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O psicopata no sistema penal brasileiro- aed

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O psicopata no sistema penal brasileiro
Com o crescente índice da criminalidade no Brasil e no mundo, percebe-se que uma característica se destaca em meio às demais: a violência exacerbada, empregada por alguns indivíduos que cometem a maioria desses crimes. A sociedade tem-se defrontado com indivíduos frios, sem manifestação alguma de remorso ou arrependimento, cuja crueldade dos seus atos é imensurável. Tais indivíduos foram classificados como portadores de distúrbios de personalidade ou psicopatas.
Eis que nos deparamos com uma questão ainda sem previsão legal, no que concerne ao tratamento apropriado a se aplicar nos casos dos crimes praticados por estes sujeitos. Diante disso, busca-se saber de que forma tem ocorrido a punibilidade destes elementos no atual Sistema Penal Brasileiro e seus efeitos na ressocialização.
Há que se pontuar a função garantista do Direito Penal, que é a de salvaguardar o direito das pessoas em face do poder punitivo estatal, evitando que o Estado de Polícia se sobreponha ao Estado de Direito. Além da sua natureza subsidiária e do seu caráter fragmentário, cujo preceito é o da intervenção legitimada, ou seja, sua atuação ocorre quando os demais ramos do direito se mostrarem insuficientes para o controle ou proteção social, eis que se encontra sob a égide do princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio. Não sendo este, portanto, o único instrumento normativo punitivo do Estado na defesa dos direitos e garantias constitucionais, mas o que deverá ser usado quando todos os demais forem inviabilizados ou não alcançarem o devido efeito diante da ofensa ou ameaça à ordem pública.
Enquanto que o Direito Penal tem a preocupação de impor limites ao Poder de punir do Estado, através de definições precisas das hipóteses de incidência comportamental dos indivíduos que serão submetidos à punição, a Criminologia enxerga no crime um problema, em que pese a sua base conflitual e ainda bastante difícil de ser desvendada, pois implica não somente a imposição e a forma de aplicação da pena, mas a análise do ser humano como elemento responsável pela prática do delito, tentando deslindar o enigma de ordem social, psicológica e tantas mais que “justifique” o que o levou a praticar o mesmo. Ou seja, ocupa-se do crime, do agente que comete o delito, da vítima e, ainda, do controle do comportamento social delituoso, tentando explicar e prevenir o acontecimento criminoso e intervindo na pessoa que o comete.
Em verdade, o modelo proposto pelos juristas que se aliaram ao movimento positivista respondia às necessidades da burguesia no final do século XIX, eis que correspondia a um retrato dos preconceitos sociais da Europa, algo bastante característico deste tempo. O positivismo era muito ligado à busca metódica sustentada no experimental, rechaçando noções religiosas, morais, conceitos abstratos, universais ou absolutos. Tudo aquilo que não pudesse ser demonstrado de forma material, por via da experimentação reproduzível, não podia ser científico,
Com a chegada do século XX, as teorias elaboradas por psiquiatras e psicólogos, em comunhão com os criminologistas passaram a ter destaque. Estas, indicando em seus estudos que cerca de 25% da população encarcerada é composta por neuróticos, psicóticos, ou pessoas com muita instabilidade emocional. E outros 25% são portadoras de deficiências mentais. Certo é que a maioria desses especialistas possui propensão a assumir as teorias do fator múltiplo, a de que o delito é cometido por consequência de um conjunto de fatores, tais como, conflitos, influências culturais, políticas, biológicas, psicológicas e econômicas. O que vemos, portanto, é que, atualmente, as discussões acerca da criminologia pairam sob as condições biopsicossociais do criminoso, envolvendo um pouco das três escolas.
A atuação da Psicologia e Psiquiatria Forense se dá quando há dúvida acerca da integridade ou saúde mental dos indivíduos. Segundo Bernardi, a Psicologia Jurídica é uma área de trabalho e investigação psicológica especializada no “estudo do comportamento humano no âmbito do direito, da lei e da justiça, de modo que a Psicologia possa desenvolver uma ampla e específica relação com o mundo do Direito (BERNARDI, 1999, p.12)”.
A utilização da Psicologia Jurídica no campo criminal serve para a busca por justiça, servindo como meio e não como fim para encontrá-la, da mesma forma que em outros ramos do Direito. A Psicologia Jurídica é utilizada no âmbito penal em casos como assassinatos em série e crimes altamente violentos, e outros, visto que seu campo de atuação tem maior aceitação no Direito Civil.
É certa, que a mola propulsora da articulação entre a Psicologia e o Direito é a contínua reflexão crítica, ou seja, o intercâmbio entre estas e o que se pretende através da interferência da Psicologia, interligando-se para ampliar o entendimento no estudo do crime e seu agente, avaliando o lado social criminológico.
A Psicologia Jurídica é uma ciência que auxilia o Direito, atuando de forma interdisciplinar, sem que, nesse processo, cada uma das duas ciências abandone seus limites e especificidades, não estando a Psicologia autorizada a pensar o Direito, pois deve se manter afastada dos fundamentos e da essência deste, atendo-se tão somente às normas. O Direito se volta para a norma, ou seja, como o homem se comporta em relação às leis estabelecidas ou que serão estabelecidas, visando ao bem-estar coletivo, e a Psicologia compreende o homem como ser social, onde se procura conhecer e compreender o que está acontecendo com o sujeito em um momento específico, vendo-o como um todo e também em sua particularidade (subjetividade) contextualizada no meio social.
Sociopatia e Psicopatia são termos usados na Psicologia e Criminologia, para fazer referência a dois grupos distintos de pessoas com traços de personalidade antissocial. Frequentemente vemos que é comum confundir a Sociopatia e a Psicopatia, pois compartilham de muitos traços, causando confusão para diferenciá-las de modo preciso, ainda que estes sejam diferentes.
Algumas das características semelhantes entre a Sociopatia e a Psicopatia incluem: desrespeito pelos costumes sociais e aos direitos alheios, às leis; tendência a apresentar comportamento violento e explosões emocionais; incapacidade de sentir culpa ou remorso, dentre outros.
Embora quase todos os psicopatas tenham transtorno de personalidade antissocial, apenas alguns indivíduos com transtorno de personalidade antissocial são psicopatas. Assim, é frequente confundir a Psicopatia com outros distúrbios de personalidade, tais como transtorno de personalidade esquizoide, dissocial, paranóide, além de outros.
Segundo o Ph. D Robert Hare, maior especialista em Psicopatia do mundo, Sociopata não é uma categoria formal de diagnóstico (HARE, 2008, p. 217-246). Esta é, de fato, uma expressão popular antiga, que implica em valores e atitudes de uma pessoa como resultado reflexo de algumas condições do ambiente em que está inserido, geralmente utilizada acerca de pessoas que foram criadas em um ambiente violento e disfuncional, e que, ali, aprenderam coisas erradas, tais como as gangues nascidas das periferias das cidades. São pessoas que podem ser mudadas, diferente dos psicopatas, que são o que são independentemente do ambiente em que vivem, ou viveram, e não há, ainda, meios prováveis e possíveis de mudá-los.
A psicopatia, por sua vez, conforme Dr. Hare, é uma anomalia psíquica, ainda que também seja um transtorno antissocial da personalidade, devido à qual, apesar da integridade das funções psíquicas e mentais, a conduta social do indivíduo que sofre dessa anomalia se encontra patologicamente alterada. Os sociopatas atentam contra as normas sociais de forma mais transparente que os psicopatas, que, tendo em vista sua maneira dissimulada de ocultar a índole contraventora, acabam se tornando mais perigosos que os primeiros. Fingem que seus erros não são culpa dele, e sim de outra pessoa, e brincam com o sentimento de pena das pessoas para, então, se desculparempelo seu comportamento desvirtuado, abusando da vulnerabilidade alheia em prol de seus objetivos.
Conforme a análise de profissionais especializados em Psicologia Criminal, as 20 características ou sintomas mais singulares de um psicopata são: Loquacidade / Encanto superficial; Egocentrismo / Sensação grandiosa de autoestima; Necessidade de estimulação / Tendência ao tédio; Mentira patológica; Direção / Manipulação; Falta de remorso e de sentimento de culpa; Afetos pouco profundos; Insensibilidade / Falta de empatia; Estilo de vida parasita; Falta de controle comportamental; Conduta sexual promiscua; Problemas precoces de comportamento; Falta de metas realistas no longo prazo; Impulsividade; Irresponsabilidade; Incapacidade de aceitar a responsabilidade pelas próprias ações; Várias relações maritais breves; Delinquência juvenil; Revogação da liberdade condicional; Versatilidade criminal.
Ademais, os psicopatas possuem graus variados de gravidade: leve, moderado e grave. E existem dois níveis de psicopatia, a Psicopatia Primária e a Secundária. Tal tipologia foi inicialmente desenvolvida por Blackburn (1998) e posteriormente foram aprimorados para quatro subtipos, que nada mais são que desmembramentos dos dois anteriores, com o intuito, na verdade, de facilitar a identificação destes elementos, tanto no âmbito dos estudos Médico-psicológico quanto da aplicação da pena, na seara jurídica, no que concerne ao dimensionamento destas, em acordo com o nível de periculosidade de tais agentes, enquanto criminosos, infratores e delinquentes sociais.
Observamos alguns elementos inerentes aos dois grupos: profundo desprezo pelas necessidades e sentimentos alheios e egocentrismo exacerbado. E, de modo geral, os psicopatas tendem a manifestar comportamentos rígidos e inflexíveis.
A psicopatia primária apresenta-se como o tipo mais cruel e de árdua recuperação, por se tratar de um distúrbio inato, de origem biológica, sendo estes bem mais impulsivos e hostis. Possuem mais excitação cortical e autonômica, e maior tendência a buscar sensações, não respondendo a sentimentos de inquietação, tensão, nem à censura social, tampouco à punição. Parecem capazes de coibir ou dissimular seus impulsos antissociais quase todo o tempo, não devido a escrúpulo, mas sim porque isso atende ao seu intento naquele instante. As palavras, para eles, não têm o mesmo sentido ou resultado que têm para nós. Não possuem projeto de vida e não parecem aptos a experimentar qualquer tipo de emoção genuína. Tendem a ser impositivos e dominadores, e, em contrapartida, amáveis, sedutores e sociáveis.
Ao passo que a psicopatia secundária trata-se de um distúrbio que acontece de acordo com as experiências vivenciadas pelo psicopata, ou seja, maus-tratos, violência, traumas de infância. Apesar de destemidos, os psicopatas secundários são indivíduos mais inclinados a reagir frente a situações de estresse, sendo aguerridos e propensos ao sentimento de culpa. Os psicopatas desse tipo se expõem a situações mais tormentosas do que uma pessoa dita comum, porém é tão propenso ao estresse quanto qualquer outro. São aventureiros e pouco convencionais, eis que começaram a formar suas próprias regras prematuramente. São vigorosamente conduzidos por um desejo de esquivar-se da dor e dos dissabores, por outro lado são incapazes de resistir ao impulso, à tentação de ignorá-las e buscarem o que desejam. Sendo o motivo que inicialmente os deteriam o mesmo que os impulsiona. Neste grupo é que se encontram os dependentes, antissociais, e paranóides. Seus crimes são menos planejados e pensam pouco, ou nada, nas consequências. Demonstram maior intensidade de fúria diante das ameaças físicas e verbais do que os psicopatas primários.
Depreende-se que o psicopata, que em muitos casos é taxado como doente mental, na verdade, deve ser considerado imputável quando de sua condenação por ato ilícito, tendo em vista que este atua com juízo crítico de seus atos e mostra-se, na maioria das vezes, mais perigoso que o criminoso comum. O problema está exatamente em sua identificação e diferenciação em face do criminoso portador de doença mental, inimputável, e ainda daqueles que possuem sua capacidade mental reduzida em função da redução da capacidade de compreensão ou vontade, os semi-imputáveis. Tanto a Psiquiatria, quanto as áreas afins, incluindo o Direito, ainda são divergentes quanto à determinação do psicopata como doente mental, sendo predominante o posicionamento do psiquiatra canadense Robert Hare, de que os psicopatas são conscientes de seus atos, apesar de demonstrarem carência em determinadas áreas no cérebro. Ou seja, a psicopatia não é uma doença mental, e, sim, transtorno de personalidade. Devem ser submetidos, em regra, à privação de liberdade. Tal pensamento prevalece porque os estudos ainda não comprovaram que a disfunção cerebral é a única característica para qualificar alguém como psicopata, cabendo avaliar, conjuntamente, todo o seu histórico de vida.
No Brasil, mesmo diante desta prevalência de entendimento médico-jurídico mundial, os Tribunais vêm aplicando medidas distintas para tais tipos de criminosos. Existindo julgados que acatam o entendimento acima, considerando tais indivíduos imputáveis, e de acordo com a gravidade do crime, sendo privados de liberdade e recolhidos a presídios com criminosos comuns; e outros que baseiam suas sentenças no art. 26, do Código Penal, aplicando a semi-imputabilidade (que não exclui a culpabilidade) àqueles que, ao tempo do crime, possuam sua capacidade de discernimento prejudicada, em razão de transtornos de personalidade, passando a gozar do benefício de possível diminuição de pena, variando de um a dois terços, conforme dispositivo acima. Ou, ainda, ter a pena substituída por medida de segurança, sendo recolhidos a hospitais de custódia para tratamentos, observado o disposto em lei.
Tais tratamentos e sentenças distintas, muitas vezes equivocadas, são nada menos que frutos de uma Lei, se não ultrapassada no todo, pelo menos desatualizada diante deste novo universo criado ao longo das últimas décadas, e que carece da inserção das novas abordagens do crime e do agente que o comete, de forma a desentravar nosso sistema carcerário e criar novas formas de avaliações e aplicações das penas, novo dispositivo penal, ou aplicar de forma efetiva e eficaz as já existentes e não utilizadas padronizadamente.
No Brasil, os condenados, independentemente do crime cometido, quase que em sua totalidade, são vistos pelo Estado de modo homogêneo. Resultando esquecido nas penitenciárias o princípio da individualização da pena, sendo cada vez mais comum que pessoas com personalidades e condutas distintas, venham recebendo um tratamento igualitário.
Diante da disparidade dos tratamentos dados pelo nosso Sistema Penal, e por todo o apresentado, faz-se necessária a busca por uma adequação e padronização das normas aplicadas a esse universo complexo de pessoas.
Referências
FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS JUNIOR, Marcos Julio Olivé. Psicologia jurídica. 5. ed. São Paulo: LTr, 2014.
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. 218 p.

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