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A princípio apresentam-se três fatores relevantes na construção da Proposta do Curso A Arte de Contar Histórias em Tempos de Pandemia organizado pelo professor Marciel Alan Freitas de Castro. O primeiro fator é que ele apresenta, fundamentado numa abordagem teórica atual e relevante, a importância do processo de contar histórias para crianças na fase de aprendizagem da leitura e da escrita. O segundo fator é que o livro demonstra que a criança é capaz de recriar histórias clássicas, e capaz de recontar a história que o professor ou o contador de história recitou para ela. Trata-se de um processo de recriação lúdica, artística e fantástica. Um processo que, se devidamente explorado por educadores e professores, é capaz de facilitar a criança a ter domínio das técnicas de leitura e escrita. O terceiro fator é que a criança, após o processo de ouvir e de recontar histórias clássicas, torna-se muito mais suscetível, muito mais livre e aberta ao processo de aprender a ler e a escrever. Marciel Alan Freitas de Castro traz uma audaciosa proposta de reatualização do clássico processo de contar histórias para crianças. Ao mesmo tempo, ele demonstra que contar histórias ainda é uma ferramenta poderosa para criar o sujeito leitor, para inserir a criança no mundo da leitura e da produção textual. Por tudo isso, afirma-se que este Curso é uma boa ferramenta teórica, de reflexão e de apoio pedagógico para educadores, professores, contadores de histórias e outros profissionais que, de forma direta ou indireta, estão envolvidos com o lúdico processo de mergulhar as crianças no mundo da leitura e da produção textual. Professor Marciel Alan Freitas de Castro Coordenador do Curso A Arte de Contar Histórias em Tempos de Pandemia A arte de contar histórias vem se perpetuando desde a antiguidade até a pós-modernidade, tempo este no qual o contador de histórias vem ganhando espaço, e teoricamente as produções orais e escritas resgatadas por estes profissionais que oralizavam os contos de tradição oral e que advém da herança e da tradição dos povos ancestrais passaram a ser estudados nas universidades. Visto que as produções e contações realizadas remetem aos hábitos, crenças e enfim a cultura local dos povos da antiguidade. Vale salientar o que diz Busatto, quando enfoca que (2006, p. 25) “A contação de histórias ou narração oral de histórias permite ao sujeito que conta e ao sujeito que ouve um contato com outras dimensões do seu ser e da realidade que o cerca”. As histórias contadas permitiam aos sujeitos pensar nas diferentes realidades que o cercavam, bem como nas relações humanísticas, experiências e vivências dos familiares com o passado. Visto que neste momento de contação de história valores eram repassados por pessoas mais velhas a fim de ajudarem a quem ouvia determinada história, estes por sua vez poderiam procurar ajuda dos contadores como meio de superar e enfrentar o medo e a angústia, dentre outros sentimentos que assolavam a comunidade na época. As histórias contadas eram carregadas de sentimento do contador, quanto este contava e entoava com ajuda de instrumentos sonoros, por exemplo, o violão, transmitia ensinamentos e alguns mistérios aprendidos com seus ancestrais. O sujeito era contador de histórias e músico por que contava e encantava com sua poética, convivia entre os povos de sua comunidade, e apresentava como essência a promoção de valores mediados pela leitura e entoação de textos de tradição que comportavam versos livres. Visto que quando o contador contava as histórias valores eram transmitidos, bem como era despertado o interesse nas crianças por estes textos. Assim tal processo foi estabelecendo relações entre o contador e ouvinte e a partir daí tornou-se um marco para a nova trajetória de sentidos entre o contador e ouvinte. É importante frisar o que diz Gomes (2003, p. 224) em relação ao professor como contador de história e formador de leitores: O professor, imbuído das funções de contador de histórias em sala de aula, é um elemento aglutinador de interesses múltiplos e desencadeador de processos que favorecem o gosto pela leitura e possibilitam a formação de leitores. Contar histórias é uma atividade lúdica de leitura que pode reverter a relação conflituosa entre alunos e livros literários, desmistificando, assim, o caráter enfadonho e desinteressante atribuído ao ato de ler. A atividade de mediação literária de contos orais eram realizadas em diferentes contextos por educadores que assumiram o papel de narrador, de contador e que apresentavam familiaridade com diferentes suportes da antiguidade e que continham e veiculavam textos literários que hoje passaram a ser resgatados por escritores e estudiosos de toda parte do mundo. É importante frisar que os educadores ou contadores passaram a atuar em sala e aprimoraram as suas práticas e habilidades em relação ao momento de mediar à receptividade dos contos. No qual estes profissionais se preocupam com o uso e com as atribuições da linguagem poética no espaço escolar, bem como ao uso de expressões orais, visuais, corporais e por fim gestuais e se apoiam no material impresso e na oralidade narrativa mediada pelo contador, mas antes os contadores realizam escolhas, primeiro no que se trata do repertório de leitura, ao público que é destinado o texto e o que deve ser previamente elaborado, adaptado, ou seja, mudanças na estrutura interna ou externa são aplicadas antes da apresentação oral pelo contador. Os contadores de história abriam caminhos que permitiam o ouvinte entrar no universo da literatura. Esse momento representava para o sujeito leitor um estado de encanto e de estar hipnotizado com os múltiplos gêneros que compreende a literatura. Assim é a partir deste contato com o texto literário que o leitor pode apresentar o gosto pela leitura e se transformar em um mediador da literatura. Visto que o sujeito contador pode encaminhar ao ouvinte histórias que possam servir de respaldo teórico para o ouvinte conhecer a si mesmo, o universo que o cerca e algumas particularidades que a vida lhe apresenta. Vale salientar que há muito aprendizado sobre a arte de contar histórias, primeiro o aprendiz necessita conhecer os aspectos materiais, estruturais e conceituais que a obra apresenta. Neste sentido, é importante salientar o que diz Gomes (2003, p. 225-226) sobre o processo que contar histórias envolve, bem como o caminho que o leitor possa percorrer no trajeto que a leitura pode transmitir a partir do contato com os livros: Contar histórias é permutar sentimentos entre aquele que conta e os que ouvem, em clima de envolvimento e afetividade com o texto. É também indicar aos leitores o caminho da biblioteca, livrarias, salas de leitura, sinalizado pela vontade de aprender, conhecer mais e “viajar” pelo inusitado mundo ficcional, onde o gosto e o imaginário firmam o passaporte de embarque. Mas não é só isso. Através do encontro renovado com o livro, o leitor atualiza constantemente suas informações, desenvolve a cultura da biblioteca. Contar histórias oralmente ou com o apoio do livro permite ao mediador da leitura um contato mais próximo com o leitor-ouvinte. Visto que há suas especificidades em relação à forma como é repassada a leitura, primeiro pela performance do contador, segundo pelo jogo de palavras que pode seduzir o leitor para com o texto, e por último o uso de traquejos orais e materiais no momento de despertar na pessoa o prazerde ler. O contador de histórias é também um agente de sua língua, mediador da literatura e da leitura, uma biblioteca ambulante carregada de histórias que se perpetua no tempo, capaz tanto de recontar de memória textos de tradição quanto buscar pistas na leituracomo forma de entreter o público. O contador também é um agente observador que busca em suas práticas desde antiguidade explorar, elaborar, (re) elaborar e refletir sobre práticas, recursos e métodos que subjazem a contação de histórias. Visto que este profissional busca apoio do livro e incorpora com outros elementos como a entonação da voz, o corpo, as pausas para demarcar e marcar as vozes e o silêncio no momento de transmissão da narrativa (BUSATTO, 2003). Conforme diz Busatto (2003, p. 09) “O contador de histórias empresta seu corpo, sua voz e seus afetos ao texto que ele narra, e o texto deixa de ser signo para se tornar significado”. Vale salientar que é com estes elementos que o contador constrói a sua performance. É importante frisar o que diz Zumthor (2007, p. 37): A performance e o conhecimento daquilo que se transmite estão ligados, naquilo que a natureza da performance afeta o que é conhecido. A performance, de qualquer jeito, modifica o conhecimento. Ela não é simplesmente um meio de comunicação: comunicando ela o marca. A performance realizada pelo contador no momento de oralização da narrativa torna-se um momento imprescindível do ouvinte conhecer elementos da construção da narrativa, elementos que aproximam o leitor do texto, bem como mergulhar no mundo das palavras que traz os livros. Assim o leitor pode perceber nas entrelinhas experiências, vivências dos povos ancestrais e que pouco se modificou nos tempos atuais, e que talvez pode ser vivenciado pelos leitores. Com a performance construímos referências e aproximações com a narrativa e com o que realmente traz o livro, ou o texto literário. Vale salientar o que diz Yunes (2010, p. 56) preconizando a indagação O que traz o livro? e como resposta apresenta “a intimidade com a palavra, a ordenação do pensamento, as visões de mundo, os sentimentos expressos, o diálogo sobre as divergências”, ou seja, é no suporte escrito que se assenta a cultura oral ou escrita que se amplia com a contação de histórias, bem como o suporte escrito desvela significados no entorno das palavras presentes na narrativa, assim como o contador imprime pela arte o sentido que as palavras possam transmitir aos ouvintes que se modelam na escrita. As narrativas contadas pelos contadores na antiguidade se remetiam as lendas, mitos e costumes dos povos ancestrais e se fortaleciam cada vez mais com as interações entre o sujeito contador e o sujeito ouvinte das histórias (RICOEUR, 1990). No qual era desenvolvida entre os sujeitos uma identidade narrativa, ou seja, reflexões que tornam o sujeito colaborativo, criativo e consciente da importância dessa atividade para o desenvolvimento cognitivo do sujeito, especificamente a criança. A contação se torna algo simbólico para o sujeito ouvinte quando este se torna reflexivo de suas próprias ações e passa a construir suas referências sobre o ato de contar histórias, ou seja, no ato de contação (ABRAMOVICH, 1989) em que o sujeito tem o seu primeiro contato com a materialidade escrita ou que possa ser veiculado pela narração oralizada pelo mediador literário, também denominado como mediador da leitura. Visto que a mediação da leitura e da literatura parte do objeto escrito livro e integrado a outros recursos que o contador de histórias domina em sua performance como um formador que articula sons, gestos, imagens e ajusta o corpo a narrativa e ao espaço que se constroem esse diálogo entre a narrativa e o ouvinte-leitor. É preciso salientar que a criança está situada entre diferentes linguagens como a oralidade, a escrita, a leitura, e que devem estar contempladas na arte de contar histórias, ou seja, integradas face a face com o aprendizado da criança. Visto que as práticas de linguagens apresentadas anteriormente quando trabalhadas lado a lado pelo contador permite que seja possível que o aluno desenvolva a capacidade de recepção e criação do texto literário, mas há uma complexidade em relação a este desenvolvimento quando o aluno não retém os conhecimentos aprendidos na contação, ou seja, no processo de mediação literária e necessita repensar no meio que possa ajudá-lo na construção do aprendizado da leitura e da literatura. Assim é possível a construção do aprendizado partindo inicialmente da escola, para em seguida ser trabalhada essa questão entre outros espaços formativos que possam permitir ao aluno refletir e lançar seu olhar frente ao texto literário. Vale salientar que o mediador de literatura em seu espaço de trabalho, seja na escola, na rua, na biblioteca procura desenvolver um modelo de preservação das relações entre literatura, escola e livro na perspectiva de atender ao objetivo de formar o aluno para construir significações, ou seja, construir sentidos por meio da leitura e por fim poderá se constituir um leitor proficiente. Conforme diz Zilberman (2003, p. 25) “Preservar as relações entre a literatura e a escola, ou o uso do livro em sala de aula, decorre de ambas compartilharem um aspecto em comum: a natureza formativa”. A escola apresenta como finalidade transformar a realidade do aluno a partir das práticas com as diferentes linguagens que abordam os livros, seja eles didáticos, literários, paradidáticos, entre outros fins no espaço escolar. Os livros se destinam aos estudantes de acordo com os seus interesses e se separam de acordo com as disciplinas que compreendem a grade curricular da escola e sistematizada no plano de ensino. A mediação literária na escola vai além de mediar o ensino de leitura e de literatura na escola, pois o mediador precisa estar em “convívio com o texto, o que implica alargamento de horizontes” segundo Zilberman (2003, p. 27). Horizontes que se entrelaçam na escola, ou seja, o mediador necessita alargar os seus conhecimentos e abrir-se para novos horizontes em que a leitura e literatura sejam trabalhadas lado a lado e não separadas do contexto escolar e do cotidiano do aluno. Visto que o educador pode priorizar em seu trabalho a mediação literária para a formação do leitor a partir da avaliação da qualidade do texto literário. De acordo com Morin (2001, p. 176-177) o leitor deve “prestar contas das articulações entre disciplinas, entre categorias cognitivas e entre tipos de conhecimento”. Aqui o leitor poderá trabalhar as capacidades construídas no processo de aquisição da linguagem que é falar, ler, escrever que poderíamos nomear por oralidade, leitura e escrita e por fim nas aprendizagens adquiridas por meio das múltiplas linguagens presentes na escola. Já se tratando das aprendizagens significativas que a mediação literária envolve, nos respaldamos em Maturana e Rezepka (2000) para refletir sobre a formação humana e sobre o desenvolvimento da criança enquanto leitor em formação. Uma vez que isso implica que a literatura deve proporcionar ao aluno o contato com espaços de convivência que levem a leitura até a criança por diversos meios. Assim segundo Maturana e Rezepka (2000, p. 11) com a concretização e construção desses espaços a criança passa a se desenvolver como “pessoa capaz de ser co-criadora com outros de um espaço humano de convivência social desejável”. A criança torna-se também um criador de ações construídas sob a tríade oralidade/leitura e escrita, e, consequentemente passa a mediar à leitura nos espaços em que convive.