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Como arte da interpretação a hermenêutica pode ser relacionada com os métodos interpretativos teológicos (textos religiosos), filológicos (estudo da língua por intermédio de seus textos), ou jurídicos (fenômeno normativo), na medida em que se está diante das possibilidades de sentido de um texto, ou seja, do controle dos significados do que se lê. Nesse exato momento o leitor está realizando a primeira tarefa da hermenêutica: atribuir um significado para um texto. Daí a menção dos grandes manuais à etimologia da palavra hermenêutica como proveniente do grego hermeneuien e hermeneia, bem como do latim interpretare como inter penetrare 10.11.1483 - Eisleven, Alemanha 18.02.1546 – Eisleven, Alemanha Católico praticante. Frade. Reformador. Questionou os dogmas do catolicismo romano, sobretudo o comércio das indulgências. 1512 - Doutor em Teologia e Doutor em Bíblia. 1517 – 95 teses questionando o vendedor de indulgências Johann Tetzel. 1521 – Excomungado da Igreja Romana A Reforma Protestante do século XVI pode ser considerada um evento histórico relevante para a Modernidade. Ela marcou o rompimento com uma concepção religiosa medieval caracterizada pelo misticismo e deu lugar a certa racionalidade, que em lugar da igreja sacralizou o Estado. Portanto, a Reforma teria representado um movimento que, entre outros aspectos, alinhava-se com a emergente valorização da razão e da individualidade. Dois importantes marcadores da era moderna e secular, que contribuiriam significativamente para o desenvolvimento do espírito capitalista posteriormente consolidado (PIRES, 2003, p.80). O caráter fundamental da Reforma foi a refutação de algumas doutrinas católicas apoiadas numa interpretação da Bíblia que, segundo os reformadores, favoreceria mais a igreja do que seus fieis. Todavia, inicialmente o movimento da Reforma não teria pretendido a ruptura e a divisão da Igreja Católica Apostólica Romana. Ao contrário, Martinho Lutero esperava debater os entendimentos, segundo ele, equivocados da Bíblia, resultantes da corrupção dos sacerdotes que assessoravam o Santo Papa em favor de causas particulares humanas. Lutero intentou alertar o Papa Leão X quanto aos abusos e espoliações a que os fiéis estavam sendo submetidos pelo alto clero. Quando, em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero afixou na Igreja de Wittemberg (Alemanha) as 95 teses escritas em latim que criticavam os abusos da Igreja Católica, o reformador cogitava uma disputa intelectual dentro do seio da igreja. Sua motivação para tanto foi a venda de indulgências e o cultivo da adoração às relíquias que a instituição afirmava serem lembranças da história da cristandade. O circo armado de Roma, segundo Lutero, aviltava a mensagem principal do evangelho, a saber: o Cristo crucificado por amor à humanidade. Pode-se dizer que o trabalho hermenêutico de Lutero no trato do texto bíblico teria sido o fio condutor do movimento da Reforma. As antigas questões que torturavam Lutero assim como a outros cristãos do período medieval tornaram-se questões de aproximação da Bíblia, isto é, questões hermenêuticas. A sua formação bem como o seu tempo sinalizavam positivamente para ideias que se consolidavam paulatinamente: indivíduo e consciência, assim como outros conceitos que marcaram a modernidade, podem aqui ser entendidos como noções significativas que constituíram as condições de possibilidade para que homens como Lutero fomentassem uma consciência de autonomia. Daí que o contato com a literatura bíblica, não intermediado pelo clero, tornara-se o ponto crucial de sua argumentação no sentido de que se revelasse aos homens um Deus amável e misericordioso. 21.11.1768 – Breslau, Alemanha 12.02.1834 – Berlim, Alemanha Pregador e Professor de Filosofia e Teologia na Universidade de Humboldt (Berlim) Precursor (“Pai”) da Hermenêutica Moderna Os escritos de Schleiermacher foram relevantes para a teologia protestante. Sua produção literária é dividida por Dilthey em quatro períodos: Juventude (manuscritos); Período da intuição (1796-1802); Época crítica (1802-1806); Período sistemático (1806-1834). Schleiermacher não subordina a religião à Filosofia. Defende o sentimento, como unidade originária de pensamento e querer, sem abolir pensamento. O sentimento da imortalidade e da fé na imortalidade fundam-se na "imortalidade da união da essência de Deus com a natureza humana na pessoa de Cristo". Conhecido como o “pai” da hermenêutica moderna ele pretendeu destruir o que chamava de “hermenêutica tradicional” e construir uma Hermenêutica Universal. Para isso, pretendeu retirar o caráter autoritário da hermenêutica ao afirmar que a regra geral do processo de compreensão é a incompreensão. O princípio básico é considerar que não entendo inteiramente o que me dizem, portanto, preciso sempre interpretar o que me foi dito. A interpretação teológica tradicional buscava o contrário quando argumentava ser o texto da bíblia claro, portanto, sem necessidade de interpretação. Interpretação Gramatical: a interpretação teológica, filológica e jurídica, partem da interpretação de textos, logo o elo de ligação entre elas é a interpretação gramatical. Interpretação Psicológica: averiguação de que toda a experiência de vida do homem faz parte da construção de sua obra. Logo, para compreender o livro “O Príncipe” é fundamental conhecer quem foi Nicolau Maquiavel, entender os motivos que o levaram a escrever o livro do modo como escreveu. Circularidade Hermenêutica: a primeira vez que o termo “aparece” na história da hermenêutica moderna é na obra de Shchleiermacher, quando o mesmo afirma existir uma relação dialógica entre a “parte” e o “todo”. Argumenta ele que todo conhecimento da “parte” é a tentativa de apreensão do “todo”, mas sempre insuficiente/incompleto, assim como toda apreensão do “todo” somente é possível pelo acesso de uma “parte”. Portanto, uma verdadeira circularidade. 19.11.1833 - Biebrich- Mosbach, Alemanha 01.10.1911 - Schlem, Itália Filósofo historicista 1866 - nomeado para uma cadeira de Filosofia na Universidade da Basiléia (Suíça). 1868 - conquistou a cátedra de Filosofia na Universidade de Berlim, antes ocupada por Hegel. Filósofo historicista alemão que deixou importante contribuição para a metodologia das Ciências Humanas. É considerado o criador do historicismo. Contestou a ampla influência que as doutrinas positivistas possuíam sobre as ciências humanas, especialmente as sociais, as históricas e as do psiquismo. A participação de Dilthey na afirmação de uma filosofia hermenêutica diz respeito à necessidade de se proceder um grande resgate da obra de Schleiermacher que havia sido esquecida. Dilthey procura, a partir do psicologismo de Schleiermacher, afirmar a existência de um método para concepção das ciências do espírito/humanas. Ele busca a dogmatização, o método, a depuração das ciências do espírito/humanas. Erleibnis/Experiência: Toda de descrição de algo é a experimentação do mundo a partir da visão particular de um “ser”. A compreensão parte da experiência. Ausdruck/Expressão: Toda explicação de algo é a expressão de uma experiência. Eu experimentei a chuva e a descrevi como ela se apresentou a mim. Quem experimentou/observou igual fenômeno me compreenderá, ainda que expresse suas experiências de modo diverso. Verstehen/Compreensão: Apesar de não ter vivido a Revolução Francesa, eu a compreendo pela reunião de expressões provenientes das experiências diretas e indiretas com o evento. Sustenta Dilthey que há uma conexão em nível espiritual do intérprete com o objeto. Portanto, uma conexão do jurista com o espírito da Constituição. 26.09.1889 – Messkirch, Alemanha 26.05.1976 – Friburgo, Alemanha Filósofo existencialista. Cursou Teologia na Universidade de Friburgo, onde foi aluno de Edmund Husserl (fenomenologia). 1923 - nomeado professor de Filosofia (Universidade Marburgo. 1927 - publicação da obra-prima “Ser e Tempo” foi promovido a professortitular em Marburgo. 1928 – com a aposentadoria de Husserl é nomeado para a cadeira de Filosofia em Friburgo. Ao estudar os clássicos protestantes de Martinho Lutero, João Calvino, entre outros, enfrentou uma crise espiritual e rompeu com o catolicismo. Em 1917 se casa com a Luterana Elfrid Petri. A partir da influência que adquiriu do professor Husserl, tornou-se seu herdeiro na liderança da fenomenologia – sistema filosófico que estuda o conjunto de fenômenos e estruturas da experiência consciente e como eles se manifestam através do tempo e do espaço. A filosofia de Heidegger baseia-se na ideia de que o homem é um ser que busca aquilo que não é. Seu projeto de vida pode ser eliminado pelas pressões da vida e pelo cotidiano, o que leva o homem a isolar-se de si mesmo. Heidegger também trabalhou o conceito de angústia, a partir do qual o homem transcende suas dificuldades ou deixa-se dominar por elas. Assim, o homem seria um projeto inacabado. Em janeiro de 1933, quando Hitler tornou-se chanceler, Heidegger foi nomeado reitor da Universidade de Friburgo, apoiando o nacional-socialismo. Em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, Heidegger teve sua reputação acadêmica abalada por ter apoiado o Nazismo, ficando proibido de lecionar. Em 1953 publicou “Introdução à Metafísica, onde elogiou o Nacional- Socialismo”. Martin Heidegger escreveu obras importantes, entre elas, “Novas Indagações sobre Lógica” (1912), “O Problema da Realidade na Filosofia Moderna” (1912), “O Conceito de Tempo na Ciência da História” (1916), “O Que é Metafísica?” (1929), “Da Essência da Verdade” (1943), “Da Experiência de Pensar” (1954), “O Caminho da Linguagem” (1959) e Fenomenologia e Teologia” (1970). Fenomenologia: Pela constatação anterior, Heidegger propõe a desconstrução da história para que se possa remontar o sentido mais original da coisa. Desse modo, ao analisar a tensão existente entre o “ente” (interpretado como sujeito) e o “ser” (interpretado como uma 'existência': tudo o que 'é'), Heidegger é capaz de perceber que: - o sentido do “ser” é universal, indescritível e evidente por si mesmo; - a única lente capaz de tornar o “ser” visível é o tempo; - as coisas são apenas modos de existir, portanto, fenômenos. O Daisen: o “ser aí”, o “eis-aí-ser”. Designa a manifestação do ser enquanto ente Hermenêutica da Faticidade: Interpretar algo é meramente descrever o seu acontecer no tempo, pois este “ser” é um “ser com”, “estar aí”, algo que está revestido de mundanidade, portanto a melhor resposta para o sentido do “ser” em Heidegger é a famosa resposta quase jargão na linha argumentativa do advogado: depende. 11.02.1900 – Marburgo, Alemanha 13.03.2002 – Heidelberg, Alemanha 1939 – Diretor do Instituto Filosófico da Universidade de Lípsia 1945 – Decano 1946 – Reitor 1947 – Volta ao ensino e pesquisa em Frankfurt 1949 – Sucedeu Karl Jaspers em Heidelberg 1968 – Aposentadoria como Professor Emérito Um dos maiores expoentes da hermenêutica e um dos pensadores mais influentes do Século XX. Em sua obra Verdade e Método, de 1960, elabora uma filosofia propriamente hermenêutica, que trata da natureza do fenômeno da compreensão. Causou grande impacto em diversas áreas, da estética ao direito, e conquistou respeito e reputação na Alemanha e em outros lugares da Europa também por ter ido muito além dos limites costumeiros da academia (defesa da importância do senso comum). Os muitos ensaios, palestras e entrevistas de Gadamer sobre ética, arte, poesia, ciência, medicina e amizade, bem como referências ao seu trabalho por pensadores nesses campos, atestam a onipresença e relevância prática do pensamento hermenêutico hoje. Concluiu o giro ontológico operado por Heidegger. É o responsável pela tentativa de apresentar a estrutura da compreensão. Para Gadamer o método interpretativo advogado por Dilthey aprisiona a hermenêutica num quadrante puramente científico, excluindo, desse modo, os juízos estéticos, do gosto, do senso comum, a interpretação da obra de arte, dentre outras coisas. Por isso, a relação sujeito-objeto é resgatada e insere-se um dado que tinha sido tergiversado na obra de Heidegger: a pré-compreensão. Crítica ao Método: Para Gadamer a interpretação não é apenas uma técnica ou uma ciência interpretativa. Ela é também uma arte, uma sutileza que admite, ainda que timidamente, que tudo o que havia sido construído como verdade pode estar completamente e fundamentalmente errado. Portanto, interpretar é, antes de mais nada, auto- conhecimento PRÉ-COMPREENSÃO/PRÉ-CONCEITO O sujeito analisa o objeto e este sujeito é um ser mundano que, portanto, nunca será isento das suas experiências de vida. Esse é o ponto de partida da compreensão apontada por Gadamer. Essa carga de experiências é denominada de pré- conceitos/pré-compreensões, que nada mais são do que juízos de valores que se formam antes do conhecimento de todos os fatores determinantes da coisa (ela mesma). Não há interpretação neutra. A identificação dos pré-conceitos pode nos levar para interpretações arbitrárias ou discricionárias. Neste ponto ele é muito utilizado pelos Juristas. TRADIÇÃO Trata-se de um conceito que permeia toda a obra de Gadamer, ela existe como algo dentro de mim que vincula o meu inconsciente como por exemplo a utilização da língua portuguesa no Brasil, os coloquialismos regionais como a exclamações “égua!” (Pará), “massa” (Pernambuco), “oxente” (Nordeste), “mas bah, tchê” (Rio Grande do Sul). Em diversos níveis ela está presente no ato da interpretação. Convencionalismo: o sentido das coisas reside nas convenções linguísticas que fazemos. Podemos convencionar um sentido do que é família para fins de proteção dos Direitos Humanos admitindo o direito a não ter família. Ou seja, a perspectiva convencionalista tende a um relativismo. Essencialismo: o sentido das coisas possuí uma essência (sua natureza), independentemente das convenções sobre elas. Mesmo que exista uma convenção particular ou coletiva de que a compensação antecipada do cheque pré-datado seja moral, ou, correta, o essencialismo buscaria dentro de um pressuposto fundamental (da natureza) do direito, qual seja: Justiça. Portanto, ao argumentar sobre o justo como essência do direito fugiria (preliminarmente) de uma suposição relativista e tenderia a uma perspectiva universalista Para Adeodato (2012) o problema da imprecisão da linguagem pode ser descrito a partir de níveis de comunicação, pois a linguagem necessita de indicadores (descrevem classes de objetos) e predicadores (descrevem as denominações específicas da coisa). Logo, a imprecisão pode se dar por um problema de indicadores (falo “aquela árvore” quando quis dizer “aquela mangueira”), ou por problemas de predicadores (delimitação de nomes próprios ou expressões próprias, ex. Mick Jagger, quem? Qual? O pai de Jade, irmão de Chris) (pág. 490-2). Ambiguidade: refere-se a dúvidas sobre significado do termo linguístico, ou seja, é um problema de conotação, intenção, conteúdo, significado (ou 'sentido'). Ex. Manga, da camisa ou da fruta. (ADEODATO, 2012, pág. 492). Vagueza: é um problema de denotação, referência, extensão, descrição, ou seja, do alcance da expressão, que classe de objetos se aplica a ela. Ex. Um transexual com aparência inteiramente feminina pode ser vítima de estupro? (ADEODATO, 2012, pág. 492). – OBSERVAR QUE A LEGISLAÇÃO PENAL MUDOU. Porosidade: diz respeito às modificações em seu uso cotidiano, as quais se dão no decorrer do tempo, modificando suas próprias ambiguidade e vagueza. É a história da palavra. Ex. Rapariga (antes era sinônimo de mulher e hoje é sinônimo de prostituta) (ADEODATO, 2012, pág. 492). O art. 5º/CRFB preceitua ser a vida um direito revestido da característica de “Inviolabilidade” e, a primeira vista, isto impede que uma pessoa ceife a vida de outra. Poderíamos afirmar, então, que ser a vida inviolável me confere não somente uma proibição para cometimento de homicídios, mas a garantia (permissão) para permanecervivo? A resposta é sim, mas ela não é tão relevante quanto o quadro que se desenhou ao se propor este exercício simples de interpretação de uma palavra usada pela CRFB: “inviolável”. Poderíamos argumentar ainda mais, o que é vida para fins dessa inviolabilidade? Já é considerado vivo o zigoto fecundado nos momentos posteriores ao coito? Se sim, o que dizer da “pílula do dia seguinte”? Veja, essas questões são todas provenientes das imprecisões linguísticas do direito enquanto conjunto de regras (ou, normas) que se expressam como ato comunicacional. Tudo o que foi exposto até aqui teve o propósito de comprovar a seguinte tese: o único modo de o direito controlar os significados/conceitos jurídicos é através da hermenêutica.