esses decretos naturalizavam os estrangeiros que não se manifestassem em sentido contrário. A ideia era naturalizar os ingleses que lá estivessem. E a França queria lançar raízes mais fortes no Marrocos e na Tunísia. A Inglaterra então pediu um parecer consultivo para que a corte permanente de justiça internacional analisasse esse caso. A França afirmou que não era um caso internacional. Nacionalidade seria, de acordo com a França, um tema doméstico. A corte disse que tema de direito internacional é sempre relativo. O direito internacional se expande tanto, que um tema que hoje pensamos ser um tema de direito interno, amanhã tem um tratado. Os direitos humanos hoje são temas extremamente locais, mas são também universais, e cada vez mais o Direito internacional se expande. O Canotilho fala que o Direito constitucional é um Direito mutilado. Então, temos a nacionalidade como fator central no regime jurídico da proteção diplomática. Ressalte-se que, dentre os requisitos indicados acima, temos o fato de que a pessoa não pode mudar sua nacionalidade após o fato que ensejou a reclamação, com fundamento no princípio de que a 27 demanda deve ser nacional desde a sua origem (a claim must be national in origin). Em outras palavras, a nacionalidade do beneficiário da proteção diplomática deve ser contínua, devendo o vínculo com o Estado que oferece essa proteção existir desde a ocorrência do dano e durante toda a demanda. A proteção diplomática vale dizer, não beneficia quem tiver contribuído para o ato ilícito, especialmente pela violação de normas internacionais ou internas. Além disso, a concessão da proteção NÃO É DIREITO DO NACIONAL, mas sim ATO DISCRICIONÁRIO do Estado. Em todo caso, ela pode ser oferecida independentemente de pedido do interessado. Uma vez concedido o endosso, o Estado assume a demanda como se fosse própria. Por esse motivo, inclusive, é que o conteúdo da reparação pertence, em princípio, ao ente estatal, embora possa ser repassado às pessoas protegidas, nos termos das normas cabíveis. Quais são os próximos passos? Se o Estado concede o endosso, transforma aquele caso de Direito interno em um caso internacional. Por isso, há vários casos da Corte Internacional de Justiça envolvendo Direito comercial, direito de propriedade intelectual. E como esses casos chegaram ao tribunal internacional? Por exemplo, o caso Brasil x França na corte permanente de justiça internacional, é um caso que envolveu reajuste em contrato de empréstimo, se o reajuste seria pelo franco ou por cláusula ouro. Ou seja, é uma questão de determinação da moeda a ser utilizada nos pagamentos. Esse caso típico de direito dos contratos foi submetido à corte permanente pela proteção diplomática. Os credores eram franceses e a França concedeu endosso, transformando aquele litígio em um litígio entre Brasil e França. Até hoje, tem no mínimo um caso por ano de proteção diplomática na Corte Internacional de Justiça. O litígio entre dois estados é solucionado por meios de solução de controvérsias. Só que, no século XIX, havia o uso legítimo da força. Nessa época, a proteção diplomática ficou associada ao uso abusivo da força, passou para a história como sendo cobrança de dívida pela força. E aí tivemos duas reações dos países latino-americanos. A primeira é a chamada “CLÁUSULA CALVO”. O que é a cláusula calvo? A cláusula Calvo consiste em uma cláusula prevista nos acordos celebrados por estrangeiros, nos quais o estrangeiro renuncia a proteção diplomática. Então, essa é uma cláusula de renúncia do direito à proteção diplomática. Ela é uma homenagem ao seu idealizador, que é o jurista argentino Carlos Calvo, doutrinador de Direito internacional do século XIX. 28 A cláusula Calvo não obteve repercussão, porque a jurisprudência arbitral entendia que essa cláusula seria ineficaz, porque o estrangeiro renunciava direito que não era dele, já que a proteção diplomática é um direito do Estado. Como caiu em prova: Ministério Público Federal – 25º CPR – 2011: A chamada “Cláusula Calvo” (assim designada em homenagem a jurista argentino), usual em contratos internacionais de concessão de Estados sul e centro-americanos com empresas estrangeiras, (A) estipula que os investimentos de empresas estrangeiras não poderão ser retiradosdo território do Estado que as contratar; (B) é o mesmo que cláusula de estabilização contratual; (C) visa a afastar o direito de outros Estados à proteção de seus nacionais e das empresas de sua nacionalidade em tudo que decorrer da aplicação do contrato; (D) visa a afastar pleitos de indenização por danos decorrentes de investimentos desvantajosos no âmbito do contrato. COMENTÁRIOS: A Cláusula Calvo surge no século XIX como criação do Ministro das Relações Exteriores da Argentina, Carlos Calvo, com o deliberado objetivo de afastar o recurso à proteção diplomática em determinados casos. Inserindo-a no mais das vezes em contratos firmados entre governos da América Latina e empresas estrangeiras, referida cláusula visava a afastar de eventuais contendas comerciais a intervenção de Estados com viés imperialista que poderiam criar embaraços aos Estados contratantes, no caso de estes tomarem medidas que desagradassem os investidores estrangeiros. Ao restringir eventuais questionamentos exclusivamente à ordem jurídica interna dos Estados contratantes, a Cláusula Calvo deu azo a contundentes críticas mundo afora, haja vista que, em essência, visava à renúncia de um direito que não era titularizado pelo particular, uma vez que a proteção diplomática é instrumento de manejo exclusivo do Estado do qual o particular é nacional, e que pode ser acionada até mesmo contra a vontade deste. Com base nessa definição, fica patente que a resposta correta à questão se encontra na assertiva C, pois a Cláusula Calvo de fato “visa a afastar o direito de outros Estados à proteção de seus nacionais e das empresas de sua nacionalidade em tudo que decorrer da aplicação do contrato”. 29 Cabe pontuar, relativamente à assertiva B, o que vem a ser a chamada cláusula de estabilização, referida na questão e que consta também no regulamento do concurso. Se a Cláusula Calvo é um instrumento para proteger os Estados contratantes de disputas com outros Estados que porventura quisessem proteger seus nacionais, a CLÁUSULA DE ESTABILIZAÇÃO visa justamente o oposto, ou seja, a proteção do particular/investidor em face do Estado contratante. Referida cláusula prevê a fixação (= congelamento) do regime jurídico na data da assinatura do contrato como aquele que regerá todos os desdobramentos da relação que será estabelecida a partir daquele momento, assegurando ao investidor mínima previsibilidade das normas a incidir sobre determinado contrato, “estabilizando”, assim, a relação entre o Estado e o investidor. O segundo instituto relacionado à proteção diplomática é a chamada DOUTRINA DRAGO. Foi uma doutrina consagrada na conferência de Haia de 1907, que diz que a cobrança de dívidas deve inicialmente ocorrer pelos meios pacíficos de controvérsia. Só depois de esgotados esses meios é que deve ser usada a força. Qual o vínculo entre a doutrina Drago e a cláusula Calvo? Ambos os institutos tentam restringir o uso da força. No caso da Cláusula Calvo se recusa a proteção diplomática e, no caso da doutrina Drago, exigindo uma solução pacífica de controvérsias antes.
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