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A ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – NOÇÕES INICIAIS E COMO O INSTITUTO SURGIU NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Breve introdução O sistema brasileiro de controle da constitucionalidade é considerado, por muitos, um dos mais completos e complexos dentre os existentes no mundo. Nele, convivem o controle concentrado e o difuso, o controle por via incidental e o controle por via principal, sem atritos ou desavenças. Cada um, a seu modo, completa o outro, naquilo em que este se torna lacunoso, omisso. A completude e a complexidade do sistema brasileiro revela-se pela existência no ordenamento de várias ações pelas quais se realiza o controle por via de ação direta. Até o final do ano de 1999, este controle poderia ser exercido mediante a utilização da ação direta de inconstitucionalidade, da ação declaratória de constitucionalidade, da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e da ação direta interventiva. A partir de 3 de dezembro de 1999, foi possível mais uma hipótese de controle concentrado: a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), tema deste trabalho. A ADPF veio inserir-se no já complexo sistema de jurisdição constitucional brasileiro. Alguns autores (CLÈVE, apud TAVARES, 2001, p. 43), perplexos ante a este fato, sustentaram que se haveria de encontrar um espaço “residual” para a ADPF, tendo em vista que esta se tratava de um instituto “secundário”, “medida despicienda”. A própria lei que regulamentou o instituto previsto constitucionalmente previu, num dos seus dispositivos, o que a jurisprudência do STF chamou de cláusula de subsidiariedade da ADPF. Mas, imperioso questionar, se o controle de constitucionalidade realizado no Brasil era, de fato, um dos mais completos do mundo, por que o constituinte originário de 1988 haveria de prever mais uma hipótese de controle? Neste momento, só nos cabe dizer que havia lacunas suficientes na justiça constitucional brasileira que justificavam a intenção de o constituinte proteger, com mecanismo de proteção diverso daqueles já existentes, os preceitos fundamentais da Constituição. Circunstâncias do advento da Lei n. 9882/99 (lei da ADPF) e finalidades do instituto A norma constitucional que prevê o julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental perante o Supremo Tribunal Federal pode ser classificada como de eficácia limitada , necessitando, portanto, de outra norma, infraconstitucional, que integre sua eficácia. A Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999, adveio com esta finalidade: integrar o dispositivo constitucional, regulamentando o processo e julgamento deste importante mecanismo de controle da constitucionalidade, introduzido pela Constituição Federal de 1988. Antes da edição da Lei da Arguição, as ADPFs ajuizadas não eram sequer conhecidas pelo STF, sob o argumento de que não havia lei regulamentadora do instituto, sendo reconhecida, portanto, a sua não auto-aplicabilidade. Foi, portanto, depois da promulgação da Lei n. 9.882/99, que começaram a ser apreciadas as primeiras ADPFs. Os mentores da Lei n. 9.882/99 desejavam introduzir no ordenamento jurídico brasileiro o chamado incidente de inconstitucionalidade, pelo qual determinada controvérsia constitucional ensejaria apreciação direta do STF, como algumas propostas de emendas à Constituição anteriores à Lei da Arguição já haviam tentado, sem sucesso (MENDES, 2009, pp. 1195-98). A introdução do incidente de inconstitucionalidade, portanto, foi a motriz da ADPF, tal como prevista na legislação regulamentadora. A comissão encarregada da elaboração da Lei n. 9.882/99, presidida pelo eminente jurista Celso Bastos e integrada pelos não menos eminentes Arnoldo Wald, Gilmar Mendes, Ives Gandra Martins e Oscar Dias Corrêa, chegou ao texto final do anteprojeto da lei, encaminhado em 20/11/1997, ao então Ministro da Justiça Íris Rezende . Desde março daquele ano, no entanto, tramitava no Congresso projeto de lei de autoria da deputada Sandra Starling, que objetivava igualmente regulamentar o § 1º do artigo 102 da Constituição Federal, disciplinando o instituto da ADPF, sob o nome de “reclamação”. Esta restringia-se aos casos em que o descumprimento de preceito fundamental constitucional resultasse de interpretação ou aplicação dos Regimentos Internos das Casas do Congresso Nacional ou do Regimento Comum, no processo legislativo. O projeto de lei recebeu aprovação do relator, o deputado Prisco Viana, na forma de substitutivo de sua autoria. Tal substitutivo (que guardava muitas semelhanças com o texto elaborado pela comissão Celso Bastos), depois de referendado pelo Plenário da Câmara dos Deputados e Senado Federal, foi encaminhado à apreciação do Presidente da República, que o sancionou, com veto ao inciso II do parágrafo único do artigo 1º, ao inciso II do artigo 2º, ao § 2º do artigo 2º, ao § 4º do artigo 5º, aos §§ 1º e 2º do artigo 8º e ao artigo 9º. (MENDES, 1999) Na sua redação original, é possível identificar com clareza que a lei possuía um importante propósito: o de servir de instrumento de promoção da cidadania, pois permitia a propositura da arguição por qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público. Este último dispositivo, como já referimos, foi vetado pelo Presidente da República, sob a alegação de que conferia um acesso irrestrito ao Supremo Tribunal Federal. O instituto ora analisado presta-se a outra finalidade, esta implícita: reforçar o controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo STF, em detrimento do controle difuso exercido pelos juízes e tribunais inferiores. Vê-se aqui, pois, uma tendência do moderno sistema constitucional brasileiro de valorização do controle concentrado de constitucionalidade.
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