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Por Carolina Varela e Mylena Gonzalez patologia da Nutrição e Dietoterapia II Terapia Nutricional no Perioperatório Cirurgia Definição: Cirurgia = Trauma = Agressão, insulto agudo. A cirurgia é um trauma. Toda a cascata neurobiológica, hormonal e citocínica vista no paciente crítico estará também presente no paciente cirúrgico. Tipos: Eletiva (agendada) vs emergência; Grande porte vs. pequeno porte. Se pode ser agendada, o ideal é que o paciente seja encaminhado para a equipe de nutrição previamente para que a equipe tenha um tempo para tentar resgatar o estado nutricional ou, minimamente, adequar ao máximo, visando diminuir a chance de complicações no pós-operatório. Classificação das cirurgias por tempo de intervenção: Pequeno porte (< 2 horas); Médio porte (2 a 4 horas); Grande porte (> 4 horas). Riscos • Riscos da anestesia (parada cardíaca, anafilaxia); • Trocas acidentais (medicamento, paciente, região cirúrgica); • Infecções (esterilização e desinfecção); • Explosões (anestésicos inflamáveis). Tipos de Anestesia Regionais: Local por infiltração Bloqueio dos plexos nervosos Epidural e raquidiana Tópica ou de superfície Gerais: Via endovenosa Via retal Via aérea (inalação) Resposta Fisiológica ao Trauma A cirurgia tem como resposta uma resposta fisiológica que envolve componente neuroendócrino, um componente metabólico e a cascata citocínica. Quando um indivíduo sofre um trauma/cirurgia, a área lesada, por meio das vias aferentes, vai conduzir essa informação ao SNC, pelas vias espinotalâmicas. Com isso, haverá ativação do tronco cerebral, de centros talâmicos corticais, fazendo com que a informação de que houve uma abordagem cirúrgica, houve um corte, Por Carolina Varela e Mylena Gonzalez uma área lesada e, assim, poderá haver uma resposta do organismo àquela situação de estresse agudo. Essa informação é conduzida para as regiões centrais, culminando para a ativação do hipotálamo. O hipotálamo faz contato com a glândula mestra do organismo - a hipófise - e, a partir dali, uma série de hormônios são secretados pela hipófise anterior e hipófise posterior, que caem na circulação e irão sinalizar para outras glândulas, como a suprarrenal, por exemplo. A partir da ativação do hipotálamo haverá, por exemplo, a ativação da hipófise anterior com a produção de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), que irá agir sobre a glândula suprarrenal, o TSH agirá sobre a tireoide e hormônio de crescimento, que terá impacto nos tecidos metabolicamente ativos. Além disso, pela hipófise posterior, haverá a secreção de ADH (hormônio antidiurético). Como consequência dessa resposta neuroendócrina ao trauma/cirurgia, a partir dessa secreção hormonal, haverá produção de hormônios contrarreguladores, com a secreção de cortisol, que é um importante hormônio produzido pela porção cortical da glândula suprarrenal e, também, produção de aldosterona por essa mesma glândula, um mineralocorticóide que irá interferir no estado de hidratação do paciente, juntamente com o hormônio antidiurético. É possível, então, imaginar que alterações metabólicas e alterações em relação ao estado de hidratação estarão presentes como resposta ao trauma. Ademais, haverá a produção aumentada de adrenalina e noradrenalina. A adrenalina pela porção medular da supra renal e noradrenalina pelas terminações nervosas simpáticas, em função da ativação do hipotálamo, assim como a modificação da produção de insulina e glucagon, afetando a relação insulina X glucagon pelo pâncreas (diminuição da produção de insulina e aumento da produção de glucagon). Isso acaba desencadeando no paciente o favorecimento do estado de hiperglicemia. Essas alterações no glucagon e na insulina visa, na verdade, beneficiar o paciente crítico ou que foi submetido à cirurgia. As células que precisarão replicar para cicatrização precisam de glicose. As células do sistema imunológico que precisarão replicar para dar conta do processo aguda também precisam de glicose. Então o organismo necessita de toda uma maquinaria para favorecer esse estado de hiperglicemia, que não pode ser totalmente desregulado, já que isso também poderia ser crítico ao paciente. Por Carolina Varela e Mylena Gonzalez Como Deve Ser o Cuidado Nutricional do Paciente Cirúrgico? Foi visto que uma série de alterações neuroendócrinas, citocínicas e metabólicas estão presentes. E, diante de todo esse cenário, como deve ser a abordagem nutricional? - Importância de Avaliar o Estado Nutricional Muitas vezes, a realidade dentro de um hospital é a seguinte: o paciente interna para realizar a cirurgia no dia seguinte. Muitas vezes interna até mais para o final do dia. O paciente, ao internar, precisa receber a visita do nutricionista para avaliar o estado nutricional, ainda que seja uma triagem nutricional, para avaliar se ele tem, ou não, risco nutricional. Toda alteração metabólica que o estresse cirúrgico causa coloca o paciente em risco de complicações e de problemas nutricionais. Estado Nutricional X Tratamento Cirúrgico 1936 Studley – Pioneiro em demonstrar associação entre a perda de peso pré-operatória e a mortalidade pós-operatória. Pacientes com úlcera péptica benigna submetidos a tratamento cirúrgico. Conclusão: Perda de peso > 20% - 33,3 % mortalidade Perda de peso < 20% - 3,5 % mortalidade 1938 Thompson et al – hipoproteinemia - ↑ deiscência de ferida operatória. 1944 Cannon et al – deficiência de ptns - ↑ infecções cirúrgicas. 1955 Rhoads & Alexander - hipoproteinemia - ↑ complicações cirúrgicas. Tanto a situação de desnutrição, quanto a situação de obesidade, expõem o paciente à uma maior morbidade, maior mortalidade e riscos no pós operatório. Na medida em que se consegue determinar o estado nutricional previamente, é possível prever estratégias para o paciente, seja no peri ou pós operatório. Desnutrição X Complicações Cirúrgicas • Maior risco de toxicidade dos anestésicos; • Maior edema do local lesionado; • Função imunológica comprometida; • Maior risco de infecções; • Pior cicatrização - proliferação celular depende de substratos; • Hospitalização prolongada. Obesidade X Complicações Cirúrgicas • Hipoventilação e complicações pulmonares; • Maior risco de tromboflebite pós-operatória; • Maior trabalho cardiovascular; Por Carolina Varela e Mylena Gonzalez • Risco de superdosagem de anestésico - fármacos lipossolúveis que podem se acumular no excesso de tecido; • Maior risco de complicações técnicas. (dificuldade de suturas e deiscência de feridas - tendência a abrir). Como avaliar o EN do paciente cirúrgico? O que deve ser considerado? Avaliação Nutricionaldo Paciente Cirúrgico • Avaliar tipo de cirurgia (tempo, local e extensão da área cirúrgica); • Avaliar tipo de anestesia; • Realizar exame físico cuidado; • Avaliar doenças ou sintomas associados; • Avaliar dados antropométricos; • Avaliar dados laboratoriais; • Realizar anamnese alimentar; • Avaliação Global Subjetiva; • Determinar EN e corrigir distúrbios (havendo tempo); • Avaliar necessidade de suporte nutricional no pré-operatório. - Limitação dos Indicadores Nutricionais - • Percentual do peso habitual – imprecisão do relato. • PCT – uso limitado em edema, obesos. • CMB – afetado pela doença. • Albumina – reduz com estresse metabólico. (hipoalbuminemia – mau prognóstico) • Transferrina – afetada pelo metabolismo de ferro. • AGS, MUST, NRS 2002 – ferramentas de classificação ou triagem nutricional valorizadas na literatura científica. Objetivos da Conduta Nutricional Perioperatória • Reduzir as complicações pós-operatórias em pacientes desnutridos; • Promover cicatrização de ferida operatória; • Recuperar ou preservar o EN e reservas corporais; • Minimizar efeito catabólico da cirurgia. Cuidado Nutricional no Pré-operatório Conduta Nutricional Pré-Operatória VET: Manter ou atingir estado nutricional adequado. Não é o momento para perda de peso. Fórmula de bolso HB F.I.: 1,2-1,6 PTN: Hiper Cobrir perdas cirúrgicas Garantir defesa imunológica Assegurar cicatrização Sabe-se que existe uma excreção de nitrogênio aumentada no paciente cirúrgico. Isso favorece um Por Carolina Varela e Mylena Gonzalez balanço nitrogenado negativo, sendo uma das indicações para a dieta hiperproteica. CHO e LIP: ANP (adaptado à necessidade do paciente) Micronutrientes: Complexo B: importância no metabolismo de CHO; Vitamina C: cicatrização (síntese de colágeno); Vitamina K: coagulação (produção de protrombina); Zn: cicatrização, função imunológica; Fe: síntese de hemoglobina (perdas sanguíneas). Conduta Nutricional na Véspera Preparo do paciente depende: • Grau de agressividade da cirurgia; • Região anatômica de intervenção cirúrgica; • Tipo de anestesia. Jejum cirúrgico visa evitar perigo de vômitos e broncoaspiração durante indução ou despertar da cirurgia. Tempo de Jejum Pré-operatório • Diretrizes atuais determinam a abreviação do tempo de jejum. – Não é mais necessário um jejum de 12 horas; – Pacientes sem risco de aspiração → beber fluidos claros até 2h antes da cirurgia; – Comer sólidos até 6 horas antes. – Exceções: cirurgia emergência, esvaziamento gástrico retardado. Ingestão de Bebidas Antes da Cirurgia Conduta Nutricional na Véspera Pequena Cirurgia Dia anterior: dieta sem excessos Jejum cirúrgico Grande Cirurgia Mesma prescrição até o lanche Jantar e ceia: dieta líquida completa (pobre em resíduos) Jejum cirúrgico OBS: Cirurgia de cólon - preparo 2 dias antes Suporte Nutricional no Pré-operatório Consenso atual quanto ao suporte nutricional pré-operatório: - Desnutrição pré-operatória influencia o tratamento cirúrgico - Sabe-se, hoje, que o paciente desnutrido tem indicação do suporte nutricional prévio à cirurgia. Ainda que seja uma paciente não desnutrido, mas se tem uma questão clínica grave, como alguma doença de natureza consumptiva, e se prevê um tempo de jejum pós cirúrgico prolongado, existe, também, a Por Carolina Varela e Mylena Gonzalez indicação para que esse paciente utilize algum suporte nutricional no pré-operatório. Qual suporte nutricional no pré-operatório? • Estudos mostram que tanto NE quanto NPT são efetivas em melhorar EN quando usadas no pré-operatório. • NE x NP – Escolha da via. • NE no pré-operatório – redução gradativa, suspensão com devida antecedência (jejum cirúrgico). • NPT no pré-operatório – recomenda-se suspensão no ato cirúrgico (pode ocorrer disparo acidental, interação medicamentosa, distúrbio metabólico). Indicação NE no Pré-operatório: ● ESPEN, 2006 → serão beneficiados pelo suporte nutricional enteral pré-operatório pacientes com risco nutricional grave. Paciente com, pelo menos, um dos seguintes parâmetros: • Perda de peso > 10%-15% nos últimos 6 meses. • IMC < 18,5 kg/m2; • Grau C na ASG; • Albumina sérica < 3,0 g/dL, na ausência de disfunção hepática ou renal. ● O SN deve ser feito por um período de 10 a 14 dias antes da cirurgia, para que haja tempo de uma melhora do EN do paciente. Suporte Nutricional no Pré-operatório • ESPEN, 2006 – Nutrição enteral – Aplicação • Indicado também para pacientes gravemente desnutridos – Devem receber de 25-30 Kcal/kg/dia. – Caso esta meta não seja atingida, suplementar com NPT. • Considerar a administração EV de metoclopramida em pacientes com intolerância à NE – Ex.: Resíduo gástrico elevado. – Via de administração • Não existe diferença significativa quanto à eficácia de administração gástrica ou jejunal. Ambas têm vantagens e desvantagens. Sabe-se que a via gástrica é preferencial, e ela favorece a repleção nutricional e permite uma maior diversidade de fórmulas, mas, em algumas situações, ela fica contra indicada, especialmente se o paciente tem risco de broncoaspiração. Nesse caso, a recomendação é a via jejunal. – Tipo de fórmula • Imunomoduladora (+ recomendada). Fórmula bem mais cara do que as fórmulas padrão. Dietas Imunomoduladoras Postsurgical Infections are Reduced with Specialized Nutrition Support World Journal of Surgery 2006; 30:1592-1604 Por Carolina Varela e Mylena Gonzalez • Resultados – ↓ complicações infecciosas – ↓ deiscências de anastomoses – ↓ tempo de internação (-2,5 dias) – Sem efeito na mortalidade – Melhores resultados com uso pré-operatório – Uso pós-operatório é menos efetivo mas deve ser feito quando não foi possível realizar no pré-operatório. • ESPEN, 2009 → serão beneficiados pelo suporte nutricional parenteral pré-operatório: • Pacientes cuja expectativa de alimentação normal for superior a 3 dias, devem receber NP dentro de 24h a 48h, caso a NE esteja contraindicada ou não seja bem tolerada. • Recomendações nutricionais • A NP deve cobrir integralmente a necessidade nutricional do paciente. • Na ausência de calorimetria indireta, recomenda-se 25 Kcal/kg/dia. Como avaliar a eficácia do suporte nutricional pré-operatório? Cuidado Nutricional no Pós-operatório • Avaliação do estado nutricional pré-operatório • Doença de base – Paciente oncológico – Paciente não oncológico • Tipo de procedimento cirúrgico / Área ressecada Conduta Nutricional no Pós-operatório Realimentação: Somente após funcionamento do TGI – avaliar peristalse; Respeitar náuseas e vômitos; Considerar local cirúrgico e tipo de anestesia. Início: Controverso; Respeitar liberação formal da dieta pelo médico e equipe de cirurgia. Nutrição Oral: Iniciar com líquida prova, para testar a tolerância do paciente Evoluir para líquida completa Evoluir consistência conforme tolerância do paciente e abordagem cirúrgica. Não existe uma regra. Tudo dependerá do paciente e da abordagem cirúrgica realizada. (Aguillar-Nascimento & Göelzer, 2002) Alimentação Oral Precoce • Grandes cirurgias do TGI - Alimentação oral precoce 24 horas após ressecçõese anastomoses intestinais: • Não apresenta riscos • Potenciais benefícios aos pacientes: - alta mais precoce Por Carolina Varela e Mylena Gonzalez - menor incidência de complicações infecciosas - diminuição de custos hospitalares. Então, mesmo para o paciente que fez uma grande cirurgia de TGI, pode e deve receber uma dieta utilizando TGI neste período de até 24h. (Carr, et al., 1996; Ortiz et al, 1996; Stewart et al, 1998, Behrns et al, 2000.) Como Evoluir a Dieta no Pós-operatório • Não existe padrão para evolução dietética em nenhum tipo de cirurgia – As evoluções variam de serviço para serviço • Avaliar sempre: – Presença de comorbidades – Doença de base – Retorno do peristaltismo - caracterizado clinicamente pelo aparecimento dos ruídos hidroaéreos e eliminação de gases. – Função intestinal – Presença de náuseas, vômitos, distensão e dor abdominal – Ocorrência de fístulas e/ou deiscência de anastomose ou de sutura O projeto ACERTO (ACEleração da Recuperação TOtal Pós-operatória) é um programa que visa acelerar a recuperação pós-operatória de pacientes. Baseado em programa europeu já existente (ERAS - Enhanced Recovery After Surgery) e fundamentado no paradigma da medicina baseada em evidências, o projeto ACERTO é antes de tudo um programa educativo. O tradicional cuidado pós-operatório tem sido questionado e a evidência tem mostrado que muitas condutas e práticas peri-operatórias são obsoletas e não tem respaldo científico. São quase empíricas e transmitidas a novos cirurgiões há décadas sem devido questionamento. O que o projeto faz é questionar todos os protocolos antigos que vinham sendo utilizados. Por exemplo, aqueles em que abordavam ser necessário ficar horas e horas em jejum, lavagem de TGI e uma série de outras condutas que eram utilizadas e que, na verdade, não tinham respaldo científico. Principais Pontos do Projeto ACERTO 1. Abreviação do jejum pré-operatório 2. Realimentação precoce no pós-operatório 3. Terapia nutricional peri-operatória 4. Antibiótico-profilaxia 5. Abolição do preparo de cólon em cirurgias eletivas colorretais 6. Redução do uso de fluidos intravenosos no peri-operatório Por Carolina Varela e Mylena Gonzalez 7. Uso restrito de sonda nasogástrica e drenos abdominais 8. Analgesia peri-operatória A lei primeira do programa ACERTO é: o dia da operação é o primeiro dia da recuperação do paciente. Há Indicação de Suporte Nutricional no Pós-operatório? • A maioria dos pacientes retomam a alimentação oral no pós–operatório e não necessitam de SN especializado • Algumas condições especiais têm indicação de suporte nutricional no pós-operatório. • Suporte Nutricional - Riscos inerentes • Decisão com devidas justificativas. Indicações de Suporte Nutricional no Pós-operatório • Pacientes desnutridos graves submetidos a cirurgias de grande porte; • Pacientes desnutridos operados em caráter de urgência; • Pacientes impedidos de usarem a via oral; • Pós-operatório complicado por infecção; • Trato GI disfuncional (íleo prolongado, DII); • Longo período de dieta zero; • Pacientes graves. Suporte Nutricional no Pós-operatório Fórmulas: - Padrão (ptn inteira) – maioria dos pacientes; - Imunomoduladores – avaliar necessidade e disponibilidade. Administração: - NE: 10 - 20 mL/h (fluxo lento). - Reavaliar paciente. Condições especiais: Ex.: Esofagectomias e gastrectomias totais são cirurgias que exigem SN especializado pós-operatório → geralmente jejunostomia.
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