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Prévia do material em texto

Apresentação à Edição 
Brasileira 
A presentar este livro do Dr. Otto F. Kernberg ao público 
especializado brasileiro é uma dupla satisfação. Primeiro, 
porque, devido a uma estratégia editorial inusitada da Editora 
Artes Médicas, esta edição vem a público bem antes de sua 
publicação em língua inglesa, visto que Love Rdations: Normality and 
Pathology está programado para ser publicado pela Yale University 
Press somente no final do próximo semestre, o que faz desta edição 
brasileira a primeira publicação em nível mundial deste livro. 
Segundo, porque seu lançamento, neste momento, vindo a servir 
como base para a discussão do Tema Oficial da XVII Jornada Sul-
Riograndense de Psiquiatria Dinâmica, promovida pelo Centro de 
Estudos Luís Guedes, do Departamento de Psiquiatria e Medicina 
Legal da UFRGS, confirma a amizade e o vínculo afetivo 
significativos que ligam os Drs. Otto e Paulina Kernberg à 
psiquiatria e à psicanálise do Rio Grande do Sul. 
Otto F. Kernberg é, sem dúvida, atualmente um dos mais 
distinguidos personagens da cena psicanalítica internacional, tendo 
se destacado com importantes contribuições nas áreas da 
contratransferência, da teoria das relações de objeto e da descrição, 
compreensão e tratamento das organizações de personalidade 
narcisistas e fronteiriças (borderliné). 
A amplitude e, ao mesmo tempo, a profundidade e a erudição 
dos seus interesses levaram o Dr. Kernberg a também pesquisar a 
aplicação da psicanálise a várias áreas afins de interface, como a 
psicoterapia de orientação analítica, a psiquiatria dinâmica (incluindo 
tratamentos hospitalares) e a dinâmica de grupos e instituições (o 
que lhe conferiu, entre diversas outras distinções já recebidas, o 
Presidential Awardfor Leadership in Psychiatry ofthe National Association 
ofHealth Care Systems, de 1993, nos Estados Unidos). 
 
 
 
 
 
 
 
vn 
 
 
Predestinado e estimulado talvez por uma peculiaridade 
biográfica (nasceu em Viena, na Europa, emigrou jovem para a 
América do Sul, Chile, onde se graduou como médico, psiquiatra e 
psicanalista; transferiu-se após para os Estados Unidos, onde 
desenvolveu e consolidou a maior parte de sua carreira psicanalíti-
ca), um dos aspectos mais importantes das contribuições do Dr. 
Kernberg foi o de trazer o trabalho de psicanalistas europeus e 
latino-americanos para conviver com a psicanálise norte-americana 
e o movimento inverso: apresentar e salientar, aos psicanalistas 
europeus e latinos, as principais contribuições da psicanálise ameri-
cana, especificamente da psicologia do ego, e de suas variações. 
Esta talvez seja a marca mais distintiva de sua produção 
científica, incluindo o presente livro: a de avançar ideias, formular 
conceitos, propor hipóteses, que tendem a integrar, por um lado, 
contribuições de duas das mais fortes correntes do pensamento 
psicanalítico atual, como o são a psicologia do ego e a teoria das 
relações de objeto, e, de outro, não desconhecer e nem descartar 
aspectos de vários outros enfoques que tensionam, enriquecem e de 
certa forma conflagram o cenário psicanalítico contemporâneo. 
Nos vários capítulos deste livro, o leitor poderá apreciar a 
convivência crítica da psicologia dos impulsos instintivos e do 
conflito libidinal-agressivo do Freud clássico, com teóricos 
americanos não menos clássicos como M. Mahler, E. Jacobson ou R. 
Stoller, lado a lado com autores fundamentais das relações de objeto 
anglo-saxões, como Fairbairn, M. Klein, H. Resenfeld, W. Bion, D. 
Meltzer - ou franceses como J. McDougall, J. Chasseguet-Smirgel, B. 
Grunberger, J. Laplanche, A. Green, entre outros. 
Tais aportes americanos e europeus integram e são 
integrados pelas personalíssimas contribuições do próprio 
Kernberg, que esboça neste livro uma original teoria dos afetos 
para dar suporte básico aos desenvolvimentos teórico-clínicos, não 
menos originais, que constituem a essência desta sua mais recente 
obra, isto é, as conceptualizações que Kernberg faz da função e 
evolução da excitação sexual, do desejo erótico e do amor sexual 
maduro, nas suas variantes normais e patológicas. 
A passagem desses fenómenos sexuais-eróticos do universo 
intrapsíquico, individual e da primeira interação mãe-bebê para a 
constituição do casal adulto, bem como a dinâmica da interação dos 
casais entre si, com outros casais e com o que Kernberg denomina 
as pressões do convencionalismo dos grandes grupos são outros dos 
momentos mais instigantes deste texto, que se expõem à reflexão 
do leitor interessado e que provavelmente farão da leitura do mesmo 
uma experiência certamente criativa e enriquecedora. 
Sidnei S. Schestatsky Gramado, novembro de 1994. 
 
 
 
 
 
Agradecimentos 
oi o Dr. John D. Sutherland, antigo diretor-médico da 
Clínica Tavistock, em Londres, e por muitos anos o 
consultor-sênior da Fundação Menninger, quem primeiro dirigiu a 
minha atenção ao trabalho de Henry Dicks. A aplicação da teoria das 
relações objetais de Fairbairn ao estudo dos conflitos conjugais, 
realizada por Dicks, proporcionou-me uma estrutura referencial 
que se tornou essencial quando comecei a desenredar as complexas 
interações que os pacientes com organização de personalidade 
borderline mantinham com seus amantes e parceiros conjugais. O 
trabalho dos drs. Michel Fain e Denise Braunschweig sobre a 
dinâmica de grupo, no qual as tensões eróticas são acionadas nos 
primeiros anos de vida e por toda a idade adulta, iniciou meu 
contato com as contribuições francesas ao estudo psicanalítico das 
relações amorosas normais e patológicas. No curso de dois períodos 
sabáticos em Paris, quando comecei a desenvolver os estudos 
incluídos neste livro, tive o privilégio de consultar importantes 
psicanalistas interessados no estudo das relações amorosas normais e 
patológicas, incluindo os Drs. Didier Anzieu, Denise Braunschweig, 
Janine Chasseguet-Smirgel, Christian David, Michel Fain, Pierre 
Fedida, André Green, Bela Grunberger, Joyce McDougall e François 
Roustang. Os drs. Serge Lebovici e Daniel Widlocher ajudaram 
muito a esclarecer minhas ideias sobre a teoria do afeto; mais tarde, 
os drs. Rainer Krause, de Saarbrucken, e Ulrich Moser, de Zurique, 
auxiliaram a esclarecer ainda mais a patologia da comunicação 
afetiva nas relações íntimas. 
Também tive o privilégio de contar, entre meus maiores 
amigos, com alguns dos mais importantes colaboradores ao estudo 
psicanalítico das relações amorosas nos Estados Unidos: os drs. 
Martin Bergman, Ethel Person e Robert Stoller. Ethel Person ajudou-
me a reconhecer as importantes contribuições que ela e o Dr. Lionel 
Ovesey fizeram sobre a identidade de género nuclear e a patologia 
sexual; Martin 
ix 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
F 
 
x Agradecimentos 
Bergman auxiliou-me a obter uma perspectiva histórica da natureza 
das relações amorosas e sua expressão na arte; e Robert Stoller 
encorajou-me a continuar a análise da íntima relação entre o 
erotismo e a agressão, da qual ele foi tão brilhantemente o pioneiro. 
Os drs. Leon Altman, Jacob Arlow, Martha Kirkpatrick e John 
Munder Ross proporcionaram-me úteis oposições às minhas ideias e 
o estímulo de suas próprias contribuições nesta área. 
Como sempre, um grupo de amigos próximos e colegas na 
comunidade psi-canalítica ajudou-me imensamente com suas 
reflexões e críticas, mas sempre encorajadoras e estimulantes, ao 
meu trabalho: os drs. Maria Bergman, Harolc Blum, Arnold 
Cooper, William Frosch, William Grossman, Donald Kaplan, Paulina 
Kernberg, Robert Michels, Gilbert Rose, Joseph e Anne-Marie 
Sandler e Ernst e GertrudeTicho. 
Também, como sempre, sou profundamente grato à Srta. 
Louise Traitt e à Srta. Becky Whipple por seu trabalho alegre e 
paciente nas muitas etapas que conduziram, desde os primeiros 
rascunhos, à versão final.A firme preocupação da Srta. Whipple 
com os pequenos detalhes deste original foi essencial à sua produ-
ção. A Sra. Rosalind Kennedy, minha assistente-administrativa, 
continuou a proporcionar o cuidado, organização e coordenação 
totais do trabalho em meu escritório, o que permitiu a emergência 
deste rascunho em meio a muitas tarefas e prazcí conflitantes. 
Este é o terceiro livro que escrevi com a estreita colaboração de 
minha editora de muitos anos, a Sra. Natalie Altman, e a editora-
sênior da Yale University Press, l Sra. Gladys Topkis. Sua revisão 
competente e sempre encorajadora, habilmente l crítica, foi, mais 
uma vez, uma experiência esclarecedora. 
Sou profundamente grato a todos os amigos e colegas que 
mencionei, e aos meus pacientes e alunos, que me proporcionaram 
maisinsight em um número relativamente limitado de anos do que 
eu esperaria adquirir na minha vida inteira, i Eles também me 
ensinaram a aceitar os limites de meu entendimento desta vasta i e 
complexa área da experiência humana. 
Também sou grato aos editores originais pela permissão de 
reimprimir material nos capítulos abaixo listados. Deve-se enfatizar 
que este material foi amplamente reformulado e modificado. 
Capítulo 2: Adaptado de "New Perspectives in Psychoanalytic 
Affect Theory". Em: Emotion: Theory, Research and Experience, ed. R. 
Plutchik e H. Kellerman. NOVÍ Iorque: Academic Press, 11-130,1989. 
Publicado com a permissão da Academicl Press, e de 
"Sadomasochism, Sexual Excitement and Perversion". Journal 
o/the| American Psychoanalytic Association. 39:333-362,1991. Publicado 
com a permissão c Journal ofthe American Psychoanalytic Association. 
Capítulo 3: Adaptado de "Mature Love: Prerequisites and 
Characteristics".,| Journal ofthe American Psychoanalytic Association. 
22:743-768,1974, e de "Boundaries j 
Agradecimentos xi 
and Structure in Love Relations" .Journal ofthe American Psychoanalytic 
Association. 25: 81-114,1977. Publicado com a permissão dojournal 
ofthe American Psychoanalytic Association. 
Capítulo 4: Adaptado de "Sadomasochism, Sexual 
Excitement and Perversion" .Journal ofthe American Psychoanalytic 
Association. 39:333-362,1991, e de "Boundaries and Structure in Love 
Relations". Journal ofthe American Psychoanalytic Association. 25:81-
114,1977. Publicado com a permissão do Journal ofthe American 
Psychoanalytic Association. 
Capítulo 5: Adaptado de "Barriers to Falling and Remaining in 
Love" .Journal ofthe American Psychoanalytic Association. 22:486-
511,1974. Publicado com a permissão do Journal ofthe American 
Psychoanalytic Association. 
Capítulo 6: Adaptado de "Agression and Love in the 
Relationship of the Couple". Journal ofthe American Psychoanalytic 
Association. 39:4-70,1991. Publicado com a permissão dojournal ofthe 
American Psychoanalytic Association. 
Capítulo 7: Adaptado de "The Couple's Constructive and 
Destructive Superego Functions". Journal ofthe American 
Psychoanalytic Association. 41:653-677, 1993. Publicado com a 
permissão dojournal ofthe Psychoanalytic Association. 
Capítulo 8: Adaptado de "Love in the Analytic Setting". Aceito 
para publicação. Journal ofthe American Psychoanalytic Association. 
Publicado com a permissão do Journal ofthe Psychoanalytic Association. 
Capítulo 11: Adaptado de 
"TheTemptationsofConventionality".íntemfltional Review of 
Psychoanalysis. 16: 191-205, 1989. Publicado com a permissão de 
The International Review of Psychoanalysis e de "The Erotic Element in 
Mass Psychology and in Art". Bulletin ofthe Menninger Clinic. Vol. 
58, Número l, Inverno de 1994. Publicado com a permissão doEulletin 
ofthe Menninger Clinic. 
Capítulo 12:" Adolescent Sexuality in the Light of Group 
Processes." 
The Psychoanalytic Quarterly. Vol. 49,1:27-47,1980, e de "Love, the 
Couple and 
the Group: A PsychoanalyticFrame".Tfe Psychoanalytic Quarterly. Vol. 
49,1:78-108, 
1980. Publicado com a permissão doPsychoanalytic Quarterly. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prefácio 
 í alguns anos, quando meus escritos sobre 
pacientes com organização de ersonalidade 
borderline enfatizavam a importância da agressão 
em sua sicodinâmica, um colega e bom amigo disse-me, meio 
brincando: "Por que você não escreve sobre o amor — todo 
mundo tem a impressão de que você se preocupa apenas com a 
agressão!" Prometi a ele que faria isso quando as respostas a 
algumas das intrigantes perguntas nessa área estivessem mais 
claras para mim. O presente trabalho é o resultado das 
minhas reflexões sobre aquelas questões, embora eu deva 
admitir que de modo algum tenha encontrado as respostas a 
todas as perguntas. Mas acredito que avancei suficientemente 
em minhas ideias para partilhá-las, e espero que, assim 
fazendo, contribua para que outros venham a iluminar o que 
ainda está obscuro. 
A psicologia e a patologia das relações amorosas 
começaram a chamar a minha atenção quando percebi que era 
quase impossível predizer o destino de uma relação amorosa, 
ou de um casamento, com base na psicopatologia individual do 
paciente. Às vezes, diferentes tipos e graus de psicopatologia nos 
parceiros pareciam resultar numa combinação confortável para 
o casal; outras vezes, estas diferenças tornavam-se a fonte das 
incompatibilidades. As perguntas "O que mantém os casais 
juntos? O que destrói seu relacionamento?" me perseguiam, e 
foram o ímpeto para que eu estudasse a dinâmica presente nos 
relacionamentos íntimos dos casais. 
Ao longo dos séculos, o assunto do amor recebeu muita 
atenção por parte dos poetas e filósofos. Em épocas mais 
recentes, ele foi estudado por sociólogos e psicólogos. Mas, com 
raras exceções, encontramos surpreendentemente pouco sobre o 
amor na literatura psicanalítica. 
xiii 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
H 
xiv Prefácio 
Repetidamente, em minhas tentativas de estudar a natureza 
do amor, me obrigado a confrontar a relação do erótico com a 
sexualidade. Descobri que, e contraste com os abundantes estudos 
sobre a resposta sexual de uma perspectr biológica, muito pouco 
fora escrito sobre ela como uma experiência subjetiva. LOJ me 
descobri lidando com fantasias inconscientes e suas raízes na 
sexualidade: f antil—em resumo, de volta a Freud. Clinicamente, 
também descobri que era p meio da mútua identificação projetiva 
que os casais reencenavam "cenários" pá sados (experiências e/ou 
fantasias inconscientes) em seu relacionamento, e qu« "perseguição" 
mútua, fantasiada e real (derivada da projeção de aspectos inf ar; do 
superego), assim como o estabelecimento de um ego ideal 
conjunto, influe ciavam poderosamente a vida de um casal. 
Minha base de dados foram pacientes tratados por psicanálise e 
psicoterap psicanalítica, a avaliação e o tratamento de casais com 
conflito conjugal, e partic larmente os estudos de seguimento, a 
longo prazo, de casais através da "janela"; psicanálise e da 
psicoterapia psicanalítica de pacientes individuais. 
Logo descobri que era impossível estudar as vicissitudes do 
amor sem tai bem estudar as vicissitudes da agressão, 
independentemente de o foco ser o rtí cionamento do casal ou o 
indivíduo. Os aspectos agressivos do relacionamer, erótico do 
casal emergiram como uma importante característica de todas as rd 
coes sexuais íntimas, uma área em que o trabalho pioneiro de 
Robert Stoller p: porcionou um esclarecimento significativo. Mas 
achei que os aspectos agressiv da ambivalência universal das 
relações objetais íntimas eram igualmente impe tantes, assim como 
os componentes agressivos das pressões do superego, desenc deados 
na vida íntima de um casal. A teoria psicanalítica das relações 
objet; facilitou o estudo da dinâmica ligando os conflitos 
intrapsíquicos e as relacõ interpessoais, as mútuas influências entre 
o casal e seu grupo social circundar; assim como a interaçãodo 
amor e da agressão em todos esses campos. 
Assim, apesar da melhor das intenções, as evidências 
indiscutíveis me oh garam a focar, nitidamente, também a agressão 
neste tratado sobre o amor. Ma justamente por isso, o 
reconhecimento da maneira complexa pela qual o amor e agressão 
se fundem e interagem na vida do casal também destaca os 
mecanisrn pelos quais o amor pode integrar e neutralizar a agressão, 
e, em muitas circunstá cias, triunfar sobre ela. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
Apresentação à Edição Brasileira................................................... vii 
SidneiS. Schestatsky 
Agradecimentos .............................................................................. ix 
Prefácio .................................................................................... xiii 
Capítulo l Determinantes e Constituintes da Experiência Sexual 3 
Capítulo 2 Excitação Sexual e Desejo Erótico ......................... 17 
Capítulo 3 Do Desejo Erótico ao Amor Sexual Maduro ........... 33 
Capítulo 4 Amor Sexual Maduro, Édipo e o Casal .................. 48 
Capítulo 5 Experiência Sexual e Psicopatologia ...................... 63 
Capítulo 6 Agressão, Amor e o Casal .................................... 79 
Capítulo 7 Funções Superegóicas Construtivas e Destrutivas do 
Casal... 94 
Capítulo 8 O Amor no Setting Analítico 109 
Capítulo 9 Patologia Masoquista e Relações Amorosas.......................................... 122 
Capítulo 10 Narcisismo e Relações Amorosas ......................................................... 137 
Capítulo 11 Sexualidade da Latência, Processos de Grupo e 
Convencionalidade ..................................................................................................... 156 
Capítulo 12 Desafio Externo do Casal: Processos Grupais 
Adolescentes e Adultos .............................................................................................. 171 
Referências Bibliográficas .......................................................................................... 185 
 
 
 
 
 
C a p í t u l o l 
 Determinantes e Constituintes 
da Experiência Sexual 
Jue o sexo e o amor estão estreitamente associados é uma afirmação quase ndiscutível. Portanto, 
não deve causar surpresa que um livro sobre o amor :omece com uma discussão sobre as raízes 
biológicas e psicológicas da ex-.a sexual, as quais estão intimamente relacionadas. Já que os 
aspectos biológicos constituem a matriz em que os aspectos psicológicos podem se desenvol-
ver, comecemos explorando esses fatores biológicos. 
As Raízes Biológicas da Experiência e do Comportamento Sexual 
Ao investigarmos o desenvolvimento das características sexuais humanas, observamos que, 
conforme avançamos na escala biológica do reino animal (particularmente quando comparamos 
mamíferos inferiores com os primatas e os seres humanos), as interações psicossociais entre o 
bebé e seu cuidador desempenham um papel cada vez mais significativo na determinação do 
comportamento sexual, associadas a uma relativa diminuição no controle por fatores genéticos e 
hormonais. Minhas principais fontes para o resumo que se segue são o trabalho pioneiro de 
Money e Ehrhardt (1972), e os subsequentes avanços obtidos, talvez mais bem resumidos por 
Kolodny e colaboradores (1979), Bancroft (1989) e McConaghy (1993). 
Nos primeiros estágios de seu desenvolvimento, o embrião mamífero tem o potencial para ser 
homem ou mulher. Gônadas indiferenciadas se transformam em testículos ou ovários, dependendo 
do código genético representado pelas diferentes características do padrão cromossômico 46, XY 
para os homens e XX para as mulheres. Gônadas primitivas no ser humano podem ser detectadas 
desde aproximadamente a sexta semana de gestação, quando, sob a influência genética, são 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Q£ 
 
4 Otto F. Kernberg 
segregados hormônios testiculares nos homens: o hormônio inibidor dos dutos de Muller (MIH), 
que possui um efeito desfeminizador na estrutura dos genitais internos femininos, e a 
testosterona, que promove o crescimento dos órgãos masculinos internos e externos, 
particularmente os dutos bilaterais de Wolff. Se estiver presente um código genético feminino, a 
diferenciação ovariana começa na décima segunda semana gestacional. 
A diferenciação sempre ocorre na direção feminina, independentemente da programação 
genética, a menos que esteja presente um nível adequado de testosterona. Em outras 
palavras, mesmo que o código genético seja masculino, uma quantidade inadequada de 
testosterona resultará no desenvolvimento de características sexuais femininas. O princípio da 
feminização tem prioridade em relação à masculinização. Durante a diferenciação feminina 
normal, o primitivo sistema de dutos de Muller se transforma em útero, trompas de Falópio e no 
terço interno da vagina. Nos homens, o sistema de dutos de Muller regride, e o sistema de dutos 
de Wolff se desenvolve, transformando-se nos vasos deferentes, vesículas seminais e dutos 
ejaculatórios. 
Embora os precursores internos dos órgãos sexuais masculinos e femininos estejam ambos 
presentes para desenvolvimento potencial, os precursores dos genitais externos são de um 
único tipo, podendo se transformar ou em órgãos sexuais externos masculinos ou em femininos. 
Sem a presença de níveis adequados de andrógenos (testosterona e di-hidrotestosterona) durante 
o período crítico de diferenciação, começando na oitava semana gestacional, irão desenvolver-se 
um clitóris, vulva e vagina. Mas com a presença de níveis adequados de estimulação andrógena, 
formar-se-á o pênis, incluindo suas glândulas e o saco escrotal, e os testículos irão desenvolver-
se como órgãos intra-abdominais, que normalmente migram para sua posição escrotal durante o 
oitavo ou nono mês de gestação. 
Sob a influência dos hormônios fetais circulantes, ocorre um desenvolvimento dimórfico de 
certas áreas do cérebro após a diferenciação dos genitais internos e externos. O cérebro é 
ambitípico e, nele, o desenvolvimento das características femininas também prevalece, a menos 
que haja um nível adequado de andrógenos circulantes. As funções hipotalâmicas e pituitárias 
específicas que serão diferenciadas no sentido do funcionamento cíclico nas mulheres, e não-
cíclico nos homens, são determinadas por esta diferenciação. A diferenciação masculino/feminino 
do cérebro ocorre somente no terceiro trimestre, após ter ocorrido a diferenciação dos órgãos 
externos, e possivelmente continua seu desenvolvimento durante o primeiro trimestre pós-natal. 
Nos mamíferos não-primatas, a diferenciação hormonal pré-natal do cérebro predetermina o 
subsequente comportamento de acasalamento. Nos primatas, entretanto, a comunicação e 
aprendizagem social inicial são extremamente importantes na determinação do comportamento 
sexual, de modo que o controle do comportamento concreto de acasalamento é determinado 
amplamente pelas primeiras interações sociais. 
As características sexuais secundárias—a distribuição da gordura corporal e pêlos, mudança 
na voz, desenvolvimento dos seios e um significativo crescimento 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 5 
dos genitais —, que emergem durante a puberdade, são desencadeadas por fatores do sistema 
nervoso central e controladas por um significativo aumento de andrógenos e estrógenos 
circulantes, como o são as funções femininas específicas da menstruação, gestação e lactação. 
Os desequilíbrios hormonais podem alterar as características sexuais secundárias, 
provocando, na falta de andrógenos, a ginecomastia nos homens e, no caso de andrógenos 
excessivos, ohirsutismo, engrossamento da voz e hipertrofia clitoridiana nas mulheres. Mas as 
influências das alterações dos níveis hormonais no desejo e no comportamento sexual são muito 
menos claras. 
Exatamente como o sistema nervoso central afeta o início da puberdade também não está 
claro ainda; a redução na sensibilidade do hipotálamo ao feedback negativo foi considerada um 
dos mecanismos envolvidos (Bancroft, 1989). Nos homens, a disponibilidade inadequada de 
andrógenos circulantes reduz a intensidade do desejo sexual; mas quando os andrógenos 
circulantes estão em níveis normais, ou acima do normal, o desejo e o comportamento sexual são 
notavelmente independentes dessas flutuações. A castração pré-puberal nos meninos que não 
recebem reposição de testosterona leva à apatia sexual. A testosterona exógena durante a 
adolescência, nos homens com fracasso primário de androgenização, restaura o desejo e o 
comportamento sexual normal. A resposta à terapia de reposição com testosterona nos anos 
posteriores, todavia, quando a apatia tornou-se estabelecida, é menos satisfatória: aqui, 
sequências críticas no tempo parecem desempenhar um papel. Da mesma forma, embora estudos 
em mulheres indiquem um desejo sexual aumentado imediatamente antes e depois do fluxo 
menstrual, a dependência do desejo sexual determinada pelas flutuações hormonais é insignificante 
quando comparada aos estímulos psicossociais. De fato, McConaghy (1993) julga que o desejo 
sexual feminino é mais influenciado por fatores psicossociais do que o masculino. 
Nos primatas e em formas inferiores de mamíferos, o interesse sexual, assim como o 
comportamento sexual, é fortemente controlado pelos hormônios. Nos roedores, o comportamento 
de acasalamento é determinado apenas pelo estado hormonal, e uma injeção pós-natal 
inicial de hormônios pode influenciar crucialmente tal comportamento. A castração pós-
puberal leva a um decréscimo gradual da ereção e do interesse sexual, um decréscimo que 
progride por semanas ou anos; a administração de testosterona reverte imediatamente esta 
indiferença. Injeções de andrógenos em mulheres na pós-menopausa aumentam seu desejo 
sexual, sem modificar de maneira nenhuma sua orientação sexual. 
Em resumo, no ser humano os andrógenos parecem influenciar a intensidade do desejo sexual 
tanto nos homens quanto nas mulheres, mas no contexto de uma clara predominância dos 
determinantes psicossociais na excitação sexual. Embora nos mamíferos inferiores, como os 
roedores, o comportamento sexual seja controlado amplamente pelos hormônios, os primatas 
apresentam certa modificação desse controle pelos estímulos psicossociais. Os macacos Rhesus são 
estimulados pelo odor de um hormônio vaginal segregado pela fêmea na época da ovulação; as 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 Ofío F. Kernberg 
macacas Rhesus ficam muito interessadas em acasalar-se na época da ovulação, mas também se 
interessam em outros momentos; aqui, novamente, os níveis de andrógenos influenciam a 
intensidade do comportamento sexual apresentado pelas fêmeas. A injeção de testosterona na área 
pré-ótica dos ratos machos desperta neles um comportamento maternal e de acasalamento, mas 
sua copulação com as fêmeas persiste. A testosterona parece liberar o comportamento maternal, 
uma capacidade que o macho contém em seu cérebro e o que fala a favor do controle do sistema 
nervoso central sobre diversos aspectos do comportamento sexual. Este achado biológico sugere 
que o potencial para comportamentos sexuais habitualmente característicos de um género, ou 
característicos de mais de um género, também existem no outro género. 
A intensidade da excitação sexual, a atenção centrada nos estímulos sexuais, as respostas 
fisiológicas de excitação sexual caracterizadas pelo fluxo sanguíneo aumentado, tumescência e 
lubrificação dos órgãos sexuais, estão todas sob influência hormonal. 
A. Fatores Psicossociais 
A discussão precedente abrange aquilo que é quase inequivocamente aceito como biológico; 
passaremos agora a áreas mais controversas, e a áreas ainda longe de ser bem entendidas, em que os 
determinantes biológicos e psicológicos se sobrepõem ou interagem entre si. Uma dessas áreas 
centrais é a que envolve a identidade de género nuclear e a identidade de papel de género. No ser 
humano, a identidade de género nuclear (Stoller, 1975) — isto é, o sentimento do indivíduo de ser ou 
homem ou mulher—é determinado pelo género atribuído a ele por seus cuidadores durante os 
primeiros dois a quatro anos de vida, e não por suas características biológicas. Money 
(1980,1986,1988; Money e Ehrhardt, 1972) e Stoller (1985) ofereceram evidências convincentes a 
este respeito. Da mesma forma, a identidade de papel de género—isto é, a identificação do 
indivíduo com certos comportamentos típicos em homens ou em mulheres numa dada sociedade 
— é também fortemente influenciada por f afores psicossociais. Além disso, a exploração 
psicanalítica revela que a seleção do objeto sexual — o alvo do desejo sexual—também é fortemente 
influenciada pelas experiências psicossociais iniciais. 
No que segue, examino evidências importantes referentes às raízes desses constituintes da 
experiência sexual humana. Em resumo, elas são: 
— Identidade de género nuclear: se a pessoa se considera homem ou mu 
lher. 
— Identidade de papel de género: as atitudes psicológicas e os comporta 
mentos interpessoais específicos — padrões gerais de interação social, 
assim como padrões específicos referentes às interações sexuais — que 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 7 
são característicos ou dos homens ou das mulheres, e portanto os diferenciam. 
A seleção de um objeto sexual, quer heterossexual quer homossexual, quer centrada numa ampla 
variedade de interações sexuais com o objeto sexual, quer restrita a uma determinada parte da 
anatomia humana, não-humana ou objeto inanimado. 
A intensidade do desejo sexual, expressada pela dominância de fantasias sexuais, estado de alerta 
aos estímulos sexuais, desejos de se engajar em comportamentos sexuais e excitação fisiológica dos 
órgãos genitais. 
B. Identidade de Género Nuclear 
Money e Ehrhardt (1972) oferecem evidências de que os pais, em circunstâncias comuns, 
mesmo que acreditem estar tratando um bebé do sexo masculino ou um bebé do sexo feminino 
exatamente da mesma maneira, apresentam diferenças determinadas pelo género no seu 
comportamento em relação ao bebé. Embora existam diferenças homem/mulher baseadas na 
história hormonal pré-natal, estas diferenças não predeterminam automaticamente a diferenciação 
pós-natal homem/ mulher: a patologia hormonal f eminizadora nos homens ou a patologia 
hormonal masculinizante nas mulheres, exceto em condições de um grau extremo de anor-
malidade hormonal, podem influenciar mais a identidade de papel de género do que a identidade 
de género nuclear. 
Andrógenos em excesso, no período pré-natal da menina, podem ser responsáveis, por 
exemplo, por molecagens mais características de meninos e maior gasto de energia em recreação e 
agressão. Uma inadequada estimulação androgênica pré-natal nos meninos pode provocar uma 
certa passividade e não-agressividade, mas não influencia a identidade de género nuclear. 
Além disso, as crianças hermafroditas que são criadas sem nenhuma ambiguidade como 
meninos ou meninas irão desenvolver uma sólida identidade como homens ou mulheres em con-
sonância com as práticas de sua educação, independentemente de sua dotação genética, 
produção hormonal e inclusive—até certo ponto—da aparência externa do seu desenvolvimento 
genital (Meyer, 1980; Money e Ehrhardt, 1972). 
Stoller (1975), Person e Ovesey (1983,1984) exploraram o relacionamento entre a patologia 
inicial na interação entre a criança e os pais e a consolidação daidentidade de género nuclear. O 
estudo do transexualismo — isto é, o estabelecimento de uma identidade de género nuclear 
contrária à biológica em indivíduos com um género biológico claramente definido—não mostrou 
que ele está relacionado a anormalidades genéticas, hormonais ou genitais físicas. Embora a 
pesquisa sobre sutis variáveis biológicas, particularmente nas transexuais mulheres, levante a 
possibilidade de algumas influências hormonais, a evidência esmagadora é a favor de uma severa 
patologia nas primeiras interações psicossociais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Em relação a isso, a investigação psicanalítica com crianças com identidade sexual anormal, 
assim como a história de transexuais adultos, proporciona informações sobre os padrões 
significativos primeiramente descritos por Stoller (1975). Estes incluem, para os transexuais homens 
(homens biológicos que sentem ter uma identidade nuclear de mulher), uma mãe com fortes 
componentes bissexuais de personalidade, mantendo-se distante de um marido passivo ou não-
disponível, e que engolfa seu filho como se este lhe provasse, simbolicamente, a identidade 
sexual complementar que lhe faltasse. Esta simbiose idílica com a mãe que implicitamente elimina 
a masculinidade do menino, levando-o, simultaneamente, a uma excessiva identificação com a mãe 
e à rejeição do papel masculino sentido como inaceitável para a mãe e inadequadamente 
modelado pelo pai. Nas transexuais mulheres, o comportamento rechaçante da mãe em relação à 
filhinha e a ausência de um pai disponível impulsionam a menina, que não se sente reforçada 
enquanto menininha, a tornar-se um homem substituto, para com isto aliviar o sentimento de 
solidão e depressão da mãe. Este comportamento masculino é encorajado pela mãe, cujo 
desespero se alivia, e conduz a uma melhor solidariedade familiar. 
O comportamento inicial dos pais, particularmente o da mãe, que influencia a identidade de 
género nuclear e o funcionamento sexual em geral não é exclusivo dos seres humanos. O trabalho 
clássico de Harlow e Harlow (1965) com primatas demonstrou que um apego adequado através 
de um contato seguro, fisicamente próximo entre o bebé e a mãe, é essencial para o 
desenvolvimento de uma resposta sexual normal nos macacos adultos: a ausência de uma 
maternagem normal e, secundariamente, de interação com grupos de iguais em fases 
desenvolvimentais críticas perturba a capacidade de resposta sexual na idade adulta. Esses 
macacos permaneceram também desajustados em outras interações sociais. 
Embora Freud (1905,1933) propusesse umabissexualidade psicológica para ambos os 
géneros, ele postulou também que a mais primitiva identidade genital, tanto para os meninos 
quanto para as meninas era masculina. Propôs que as meninas — primeiro fixadas no clitóris como 
uma fonte de prazer paralela ao pênis do homem—mudavam de sua identidade genital primária (e 
orientação homossexual implícita) da mãe para o pai, numa orientação edípica positiva, como 
uma expressão do desapontamento por não ter um pênis, por sua ansiedade de castração e pelo 
desejo simbólico de repor o pênis através de um filho do pai. Stoller (1975, 1985), entretanto, 
sugeriu que, dado o intenso apego e relacionamento simbiótico com a mãe, a identificação 
primitiva tanto dos bebés do sexo masculino quanto do feminino seria feminina, com uma 
mudança gradual (como parte da separação-individuação) no bebé do sexo masculino, de uma 
identidade feminina para uma identidade masculina. Mas Person e Ovesey (1983,1984), com base 
em estudos de pacientes com orientação homossexual, travestismo e transexualismo, postularam 
uma identidade de género original que é tanto masculina ou feminina desde o princípio. 
Acredito que essa opinião concorda com os estudos da identidade de género nuclear nos 
hermafroditas, realizados por Mayer (1988), Money e Ehrhardt (1972), 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 9 
assim como com as observações das interações entre as mães e os bebés de ambos os sexos desde o 
início da vida, e com as observações psicanalíticas de crianças normaise de crianças com 
transtornos sexuais, particularmente quando esses estudos psicanalíticos levam em consideração as 
orientações sexuais conscientes e inconscientes dos pais (Galenson, 1980; Stoller, 1985). 
Braunschweig e Fain (1971,1975), em concordância com a hipótese de Freud de uma 
bissexualidade original em ambos os géneros, argumentam persuasivamente em favor de uma 
bissexualidade psicológica derivada da identificação inconsciente do bebé com ambos os pais, 
uma identificação bissexual inconsciente que é controlada pela natureza da interação mãe/bebé, 
dentro da qual a identidade de género nuclear é estabelecida. Money e Ehrhardt (1972) afirmam 
que não importa "se o pai faz o jantar e a mãe dirige o trator", isto é, os papéis de género 
socialmente definidos que são executados pelos pais são irrelevantes, na medida em que sua 
identidade de género como homem ou mulher esteja solidamente diferenciada. 
A atribuição e a adoção de uma identidade de género nuclear determina, na prática, o 
reforço de papéis de género que são socialmente considerados masculinos ou femininos. Na 
medida em que haja uma identificação inconsciente com ambos os pais, portanto uma 
bissexualidade inconsciente, o que é um achado universal na investigação psicanalítica, isto 
também implica na identificação inconsciente com papéis socialmente atribuídos a um ou outro 
género, fazendo com que existam fortes tendências para a ocorrência de atitudes e padrões de 
comportamento bissexuais, assim como para que uma orientação bissexual seja um potencial 
humano universal. Provavelmente a forte ênfase social e cultural na identidade de género nuclear 
("Você deve ser ou um garotinho ou uma garotinha") é reforçada ou codeterminada pela 
necessidade intrapsíquica de integrar e consolidar uma identidade pessoal em geral, de modo 
que a identidade de género nuclear cimenta a formação da identidade básica do ego; nuclear; 
Lichtenstein (1961) sugeriu há muitos anos que a identidade sexual pode constituir a base da 
identidade do ego. Clinicamente, nós descobrimos que uma falta de integração da identidade 
(a síndrome de difusão de identidade) coexiste regularmente com problemas de identidade de 
género e, conforme Ovesey e Person (1973, 1976) enfatizaram, os transexuais normalmente 
também apresentam severas distorções em outras áreas da sua identidade. 
C. Identidade de Papel de Género 
Em seu clássico estudo das diferenças de género, Maccoby e Jacklin (1974) concluíram, com 
base no exame de uma enorme quantidade de dados, que existiam crenças totalmente infundadas 
sobre essas diferenças de género; outras crenças acabaram bastante estabelecidas, e outras 
ainda se encontravam abertas a questionamentos ou eram ambíguas. Crenças infundadas sobre 
diferenças de gê- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 Otto F. Kernberg 
nero incluem a suposição de que as meninas são mais "sociais" do que os meninos, mais 
"sugestionáveis", têm menor auto-estima, carecem de motivação para maiores realizações, são 
melhores em aprendizagem mecânica e tarefas repetitivas simples, ao passo que os meninos são 
melhores em tarefas que requerem um processamento cognitivo mais elevado e a inibição de 
respostas anteriormente aprendidas; que os meninos são mais "analíticos", que as meninas são 
mais afeta-das pela hereditariedade, os meninos pelo ambiente, que elas são "auditivas" e eles, 
"visuais". 
Por outro lado, diferenças de género que estão bem estabelecidas incluem o seguinte: que 
as meninas possuem uma capacidade verbal maior do que a dos meninos, que eles as superam 
em capacidade visual-espacial e em capacidade matemática, e que os homens são maisagressivos. Permanecem em aberto as questões referentes a diferenças em sensibilidade tátil, medo, 
timidez e ansiedade; nível de atividade, competitividade, dominância, obediência, 
disponibilidade, e capacidades em relação a comportamento "maternal". 
Quais das diferenças psicológicas são geneticamente determinadas, quais são socialmente 
determinadas por agentes socializadores e quais espontaneamente aprendidas através da 
imitação? Maccoby e Jacklin argumentam, e há muitas evidências para apoiá-los, que os fatores 
biológicos estão claramente implicados nas diferenças de género referentes à agressão e 
capacidade visualespacial. Existem evidências de maior agressividade masculina tanto nos seres 
humanos quanto nos primatas subumanos; isso parece ser universal em todas as culturas, e as 
evidências sugerem que os níveis de agressão são responsivos aos hormônios sexuais. É 
provável que a predisposição masculina para a agressão se estenda a outros comportamentos, tais 
como dominância, competitividade e nível de atividade, mas as evidências não são decisivas. 
Maccoby e Jacklin também concluem que uma característica geneticamente controlada pode 
assumir a forma de uma maior predisposição para apresentar um determinado tipo de 
comportamento. Isto inclui comportamentos aprendidos, embora não se limite apenas a eles. 
Friedman e Downey (1993) revisaram as evidências sobre a influência da patologia 
hormonal pré-natal virilizadora nas meninas, em relação ao comportamento sexual pós-natal. 
Examinaram os achados de um estudo sobre meninas com hiperplasia congénita da suprarenal, e 
sobre meninas cujas mães ingeriram, durante a gravidez, drogas com atividade de esteróides 
sexuais. Essas crianças foram criadas como meninas, mas, embora sua identidade de género 
nuclear fosse feminina, a pergunta era até que ponto a dominância dos hormônios masculinos 
pré-natais influenciaria esta identidade de género e a identidade de papel de género durante a 
infância e adolescência. 
Embora tenha sido encontrada uma modesta associação de andrógenos pré-natais 
excessivos e uma maior prevalência de homossexualidade, mais significativo foi o achado de que, 
independentemente das circunstâncias de educação, as meninas com hiperplasia congénita da 
supra-renal apresentavam um comportamento mais "moleque", interessavam-se menos por 
brincar combonecas ebebês e 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 11 
por adornos, e tendiam a preferir brinquedos como carrinhos e armas, mais do que os sujeitos-
controle. Elas tinham uma maior preferência por meninos como companheiros de brincadeiras, e 
apresentavam maior gasto de energia e mais atividade violenta nas brincadeiras. Os achados 
sugerem que o comportamento de papel de género na infância é influenciado por f atores 
hormonais pré-natais. Friedman (comunicação pessoal) concorda com Maccoby e Jacklin (1974) que 
a vasta maioria dos traços que diferenciam os meninos das meninas são, muito provavelmente, 
determinados pela cultura. 
Richard Green (1976) estudou a criação de meninos efeminados: descobriu que os fatores 
dominantes que codeterminavam o desenvolvimento de comportamentos efeminados eram a 
indiferença dos pais em relação ao comportamento feminino do filho ou o encorajamento desse 
comportamento; também ocorria das crianças serem vestidas de mulher pela mãe ou por uma 
mulher funcionando como tal, superproteção materna, ausência ou rejeição do pai, a beleza física 
da criança ou a ausência de companheiros de brincadeiras do sexo masculino. O aspecto comum 
crucial parecia ser a incapacidade dos pais ou do ambiente de desencorajar o comportamento 
feminino da criança. Os resultados para esses meninos efeminados, no seguimento, foi uma alta 
porcentagem de bissexualidade e homossexualidade, atingindo 75% no seguimento de 2/3 da 
amostra original (Green, 1987). 
Comportamentos característicos do outro género — moleque nas meninas, efeminado nos 
meninos — estão frequente, mas não necessariamente, vinculados a uma escolha de objeto 
homossexual. De fato, poderíamos considerar a identidade de papel de género relacionada tão 
estreitamente à identidade de género nuclear quanto à escolha de objeto: uma orientação sexual 
dirigida para o próprio género da pessoa pode influenciar a adoção de papéis socialmente 
identificados com o outro género. E, ao contrário, uma aculturação predominantemente em 
direção a papéis de género que coincidem com os do outro género poderia predispor à ho-
mossexualidade. O que nos leva ao próximo elemento constituinte, ou seja, à escolha de objeto. 
D. A Escolha do Objeto Dominante 
Money (1980) e Perper (1985) empregaram o termo modelos organizadores do 
comportamento humano ao referir-se ao objeto da excitação sexual do indivíduo. Perper acredita 
que esses modelos não estão codificados, mas derivam-se de processos desenvolvimentais, 
incluindo a regulação genética do desenvolvimento neural e a posterior construção 
neurofisiológica da imagem do outro desejado. Money chama demapas do amor o 
desenvolvimento dos objetos sexuais que seleci-onamos; ele os vê como derivados dos 
esquemas implantados no cérebro e complementados pelo input ambiental antes dos 8 anos de 
idade. Não podemos deixar de notar que a linguagem desses distinguidos pesquisadores do 
primitivo desenvolvimento sexual humano permanece num nível muito geral quando estão 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 Otto F. Kernberg 
discutindo a natureza da escolha do objeto sexual. Um achado impressivo de qualquer revisão da 
literatura é que, em contraste com a extensiva pesquisa sobre a identidade de papel de género 
e a identidade de género nuclear, muito pouca pesquisa, se é que alguma, foi feita sobre as 
experiências sexuais das crianças. 
Por trás dessa carência na pesquisa atual e em conhecimentos bem documentados está, eu 
acredito, a persistência do tabu contra o reconhecimento da existência da sexualidade infantil que 
Freud tão ousadamente desafiou. Esse tabu está vinculado às proibições ao comportamento 
sexual infantil em nossa cultura. A antropologia cultural (Endleman, 1989) oferece evidências 
de que, quando essas proibições culturais não estão presentes, as crianças espontaneamente se 
engajam em variados comportamentos sexuais. Galenson e Roiphe (1974), observando crianças 
num contexto naturalista de um berçário, descobriu que os meninos começam a brincar com seus 
genitais por volta do sexto ou sétimo mês, as meninas no décimo ou décimo primeiro mês e que a 
masturbação está estabelecida por volta dos 15 ou 16 meses, para ambos os géneros. As crianças 
da classe trabalhadora apresentam uma probabilidade duas vezes maior de se masturbar do que 
as de classe média, sugerindo que a estrutura de classe e a cultura influenciam o comportamento 
sexual. 
Fisher (1989) relatou como a capacidade das crianças de pensar logicamente sobre seus 
genitais está dramaticamente atrasada comparada com o nível geral de sua lógica, como as meninas 
tendem a ignorar seu clitóris e mistificar a natureza da vagina, e como os pais inconscientemente 
repetem com seus filhos suas próprias experiências de supressão sexual na infância. Também há 
evidências de apreciável ignorância em relação a questões sexuais durante toda a adolescência. 
Money e Ehrhardt (1972) e Bancroft (1989) referem que há um medo universal de investigar a 
sexualidade infantil. No entanto, com a atual e crescente preocupação pública com o abuso sexual 
das crianças, Bancroft sugere (página 152) que seja concebível "que a necessidade de um melhor 
entendimento da sexualidade infantil venha a ser mais amplamente reconhecida, e que as 
pesquisas neste aspecto da infância possam tornar-se mais fáceis de executar no futuro". Mesmo a 
psicanálise, até recentemente, não havia ainda descartado oconceito dos "anos de latência" 
como uma fase durante a qual haveria muito pouco interesse e atividade sexual. Há atualmente 
uma consciência crescente entre os analistas infantis de que os assim chamados anos de latência 
não sejam tão caracterizados por uma redução do interesse ou atividade sexual, mas sim por um 
maior controle e supressão internalizados do comportamento sexual (Paulina Kernberg, 
comunicação pesso-ai). 
As evidências, parece-me, apontam esmagadoramente para os fatores psicológicos, ou 
melhor, psicossociais, como determinantes na constituição da identidade de género nuclear, para as 
influências psicossociais como tendo um papel significativo, se não exclusivo, na identidade de 
papel de género, embora sejam menos claras as evidências de que tais fatores influenciem 
decisivamente a escolha do 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 13 
 
 
objeto sexual. A vida sexual dos primatas nos fala da importância da aprendizagem inicial, do conta 
to mãe-bebê, e das relações com os iguais no desenvolvimento do comportamento sexual e do papel 
relativo decrescente dos hormônios na determinação da escolha do objeto sexual, em comparação 
com os mamíferos não-primatas. No bebé humano, como vimos, estes processos evoluem ainda 
mais. 
Meyer (1980) sugeriu que, assim como o bebé e a criança pequena se identificam 
inconscientemente com o genitor do mesmo género ao estabelecer as identidades de género nuclear e 
de papel de género, ele ou ela também se identificam com o interesse sexual deste genitor pelo outro. 
Money e Ehrhardt (1972) também enfatizam que as regras do comportamento masculino/feminino são 
aprendidas, e enfatizam a identificação da criança com aspectos recíprocos e complementares do 
relacionamento dos homens e mulheres. A notável evidência clínica do mútuo comportamento 
sedutor entre a criança e os seus pais é frequentemente ignorada nos estudos académicos da 
identidade de género e do papel de género, talvez em virtude do persistente tabu cultural contra a 
sexualidade infantil. 
Duas contribuições específicas das observações e teoria psicanalítica são relevantes nessas 
questões. A primeira é uma teoria psicanalítica das relações objetais que permite a incorporação dos 
processos de identificação e da complementaridade dos papéis em um modelo único de 
desenvolvimento. Á segunda, a teoria de Freud do complexo de Édipo, discuto posteriormente em outro 
contexto. Aqui me refiro a trabalhos anteriores, em que propus que a formação da identidade origina-
se do primitivo relacionamento entre o bebé e a mãe, particularmente quando as experiências do bebé 
envolvem intenso afeto, quer prazeroso, quer doloroso. 
Os traços de memória que se estabelecem sob essas condições afetivas deixam o esquema 
nuclear da representação doselfdo bebé interagindo com a representação de objeto da mãe, sob o 
impacto ou de um afeto prazeroso ou de um afeto desagradável. Em consequência, formam-se duas 
séries paralelas, e originalmente separadas, de representações doselfe do objeto e suas correspondentes 
disposições afetivas positiva e negativa. Essas representações, respectivamente "totalmente boas" e 
"totalmente más" do se//e do objeto, finalmente se integram em numa representação do self to tal e 
em uma representação total de outras pessoas significativas, um processo que constitui a integração 
normal da identidade. Em escritos anteriores (Kernberg, 1976,1980,1992) também enfatizei minha 
convicção de que a identidade é constituída por identificações feitas a partir da relação com um 
objeto, e não com o próprio objeto. Esta suposição implica uma identificação com o self e o outro 
interagindo entre si, e uma internalização dos papéis recíprocos dessa interação. O estabelecimento da 
identidade de género nuclear — isto é, de um conceito integrado de self que define a identificação da 
pessoa com um género ou outro—não pode ser visto separado do estabelecimento de um conceito 
integrado e correspondente de um outro que inclua um relacionamento com este outro como objeto 
sexual desejado. Este vínculo entre identidade de género nuclear e a escolha do objeto sexualmente 
desejado explica, ao mesmo tempo, a intrínseca 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 Otto F. Kernberg 
bissexualidade do desenvolvimento humano: nós nos identificamos tanto com o nosso próprio self 
quanto com nosso objeto de desejo. 
Na medida em que a criança do sexo masculino, por exemplo, experiência a si mesma como um 
filho homem amado por sua mãe, ela se identifica com o papel de filho homem ao mesmo tempo que 
com o papel de mãe mulher, e adquire a capacidade, em relacionamentos posteriores, de atualizar 
sua representação dosei/ enquanto projeta a representação da mãe em outra mulher, ou de 
representar — em certas circunstâncias — o papel da mãe, enquanto projeta sua representação do self 
em outro homem. A dominância da representação do self como filho homem, como uma parte da 
identidade do ego, assegurará a dominância de uma orientação heterossexual (incluindo a busca 
inconsciente da mãe em todas as outras mulheres). A dominância da identificação com a 
representação da mãe pode determinar um tipo de homossexualidade nos homens (Freud, 1914). 
Na garotinha, na medida ení que seu primeiro relacionamento com a mãe cimenta sua 
identidade de género nuclear, ao identificar-se tanto com seu próprio papel quanto com o papel da 
mãe na sua interação, seu desejo posterior de substituir o pai como objeto amoroso da mãe, assim como 
sua escolha positiva do pai na relação edípica, consolidam sua identificação inconsciente também com 
o pai. Ela portanto também estabelece uma identificação bissexual inconsciente. A identificação com 
um relacionamento, e não com uma pessoa, e a construção de predisposições recíprocos de ambos os 
papéis na mente inconsciente, sugerem que a bissexualidade é psicologicamente determinada, e 
expressa na capacidade de se adquirir, ao mesmo tempo, tanto uma identidade de género nuclear 
quanto um interesse sexual pela pessoa do mesmo ou do outro género. Isto também facilita a 
integração dos papéis de género do outro género com o nosso próprio, e a identificação com papéis de 
género socialmente transmitidos, correspondentes ao nosso próprio género e ao outro. 
Esta visão do início da sexualidade sugere que o conceito de Freud (1933) de uma bissexualidade 
original estava correto, assim como seu questionamento do aparente vínculo entre a sexualidade e 
as diferenças estruturais biológicas dos géneros conhecidas em sua época. Em outras palavras, nós 
ainda não temos provas de que haja uma conexão direta entre a predisposição anatómica dimórfica 
para a bissexualidade e a bissexualidade psíquica derivada das primitivas experiências da criança. 
E. Intensidade do Desejo Sexual 
Como vimos, os mecanismos biológicos do interesse sexual, excitação sexual e intercurso sexual, 
incluindo o orgasmo, são relativamente bem conhecidos. É o estímulo que evoca a resposta sexual, 
embora a qualidade subjetiva assumida pela excitação ainda seja uma questão em aberto. Igualmente, 
nós ainda carecemos de 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 15 
um consenso em relação a como medir os fatores quantitativos da intensidade da excitação. Um outro 
problema é o estudo comparativo da excitação masculina e feminina; novamente, embora seus 
concomitantes fisiológicos sejam bem conhecidos, suas semelhanças e diferenças psicológicas 
permanecem controvertidas. 
Resumindo o que examinei anteriormente, um nível adequado de andrógenos circulantes parece 
ser pré-requisito para a capacidade humana de resposta sexual, influenciando o desejo sexual tanto 
nos homens quanto nas mulheres; mas em níveis hormonais normal eacima do normal, o desejo e o 
comportamento sexuais são notavelmente independentes destas flutuações hormonais. 
Nos seres humanos, o fator dominante que determina a intensidade do desejo sexual é cognitivo 
— a consciência do interesse sexual refletido em fantasias sexuais, lembranças e a atenção aos 
estímulos sexuais. Mas experiência não é puramente "cognitiva", pois ela contém também um forte 
elemento afetivo. De fato, a experiência sexual é acima de tudo uma experiência afetivo-cognitiva. 
Fisiologicamente, a memória afetiva está relacionada ao sistema límbico, que é o substrato 
neural da sexualidade, assim como de outras funções apetitivas (Maclean, 1976). Estudos de 
animais demostraram que áreas límbicas selecionadas determinam a ereção e a ejaculação, e a existência 
tanto de mecanismos de excitação como de inibição que afetam a resposta periférica da ereção. 
Comportamentos de cópula em macacos Rhesus do sexo masculino foram induzidos por estimulação 
elétrica do hipotálamo lateral e do núcleo dorsomedial do hipotálamo, levando a sequências de coito e 
ejaculação enquanto os macacos tinham liberdade para movimentar-se. 
De acordo com Bancroft (1989), a excitação sexual humana é uma resposta global que inclui 
fantasias, memórias e desejos sexuais específicos, assim como uma maior percepção e busca de 
estímulos externos ref orçadores, que são relativamente específicos da orientação sexual do indivíduo. A 
excitação sexual, de acordo com Bancroft, inclui o sistema límbico sob a influência desse estado 
cognitivo-afetivo, que estimula o centro medular e os centros de controle neural periférico, que 
determinam a tumescência, lubrificação e sensibilidade local aumentada dos órgãos genitais, 
proporcionando umfeedback central da percepção dessa ativação genital. O que, por minha parte, 
sugiro é que a excitação sexual é também um afeto específico, que preenche todas as características de 
outras estruturas afetivas, e que constitui o "bloco construtor" central do impulso sexual ou libidinal, 
como um sistema motivacional global. 
A terminologia nesta área talvez precise de um certo esclarecimento. Biologi-camente, a resposta 
sexual pode ser dividida em interesse sexual, excitação sexual e orgasmo. Entretanto, já que o 
interesse sexual pode ocorrer sem a ativação das respostas genitais específicas, e são possíveis estas 
respostas genitais com um limitado ou mínimo interesse sexual, parece preferível empregar o 
termointeresse sexual para nos referirmos a uma percepção ampla do estímulo sexual, pelo pensar a 
respeito, estar interessado e responder a ele.Excitaçãogenital refere-se ao desenvol- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 Otto F. Kernberg 
vimento de uma resposta genital plena: a tumescência vascular conduzindo à ere-ção no homem e aos 
correspondentes processos eréteis e lubrificação vaginal na mulher, com turgescência secundária dos 
seios e ereção dos mamilos. 
Excitação sexual parece um termo apropriado para a resposta total, incluindo os aspectos 
cognitivos específicos e a experiência subjetiva de interesse sexual, excitação genital, orgasmo e os 
correspondentes aspectos neurovegetativos e de expressões faciais (parte do que Freud chamou de 
processo de descarga) desse afeto. Considero a excitação sexual, por sua vez, como sendo o afeto 
básico de um fenómeno psicológico mais complexo, a saber, o desejo erótico, em que a excitação sexual 
está vinculada a um relacionamento emocional com um objeto específico. Examinemos entre a 
natureza da excitação sexual e sua elaboração até o desejo erótico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
C a p í t u l o 2 
Excitação Sexual e Desejo Erótico 
 i afetos são, em termos filogenéticos, relativamente recentes, característi-os dos 
mamíferos, com a função biológica básica de comunicação entre o »ebê e quem o cuida, 
além da comunicação geral entre indivíduos, a serviço dos instintos básicos (Krause, 1990). Se 
alimentar-se, lutar ou fugir e acasalar-se são organizações instintivas básicas, os correspondentes 
estados afetivos podem ser considerados como componentes seus, que adquirem papéis 
hierarquicamente superiores conforme ascendemos na escada evolutiva, particularmente nos primatas, e, 
é claro, nos seres humanos. 
A excitação sexual ocupa um lugar muito especial entre os afetos. Parece óbvio que ela tem 
raízes em funções biológicas e em estruturas que servem ao instinto básico da reprodução no reino 
animal e que ela ocupa, igualmente, uma posição central na experiência psicológica humana. Mas a 
excitação sexual não se desenvolve tão cedo e não é tão uniforme em suas manifestações quanto os 
afetos primitivos como a raiva, alegria, tristeza, surpresa ou nojo. Em seus constituintes cognitivos e 
subjetivos, ela se assemelha aos afetos mais complexos como orgulho, vergonha, culpa ou desprezo. 
A psicanálise, assim como a observação de bebés psicanaliticamente inspirada, nos forneceu 
abundante evidência de que a excitação sexual se origina no contexto das experiências prazerosas dos 
primeiros relacionamentos intrafamiliares, especialmente os do bebê-cuidadores, culminando na 
centralidade madura das sensações genitais da puberdade e adolescência. A difusa sensibilidade da 
pele envolvida no comportamento de apego inicial, as qualidades sexualmente excitan- 
17 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Q 
 
18 Otto F. Kernberg 
tes daquilo que Freud descreveu como as zonas erotogênicas, 
osimprints* cognitivos e os desenvolvimentos da fantasia inconsciente 
vinculados a uma ativação afetiva prazerosa desde quando bebé, e daí 
em diante culminam na experiência cognitivo-afetiva específica de 
excitação sexual. 
O foco específico, consciente e inconsciente, da escolha de 
objeto sexual do indivíduo transforma a excitação sexual no desejo 
erótico. O desejo erótico inclui um desejo de relacionamento sexual 
com um determinado objeto. A excitação sexual, entretanto, não 
deixa de ter objeto. Como acontece com outros afetos, ela existe em 
relação a um objeto, mas aqui o objeto é um "objeto parcial" 
primitivo, inconscientemente refletindo as experiências fusionais da 
simbiose e os desejos de fusão da fase mais primitiva da separação-
individuação. 
Em suas origens, no primeiro e segundo anos de vida, a 
excitação sexual é difusa e vinculada à estimulação das zonas 
erógenas. Em contraste, o afeto do desejo erótico é mais elaborado, 
e a natureza específica da relação de objeto é cognitivamente mais 
diferenciada. 
O desejo erótico é caracterizado pela excitação sexual 
vinculada ao objeto edípico; o desejo é de uma fusão simbiótica com 
o objeto edípico no contexto da fusão sexual. Em circunstâncias 
normais, a excitação sexual no indivíduo maduro é ativada no 
contexto do desejo erótico, de modo que a distinção feita por mim 
entre estes dois afetos pode parecer forçada ou artificial. Mas em 
circunstâncias patológicas, tais como em patologias narcísicas 
graves, o desmantelamento do mundo interno das relações objetais 
pode levar à incapacidade de desejo erótico, com uma excitação 
sexual que se expressa como manifestação aleatória, difusa, não-
seletiva e perpetuamente insatisfeita, ou, inclusive, com a ausência da 
capacidade de experienciar qualquer excitação sexual que seja. 
O amor sexual maduro, conforme discutiremos nos capítulos 
seguintes, expande o desejo erótico para um relacionamento com uma 
pessoa específica, em que a ativação de relacionamentos 
inconscientes do passado e as expectativas conscientes de uma vida 
futura como casal se combinam com a ativação de um ideal do ego 
conjunto. O amor sexual maduro implica num comprometimentona esfera dos' sistemas sexual, emocional e de valores. 
As definições propostas imediatamente levantam certas 
perguntas: se a excitação sexual e o desejo erótico se desenvolvem 
no contexto do relacionamento primitivo entre o bebé e o seu 
cuidador e da situação edípica em desenvolvimento, eles são 
secundários ao desenvolvimento dessas relações objetais? As 
disposições biológicas são "recrutadas", por assim dizer, a serviço do 
mundo em desenvolvimento das relações objetais internalizadas e 
reais? Ou é a gradual maturação do aparelho biológico que permite o 
desenvolvimento da excitação sexual, quem irá organizar as relações 
objetais primitivas e mais maduras. Aqui, entramos no território 
controverso da teoria psicanalítica que se refere aos 
relacionamentos entre 
* Respostas comportamentais adquiridas cedo na vida, não reversíveis, e 
normalmente liberadas por certos estímulos ou situações desencadeadoras. (N. do 
T.) 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 19 
instintos biológicos, impulsos psicológicos e relações objetais internalizadas. Será necessário 
explorar essas questões antes de retornarmos às estruturas cognitivas particulares envolvidas no 
desejo erótico — as primitivas estruturas de fantasia que transformam a excitação sexual no 
desejo erótico. 
Instintos, Impulsos, Afetos e Relações Objetais 
Conforme Holder (1970) salientou, Freud diferenciou claramente os impulsos dos instintos. 
Ele via os impulsos como motivadores psicológicos do comportamento humano, constantes em 
vez de intermitentes. Por outro lado, concebia os instintos como biológicos, herdados e 
intermitentes, no sentido de terem de ser ativados por fatores fisiológicos e/ou ambientais. A 
libido é um impulso, a fome é um instinto. 
Laplanche e Pontalis (1973) enfatizam adequadamente como Freud sempre se referiu aos 
instintos como padrões de comportamento intermitentes, herdados, que variam um pouco de um 
membro da espécie para outro. É impressionante ver quão estreitamente o conceito de instinto de 
Freud se assemelha à moderna teoria do instinto na biologia, conforme representada, por 
exemplo, por Lorenz (1963), Tinbergen (1951) e Wilson (1975). Esses investigadores 
consideram os instintos como organizações hierárquicas de padrões perceptivos, 
comportamentais e comunicativos biologicamente determinados, liberados por fatores 
ambientais que ativam mecanismos inatos. Este sistema biológico-ambiental é considerado 
epigenético. Conforme Lorenz e Tinbergen ilustraram em sua pesquisa com animais, a 
organização do vínculo maturacional e desenvolvimental de padrões de comportamento inatos 
distintos, em um determinado indivíduo, é muito determinada pela natureza da estimulação 
ambiental. Os instintos, nesta visão, são sistemas biológicos motivadores hierarquicamente 
organizados. Normalmente classificados na linha dos comportamentos alimentares, de luta ou 
fuga, ou de acasalar-se (e talvez ao longo de outras dimensões parecidas), eles representam a 
integração entre as disposições inatas e os processos de aprendizagem determinados pelo 
ambiente. 
Embora Freud reconhecesse as fontes biológicas básicas dos impulsos, repetidamente 
enfatizou a falta de informações disponíveis referentes aos processos que transformariam essas 
predisposições biológicas em motivação psíquica. Seu conceito de libido ou de impulso sexual era 
o de uma organização hierarquicamente pré-ordenada a integrava impulsos sexuais "parciais" 
desenvolvimentalmente mais primitivos. A teoria dual dos impulsos, da sexualidade e agressão 
(1920) representa sua concepção final dos impulsos como a fonte fundamental do conflito 
psíquico inconsciente e da formação das estruturas psíquicas. Freud descreveu as fontes 
biológicas dos impulsos sexuais de acordo com a excitabilidade das zonas erotogênicas, mas não 
descreveu as fontes biológicas tão concretas assim para a agressão. Em contraste com as fontes 
fixas da libido, caracterizou os objetivos e 
 
20 Otto F. Kernberg 
objetos tanto dos impulsos sexuais quanto dos agressivos como 
mutáveis durante todo o desenvolvimento psíquico: a continuidade 
desenvolvimental das motivações sexuais e agressivas poderia assim 
ser reconhecida numa ampla variedade de desenvolvimentos 
psíquicos complexos. 
Freud propôs (1915a,b) que os impulsos se manifestavam por 
meio de representações psíquicas, ou ideias — que configurariam a 
expressão cognitiva do impulso — e de um afeto. Quanto aos 
afetos, Freud modificou sua definição deles pelo menos duas vezes 
(Rapaport, 1953). Originalmente (1894) considerou os afetos como 
equivalentes aos impulsos; mais tarde (1915a,b), concebeu-os como 
produtos da descarga dos impulsos (particularmente seus aspectos 
prazerosos ou dolorosos, psicomotores e neurovegetativos).Estes 
processos de descarga podem atingir a consciência, mas não sofrem 
repressão; somente a representação mental do impulso é reprimida, 
juntamente com a memória ou com a disposição para a ativação do 
afeto correspondente. Finalmente (1926), Freud descreveu os afetos 
como disposições inatas do ego (no que se refere a seus limiares 
de ativação e canais de expressão e enfatizou suas funções 
sinalizadoras. 
Se os afetos e as emoções (isto é, afetos cognitivamente 
elaborados) são estruturas complexas, incluindo experiências 
subjetivas de dor ou prazer associadas com ingredientes cognitivos 
e expressivo-comunicativos específicos e padrões de descarga 
neurovegetativa, e se eles estão presentes — como os 
pesquisadores de bebés descobriram (Emde, 1987; Emde e 
colaboradores, 1978; Izard, 1978; Stern, 1985) — desde as 
primeiras semanas e meses de vida, serão então os afetos as 
principais forças motivacionais do desenvolvimento psíquico? Se eles 
incluem tanto componentes cognitivos quanto afetivos, o que resta no 
conceito mais amplo de impulso que não está contido no conceito de 
afeto? Freud concluiu que os impulsos estão presentes desde o 
nascimento, mas também concluiu que eles amadurecem e se 
desenvolvem. Poderíamos argumentar que a maturação e o 
desenvolvimento dos afetos são expressões dos impulsos 
subjacentes, mas se todas as funções e manifestações dos impulsos 
podem ser incluídas nas funções e manifestações dos afetos em 
desenvolvimento, seria difícil sustentar um conceito de impulsos 
independentes subjacentes à organização dos afetos. De fato, a 
transformação dos afetos por todo o desenvolvimento, sua integração 
com relações objetais internalizadas, sua total e progressiva dicotomia 
em afetos prazerosos, constituindo a série libidinal, e dolorosos, 
constituindo a série agressiva, tudo aponta para a riqueza e complexi-
dade de seus elementos cognitivos e afetivos. 
Vejo, portanto, os afetos como estruturas instintivas 
(Kernberg, 1992), de natureza psicofisiológica biologicamente 
dadas, desenvolvimentalmente ativadas e incluindo componentes 
psíquicos. Acredito que é este aspecto psíquico que se organiza para 
constituir os impulsos agressivos e libidinais descritos por Freud. Os 
impulsos sexuais parciais, em minha opinião, são integrações mais 
limitadas, restritas, de estados afetivos correspondentes, ao passo que 
a libido como um impulso é o resultado da integração 
hierarquicamente supra-ordenadora desses estados afetivos—isto 
é, a integração de todos os estados afetivos eroticamente centrados. 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 21 
Consequentemente, em contraste com a visão 
psicanalítica ainda bastante prevalente dos afetos simplesmente como 
produtos de descarga, eu os considero como sendo as estruturas —
ponte entre os instintos biológicos e os impulsos psíquicos. Acredito 
também que o desenvolvimento afetivo está baseado em relações 
objetais afetivamente investidas, que constituem uma memória 
afetiva. Emde, Izard e Stern apontam para a função central das 
relações objetais naativação dos afetos. Esta associação apoia minha 
proposição de que os estados afetivos mais iniciais, fixados na 
memória, incluem essas relações de objeto. 
Penso que a ativação de diferentes estados 
afetivos em direção ao mesmo objeto ocorre sob a influência de 
uma variedade de tarefas desenvolvimentais e padrões de 
comportamento instintivo biologicamente ativados. A resultante 
variedade de estados afetivos dirigidos ao mesmo objeto pode 
proporcionar uma explicação económica de como os afetos são 
ligados e transformados em séries motivacionais supra-
ordenadoras que se tornou mais tarde o impulso sexual ou 
agressivo. Por exemplo, as estimulações orais prazerosas durante a 
amamentação e as estimulações anais prazerosas durante o 
treinamento esfincteriano, podem resultar numa condensação de 
interações prazerosas do bebé com a mãe, que ligams esses 
desenvolvimentos oral e anal. E a reação raivosa às frustrações 
durante o período oral e as lutas de poder características doperíodo 
anal podem ligar estados afetivos agressivos consoantes, resultando 
assim no impulso agressivo. Além disso, o intenso investimento 
afetivo positivo do bebé na mãe durante o estágio de prática da fase 
de separação-individuação (Mahler e colaboradores, 1975) pode 
ligar-se com um anseio investido sexualmente em relação a ela, 
derivado da ativação das sensações genitais no estágio edípico do 
desenvolvimento. 
Mas se consideramos os afetos como os 
principais "blocos construtores" psicobiológicos dos impulsos, e 
como os primeiros sistemas motivacionais, ainda teremos de explicar 
como eles se organizam em sistemas hierarquicamente supra-
ordenádores. Por que não dizer que os principais afetos em si mesmos 
é que são os sistemas motivacionais fundamentais? Uma vez que 
acredito que os afetos sofrem uma multiplicidade de transformações 
e combinações secundárias durante o desenvolvimento, uma teoria 
da motivação baseada apenas nos afetos e não nos dois impulsos 
básicos seria muito complicada e clinicamente insatisfatória. 
Também acredito que a integração inconsciente das 
experiências mais primitivas, afetivamente determinadas, requer 
a assunção de uma organização motivacional de nível mais elevado 
do que a representada pelos estados afetivos per se. Precisamos supor 
um sistema motivacional que faça justiça à complexa integração 
de todos os desenvolvimentos afetivos em relação aos objetos 
parentais. 
Da mesma forma, um esforço para substituir 
tanto a teoria do impulso quanto a do afetopor uma teoria do apego ou 
das relações objetais, que rejeita o conceito de impulso, conduz à 
redução da complexidade da vida intrapsíquica, enfatizando somente 
os elementos positivos ou libidinais do apego e negligenciando a 
organização inconsciente da agressão. Embora em teoria isso não 
tenha que ser necessariamente assim, na prática os teóricos das 
relações objetais que rejeitaram a teoria 
22 Otto F. Kernberg 
do impulso, em minha opinião, também negligenciaram 
seriamente os aspectos motivacionais da agressão. 
Por essas razões, penso que não devemos substituir uma 
teoria do impulso por uma teoria do afeto ou por uma teoria das 
relações objetais da motivação. Em resumo, parece bastante razoável 
e preferível considerar os afetos como os blocos construtores dos 
impulsos. Os afetos são portanto o vínculo entre componentes 
instintivos biologicamente determinados, por um lado, e a organização 
intrapsíquica dos impulsos, por outro. A correspondência das 
séries dos estados afetivos recompensadores e aversivos com as 
linhas duais da libido e da agressão faz sentido tanto clínica quanto 
teoricamente. 
Este conceito dos afetos como blocos construtores dos impulsos 
resolve, acredito eu, alguns problemas persistentes na teoria 
psicanalítica dos impulsos. Pensar nos afetos deste modo nos leva a 
ampliar o conceito das zonas erógenas como a "fonte" da libido para 
uma consideração geral a respeito de todas as funções psico-
logicamente ativadas, e zonas corporais envolvidas, nas interações 
afetivamente investidas do bebé e da criança com a mãe. Essas 
funções incluem também a mudança das preocupações com as 
funções corporais para as preocupações com funções sociais e 
desempenho de papéis. O conceito proposto por mim também oferece 
os vínculos que faltam, na teoria psicanalítica, entre as "fontes" das 
interações mãe-bebê agressivamente investidas, e a função "zonal" 
da rejeição agressiva da ingestão oral, do controle anal, das brigas 
físicas diretas pelo poder ligadas aos ataques de raiva da criança, 
etc. As relações objetais com investimento afetivo são o que 
energiza as "zonas" fisiológicas. 
A ativação psicofisiológica sequencial da tristeza, raiva e medo 
primitivos — e mais tarde da depressão e culpa — determina a 
correspondente série de investimentos agressivos nosd/e no objeto. 
Tais investimentos são reativados nos conflitos inconscientes 
relativos à agressão, que se expressam na transferência. A 
internalização direta das disposições afetivas libidinais e agressivas 
como parte das representações do self e do objeto (em termos 
técnicos, "relações objetais internalizadas") integradas nas estruturas 
do ego e superego representa, na minha formulação, os 
investimentos libidinais e agressivos dessas estruturas. 
O id, de acordo com este conceito da relação entre impulsos e 
afetos, consiste em relações objetais internalizadas, reprimidas, 
intensamente agressivas ou sexualizadas. A condensação e o 
deslocamento característicos dos processos mentais do id refletem o 
vínculo entre as representações dose//e do objeto afetivamente 
relacionadas e as correspondentes séries agressivas, libidinais e, 
mais tarde, combinadas. 
Este conceito de impulsos também nos permite fazer justiça aoinput, 
biologicamente determinado, das novas experiências afetivas 
durante toda a vida. Essas experiências incluem a ativação da 
excitação sexual durante a adolescência, quando os estados afetivos 
eroticamente excitantes são integrados com a excitação genital e com 
emoções e fantasias eroticamente carregadas derivadas do estágio 
edípico do desenvolvimento. Em outras palavras, a intensificação 
dos impulsos (tanto 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 23 
libidinais quanto agressivos) em vários estágios do ciclo da vida é 
determinada pela incorporação de estados afetivos 
psicofisiologicamente ativados aos sistemas aferi vos preexistentes 
hierarquicamente organizados. 
Falando de modo mais geral, em minha opinião, uma vez que a 
organização dos impulsos como os sistemas motivacionais 
hierarquicamente supra-ordenados esteja consolidada, qualquer 
ativação específica de impulsos no contexto do conflito intrapsíquico é 
representada pela ativação de estados afetivos correspondentes. O 
estado afetivo inclui uma relação objetal internalizada, basicamente 
uma determinada representação do self relacionada a uma 
determinada representação do objeto, sob o impacto de um 
determinado afeto. A relação de papéis recíprocos entre self e 
objeto, moldada pelo afeto correspondente é normalmente 
expressada como um fantasia ou um desejo. Fantasias inconscientes 
consistem nessas unidades de representação ao self, de representação 
do objeto e de um afeto que os vincula. Os afetos, em resumo, são 
também os sinais ou representantes dos impulsos — como Freud 
(1926) havia sugerido, assim como seus blocos construtores. 
Freud (1905) descreveu a libido como um impulso, 
originando-se da estimulação das zonas erógenas, caracterizado por 
um determinado objetivo, pressão à descarga e objeto. Conforme 
afirmei, acredito que a libido se origina de esta-Z.OB afetivos 
primitivos, incluindo um estado de elação que se encontra no relacio-
namento inicial mãe-bebê e característico da experiência e fantasia 
simbióticas. As experiências cotidianas afetuosase geralmente 
prazerosas com a mãe, e os estados de tranquilidade, são também 
integrados a estes anseios libidinais. 
A excitação sexual é uma afeto posterior e mais diferenciado; 
ela entra como um componente crucial do impulso libidínal, mas sua 
origem como um afeto reside na integração de experiências 
eroticamente matizadas, que resultam da estimulação das várias 
zonas erógenas. Na verdade, na medida em que a excitação sexual 
como um afeto envolve todo o campo da experiência psíquica, ela 
não está limitada à estimulação de uma ou outra das zonas erógenas, 
mas se expressa como sensações prazerosas no corpo todo. 
Assim como a libido, ou o impulso sexual, resulta da 
integração de estados afetivos positivos ou gratificantes, também o 
impulso agressivo resulta da integração de uma multiplicidade de 
experiências afetivas negativas ou aversivas—raiva, nojo ou ódio. A 
raiva, na verdade, pode ser considerada como o afeto central da 
agressão. As características e o desenvolvimento primitivos da raiva 
foram extensivamente documentados pelos pesquisadores de bebés; 
em torno das reações de raiva se agrupa a complexa formação 
afetiva da agressão, como um impulso. A r-esquisa de bebés 
documenta a função primordial da raiva como a tentativa de 
eliminar a fonte de dor ou irritação. Nas fantasias inconscientes que 
se desenvolvem em torno das reações de raiva, a raiva vem a 
significar tanto a ativação do relacionamento do objeto "totalmente 
mau" quanto o desejo de eliminá-lo e restaurar o "totalmente bom", 
representado pelas relações objetais que se desenvolveram s A o 
impacto de estados afetivos positivos, libidinais. Mas a 
psicopatologia da agressão não se limita à intensidade e frequência 
dos ataques de raiva: o afeto que 
 
 
 
 
 
24 Otfo F. Kernberg 
vem a constituir a agressão como um impulso é o complexo e 
elaborado afeto do ódio, que se constitui como uma raiva estável, 
estruturada e dirigida para um objeto. 
A agressão também entra na experiência sexual. Veremos que o 
ato de penetrar e ser penetrado incorpora a agressão a serviço do 
amor, utilizando o potencial erotogênico da experiência da dor como 
um contribuinte crucial para a fusão gra-tificante com o outro, na 
excitação sexual e no orgasmo. Esta capacidade normal de transformar 
a dor em excitação erótica fracassa quando uma severa agressão 
domina o relacionamento mãe-bebê, e é provavelmente uma ponte 
crucial para a excitação erótica provocada ao induzirmos sofrimento 
nos outros. 
Acredito que esta formulação dos relacionamentos entre 
impulso e afetos faz justiça à teoria dual dos impulsos de Freud, e ao 
mesmo tempo vincula harmoniosamente a teoria psicanalítica com a 
teoria contemporânea dos instintos na biologia, e com as 
observações do desenvolvimento do bebé e na primeira infância. 
Se a excitação sexual é o afeto básico, em torno do qual se 
agrupa a constelação de afetos que, juntos, constituem a libido como 
um impulso, o desejo erótico, isto é, a excitação sexual dirigida a um 
objeto particular, liga a excitação sexual ao mundo das relações 
objetais internalizadas,no contexto da estruturação edípica da 
realidade psíquica. O desejo erótico, na verdade, contribui para a 
integração das relações objetais parciais em relações objetais totais, 
isto é, representações cindidas ou dissociadas àoselfe do objeto, em 
representações totais ou globais dos mesmos. Este desenvolvimento 
aprofunda a natureza da experiência sexual, um processo que, 
eventualmente, culminará no amor sexual maduro. 
Aspectos Clínicos e Genéticos do Desejo Erótico 
Quais são as características clínicas do desejo erótico conforme se tornam manifestas no 
curso da exploração psicanalítica? 
Em primeiro lugar, ele é uma busca de prazer sempre orientada para uma outra pessoa, 
um objeto a ser penetrado ou invadido, ou que se é por ele penetrado ou invadido. E um anseio de 
proximidade, fusão e entrelaçamento que implica em cruzar poderosamente uma barreira e 
tornar-se um com o objeto escolhido. As fantasias sexuais conscientes ou inconscientes referem-
se à invasão, penetração ou apropriação, incluindo relações entre protuberâncias e cavidades do 
corpo: pênis, mamilo, língua, dedo e fezes no lado que penetra ou invade; e vagina, boca e ânus 
no lado receptivo ou que acolhe. A gratificação erótica prometida pela estimulação rítmica dessas 
partes do corpo diminui ou desaparece quando o ato sexual não serve à função inconsciente 
mais ampla de fusão com um objeto. "Continente" e "conteúdo" não devem ser confundidos 
com feminino e masculino, passivo e ati-vo; o desejo erótico inclui fantasias de incorporação ativa 
e ser passivamente penetrado, juntamente com a penetração ativa e ser passivamente incorporado. 
Sugeri que abissexualidade psicológica, no sentido da identificação tanto com oself quan- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 25 
to com o objeto enquanto em interação sexual específica, é universal para homens e mulheres. 
Poderíamos dizer que a bissexualidade é, antes de tudo, uma função da identificação com ambos 
os participantes da relação sexual, ou com todos os três ("o terceiro excluído"), na triangulação da 
experiência sexual. 
Uma segunda característica do desejo erótico é a identificação com a excitação sexual e o 
orgasmo do parceiro, de modo a usufruir duas experiências complementares de fusão. O primeiro 
elemento aqui é o prazer derivado do desejo do outro, o amor expressado na resposta do outro 
ao desejo sexual dose//, e a experiência associada de fusão no êxtase. Juntamente com isso existe 
o sentimento de tornar-se ambos os géneros ao mesmo tempo, de superar temporariamente aquela 
barreira normalmente impenetrável que separa os géneros, com um sentimento de completude e 
satisfação pelo aspecto penetrante e acolhedor, penetrado e acolhido, da invasão sexual. Nesta 
conexão, um deslocamento simbólico de todas as partes "penetrantes" da anatomia de ambos os 
parceiros, e de todas as aberturas "acolhedoras" ou "penetráveis" do outro, assinala a condensação 
do erotismo de todas as zonas, uma regressão esperada na excitação sexual à "confusão zonal" 
(Meltzer, 1973), e à consequente confluência, na atividade ou contato sexual, de fantasias e 
experiências refletindo toda a superfície corporal de ambos os participantes. Nesta identificação 
com o outro existe uma gratificação do desejo de fusão, de anseios homossexuais e também de 
rivalidade edípica porque, por implicação, todos os outros relacionamentos desaparecem no 
relacionamento único e fusionado do par sexual. Pelo mesma razão, identificar-se 
inconscientemente com ambos os géneros elimina a necessidade de invejar o outro género, e, ao 
continuar sendo ele mesmo e também a outra pessoa, existe um sentimento de transcendência 
intersubjetiva. 
Uma terceira característica do desejo erótico é um sentimento de transgressão, de superar as 
proibições envolvidas em todos os encontros sexuais, uma proibição derivada da estruturação 
edípica da vida sexual. Este sentimento assume muitas formas; a mais simples e mais universal 
é a transgressão contra os limites sociais habituais que protegem a intimidade das superfícies 
corporais e a intimidade da excitação sexual, da sua exibição pública. Stendhal (1822) salientou 
primeiro que o próprio ato de despir-se repele as noções sociais de vergonha, e permite que os 
amantes se defrontem um com o outro sem esta vergonha; vestir-se após o encontro sexual é um 
retorno à vergonha convencional. A moralidade convencional (Kernberg, 1987) tende a suprimir 
ou regular aqueles aspectos do encontro sexual mais diretamente relacionados aos objetivos infantis 
polimorfos, e são esses objeti-vos, prototipicamente estruturados nas perversões sexuais, que 
expressam mais diretamente a excitação sexual, a intimidade erótica e a transgressão dasconvenções sociais. 
Basicamente, a transgressão inclui violar as proibições edípicas, constituindo-se assim um 
desafio ao rival edípico e um triunfo sobre ele. Mas a transgressão também inclui uma transgressão 
contra o próprio objeto sexual, experienciado ao mesmo tempo como sedutoramente provocador e 
indispensável. O desejo erótico inclui um sentimento de que o objeto está tanto se oferecendo 
como se retraindo, e 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
26 Otto F. Kernberg 
que a penetração sexual ou engolfamento do objeto é uma violação das fronteiras deste último. 
Neste sentido, a transgressão envolve também uma agressão contra o objeto, uma agressão que é 
excitante em sua gratificação prazerosa e reverberando com a capacidade de experienciar prazer na 
dor, e a projeção dessa capacidade no objeto. A agressão também é prazerosa porque está sendo 
contida por um relacionamento amoroso. Assim nós temos a incorporação da agressão ao amor 
e a garantia da segurança em face da ambivalência inevitável. 
O aspecto de êxtase e agressão no esforço para perder as fronteiras do self representa um 
aspecto complexo do desejo erótico. Bataille (1957) propôs, num contexto diferente, que as 
experiências mais intensas de transcendência ocorrem sob o "signo" do amor e sob o "signo" da 
agressão. Ele sugere que uma das características mais dramáticas do funcionamento humano é 
que o rompimento das fronteiras entre o self e os outros ocorre em momentos da mais profunda 
regressão no êxtase amoroso, e em condições de extrema dor. A intimidade que se desenvolve 
entre o torturador e o torturado, e seus dramáticos efeitos sobre a experiência psíquica de ambos, 
provavelmente se origina na normalmente dissociada ou reprimida consciência mais primitiva das 
relações de fusão "totalmente más" entre oself e o objeto, que constitui a contraparte do objeto 
dissociado "inteiramente bom" no estágio simbiótico do desenvolvimento. 
O desejo erótico transforma a excitação genital e o orgasmo numa experiência de fusão com o 
outro, que proporciona um sentimento fundamental de realização, de transcender os limites do 
self. Esta fusão também facilita, na experiência do orgasmo, um sentimento de unidade com os 
aspectos biológicos da experiência pessoal. Pela mesma razão, no entanto, ser o objeto da dor 
induzida pelo outro, e identificar-se com o objeto agressivo e sentir-se também como sua vítima, 
cria um sentimento de união na dor que reforça a fusão no amor. Induzir dor no outro e 
identificar-se com o prazer erótico do outro na dor é o sadismo erótico, a contraparte do masoquismo 
erótico. O desejo erótico, com relação a isso, também inclui um elemento de rendição, de se 
aceitar escravizado ao outro, ou inversamente de ser o senhor do destino do outro. A extensão em 
que essa fusão agressiva será contida pelo amor é, de modo importante, mediada pelo superego, o 
guardião do amor que contém a agressão. Em resumo, tanto no prazer quanto na dor existe a 
busca de uma intensa experiência afetiva, que temporariamente apaga as fronteiras do self, uma 
experiência que pode dar à vida um significado fundamental, uma transcendência que 
vincula o comprometimento sexual com o êxtase religioso e a experiência de liberdade além dos 
limites da existência cotidiana. 
A idealização do corpo do outro ou dos objetos que simbolicamente represen-
tam esse corpo é um aspecto essencial do desejo erótico. Lussier (1982) e Chasseguet-Smirgel 
(1985b) salientaram a função central da idealização, respectivamente, no fetichismo e na 
perversão em geral. Esta idealização é uma defesa e representa a negação da regressão anal na 
perversão, e a negação da ansiedade de castração. Concordo com eles quanto à importante 
função da idealização como um mecanismo na patologia; mas também acredito (1988b) que a 
idealização da anatomia do 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 27 
parceiro sexual e da superfície de seu corpo, seja um aspecto crucial da integração normal dos 
anseios ternos e eróticos tanto nas relações heterossexuais quanto homossexuais. Esta 
idealização erótica é semelhante aos processos de idealização normal no amor romântico descrito 
por Chasseguet-Smirgel (1985a): a projeção do ideal de ego no objeto amado com um simultâneo 
aumento na própria auto-estima. No amor sexual maduro a replicação do ideal de ego na forma 
do objeto amado idealizado, cria um sentimento de harmonia com o mundo e a realização do 
sistema de valores e dos ideais estéticos da pessoa: a moralidade e a beleza são realizadas na 
relação amorosa. 
Meltzer e Williams (1988) propuseram a existência de um "conflito estético" mais inicial, 
vinculado à atitude do bebé em relação ao corpo da mãe. O amor do bebé pela mãe, eles dizem, é 
expressado na idealização da superfície do corpo da mãe, e, pela introjeção do amor da mãe que 
se expressa na idealização que ela também faz do corpo do bebé, há uma identificação com ela 
nesta auto-idealização. Essa idealização daria origem ao mais antigo senso de valor estético e de 
beleza. Ao contrário da superfície do corpo, Meltzer e Williams vêem a agressão dissociada 
dirigida à mãe, como dirigida principalmente para o interior do seu corpo; e, por projeção, o bebé 
vivência então o interior do corpo da mãe como muito perigoso. De acordo com isto, o desejo e a 
fantasia de invadir com violência o corpo da mãe são uma expressão da agressão e da inveja de 
sua beleza exterior, assim como da sua capacidade de dar vida e amor. A idealização das 
superfícies corporais da mãe, por outro lado, seria uma defesa contra a perigosa agressão que 
estaria, à espreita, sob aquela superfície. A contribuição de Chasseguet-Smirgel (1986) aos 
aspectos arcaicos do complexo de Edipo (a destruição fantasiada do interior do corpo da mãe, d 
o pênis do pai e dos bebés do pai; e a transformação do interior da mãe numa cavidade infinita e 
sem limites) é um importante esclarecimento da natureza da agressão e dos medos primitivos 
dirigidos ao corpo da mãe. 
Para esses autores, a origem da idealização que os homens fazem do corpo das mulheres 
pode ser rastreada até a idealização da superfície do corpo da mãe e à excitação evocada pela 
superfície do corpo dela; da mesma forma, as origens dos medos inconscientes vinculados à 
vagina e ao interior do corpo das mulheres podem ser traçados até às primeiras relações do bebé 
com sua mãe. 
Igualmente, nos homens, a idealização de partes do corpo de parceiros homossexuais pede 
regularmente ser ancorado na idealização do corpo da mãe. A idealização de partes do corpo do 
homem por parte das mulheres é originalmente bem menos proeminente; esta capacidade, no 
entanto, vem a se desenvolver no contexto de .uma relação sexual gratificante com um homem, 
que inconscientemente possa representar o pai edípico que reafirma a beleza e valor do corpo da 
mulher, e que assim libera sexualidade genital feminina de sua inibição inicial infantil. Em 
ambos os géneros, a integração dos elementos ternos e eróticos das relações objetais também 
proporciona mais profundidade e complexidade à idealização das superfícies do corpo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
28 Oito F. Kernberg 
 
O corpo da pessoa amada se torna uma geografia de significados pessoais, de modo que 
as primitivas relações fantasiadas perverso-polimorfas, com os objetos parentais, são 
também condensadas com a relação admiradora e invasiva com as partes do corpo do 
amante. O desejo erótico está enraizado no prazer de reencarnar fantasias e atividades 
inconscientes perverso-polimorfas, incluindo a ativacão simbólica da primitiva relação objetal 
do bebé com a mãe, e, depois, da criança pequena com ambos os pais. Tudo isso é 
expressado nos componentes perversos dos jogos e do intercurso sexual—na felação, 
cunilíngua,penetração anal e nos jogos sexuais exibicionistas, voyeuristas e sádicos. Aqui, é 
central o vínculo entre a relação inicial com a mãe em ambos os géneros, e o prazer com a 
interpenetração das superfícies, protuberâncias e cavidades corporais. Os cuidados físicos 
que a mãe presta ao bebé ativam a consciência erótica de suas próprias superfícies corporais, 
e, por projeção, a consciência erótica das superfícies corporais da mãe. O amor recebido 
na forma de estimulação erótica das superfícies corporais se torna o estímulo para o desejo 
erótico como um veículo para a expressão de amor e gratidão. 
A mulher que ama um homem ficará eroticamente excitada por aspectos da geografia 
de seu corpo, e, caracteristicamente, se esse amor termina, sua idealização e interesse pelo 
corpo dele se extinguirão. Por seu lado, os homens narcisistas que dão a impressão de 
perder, rapidamente, o interesse por aspectos previamente idealizados do corpo de uma 
mulher, serão capazes de reativar esse interesse se e quando, em consequência do tratamento 
psicanalítico, a deterioração inconsciente das relações objetais internalizadas (tipicamente 
relacionadas à profunda inveja das mulheres) puder ser resolvida. Estou sugerindo que, em 
ambos os géneros, e apesar das dessemelhanças relacionadas às diferentes histórias de seu 
desenvolvimento sexual, a idealização das superfícies corporais, um aspecto central do desejo 
erótico, é uma função da disponibilidade das primitivas relações objetais 
internalizadas. E a história pessoal de uma relação amorosa fica simbolicamente inscrita 
em aspectos da anatomia do objeto amado. 
A falta de ativacão ou a extinção do erotismo da superfície corporal determina uma 
inibição sexual primária, quando uma intensa agressão e uma paralela falta de 
estimulação prazerosa da superfície corporal se combinam de maneira a interferir com o 
desenvolvimento dos primeiros processos de idealização como parte da estimulação 
erótica. Essa inibição é ilustrada no caso de uma mulher cujo intenso amor transferencial 
estava associado ao desejo de que eu a matasse. A repressão secundária da excitação 
sexual, vinculada ao funcionamento posterior do superego e posteriores proibições 
edípicas, é muito menos severa e tem um prognóstico muito melhor no tratamento. 
O desejo de provocar e ser provocado é outro aspecto central no desejo erótico. Este 
desejo não pode ser completamente separado da excitação decorrente do superar uma 
barreira de algo proibido, e portanto é vivenciado como pecaminoso ou amoral. O objeto 
sexual é sempre, aufond, um objeto edípico proibido, e o ato sexual uma repetição e 
superação simbólica da cena primária. Mas aqui estou enfatizando o objeto retraindo-se e 
provocando, numa combinação de promessa e 
 
 
 
 
Psicopatologta das Relações Amorosas 29 
 
 
 
retraimento, de sedução e frustração. Um corpo nu pode ser sexualmente estimu-
lante, mas um corpo parcialmente escondido é muito mais. Há boas razões pelas 
quais à nudez completa no final de umshow de strip tease, segue-se a rápida saída da 
dançarina. 
A provocação sexual costuma estar tipicamente, embora não exclusivamen-
te, vinculada à provocação exibicionista, e ilustra a íntima relação entre exibicionismo 
e sadismo: o desejo de excitar e frustrar o outro significativo. Pela mesma razão, o 
voyeurismo é a resposta mais simples à provocação exibicionista, e constitui uma 
penetração sádica sobre o objeto que se retrai. Como nas outras perversões, é carac-
terístico que o exibicionismo sejaum desvio sexual típico dos homens, ao passo que 
o comportamento exibicionista esteja muito mais frequentemente entrelaçado como 
estilo de caráter das mulheres. As interpretações psicanalíticas do exibicionismo 
feminino como uma reação formativa à inveja do pênis devem ser aperfeiçoadas 
para incorporar o recente reconhecimento do passo que a garotinha dá ao mudar 
sua escolha de objeto da mãe para o pai: o exibicionismo pode ser um apelo, à 
distância, para sua própria afirmação sexual. O amor e a aceitação por parte do pai 
de sua filha pequena em sua genitalidade vaginal reconfirmam sua identidade 
feminina e auto-aceitação (Paulina Kernberg, comunicação pessoal). 
A experiência da sexualidade feminina como sendo ao mesmo tempo 
exibicionista e evasiva — isto é, provocadora — é um poderoso estímulo para o 
desejo erótico noshomens. E a experiência de ser provocado também provoca agres-
são, um motivo para o impulso agressivo de invadir o corpo da mulher, uma fonte 
dos aspectos voyeuristas da relação sexual que contêm o desejo de dominar, expor, 
e de encontrar e superar barreiras de verdadeira e falsa vergonha na mulher ama-
da. Superar a vergonha não é o mesmo que humilhação; o desejo de humilhar 
normalmente inclui uma terceira parte, uma testemunha da humilhação, e implica 
num grau maior de agressão, que ameaça a capacidade de uma relação objetal 
sexual exclusiva. 
O impulso voy eurista de observar um casal em intercurso sexual—a expres-
são simbólica de um desejo de interromper violentamente a cena primária—é uma 
condensação do desejo de penetrar na privacidade e no segredo do casal edípico e 
de vingar-se da mãe provocadora. O voyeurismo é um importante componente da 
excitação sexual no sentido de que toda a intimidade sexual implica num elemento 
de privacidade e segredo e, como tal, numa identificação com o casal edípico e num 
potencial triunfo sobre ele. O frequente sintoma de muitos casais que não conse-
guem usufruir o sexo em sua própria casa, na proximidade dos filhos, mas somente 
num outro lugar isolado, ilustra a inibição desse aspecto da intimidade sexual. 
O que nos leva a mais um aspecto do desejo erótico, a saber, a oscilação entre 
o desejo de segredo, intimidade e exclusividade,por um lado, e o desejo de escapar 
da intimidade sexual, de uma descontinuidade radical (André Green, comunica-
ção pessoal), por outro. Contrariamente à crença popular de que é apenas a mulher 
quem deseja manter intimidade e exclusividade, e o homem quem quer se afastar 
após a gratificação sexual, as evidências clínicas mostram tanto homens se quei- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
30 Otto F. Kernberg 
xando de anseios dependentes frustrados por sua percepção da dedicação af etuosa 
da esposa a seus bebés e crianças pequenas, quanto mulheres que se queixam da 
incapacidade dos maridos de se manter sexualmente interessados nelas. 
Embora seja verdade que existam diferentes tipos de descontinuidade sexual 
nos homens e nas mulheres, o próprio fato da existência de descontinuidades no 
envolvimento sexual, e de repetidas rupturas mesmo num relacionamento amoro-
so continuado, são importantes contrapartidas do segredo, intimidade e aspectos 
fusionais do desejo e comportamento eróticos. De fato, a perda desta 
descontinuidade, a ocorrência de uma relação sexual que se funde com a vida 
cotidiana e a substitui, pode criar uma acumulação de elementos agressivos de 
experiências fusionais que acabam ameaçando todo o relacionamento. O filme ja-
ponês "In the Realm ofthe Senses", de Nagisa Oshima, ilustra a gradual deterioração, 
até uma agressão desenfreada, do relacionamento de dois amantes cujo encontro 
sexual se torna totalmente autoconsumidor, eliminando o relacionamento com o 
mundo externo. 
O desejo erótico e o amor sexual absorvem e expressam todos os aspectos da 
ambivalência comum das relações objetais íntimas. A intensidade dos aspectos 
af etuosos, ternos, perverso-polimorfos—particularmente sadomasoquistas—da 
relação sexual reflete a expressão desta ambivalência e constitui o cimento básico 
para as relações amorosas. Mas, de maneira mais específica, esta ambivalência é 
ilustrada pelo que descrevo como a triangulação direta e inversa das relações sexu-
ais (veja Capítulo 6), essencialmente, as fantasias inconscientes e conscientes que 
acompanham o desejo eróticoe o intercurso sexual. O desejo de ser o objeto amo-
roso único, preferido, triunfante e exclusivo do próprio parceiro sexual, com a 
concretização dos triunfos contra o rival edípico vividos em cada encontro sexual, 
é a contraparte daquele outro desejo, o de estar envolvido com dois parceiros sexu-
ais do sexo oposto, numa vingança contra o genitor edípico frustrante, provocador 
e evasivo. Essas dinâmicas edípicas são o outro lado dos seus precursores primiti-
vos, em que a profunda ambivalência em relação à mãe e à eliminação do pai 
primitivo provocam a ameaça de uma fusão agressiva com a destruição do objeto 
amado e a ameaçadora negativa do mundo idílico de fusão extática com a mãe 
primitiva idealizada (A. Green, 1993). 
Durante toda a discussão desses componentes do desejo erótico eu me 
referi a algumas de suas raízes genéticas. Braunshweig e Eain (1971,1975) 
oferecem uma ideia atraente em relação às características do desejo erótico em 
termos do desenvolvimento da relação do bebé e da criança pequena com a mãe. 
Resumindo brevemente essas ideias: o relacionamento inicial dos bebés de ambos 
os géneros com a mãe determina a capacidade posterior da criança de excitação 
sexual e desejo erótico. Os cuidados que a mãe presta e sua expressão de prazer na 
estimulação física da superfície corporal dobebê do sexo masculino enquanto 
comunica seu amor por ele desenvolvem o desejo erótico dobebê; obebê se 
identifica com a mãe sob aquela estimulação e também se identifica com ela ao se 
sentir abandonado quando a mãe o deixa para voltar ao pai como uma mulher 
sexual. Os bebés percebem que a 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatoíogia das Relações Amorosas 31 
atitude da mãe não é a mesma na presença do pai e na sua ausência (Paulina 
Kernberg, comunicação pessoal). 
Braunschweig e Fain atribuem um papel crucial ao afastamento psicológico 
da mãe em relação ao bebé. É nesse momento que o bebé se identifica com a mãe 
frustrante (ainda que também estimulante), com sua estimulação erótica e com o 
casal sexual, isto é, o pai como objeto da mãe. Esta identificação do bebé com ambos 
os pais proporciona a estrutura básica para uma bissexualidade psíquica, e conso-
lida a situação triangular na fantasia inconsciente da criança. 
O reconhecimento pelo bebé masculino de sua frustração e da censura implí-
cita de seu desejo erótico pela mãe transformaria a sua estimulação erótica em 
fantasias e atividades masturbatórias, incluindo o desejo de substituir o pai e, na 
fantasia simbólica primitiva, de tornar-se o pênis do pai e o objeto de desejo da 
mãe. 
Na menina pequena, a rejeição sutil e inconsciente que a mãe faz da excitação 
sexual, que ela experiência livremente em relação ao menino, inibe gradualmente 
a consciência direta, por parte da menina de sua genitalidade vaginal original; 
ficaria, então, gradualmente menos consciente de seus próprios impulsos genitais 
ao mesmo tempo em que seria menos diretamente frustrada pela descontinuidade 
na relação com a mãe, A identificação com o erotismo da mãe tomaria formas mais 
sutis, derivadas da tolerância da mãe, e de seu estímulo à identificação de sua filha 
com ela em outras áreas. Com um tácito entendimento da natureza "subterrânea" 
de sua própria genitalidade, a identificação cada vez maior da menina com sua 
mãe também reforçaria seu anseio pelo pai, e sua identificação com ambos os mem-
bros do casal edípico. 
A mudança de objeto da menina, da mãe para o pai, determinaria sua capa-
cidade de desenvolver uma relação objetal profunda com o pai amado e admirado 
mas distante, e a secreta esperança de eventualmente ser aceita por ele e assim ficar 
livre para expressar sua sexualidade genital. Este desenvolvimento estimula a ca-
pacidade da menina de comprometer-se emocionalmente com um relacionamento 
objetal, o que determina desde o início uma capacidade maior na mulher do que no 
homem para um compromisso desse tipo em sua vida sexual, desde o início. 
A explicação reside no exercício precoce da confiança, no voltar-se da menina 
da mãe para o pai, no amor dele e em sua afirmação da feminilidade dela "à distân-
cia", na capacidade dela de transferir suas necessidades de dependência para um 
objeto fisicamente menos disponível do que a mãe, e também pela mesma mudan-
ça de objeto, no escape dos conflitos e ambivalência pré-edípicos em relação à mãe. 
Nos homens, cuja continuidade do relacionamento com a mãe se prolonga para os 
outros objetos femininos constituindo uma potencial perpetuação dos conflitos 
pré-edípicos e edípicos com a mãe, há uma dificuldade maior para lidar com a 
ambivalência em relação às mulheres e um desenvolvimento mais lento em sua 
capacidade de integrar necessidades genitais com necessidades de ternura. As 
mulheres, em contraste, tendem a desenvolver sua capacidade posterior para uma 
relação genital completa, no contexto da capacidade anterior para o relacionamen- 
 
 
 
 
32 Otto F. Kernberg 
to amoroso profundo com um homem. Em resumo, os homens e as mulheres de-
senvolvem, em ordem oposta, suas capacidades para uma satisfação sexual plena 
e uma relação objetal profunda. 
A teoria de Braunschweig e Fain, parece-me, proporciona uma nova aborda-
gem psicanalítica às observações da masturbação genital precoce em ambos os 
géneros (Galenson & Roiphe, 1977) e às consistentes observações clínicas na psica-
nálise de mulheres, referentes aos aspectos eróticos das reações das mães aos seus 
bebés. As implicações da teoria para o nosso entendimento do desejo erótico pare-
cem evidentes: o relacionamento entre o desejo erótico e o desejo de fusão como 
expressão dos anseios simbióticos pela mãe (Bergmann, 1971); a busca do objeto 
provocador e a qualidade vingativa dos elementos agressivos da excitação 
sexual; a qualidade perversa polimorfa do desejo erótico como expressão de sua 
origem nos primeiros estágios desenvolvimentais; os diferentes 
desenvolvimentos nas atitudes masculinas e femininas referentes aos aspectos 
genitais e ternos do erotismo; a conexão entre a sexualização da dor e a busca de 
fusão na dor, e os aspectos agressivos do desejo erótico; a bissexualidade psíquica; 
os conflitos inconscientes em relação a um "terceiro excluído"; e a 
descontinuidade referente às relações sexuais. 
 
 
 
 
 
 
C a p í t u l o 3 
Do Desejo Erótico ao Amor 
Sexual Maduro 
hegamos agora ao mais complexo estágio das transformações 
desenvolvimentais que, partindo da excitação sexual como um afeto básico, leva ao desejo 
erótico por uma outra pessoa e culmina, finalmente, no amor sexual maduro. Os poetas e 
filósofos descreveram os pré-requisitos e componentes do amor maduro melhor do 
que uma dissecção psicanalítica poderia alcançar. No entanto, o desejo de 
compreender melhor as limitações para se obter a capacidade de amar maduramente 
justificaria, a tentativa de se realizar tal dissecção. 
Em essência, proponho que o amor sexual maduro é uma disposição emocio-
nal complexa que integra: 1) a excitação sexual transformada em desejo erótico por 
uma outra pessoa; 2) ternura, que se origina da integração das representações do 
selfe do objeto investidas de libido e agressão (com uma predominância do amor 
em relação à agressão) e a tolerância da ambivalência normal que caracteriza todas 
as relações humanas; 3) uma identificação com o outro, que inclui tanto uma iden-
tificação genital recíproca quanto uma profunda empatia com a identidade de gé-
nero do outro, 4) uma forma madura de idealização, juntamente com um profundo 
comprometimento com o outro e com o relacionamento e 5) o caráter apaixonado 
da relação amorosa, em todos os três aspectos: o relacionamento sexual, o relacio-
namento objetal e o investimento do superego no casal.
Algumas Outras Considerações sobre o Desejo Erótico 
No capítulo anterior, me referià excitação sexual como um afeto vinculado 
desde o início à estimulação da pele e das aberturas corporais, concentrando-se 
gradualmente em determinadas zonas e orifícios, no contexto das relações objetais 
33 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
C 
34 Otto F. Kernberg 
dos estágios pré-edípico e edípico de desenvolvimento. O anseio permanente de 
proximidade e estimulação física e de entrelaçamento das superfícies corporais, 
está vinculado ao anseio de fusão simbiótica com o objeto parental e, pela mesma 
razão, com as mais primitivas formas de identificação. 
A satisfação do bebé pelo contato corporal íntimo com a mãe, no contexto de 
um relacionamento amoroso gratificante recíproco, e seu amor pela mãe, acompa-
nham o desenvolvimento de um mundo de fantasias primitivas de gratificação de 
anseios sexuais polimorfios. O bebé constrói mundo internalizado de fantasias, de 
experiências simbióticas excitantes e gratificantes, que eventualmente constituirá 
o núcleo dos anseios libidinais no inconsciente dinâmico. 
Ao mesmo tempo, o componente agressivo e sadomasoquista da excitação 
sexual, que representa a incorporação do afeto agressivo não apenas como parte da 
resposta sexual infantil polimorfa per se, mas também como um componente com-
plementar da busca de fusão, penetração e de ser penetrado, também é parte da 
resposta erótica no sentido mais amplo do termo. Já me referi à proposição de 
Meltzer & Williams (1988) de que a idealização da superfície do corpo da mãe 
adquire uma função defensiva contra a projeção fantasiada da agressão para o 
interior do corpo da mãe, ao mesmo tempo em que expressa diretamente a integra-
ção do amor pela imagem ideal de mãe com a gratificações sensuais primitivas. A 
idealização primitiva da superfície do corpo da mãe conduz, por meio da introjeção 
inicial e primitiva identificação com ela, à idealização do próprio corpo do bebé. A 
idealização primitiva, característica da predominância dos processos de cisão (que 
dissociam dessa idealização as experiências "totalmente más" ou persecutórias), 
preserva a disposição sexual em relação ao objeto idealizado e protege a excitação 
sexual de ser suplantada pelos impulsos agressivos. 
Enquanto as vicissitudes da excitação sexual no contexto do relacionamento 
mãe/bebé pré-edípico representam a origem do desejo erótico, tal desejo chega a 
seu clímax no estágio edípico do desenvolvimento. Freud propôs (1905) que a psi-
cologia infantil culmina na dominância dos impulsos genitais dirigidos ao genitor 
do género oposto, com a simultânea ativação de intensa ambivalência e rivalidade 
em relação ao genitor do mesmo género. Os desejos parricidas ou matricidas in-
conscientes, em relação ao genitor do mesmo género são a contrapartida dos dese-
jos incestuosos em relação ao outro genitor e do medo da castração, acompanhados 
por fantasias inconscientes de ameaça e de punição. Esta constelação, o complexo 
de Edipo positivo, é paralelo ao complexo de Édipo negativo; o amor sexual pelo 
genitor do mesmo género e o sentimento de rivalidade e agressão dirigidos ao 
outro. Freud considerava do Edipo negativo como uma defesa contra a ansiedade 
de castração ativada pelo complexo de Edipo positivo — em outras palavras, uma 
submissão homossexual defensiva, um motivo importante, mas não exclusivo, para 
o complexo de Édipo negativo, cujas raízes residem nabissexualidade pré-edípica. 
Esta teoria, ao proporcionar uma explicação para o intenso apego do paciente 
ao analista sentido como um objeto ideal, inacessível e proibido, esclareceu a natu- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 35 
reza do amor transferencial. Mas Freud (1910,1915), impressionado com a intensi-
dade e violência da transferência e de sua relação indiscutível com o apaixonar-se, 
também concluiu que a busca inconsciente do objeto edípico é parte de todas as 
relações amorosas normais, e constitui a corrente subterrânea dos anseios e da 
idealização do objeto amoroso. Todavia, conforme Bergman (1982) salientou, Freud 
jamais formulou uma teoria abrangente que diferenciasse claramente o amor 
transferencial do amor erótico e do amor normal. O que nos interessa aqui é a 
centralidade dos anseios edípicos no conteúdo inconsciente do desejo erótico. 
Desejo Erótico e Ternura 
A ternura reflete a integração das representações libidinais e agressivas do 
selfe do objeto, e a tolerância da ambivalência. Balint (1948) foi o primeiro a enfatizar 
a importância da ternura, que, sugeria ele, origina-se na fase pré-genital, e em 
relação a que "a demanda que temos por preocupação e gratidão prolongadas e 
perpétuas nos força a regredir a, ou inclusive a nunca sair da arcaica forma infantil 
de amor terno" (página 114). Em termos da internalização de relacionamentos com 
as pessoas significativas e que irão constituir o complexo mundo das relações objetais 
internalizadas (e eventualmente determinar a estrutura do ego, superego e id) 
existem duas correntes principais influenciando a capacidade de desenvolvimento 
do amor sexual maduro. Uma é a tendência regressiva a estabelecer uma fusão com 
o objeto amado, na busca da recuperação, pelo menos temporária, da desejada 
unidade simbiótica do relacionamento ideal com a mãe. A outra é a tendência 
progressiva à consolidação das diferenças: primeiro, entre as representações do 
self e do objeto; mais tarde da integração das representações "totalmente boas" 
com "totalmente más" do self numa auto-imagem consolidada, e a 
correspondente integração das representações "totalmente más" com as 
"totalmente boas" dos outros objetos significativos, em concepções integradas das 
outras pessoas que incluem uma clara diferenciação de seus papéis sexuais. 
A busca de fusão simbiótica já está incluída, como mencionei anteriormente, 
na psicodinâmica do desejo erótico; a capacidade de estabelecer um relacionamen-
to íntimo com um objeto diferenciado, integrado ou "total" é o aspecto comple-
mentar da capacidade de desenvolver um relacionamento amoroso maduro. Esta 
integração de relações objetais internalizadas "parciais" em "totais" se cristaliza 
próximo ao final do estágio de separação-individuação, e assinala o início da cons-
tância de objeto e a iniciação da fase edípica. Este desenvolvimento marca a conclu-
são das fases desenvolvimentais pré-edípicas, e traz o que Winnicott (1955,1963) 
descreveu como o pré-requisito para desenvolver-se a capacidade de consideração 
pelo outro. Tal desenvolvimento implica a fusão da agressão com o amor nas pri-
meiras relações objetais, reproduzindo, poderíamos dizer, a integração dos anseios 
libidinais e agressivos que ocorrem quando a excitação sexual e o desejo erótico 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
36 Oito F. Kernberg 
prevalecem. O sentimento de ternura é uma expressão da capacidade de preocupação em relação 
ao objeto amado. A ternura expressa amor pelo outro e é o resultado sublimatório (reparador) de 
reações formativas contra a agressão. 
A natureza das influências pré- edípicas sobre a capacidade de amor sexual tem sido 
assunto de significativa investigação psicanalítica. Bergman (1971), seguindo o esquema 
desenvolvimental proposto por Mahler (Mahler e colaboradores, 1975), propôs que a 
capacidade de amar pressupõe o desenvolvimento normal da experiência simbiótica e da fase 
de separação-individuação. Ele assinala continuidade natural desde a primitiva função 
narcisista de estabelecer um relacionamento ideal com o objeto amado, até a posterior 
gratificação narcisista no relacionamento edípico primitivo. Bergman (1987) aponta para a 
busca, na relação amorosa, do objeto edípico perdido, os desejos de reparar o trauma edípico no 
relacionamento com o novo objeto, e a busca de uma fusão, subjacente a esteanseio edípico, que 
reproduz a busca da fusão simbiótica. Bak (1973), enfatizando a relação entre estar apaixonado 
e estar enlutado, vê o estar apaixonado como um estado emocional baseado na separação da 
mãe em relação à criança e dirigido à anulação dessa separação e de outras separações e de 
futuras perdas de objetos importantes. 
Wisdom (1970), revisando alguns dos achados e dilemas básicos na abordagem 
psicanalítica ao entendimento do amor e do sexo, sugeriu que a teoria de Melanie Klein da 
posição depressiva explicava os componentes fundamentais, embora não todos eles, do amor 
adulto. Sugeriu que a idealização do amor surge através da neutralização do aspecto mau do 
objeto pela reparação, e não por tratar de manter o objeto idealizado totalmente bom, 
dissociando dele o que fosse mau. A este respeito, Wisdom descreveu a diferença entre a 
idealização da "posição esquizoparanóide" e a da "posição depressiva" (uma diferença, parece-
me, relacionada à diferença entre a idealização que os pacientes borderline fazem do objeto 
amado e aquela que os neuróticos fazem). Enumerou os aspectos do apaixonar-se relacionados 
à capacidade de enlutar-se e preocupar-se com o objeto. Josselyn (1971) sugeriu que os pais que 
privam os filhos das oportunidades de se enlutar pela perda de objetos amados contribuem 
para atrofiar a capacidade de amar. 
May (1969) enfatizou a importância do "cuidar do outro" como um pré-re-quisito para 
amar de maneira madura. O cuidado, disse ele, "é um estado composto pelo reconhecimento do 
outro, alguém igual a nós mesmos pela identificação do nosso se//com a dor ou alegria do 
outro; pela culpa, pena e a consciência de que todos comungamos com uma humanidade 
comum, da qual todos nos originamos" (página 289). Ele considera "preocupação" e 
"compaixão" possíveis termos alternativos. Na verdade, sua descrição do cuidado com o outro 
é muito parecida com a descrição que Winnicott (1963) fez da preocupação pelo outro. 
Identificação com o Outro 
Balint (1948) sugeriu que, além da satisfação genital, uma verdadeira relação amorosa 
inclui idealização, ternura e uma forma especial de identificação. Em ré- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psícopatología das Relações Amorosas 37 
 
lação à última, sugeriu chamá-la de "identificação genital", na qual os "interesses, 
desejos, sentimentos, a sensibilidade e as deficiências do parceiro alcancem — ou 
se espera que venham alcançar — a mesma importância dos nossos" (página 115). 
Em resumo, sugere que o que chamamos de amor genital é uma fusão da satisfação 
genital e da ternura pré-genital, e que a identificação genital é a expressão dessa 
fusão. 
A ideia de Balint foi uma mudança em relação ao foco então dominante na 
"primazia genital" em si mesmo como o básico das relações amorosas ideais, apon-
tando para os importantes elementos pré-edípicos que influenciam a identificação 
genital e a importância da integração da ternura pré-genital com a satisfação genital. 
A evolução do pensamento psicanalítico questionou, então, a "primazia 
genital" (definida como a capacidade de intercurso sexual e orgasmo, como não 
sendo o equivalente da maturidade sexual ou representando, necessariamente, um 
desenvolvimento psicossexual avançado. Lichtenstein (1970) examinou essa ques-
tão e concluiu que as "observações clínicas não confirmam uma clara correlação 
entre maturidade emocional (isto é, a capacidade de estabelecer relações objetais 
estáveis) e a capacidade de obter uma completa satisfação através do orgasmo 
genital (primazia genital)". Por outro lado, sugeriu "que a sexualidade é a maneira 
mais primitiva e básica disponível, para a personalidade humana em desenvolvi-
mento experienciar a afirmação da realidade da própria existência". Acrescentou 
que "o conceito de primazia genital, no sentido clássico, não pode mais ser manti-
do" (página 317). 
Além de enfatizar a relação entre a capacidade de ternura e a de preocupação 
pelo objeto, May (1969) coloca a capacidade de "identificação genital" (nos termos 
de Balint), isto é, de uma total identificação sem perder a própria identidade na 
relação amorosa, numa posição central. Além disso, May enfatiza a presença da 
tristeza na relação amorosa (o que relaciona seu pensamento, potencialmente, com 
a consolidação das relações objetais totais e a correspondente ativação da preocu-
pação, culpa e reparação). Também sublinha a importância da experiência genital 
em si mesma, que proporciona uma mudança na consciência, uma nova união na 
qual se desenvolve uma unidade com a natureza. 
A identificação genital implica em chegar a um acordo com as identificações 
heterossexual e homossexual derivadas dos conflitos pré-edípicos e edípicos. Uma 
cuidadosa análise das reações emocionais durante o intercurso sexual, particular-
mente em pacientes que atingiram um estágio de elaboração dos vários níveis de 
conflitos pré-genitais e genitais, conforme expressados em seus relacionamentos 
sexuais, revela as múltiplas, simultâneas e/ou alternadas identificações, heteros-
sexual e homossexual, pré-genital e genital, ativadas nesse contexto. 
Um aspecto dessas reações emocionais é a excitação e a gratificação deriva-
das do orgasmo do perceiro sexual. Isto corresponde à gratificação de outras neces-
sidades, tais como a capacidade de proporcionar gratificação oral ou a reconfirmação 
da identificação com a figura edípica do mesmo género, que expressa componentes 
heterossexuais. Ao mesmo tempo, a excitação que acompanha o orgasmo do par- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
38 Otto F. Kernberg 
ceiro também reflete uma identificação inconsciente com o parceiro e, no intercurso 
heterossexual, uma expressão sublimada de identificações homossexuais tanto de 
fontes pré-genitais quanto genitais. As preliminares sexuais também podem in-
cluir a identificação com os desejos fantasiados ou reais do objeto do outro género, 
de modo que as necessidades passivas e ativas, masoquistas e sádicas, voyeuristas 
e exibicionistas são expressadas na simultânea reconfirmação da identidade sexual 
da pessoa e na identificação experimental com a identidade complementar do par-
ceiro sexual. 
Essa identificação simultânea e intensa com o próprio papel sexual e o papel 
complementar do objeto durante o orgasmo também representa a capacidade de 
adentrar e tornar-se uno com a outra pessoa num sentido psicológico e físico, 
reconfirmando assim a capacidade de intimidade emocional que se vincula à ativa-
ção das raízes fundamentalmente biológicas do apego humano. Em contraste com 
a primitiva fusão das representações dosei/e do objeto durante a fase simbiótica do 
desenvolvimento (Mahler, 1968), a fusão do orgasmo reafirma, se assenta na pró-
pria individualidade da pessoa, particularmente em uma identificação sexual 
madura. 
Assim, a identificação sexual com os papéis sexuais complementares da pró-
pria pessoa e de seu parceiro implica numa integração sublimada de componentes 
de identidade heterossexual e homossexual. Esta função integradora da relação 
sexual e do orgasmo é também realizada na polaridade do amor e do ódio, porque 
a capacidade de experienciar inteiramente consideração pela pessoa amada (o que 
está por trás de um autêntico relacionamento humano profundo) pressupõe a inte-
gração do amor e do ódio, isto é, a tolerância da ambivalência. Parece-me que essa 
ambivalência, que é característica de relacionamentos humanos significativos está-
veis, é ativada no intercurso sexual, quando a excitação sexual e a agressiva são 
misturadas. 
Um relacionamento sexual maduro, acredito, inclui alguns encontros sexuais 
em que o parceiro é utilizado como um "puro objeto sexual"; a excitação sexual 
pode ser máxima durante a expressão da necessidade de "usar" e/ou "ser usado" 
sexualmente pela outra pessoa. A mútua empadae um conluio implícito com essa 
expressão sexual são contrapartes da empatia e conluios relacionados com raiva 
violenta, ataques e rejeição no relacionamento. A confiança de que todas essas 
condições possam ser contidas num relacionamento que seja acima de tudo amoro-
so e que também tem períodos de mútua contemplação tranquila, e compar-
tilhamente da vida interna do par participante, proporciona significado e profun-
didade aos relacionamentos humanos. 
Idealização e Amor Sexual Maduro 
Balint (1948), expressando sua concordância com Freud (1912), descartou a 
idealização "como não sendo absolutamente necessária" para um bom relaciona 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 39 
mento amoroso. Ele concordava particularmente com a declaração de Freud de que em muitos casos a 
idealização não ajuda, e até atrapalha, o desenvolvimento de uma forma satisfatória de amor. 
David (1971) e Chasseguet-Smirgel (1973), entretanto, enfatizaram a importância da idealização na 
relação amorosa. Acreditam que o estado de estar apaixonado enriquece o se//, e aumenta o seu investimento 
libidinal, porque isto satisfaz um estado ideal do self, e porque a relação do sélf grandioso com o objeto, 
nesse ponto, reproduz a relação ideal entre o self e o ideal de ego. 
Van der Waals (1965) enfatizou o simultâneo aumento do investimento libidinal objetal e narcisista 
no amor normal. Chasseguet-Smirgel sugeriu que no amor maduro, em contraste com o apaixonar-se 
temporário no adolescente, existe uma projeção limitada de um ideal de ego menos grandioso no objeto 
amado idealizado, e um simultâneo aumento do investimento narcisista (no self) a partir da gratificação 
sexual proporcionada pelo objeto amado. Essas observações são, acredito, compatíveis com minha opinião 
de que a idealização normal constitui um nível desenvolvimental avançado desse mecanismo, pelo qual a 
moralidade do bebé e da criança são transformados em sistemas éticos adultos. A idealização, assim 
concebida, é função da relação amorosa madura, estabelecendo a continuidade entre o amor "romântico" 
adolescente e o amor maduro. Em condições normais, não é apenas o ideal do ego que é projetado, mas os 
ideais que se originam de desenvolvimentos estruturais dentro do superego (incluindo o ideal do ego). 
David (1971) enfatiza quão cedo chegam os anseios edípicos nas crianças de ambos os géneros, junto 
com a intuição de um relacionamento excitante, gratifican-te e proibido, que une os pais entre si e exclui a 
criança, assim como o desejo e a excitação da criança em relação ao conhecimento proibido — 
particularmente, o conhecimento sexual—se constituem como pré-requisitos cruciais para a qualidade do 
amor sexual. Em ambos os géneros, o anseio, a inveja, o ciúme e a curiosidade finalmente impelem a busca 
ativa do objeto edípico idealizado. 
Conforme mencionei no Capítulo 2, a fusão íntima da desejada gratificação erótica e fusão simbiótica 
também inclui a função sexual da idealização primitiva. Já me referi à proposta de Meltzer e Williams (1988) 
de que a idealização da superfície do corpo da mãe adquire uma função defensiva contra a projeção 
fantasiada da agressão para o interior do corpo da mãe, enquanto expressa diretamente a integração do 
amor pela imagem ideal da mãe com a mais primitiva gratificação sensual. Assim, a idealização primitiva, 
caracterizada pela predominância dos processos de cisão, que dissociam essa idealização das experiências 
"totalmente más" ou persecutórias, preserva a disposição sexual em relação ao objeto idealizado e protege 
a excitação sexual de ser inundada pelos impulsos agressivos. 
Mais tarde, a idealização que ocorre no contexto de relações objetais 
integradas, ou totais (e a correspondente capacidade de experienciar culpa, preocupação e 
tendências reparadoras, quando forem atingidas as relações objetais totais) facilitará a 
integração da excitação sexual e do desejo erótico com uma visão idealizada do objeto amado e a 
integração do desejo erótico com a ternura. A ternura, como 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
40 Oito F. Kernberg 
vimos, reflete a capacidade para integrar o amor e a agressão no contexto das relações objetais internalizadas, e 
inclui um elemento de preocupação pelo objeto amado, que deve ser protegido da perigosa agressão. 
Gradualmente, a idealização inicial do corpo da pessoa amada e a posterior idealização do outro como 
pessoa total, evoluem para a idealização do sistema de valores do objeto amado — uma idealização 
dos valores éticos, culturais e estéticos—um desenvolvimento que irá garantir a capacidade de apaixonar-se 
romanticamente. 
Essas graduais transformações dos processos de idealização no contexto do desenvolvimento 
psicológico também refletem as vicissitudes da passagem pelo estágio edípico do desenvolvimento — as 
proibições originais do desejo erótico pelo objeto edípico, que são a razão maior para a aguda clivagem 
defensiva entre o desejo erótico e as relações objetais idealizadas. Os processos de idealização em evolução 
eventualmente culminam na capacidade de reconfirmar o vínculo entre o desejo erótico e a idealização 
romântica da mesma pessoa, e representam, ao mesmo tempo, a integração do superego num nível mais 
elevado, vinculado a esta capacidade sofisticada de integrar a ternura com os sentimentos sexuais, o que 
reflete a superação do conflito edípico. Ao mesmo tempo, neste estabelecimento de identificações com os 
valores do objeto amado, atinge-se a transcendência do inter-relacionamento do casal para um 
relacionamento com seu background cultural e social. As experiências do passado, o presente e o futuro 
imaginado, são vinculadas através da experiência atual do relacionamento com o objeto amado. 
Comprometimento e Paixão 
A paixão na esfera do amor sexual é, proponho, um estado emocional que expressa o cruzamento de 
fronteiras, no sentido de unir estruturas intrapsíquicas que estão separadas por fronteiras dinâmica ou 
conflitualmente determinadas. No que segue, utilizo o termo fronteira significando as fronteiras dosei/, exceto 
quando forem feitas referências explícitas ao uso mais amplo do termo como a interface ativa e dinâmica 
de sistemas (especialmente sociais) hierarquicamente relacionados. 
As fronteiras mais importantes atravessadas na paixão sexual são as do se!/. 
O aspecto dinâmico central da paixão sexual e do seu clímax, é a experiência do orgasmo no intercurso; 
na experiência do orgasmo, a excitação sexual crescente culmina numa resposta automática, biologicamente 
determinada, com um afeto primitivo de êxtase, que requer para ser completamente experienciado, um 
abandono temporário das fronteiras dosei/, ou melhor, uma expansão — ou uma invasão — das fronteiras 
do se!/até a consciência das raízes biológicas subjetivamente difusas da existência. Já exploramos os 
relacionamentos entre os instintosbiológi-cos, afetos e impulsos; aqui, gostaria de enfatizar as funções 
essenciais dos afetos como as experiências subjetivas na fronteira (num contexto de sistemas gerais) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 41 
 
entre os domínios biológico e intrapsíquico, e sua função crucial na organização das relações 
objetais internas e das estruturas psíquicas em geral. 
Mas se a excitação sexual constitui uma afeto básico que está no núcleo do amor 
apaixonado, isto não significa que essa capacidade de amar com paixão fique "limitada" como 
parte da experiência orgástica. O desejo da fusão com a mãe e a experiência subjetiva de 
fundir-se com ela, que caracteriza o estágio simbiótico do desenvolvimento, infiltra toda busca 
de contato corporal e de entrelaçamento das superfícies corporais. Mas a experiência de 
êxtase do orgasmo só gradualmente adquire umafunção organizadora central; é a fase genital 
da sexualidade infantil que recaptura e centraliza, poderíamos assim dizer, aquela excitação 
difusa ligada às experiências e fantasias de fusão da fase pré-genital do apego simbiótico. 
A experiência clínica demonstra que a qualidade afetiva do orgasmo varia amplamente, 
e (particularmente nos pacientes com severa patologia narcisista e significativa deterioração 
das relações objetais internalizadas) está muitas vezes dramaticamente reduzida, de modo 
que o orgasmo proporciona tanto um sentimento de alívio como também de frustração para 
esses pacientes. No amor apaixonado, a experiência orgástica é máxima, e é aqui que podemos 
examinar o significado da experiência para o indivíduo e para o casal. 
No amor apaixonado, o orgasmo integra, ao mesmo tempo, o simultâneo cruzamento 
da fronteira do se//até a consciência do funcionamento biológico que está fora do controle do 
self, e o cruzamento das fronteiras numa sofisticada identificação com o objeto amado, mas que 
mantém o senso de uma identidade separada. A experiência compartilhada do orgasmo inclui, 
além da temporária identificação com o parceiro sexual, a transcendência da experiência 
dosd/até a experiência da união fantasiada dos pais edípicos, assim como a transcendência da 
repetição da relação edípica até o seu abandono por uma nova relação objetal que reconfirma a 
identidade e autonomia separadas da pessoa. 
Na paixão sexual, são atravessadas fronteiras dosei/determinadas pelo tempo, e o mundo 
passado das relações objetais é transformado em um novo mundo pessoalmente recriado. O 
orgasmo como parte da paixão sexual também pode representar simbolicamente a experiência 
de morrer, de se manter a autoconsciência ao mesmo tempo em que se é levado à aceitação 
passiva de sequências neurovegetativas que incluem a excitação, o êxtase e a descarga. Por 
outro lado, a transcendência a partir doseJ/em direção à união apaixonada com a outra pessoa, 
e dos valores que ambos defendem, também é um desafio à morte e à natureza transitória 
da existência do indivíduo. 
Mas a aceitação da experiência de fusão com o outro também replica, inconscientemente, a 
penetração forçada do perigoso interior do corpo do outro (do corpo da mãe) — isto é, o 
misterioso domínio da agressão primitiva projetada. A fusão é portanto uma perigosa aventura, 
que implica na predominância da confiança sobre a desconfiança e o medo, entregando-se o 
próprio self ao outro, na busca de uma fusão extática sempre ameaçada pelo desconhecido 
(fusão na agressão). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
42 Otto F. Kernberg 
Da mesma forma, no domínio da ativação das relações objetais internalizadas de estágios 
de desenvolvimento pré-edípicos e edípicos, dissolver as barreiras pro-tetoras contra os afetos 
primitivos, difusos, ao mesmo tempo em que ainda nos mantemos separados — isto é, 
conscientes de nós mesmos — e deixar para trás os objetos edípicos, novamente implica na 
aceitação do perigo, não apenas de perder a própria identidade, mas da liberação da agressão 
contra esses objetos internos e externos, e sua retaliação. 
A paixão sexual, conseqúentemente, implica numa corajosa entrega dose//a uma união 
desejada com o outro ideal, diante de perigos inevitáveis. Portanto, a paixão sexual inclui 
aceitar os riscos de nos abandonarmos totalmente à relação com o outro, em contraste com 
o medo dos perigos de oriundas muitas fontes, que nos ameaçam quando nos fundimos com 
um outro ser humano. Ela inclui uma esperança básica em termos de dar e receber amor, e 
ser assim reconfirmado quanto à própria bondade, em contraste com a culpa e o medo 
referentes ao perigo da própria agressão em relação ao objeto amado. E na paixão sexual 
atravessar as fronteiras temporais do self também ocorre no comprometimento com o 
futuro, com o objeto amado como um ideal que dá um significado pessoal à vida. Ao 
perceber o outro amado como a incorporação não apenas do objeto edípico e pré-edípico 
desejado (e do relacionamento ideal com uma outra pessoa), mas também das ideias, valores 
e aspirações que fazem com que a vida valha a pena ser vivida, a paixão sexual expressa a 
esperança da criação e consolidação de um sentido para o mundo social e cultural. 
A paixão sexual é uma questão central no estudo da psicologia e psicopatologia das 
relações amorosas, uma questão que parece relacionada, de muitas maneiras, à questão da 
estabilidade ou instabilidade das relações amorosas. Frequentemente nos perguntamos se a 
paixão sexual é uma característica do apaixonar-se romântico, ou dos estágios iniciais das 
relações amorosas, e que seria gradualmente substituída por um relacionamento menos 
intenso e mais "afetuoso", ou se ela é um ingrediente básico daquilo que mantém os casais 
juntos, uma expressão (assim como uma garantia) das funções criativas ativas do amor 
sexual. Será que a paixão sexual, uma condição potencial para a estabilidade do casal, é 
também uma fonte potencial de ameaça a ela, de modo que uma relação amorosa criativa 
estaria, por consequência, mais ameaçada do que uma relação caracterizada por uma harmo-
nia relativamente tranquila, não-apaixonada e por um sentimento de segurança? 
A relação entre o relacionamento afetuoso, numa relação amorosa ou casamento 
estável, comparada a um caso amoroso apaixonado tem sido debatida por poetas e filósofos 
ao longo dos séculos. Baseado em minha avaliação de pacientes 
onamento de casais por muitos anos, acredito que esta dicotomia é uma convenção 
supersimplificada. O amor apaixonado também caracteriza alguns casais coi muitos 
anos de vida juntos. 
Penso que a paixão sexual também não pode ser igualada ao humor de êxtase 
característico da adolescência. A consciência sutil, profunda, completa e critica do 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 43 
 
 
amor por uma outra pessoa, combinada com uma clara consciência do mistério final que separa uma 
pessoa de todas as outras e a aceitação dos anseios irrealizáveis, como parte do preço a pagar por um total 
comprometimento com a pessoa amada, também refletem a paixão sexual. 
A paixão sexual não se limita, embora seja nele tipicamente expressada, ao intercurso sexual com 
orgasmo. Pelo contrário: o amor sexual se expande, da intuitiva consciência do intercurso e orgasmo 
como sendo seu objetivo final liberador, consumidor e reconfirmador, até o campo mais amplo do 
anseio sexual pelo outro, do intenso desejo erótico que se aprofunda pela apreciação dos valores 
gerais, humanos, físicos e emocionais, representados pelo outro. Há oscilações normais na intensidade 
da relação do casal, e abruptas descontinuidades em seu relacionamento, que explorarei mais tarde. 
Mas num relacionamento sexual satisfatório, a paixão sexual é uma estrutura disponível 
caracterizando seu relacionamento simultaneamente nos domínios sexual, relacional-objetal, ético e 
cultural. 
Disse que um aspecto essencial da experiência subjetiva da paixão, em todos os níveis, é o 
atravessamento das fronteiras àoself, a fusão com o outro. Esta experiência de fusão deve ser 
diferenciada dos fenómenos da fusão regressiva, que obscurecem a diferenciaçãose//"-não-se//i o que é 
característico da paixão sexual é a experiência de fusão simultaneamente com a manutenção de uma 
identidade separada. 
O cruzamento das fronteiras àoself, assim definido, é a base da experiência subjetiva da 
transcendência. As identificações psicóticas (Jacobson, 1964), com a dissolução das fronteiras do selfe 
do objeto, interferem com a capacidade de paixão. Entretanto, uma vez que a transcendência implica 
no perigo de perder-se a si mesmo e de se defrontar com uma agressão ameaçadora, isto faz com que a 
paixão se relacione também com o medo da agressão em uma fusão psicótica. E é quandoocorre uma 
intensa agressão, associada com uma dissociação entre relações objetais idealizadas e persecutórias, que 
se dá nas idealizações primitivas do paciente borderline, é que o amor apaixonado pode subitamente 
transformar-se em ódio apaixonado. A falta de integração entre relações de objetos "só bons" e "só 
maus", internalizados pode promover alterações súbitas e dramáticas no relacionamento do casal. A 
prototípica experiência do amante desprezado, que mata seu rival e o objeto amado que o traiu, e 
depois mata a si mesmo, assinala este relacionamento entre amor apaixonado, mecanismos de 
dissociação, primitiva idealização e ódio. 
Existe uma contradição intrínseca na combinação desses dois aspectos cruciais do amor sexual: de 
um lado, as firmes fronteiras doselfe a constante consciência da indissolúvel separação entre os 
indivíduos, e de outro, o senso de transcendência e de tornar-se uno com a pessoa amada. A 
condição de ser separado resulta na solidão, no anseio e medo pela fragilidade de todas as relações; a 
transcendência na união do casal traz o sentimento de unidade com o mundo, de permanência e de 
nova criação. A solida o, poderíamos dizer, é umpré-requisitopara a transcendência. 
Permanecer dentro das fronteiras doselfe ao mesmo tempo transcendê-
las na identificação com o objeto amado, é uma excitante e estimulante, mas também 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
44 Otto F. Kernberg 
dolorosa condição do amor. O poeta mexicano Octavio Paz (1974) expressou este aspecto do amor com 
uma concisão quase avassaladora, declarando que o amor é um ponto de intersecção entre o desejo e 
a realidade. O amor, diz ele, revela a realidade ao desejo e cria a transição do objeto erótico para a 
pessoa amada. Tal revelação é quase sempre dolorosa, porque a pessoa amada se apresenta, simulta-
neamente, como um corpo que pode ser penetrado e uma consciência que é impenetrável. O amor é a 
revelação da liberdade da outra pessoa. À contraditória natureza do amor é de que o desejo quer ser 
realizado pela destruição do objeto desejado, enquanto o amor descobre que este objeto é indestrutível e 
não pode ser substituído. 
Aqui está uma ilustração clínica da maturação da capacidade para experimentar a paixão 
sexual, e o desenvolvimento de anseios românticos, num homem muito inibido e obsessivo, fazendo 
tratamento psicanalítico. Omito os aspectos dinâmicos e estruturais dessa mudança, de modo a centrar-
me na experiência sub-jetiva de integrar o erotismo, as relações objetais e os sistemas de valores. 
Um professor universitário no final da casa dos 30, noivou com uma mulher por quem estava muito 
apaixonado logo antes de partir para uma viagem a trabalho à Europa. Na volta, descreveu uma 
experiência que tivera ao visitar o Louvre e lá ver, pela primeira vez, esculturas em miniatura da 
Mesopotâmia, do terceiro milénio antes da nossa era. Em certo momento teve a estranha sensação de 
que uma dessas minúsculas esculturas, o corpo de uma mulher cujos mamilos e umbigo estavam 
assinalados por minúsculas pedras preciosas, assemelhava-se ao corpo da mulher que ele amava. Ele 
antes vinha pensando na noiva, ansiando por sua presença enquanto caminhava pelos corredores 
quase desertos do museu, e na medida em que começou a olhar para a escultura, uma enorme onda de 
estimulação erótica o dominou, juntamente com intenso sentimento de proximidade em relação a ela. 
Ficou também muito emocionado pelo que considerou a extrema simplicidade e beleza da escultura, 
sentindo empatia pelo artista desconhecido que morrera há mais de quatro mil anos. Teve então um 
sentimento de humildade, ao mesmo tempo em que de tranquilizadora comunicação com o 
passado, e sentiu que lhe fora permitido compartilhar o entendimento do eterno mistério do amor 
expressado naquele trabalho de arte. O sentimento de desejo erótico fundiu-se com o sentimento de 
unidade, de anseio e de proximidade com a mulher que ele amava, e, através dessa unidade e amor, 
ele pode penetrar no mundo transcendente dabele-za. Ao mesmo tempo, teve um forte sentimento 
arespeito de sua própria individualidade, juntamente com gratidão por lhe ter sido permitido 
compartilhar a experiência desse trabalho de arte, e humildade ao se defrontar com ele. 
A paixão sexual reativa e contém toda a sequência dos estados emocionais que garantem ao 
indivíduo o sentimento sobre sua própria "bondade", abondade de seus pais, e do mundo inteiro de 
objetos, e a esperança de realização do amor mesmo em face da frustração, hostilidade e 
ambivalência. A paixão sexual supõe: a capacidade de continuada empatia—mas não fusão—com um 
estado primitivo de fusão simbiótica (o "sentimento oceânico" deFreud [1930]); a excitante reunião 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 45 
de proximidade com a mãe no estágio de diferenciação se//-objeto; e a gratificação dos anseios edípicos, 
no contexto de superação de sentimentos de inferioridade, medo e culpa, referentes ao 
funcionamento sexual. A paixão sexual é o núcleo facilitador de um sentimento de unidade com a 
pessoa amada, como parte do romantismo da adolescência e, mais tarde, de comprometimentos 
maduros com o parceiro amado frente às limitações realistas da vida humana, a inevitabilidade da 
doença, decadência, deterioração e morte. E é uma importante fonte de empatia com a pessoa 
amada. Conseqúentemente, o cruzamento das fronteiras e a reconfirmação do sentimento básico 
de bondade mesmo enfrentando muitos riscos, vinculam a biologia, o mundo emocional e o mundo dos 
valores a um sistema único imediato. 
O cruzamento das fronteiras do eu na paixão sexual e a integração tanto do amor e da agressão, 
como da homossexualidade e da heterossexualidade, no relacionamento no mundo interno com a 
pessoa amada, são ilustrados eloquentemente na declaração de amor de Hans Castorp à Clawdia Chauchat, 
naMontanha mágica, de Thomas Mann (1924). Rompendo com seu humanista, racional e maduro 
"mentor" Settembrini, Castorp declara seu amor à Madame Chauchat (em francês, o que se torna uma 
linguagem quase privada e íntima no contexto alemão do livro). Excitado e liberado pela calorosa, 
embora levemente irónica, resposta dela, Castorp lhe diz que sempre a amou e alude à sua relação 
homossexual anterior com um amigo da juventude que se parecia com ela e a quem uma vez ele 
pedira um lápis emprestado, da mesma forma como pedira um à Madame Chauchat mais cedo 
naquela noite. Ele diz que o amor não é nada se não for também loucura, algo sem sentido, proibido, 
quase uma aventura através do mal. Diz a ela que o corpo, o amor e a morte —- os três — são uma 
coisa só. Fala sobre o milagre da vida orgânica e da beleza física, que é composta de vida e matéria 
perecível. 
Mas atravessar as fronteiras dose//implica na existência de certas condições: como já dito, deve 
haver uma consciência de, e uma capacidade para, a empatia com a existência de um campo 
psicológico fora das fronteiras dose//; conseqúente-mente, os estados eroticamente matizados de 
excitação maníaca e grandiosidade, característicos dos pacientes psicóticos, não podem ser chamados 
de paixão sexual; e a destruição inconsciente das representações de objeto assim como dos próprios 
objetos externos, tão predominante nas personalidades narcísicas, destrói suas capacidades de 
transcendência até uma íntima união com outro ser humano, reduzindo, e eventualmente destruindo, 
a capacidade de paixão sexual. 
A excitação sexual e o orgasmo também perdem sua função de atravessar fronteiras, na 
biologia, quando uma excitação sexual e orgasmo mecânicos e repetitivos se constróem dentro da 
experiência dose//, de uma forma dissociada do aprofundamento das relações objetais internalizadas. É 
aqui que a excitação sexual se diferencia do desejo erótico e da paixão sexual;basicamente, a 
masturbação pode (e normalmente o faz) expressar uma relação objetal — tipicamente, expressam 
vários aspectos das relações edípicas a partir da infância em diante. Mas a masturbação como 
atividade compulsiva e repetitiva, funcionando defensivamen- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
46 Oito F. Kernberg 
 
 
te contra impulsos sexuais proibidos e outros conflitos inconscientes, no contexto de uma 
dissociação regressiva de relações objetais conflitosas, perde sua função transcendente. Estou 
sugerindo que não é a gratificação interminável, compulsiva-mente repetitiva dos impulsos 
instintivos, o que provoca deterioração na excitação, no prazer e na satisfação deles derivados, 
mas sem a perda da função crucial de atravessar as fronteiras self-objetais, função esta que é 
garantida pelo investimento normal no mundo das relações objetais. Em outras palavras, é o 
mundo das relações de objeto internos e externos que mantém a sexualidade viva, e proporciona 
o potencial para uma gratificação duradoura. 
A integração das representações doselfe do objeto, amorosas e odiosas, com os afetos, na 
transformação de relações objetais parciais em totais (ou constância objetal), é exigência básica 
para a capacidade de estabelecer uma relação objetal estável. É necessária para que se entre a 
fronteira de uma identidade de ego estável para uma identificação com o objeto amado. 
Mas o estabelecimento de relações objetais profundas também libera uma agressão 
primitiva no relacionamento, no contexto da recíproca ativação, em ambos os parceiros, de 
relações objetais patogênicas, reprimidas ou dissociadas, do período de bebé e da primeira 
infância. Quanto mais patológicas e agressivamente determinadas as relações objetais 
internalizadas reprimidas ou dissociadas, mais primitivos os correspondentes mecanismos de 
defesa; estes, particularmente a identificação projetiva, podem induzir experiências ou reações no 
parceiro, que reproduzem representações de objeto ameaçadoras. Representações de objeto 
idealizadas e desvalorizadas, enlutadas e lamentadas ou persecutórias, são sobrepostas à 
percepção do objeto amado e à interação com ele podendo ameaçar — assim como reforçar — o 
relacionamento. À medida que ambos os parceiros vão ficando mais conscientes dos efeitos das 
distorções em suas percepções e comportamentos de um em relação ao outro, eles podem 
ficar dolorosamente conscientes da mútua agressão existente, sem necessariamente serem 
capazes de resolver tais padrões interativos; assim, o cimento inconsciente do relacionamento do 
casal também pode colocá-lo em risco. É nesse ponto que a integração e a maturação do 
superego, expressadas na transformação das proibições primitivas e sentimentos de culpa 
pela agressão em consideração pelo objeto — e pelo self — protegem a relação objetal e a 
capacidade para ultrapassar fronteiras rumo ao objeto amado. Assim, superego maduro 
estimula o amor e o comprometimento com o objeto amado. 
Uma implicação geral da definição de paixão sexual aqui proposta é que ela constituiria um 
aspecto permanente das relações amorosas e não apenas uma expressão inicial ou temporária da 
idealização "romântica" da adolescência e da idade adulta jovem; que ela teria uma função de 
proporcionar intensidade, consolidação e renovação às relações amorosas por toda a vida; e 
que ela proporcionaria permanência à excitação sexual, ao vinculá-la à experiência humana total 
do casal. Isso nos leva aos aspectos eróticos das relações sexuais estáveis. Penso que a evidência 
clínica indica, com clareza, quão intimamente a excitação e a satisfaçãc sexual estão 
vinculadas à qualidade do relacionamento total do casal. Embora es 
Psicopatologifl das Relações Amorosas 47 
tudos estatísticos de grandes populações mostrem um decréscimo na frequência do intercurso 
sexual e orgasmo ao longo das décadas, o estudo clínico de casais indica o significativo efeito 
da natureza de seu relacionamento sobre a frequência e qualidade do intercurso sexual; a 
experiência sexual permanece um aspecto central constante das relações amorosas e da vida 
conjugal do começo ao fim. Em circunstâncias ótimas, a intensidade da satisfação sexual tem 
uma qualidade renovadora constante, que não depende dos "aspectos mecânicos" da ginástica 
sexual, mas da capacidade intuitiva do casal de tecer as necessidades e experiências pessoais 
variáveis, na rede complexa dos aspectos heterossexuais e homossexuais, amorosos e agressivos 
do relacionamento total, expressado em fantasias inconscientes e conscientes e em seu 
reencenamento contínuo nas relações sexuais do casal. 
 
 
 
C a p í t u l o 4 
Amor Sexual Maduro, 
Édipo e o Casal 
 
O Impacto do Género 
Em minha discussão anterior da identidade de género nuclear, a controvérsia sobre se 
podemos sustentar umabissexualidade psicológica original para ambos os géneros, ou se a 
primeira identidade para ambos é ou masculina, conforme Freud (1905), ou feminina, 
conforme proposto por Stoller (1975,1985). Expressei minha concordância com Person e 
Ovesey (1983,1984), cuja opinião de que os bebés desenvolvem, desde o início, uma 
identidade de género nuclear que é ou masculina ou feminina, combina perfeitamente com 
os achados dos estudos sobre os hermafroditas e com as observações sobre a primeira 
infância. Braunschweig e Fain (1971,1975), apresentando evidências psicanalíticas para 
umabissexualidade psicológica original (derivada da identificação inconsciente do bebé e 
da criança pequena com ambos os pais), propõem, convincentemente, que este potencial 
bissexual inconsciente é gradualmente controlado pela natureza dominante da interação 
mãe-bebê, na qual se estabelece uma identidade de género nuclear. Esta ideia concorda com a 
opinião de Money e Erhardt (1972), de que a definição parental da identidade de género do 
bebé é o organizador essencial dessa identidade, uma visão reforçada pela observação que 
Stoller faz da transexualidade. 
Desenvolvendo ainda mais as teorias de Braunschweig e Fain, salientei que os 
cuidados prestados pela mãe, e sua expressão de satisfação na estimulação física do bebé, 
como sendo essenciais para desenvolver o erotismo da superfície corporal do bebé e, mais 
tarde, o desejo erótico. Tanto para a menina quanto para o menino, a experiência erótica 
inicial com a mãe ativa o potencial para a excitação sexual. Mas, enquanto a implícita 
relação erótica "provocadora" da mãe com seu filho continua um aspecto constante da 
sexualidade masculina, e contribui para a capa- 
48 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 49 
cidade normalmente contínua do menino para a excitação genital, a rejeição sutil e 
inconsciente que ela faz dessa excitação sexual em relação à sua filha, gradualmente 
inibe a consciência desta de sua genitalidade vaginal original. Este tratamento 
diferente do menino e da menina no domínio do erótico cimenta poderosamente 
suas respectivas identidades de género nucleares, enquanto contribui para a dife-
rença entre a asserção da excitação genital durante toda a infância do menino, em 
contraste com a inibição da excitação genital na menina. 
Por essa razão, os homens—fixados inconscientemente em seu objeto primá-
rio —têm maiores dificuldades em lidar com a ambivalência em relação às mulhe-
res e teve um desenvolvimento mais lento em sua capacidade de integrar necessi-
dades genitais e de ternura, enquanto as mulheres — inibidas precocemente em 
sua consciência genital—são mais lentas para integrar um relacionamento genital 
completo no contexto de um relacionamento amoroso. 
As observações de Braunschweig e Fain (1971) são extremamente úteis para 
explicar diferenças entre homens e mulheres, que podem ser encontradas no amorsexual maduro. Ao resumir alguns de seus pontos mais importantes, tentarei per-
manecer o mais próximo possível de sua linguagem. 
Para o menino, o relacionamento pré-genital com a mãe já envolve uma ori-
entação sexual especial da mãe para com ele, o que estimula sua consciência sexual 
e o investimento narcísico de seu pênis. O perigo é que as gratificações pré-genitais 
excessivas das necessidades narcísicas do menino, pela mãe, podem criar a fantasia 
de que o seu pequeno pênis é inteiramente satisfatório para ela, e assim contribuir 
para a sua negação da diferença em relação ao poderoso pênis do pai. Nessas cir-
cunstâncias, mais tarde, nos homens, essa fixação narcísica pode determinar um 
tipo de sedução sexual infantil, "de brincadeira", em relação às mulheres, sem a 
total identificação com o "poder penetrante" do pênis paterno. Esta fixação irá 
interferir com a identidade genital total, e com a internalização adequada da figura 
do pai no ideal do ego, estimulando uma repressão da excessiva ansiedade de 
castração. 
Para esses homens, a competição não-resolvida com o pai, e a negação defen-
siva da ansiedade de castração, são expressadas na satisfação narcísica com rela-
ções infantis dependentes com mulheres que representam imagens da mãe. Esta 
constelação, para Braunschweig e Fain e também para Chasseguet-Smirgel (1973, 
1974), é uma importante origem da fixação narcísica (eu diria fixação num nível de 
narcisismo normal para o bebé) e da falta de resolução normal do complexo de 
Édipo nos meninos, e é estimulada por aqueles aspectos do comportamento da 
mãe que se rebelam contra a "predominância" do pênis paterno e da "lei paterna" 
em geral. A implicação disto é que existe um conluio inconsciente entre os eternos 
garotinhos — Don Juans — e as mulheres sedutoras maternais, que utilizam a 
rebelião do Don Juan contra a "lei e a ordem" do pai, para expressar sua própria 
competitividade e rebelião em relação ao pai. 
Braunschweig e Fain afirmam que, normalmente, o periódico afastamento da 
mãe em relação ao bebé do sexo masculino (quando ela retorna ao pai como uma 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
50 Otto F. Kernberg 
mulher sexualmente comprometida com ele) frustra o narcisismo do garotinho e o estimula a uma 
competitiva identificação com o pai, iniciando ou reforçando, assim, a constelação edípica positiva nos 
meninos. Uma consequência disso são os sentimentos aumentados de frustração do menino, por ter sido 
sexualmente rejeitado pela mãe, de modo que sua agressão oral — projetada — e dirigida à mãe, é 
reforçada pela agressão inicial de derivação edípica. Tal desenvolvimento terá influências cruciais na vida 
amorosa dos homens que inconscientemente não mudam seu primeiro objeto sexual — a mãe. 
Chasseguet-Smirgel e colaboradores (1970) e Braunschweig e Fain (1971) também enfatizam a 
excitabilidade vaginal da garotinha, e sua sexualidade feminina em geral. Com relação a isso, suas 
observações são semelhantes às de Horney (1967), Jones (1935) e Klein (1945), e à pesquisa nos Estados 
Unidos indicando as ativida-des masturbatórias vaginais precoces das meninas pequenas e a íntima 
conexão entre a responsividade erótica clitoridiana e vaginal (Galenson e Roiphe, 1976; Barnett, 1966). 
Esses estudos sugerem que existe na menina uma consciência vaginal muito inicial, e que essa consciência 
vaginal é inibida e, mais tarde, reprimida. 
Os autores franceses enfatizam as evidências indicando que a atitude dos pais, especialmente a da 
mãe, é diferente em relação aos bebés do sexo masculino e feminino, e que a indução de papéis pela 
interação inicial mãe- bebé têm uma poderosa influência sobre a identidade de género (veja também 
Stoller, 1973). De acordo com o grupo francês, a mãe, em contraste com a estimulação precoce que faz da 
genitalidade do filho pequeno, não investe particularmente nos genitais da menina, porque a mãe 
mantém sua própria vida sexual, sua "sexualidade vaginal", como parte do domínio separado de uma 
mulher se relacionando com o pai; mesmo quando a mãe, narcisicamente, investe em sua filhinha, este 
narcisismo tem aspectos pré-genitais em vez de genitais (exceto nas mulheres com fortes tendências 
homossexuais). O não-investimento da mãe nos genitais femininos de sua filha também é uma resposta às 
pressões culturalmente determinadas e inibições compartilhadas quanto aos genitais femininos, e que se 
originam da ansiedade de castração masculina. 
Blum (1976) enfatiza a importância da rivalidade edípica e dos conflitos acerca da auto-estima como 
mulher que a garotinha desperta na mãe: se a mãe desvalorizou-se como mulher, ela irá desvalorizar sua 
filha; a auto-estima da mãe irá influenciar fortemente a auto-estima de sua filha. Os conflitos não-
resolvidos da mãe acerca de sua própria genitalidade, e sua admiração pelo pênis de seu garotinho, levarão 
sua filha a misturar a inveja do pênis com a rivalidade fraterna. Normalmente a garotinha volta-se para o 
pai, não apenas pelo seu desapontamento com a mãe, mas também numa identificação com ela. 
Uma implicação geral da linha francesa de pensamento é que a ansiedade de castração não é um 
determinante primário da menina pequena voltar-se para o pai, mas uma complicação secundária reforçando a 
inibição primária, ou a repressão da genitalidade vaginal, sob a influência da atitude implicitamente de 
negação da mãe. A intensidade da ansiedade de castração nas mulheres depende amplamente 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 51 
de um deslocamento de três etapas da agressão pré-genital: primeiro projetada na mãe, depois reforçada pela 
competitividade edípíca com ela, e finalmente deslocada para o pai. A inveja do pênis nas garotinhas refletiria, 
principalmente, o reforço dos conflitos edípicos sob o efeito do deslocamento da agressão pré-genital e da 
inveja para o pênis. 
Chasseguet-Smirgel (1974), referindo-se às ideias de Horney (1967), sugeriu que a fantasia do 
garotinho da existência de uma mãe fálica pode servir como uma tranqúilização não apenas contra (ou 
negação da) percepção dos genitais femininos como um produto da castração, mas também contra a 
consciência da vagina adulta, que provaria que seus pequenos genitais seriam altamente inadequados 
para preenchê-la. 
A partir de todos esses desenvolvimentos, ocorrem vários estágios evolutivos que a garotinha e o 
garotinho precisam atravessar como parte de seu caminho para identificar-se com a genitalídade adulta. Para 
o menino, a identificação com o pai significa que ele superou sua inveja pré-genital das mulheres e a 
projeção dessa inveja na forma de medos primitivos das mulheres (Kernberg, 1974a), assim como seus 
medos de inadequação relativos aos genitais femininos. Para os autores franceses, o Don Juan está na 
metade do caminho entre inibir o impulso sexual para mulheres que representem a mãe edípica, por um 
lado, e identificar-se com o pai e o pênis paterno numa relação sexual adulta com uma mulher, por outro 
lado: Don Juan, Braunschweig e Fain sugerem, tenta afirmar a genitalidade com a exclusão da 
paternidade. 
Não creio que a síndrome de Don Juan nos homens tenha uma etiologia única. Da mesma forma que a 
promiscuidade nas mulheres (cujas causas podem variar de patologias de caráter severamente narcisistas a 
patologias masoquistas ou histéricas relativamente moderadas), a promiscuidade masculina existe num 
contínuo. A personalidade narcísica promíscua é um tipo de Don Juan muito mais grave do que o tipo 
infantil, dependente, rebelde (mas efeminado), descrito pelos franceses. 
Penso que o próximo passo rumo à identificação sexual normal dos meninos com o pai, é a 
identificação conflituosa com um homem primitivo, controlador e sádico, que representa o pai fantasiado, 
ciumento e restritivo, do período edípico inicial.A superação final do complexo de Édipo nos homens é 
caracterizada pela identificação com um pai "generoso" e que não mais opera através de leis repressivas 
contra os filhos. A capacidade de desfrutar do crescimento de um filho, sem precisar submetê-lo a ritos 
punitivos de iniciação (que refletem uma inveja inconsciente dele), significa que o pai superou 
definitivamente suas próprias inibições edípicas. A implicação prática dessas formulações é que uma 
importante fonte de instabilidade nas relações amorosas dos homens adultos serve de uma identificação 
incompleta dos mesmos com a função paterna, com várias fixações ao longo do caminho. 
Para a menina, a falta de uma estimulação direta de seu erotismo genital na relação inicial com a mãe, 
e, acima de tudo, os conflitos da mãe acerca do valor de 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
52 Oito F. Kernberg 
seus próprios genitais e funções femininas, resultaria num desenvolvimento 
psicossexual inibido, que é então secundariamente reforçado pelo desenvolvimento 
da inveja do pênis e pela repressão da competitividade sexual com a mãe edípica. 
Entretanto, a depreciação que a mãe faz dos homens e dos genitais de seu filho 
pequeno pode alterar radicalmente as percepções e conflitos sexuais dos filhos de 
ambos os géneros. 
Para os autores franceses, a genitalidade da menininha é privada, em contraste 
com a "exibição pública", socialmente reforçada, da genitalidade masculina com o 
orgulho dos garotinhos pelo seu pênis. A menina pequena se encontra sozinha, na 
esfera do seu desenvolvimento sexual. Sua esperança silenciosa e secreta está em 
voltar-se da mãe para o pai, e em seu intuitivo anseio pelo pênis paterno, que, ao 
penetrar a vagina, eventualmente recriaria a afirmação da genitalidade vaginal e 
da sexualidade feminina em geral. Braunschweig e Fain sugerem que, por ser o 
caminho do desenvolvimento sexual feminino mais solitário e mais secreto, ele é 
mais corajoso do que o do menino, cuja genitalidade masculina é estimulada por 
ambos os pais, por várias razões. Talvez porque a menina precise mudar seu pri-
meiro objeto erótico ao voltar-se da mãe para o pai (e tenha assim de atravessar os 
desenvolvimentos pré-genital e genital mais cedo, mais definitiva e solitariamen-
te), a mulher adulta tem potencialmente uma coragem e capacidade maiores para 
o comprometimento heterossexual do que o homem adulto. 
Num contexto diferente, Altman (1977) salientou que, em contraste com a 
mudança de objeto das mulheres, a permanência do primeiro objeto nos homens, 
pode ser uma fonte importante da dificuldade geralmente maior que eles têm em 
comprometer-se com uma relação amorosa estável. Os homens tenderiam a buscar 
eternamente a mãe ideal e seriam mais propensos a reativar medos e conflitos pré-
genitais e genitais em suas relações com as mulheres, o que os predispõe a evitar 
comprometimentos profundos. As mulheres, já tendo renunciado ao seu primeiro 
objeto, são mais capazes de comprometer-se com um homem que estiver disposto 
a estabelecer com elas um pleno relacionamento genital e "paternal". Um fator 
adicional e crucial na capacidade das mulheres de comprometer-se, talvez seja sua 
preocupação pela estabilidade dos cuidados e pela proteção dos filhos pequenos, 
envolvendo aqui determinantes biológicos e psicossociais, especialmente a identi-
ficação com as funções maternas e valores sublimados, do superego, relacionados 
(Blum,1976). 
Apesar dessas diferenças no desenvolvimento da capacidade para o desejo 
erótico e o amor sexual nos homens e nas mulheres, eles ainda têm experiências em 
comum que se originam da situação edípica e que se constituem como um 
organizador fundamental tanto para cada um individualmente, quanto para todas 
as áreas da interação do casal. 
Concordo com David (1971) que a qualidade do anseio pelo objeto edípico 
inacessível e proibido, que energiza o desenvolvimento sexual, é um componente 
crucial da paixão sexual e das relações amorosas. Em relação a isso, a constelação 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 53 
 
edípica pode ser considerada uma característica permanente das relações humanas, e talvez 
seja importante enfatizar que as soluções neuróticas para os conflitos edípicos precisam ser 
diferenciadas de suas manifestações normais. 
Atravessar as fronteiras das proibições sexuais e geracionais poderia ser formulado como 
a ativa reconstrução, por parte do indivíduo apaixonado, de sua história passada de relações 
edípicas, incluindo as fantasias defensivas e criativas que transformam o reencontro em um 
novo encontro com o objeto de amor. Atravessar as fronteiras sociais e sexuais transforma 
fantasias inconscientes em experiências subjetivas na realidade; na ativação recíproca de seu 
mundo de relações objetais internas, o casal reativa o mito edípico como uma estrutura social 
(Arlow, 1974). 
Em ambos os géneros, os anseios edípicos, a necessidade de superar as fantasias das 
proibições edípicas e satisfazer a curiosidade sobre as misteriosas relações entre os pais, 
estimulam a paixão sexual. Como já mencionados, as mulheres provavelmente cruzam mais 
cedo a fronteira final da identificação com a mãe edípica, em sua afirmação da sexualidade 
feminina, na mudança do objeto erótico da mãe para o pai. Os homens precisam ainda cruzar a 
fronteira final da identificação com o pai edípico, na sua capacidade de estabelecer uma relação 
sexual com uma mulher amada e executar, neste contexto, as funções da paternidade e 
"generosidade". A experiência clínica revela como os homens se sentem movidos pela culpa 
quando decidem terminar um relacionamento com uma mulher, ao passo que as mulheres 
normalmente se sentem à vontade para deixar o homem saber que elas não mais o amam. Esta 
diferença provavelmente reflete a culpa masculina, profundamente estabelecida, pela agressão 
dirigida à mãe, tão frequentemente reativada em seus relacionamentos com as mulheres (Edith 
Jacobson, comunicação pessoal). 
Mas, nas mulheres, a culpa inconsciente decorrente das proibições fantasiadas da mãe 
pré-genital e genital contra a genitalidade vaginal requer que haja uma afirmação totalmente 
erótica e genital na relação sexual com um homem. A condensação dos precursores 
sádicos do superego, relacionados à introjeção de imagens maternas primitivas, pré-edípicas, 
com os aspectos posteriores proibitivos da mãe edípica, talvez seja um fator contribuindo 
para a grande frequência de inibições genitais nas mulheres. Ela também pode ser um 
importante elemento no que é geralmente referido como "masoquismo feminino". 
Tem havido um crescente questionamento das suposições psicanalíticas anteriores, referentes a 
disposições inatas para o masoquismo nas mulheres, e uma crescente consciência dos vários 
fatores psicológicos e sociais que contribuem para suas tendências masoquistas e inibições 
sexuais. Person (1974) e Blum (1976) revisaram a literatura pertinente e enfatizaram os 
determinantes desenvolvimentais e psicossociais do masoquismo feminino. Blum conclui 
que não existe nenhuma evidência de que o ser humano do sexo feminino tenha uma dotação 
maior, do que o do sexo masculino, para obter prazer com o sofrimento, e que as primeiras iden-
tificações e relações objetais da menina são de crucial importância na determinação 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
54 Oito F. Kernberg 
de sua identidade sexual posterior, seu papel feminino e atitudes maternas: é mais provável 
que, no fim, o masoquismo seja apenas uma solução (gravemente) desadaptada para as 
funções femininas. 
Stoller (1974) sugeriu que dada a fusão original com a mãe, o senso de feminilidade é 
mais firmemente estabelecido nas mulheres do que o senso de masculinidade nos homens. 
Nos homens, a fusão original com a mãe — uma mulher — pode deixá-las mais vulneráveisquanto à sua sexualidade, e mais propensos a desenvolverem perversões. 
Descobri que, após a completa análise das fontes pré-genitais e genitais da inveja do 
pênis na mulher, e de seu ódio aos próprios genitais, encontramos regularmente uma 
capacidade mais precoce para usufruir plenamente o erotismo vaginal e uma afirmação do total 
valor de seu corpo, simultaneamente com a capacidade de amar a genitalidade do homem sem 
inveja. Não penso que a sexualidade feminina normal implique na necessidade, ou 
capacidade, de renunciar ao pênis como o órgão genital mais apreciado, e acho que há boas 
evidências de que o medo dos genitais femininos nos homens é não somente secundário à 
ansiedade edípica de castração como também tem profundas raízes pré-genitais nos casos mais 
severos. Em resumo, superar o medo e a inveja do outro género representa, tanto para os 
homens quanto para as mulheres, uma estimulante experiência de superar as proibições 
contra a sexualidade como um todo. 
De uma perspectiva mais ampla, a descoberta pelo casal da satisfação da genitalidade 
plena pode levá-lo a mudanças radicais em não querer mais submeter-se às convenções 
culturais predominantes e nem às proibições e superstições ritualizadas, que eregem barreiras 
contra a genitalidade madura. Este grau de liberdade sexual (combinado com a superação 
final das inibições edípicas) pode refletir o potencial fundamental de satisfação sexual nas 
relações amorosas, e reforçar a paixão ao criar um novo mistério de segredos sexuais 
compartilhados pelo casal, e liberá-lo das restrições de seu grupo social. De um ponto 
de vista desenvolvimental, os elementos de segredo e oposição característicos da paixão 
sexual, originam-se da constelação edípica como um organizador básico da sexualidade 
humana. 
De um ponto de vista sociocultural, penso que a relação do amor sexual com a 
convenção social é sempre ambígua, e a "harmonia" do amor com as normas sociais se 
deteriora facilmente na convencionalidade e ritualização. Mas, pela mesma razão, a liberdade 
sexual do casal no amor não pode ser "exportada" facilmente para as normas sociais, e as 
tentativas de "amor sexual livre", com base numa educação maciça e "mudança cultural", 
normalmente resultam numa mecanização convencionalizada do sexo. Penso que a 
oposição entre o casal e o grupo é inevitável e Braunschweig e Fain (1971) discutiram 
cuidadosamente esta questão. 
A trágica incapacidade de identificar-se com a função paterna, de modo que todas as 
relações amorosas estão destinadas ao fracasso apesar da "primazia genital", e a racionalização 
desse fracasso em termos do mito predominante de uma cultura dominada pelo homem, são 
dramaticamente ilustradas no livro Lês jeunes filies, de 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 55 
Henry de Montherlant (1936). Falando por intermédio de seu jovemherói (ou anti-herói) Pierre 
Gostais, Montherlant ressente-se amargamente das pressões derivadas do desejo, que unem os 
homens e as mulheres num eterno mal-entendido. Para as mulheres, diz ele (páginas 1010-1012), 
o amor começa com a gratificação sexual, ao passo que para os homens, o amor termina com o 
sexo; as mulheres são feitas para um homem só, o homem é feito para a vida e para todas 
as mulheres. A vaidade é a paixão dominante do homem, enquanto a intensidade de 
sentimentos relacionados ao amor por um homem representa a maior fonte de felicidade para as 
mulheres. A felicidade das mulheres vem do homem, mas a do homem vem dele mesmo. O 
ato sexual é cercado de perigos, proibições, frustrações e uma fisiologia "nojenta". 
Seria fácil descartar a descrição que Montherlant faz do esteticamente orientado, 
angustiado, orgulhoso, antiquado, cruel e autodestrutivo Gostais, como o produto de uma 
ideologia paternalista; mas essa abordagem perderia de vinte nas fontes mais profundas da 
intensidade do anseio, do medo e do ódio, em relação às mulheres, que caracterizam essa 
racionalização. 
A patologia predominante que interfere num relacionamento estável e totalmente 
gratificante com um membro do género oposto é representada pelo narcisismo patológico, por um 
lado, e pela incapacidade de resolver os conflitos edípicos com uma total identificação genital 
com a figura parental do mesmo género, por outro. A patologia narcisista é relativamente 
semelhante nos homens e nas mulheres. Nas mulheres, os conflitos edípicos não-resolvidos 
apresentam-se mais frequentemente em vários padrões masoquistas, tais como um apego 
persistente a homens insatisfatórios e na incapacidade de usufruir plenamente, ou manter um 
relacionamento, com um homem que potencialmente poderia ser mais gratificante para 
elas. Os homens também se apegam a mulheres frustradoras; mas, culturalmente, eles sempre 
foram mais livres para desmanchar esses relacionamentos insatisfatórios. E os 
sistemas de valores da mulheres, sua preocupação e senso de responsabilidade pelos filhos, 
podem reforçar qualquer tendência masoquista que porventura tenham. Entretanto, não 
esquecer que o ideal do ego e as preocupações maternais naturais não devem ser confundidas 
com objetivos masoquistas (Blum, 1976) na "mãe comum dedicada". 
Nos homens, a patologia predominante das relações amorosas derivadas dos conflitos 
edípicos assume a forma do medo e da insegurança frente às mulheres e de reações formativas 
contra essa insegurança, na forma de hostilidade reativa e/ ou projetada em relação a elas; isto 
se combina, de várias maneiras, com a hostilidade pré-genital e culpa em relação à figura 
materna. Os conflitos pré-genitais, especialmente os conflitos acerca da agressão pré-
genital, estão intimamente condensados com os conflitos genitais. Nas mulheres, essa 
condensação aparece tipicamente na exacerbação dos conflitos acerca da inveja do pênis; a 
inveja oralmente determinada da mãe pré-genital é deslocada para o pai genital idealizado e 
seu pênis e para a rivalidade edípica com a mãe. Nos homens, a agressão, inveja e o medo pré-
genitais das mulheres reforçam os medos edípicos e os sentimentos de 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
56 Otto F. Kernberg 
inferioridade em relação a elas: a inveja pré-genital da mãe reíorça a insegurança 
edipicamente determinada dos homens em relação às mulheres idealizadas. 
A natureza universal da constelação edípica resulta na reemergência dos conflitos 
edípicos em vários estágios do relacionamento, de modo que as circunstâncias psicossociais 
podem às vezes induzir, e outras vezes proteger, o casal da reativação da expressão neurótica 
dos conflitos edípicos. Por exemplo, o dedicado comprometimento de uma mulher aos 
interesses de seu marido pode refletir uma expressão adaptativa de seu ideal do ego, 
mas também pode compensar adaptativamente tendências masoquistas relacionadas à 
culpa inconsciente por tomar o lugar da mãe edípica. Quando o marido deixa de 
depender dela, e as relações económicas e sociais do casal não exigem ou justificam mais o 
"sacrifício" dela, a culpa inconsciente refletindo conflitos edípicos não-resolvidos talvez não 
seja mais compensada; pode desencadear-se uma variedade de conflitos — talvez a 
necessidade inconsciente dela de destruir o relacionamento em virtude da culpa, ou da inveja 
não-resolvida do pênis, e do concomitante ressentimento pelo sucesso masculino. Ou o fracasso 
de umhomemno trabalho pode descompensar suas fontes anteriores de afirmação narcísica 
(que o protegiam da insegurança edípica em relação às mulheres e de rivalidades patológicas 
com os homens) e provocar uma regressão para a inibição sexual e dependência conflitual 
em relação à esposa, reativando ainda mais seus conflitos edípicos e suas soluções 
neuróticas. 
O desenvolvimento e o sucesso social, cultural e profissional das mulheres em nossa 
sociedade podem ameaçar a proteção tradicional,culturalmente sancionada e reforçada dos 
homens contra sua insegurança e medos edípicos, e sua inveja das mulheres no sentido mais 
amplo; e as mudanças da realidade confronta ambos os participantes com a potencial reativação 
da inveja, ciúme e ressentimento consciente e inconsciente, o que aumenta perigosamente os 
componentes agressivos da relação amorosa. 
Essas dimensões socioculturais dos conflitos inconscientes do casal são sutil mas 
dramaticamente ilustrados na série de filmes de Eric Rohmer, "Six Moral Tales", que lidam com o 
amor e o casamento, particularmente "My Night With Maude" (Rohmer, 1969;Mellen, 1973). 
Jean-Louis, o jovem católico convencional, inteligente, sensível, mas tímido e rígido, não ousa 
se envolver com Maude, a divorciada vivaz, profissionalmente ativa, emocionalmente 
profunda e complexa. Ele prefere continuar "fiel" à garota católica idealizada, insípida, cheia 
de segredos e submissa, que decidira esposar. Ele parece ser um homem comprometido e 
consistente, mas, subjacente, há o medo de se comprometer num relacionamento pleno, embora 
incerto, com uma mulher que seja sua igual. E Maude, com todo o seu charme, talento e sua 
capacidade de realização pessoal, é incapaz de reconhecer que Jean-Louis não lhe dará nada 
porque tem medo, e é incapaz de fazer isso; depois de rejeitar o amigo de Jean-Louis, 
Vidal, que a ama realmente, ela entra num novo casamento insatisfatório com um outro 
homem. A tragédia é a das oportunidades perdidas—contrapartida da potencial felicidade e 
realização de uma relação amo- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 57 
rosa, ou casamento estável, em que ambos os parceiros são capazes de transcender os perigos 
inconscientemente determinados para as suas relações. 
Apaixonando-se e Tornando-se um Casal 
A capacidade de apaixonar-se é um pilar básico do relacionamento do casal. Implica na 
capacidade de vincular a idealização com o desejo erótico e no potencial para estabelecer um 
relacionamento objetal profundo. Um homem e uma mulher que descobrem atração e anseio 
um pelo outro, que são capazes de estabelecer um relacionamento sexual completo, que inclua a 
intimidade emocional e um senso de realização de seus ideais junto com a pessoa amada, estão 
expressando sua capacidade não apenas de ligar inconscientemente o erotismo e a ternura e a 
sexualidade e o ideal do ego, como também de colocar a agressão a serviço do amor. Um casal 
num relacionamento amoroso pleno desafia a eterna inveja e ressentimento dos que se 
sentem excluídos da relação e das agências reguladoras, desconfiadas, da cultura 
convencional em que vivem. O romântico mito dos amantes que se encontram numa multidão 
hostil, expressa uma realidade inconsciente para ambos os parceiros. Algumas culturas 
podem salientar o romantismo (a ênfase nos aspectos emocionais, heróicos e idealizados do 
amor), e outras podem rigorosamente negá-lo: mas como uma realidade emocional ele é 
revelado na arte e na literatura em todas as épocas históricas (Bergmann, 1987). 
Outra dinâmica importante é a desafiadora ruptura que o casal faz com a submissão 
aos grupos inconscientemente homossexuais da latência e adolescência inicial (Braunschweig e 
Fain, 1971): o homem desafia a desvalorização da sexualidade analmente matizada e a 
depreciação defensiva das mulheres, que existem nos grupos masculinos da latência e 
adolescência inicial como uma defesa contra profundos anseios de dependência e proibições 
edípicas; a mulher supera o medo da agressão masculina, que os grupos femininos sentem 
durante a latência e adolescência, e o conluio que tais grupos fazem para negar o anseio de 
intimidade sexual com um homem idealizando, defensivamente, homens parcialmente 
dessexualizados como um ideal compartilhado pelo grupo. 
Um homem e uma mulher podem conhecer-se desde a infância e constituir um casal na 
opinião das pessoas que os conhecem; mas podem casar e ainda assim não ser realmente um 
casal. Ou podem tornar-se um casal, secretamente, mais cedo ou mais tarde: muitos, se não a 
maioria dos casamentos, são vários casamentos, e alguns deles só se consolidam muito 
tempo depois de terem deixado de despertar a atenção de seu grupo social. 
Se o casal pode incorporar suas fantasias e desejos perversos polimorfos ao seu 
relacionamento sexual, descobrir e revelar o núcleo sadomasoquista da excitação sexual em sua 
intimidade, seu desafio à cultura convencional pode tornar-se um elemento consciente de seu 
prazer. No processo, a plena incorporação de seu 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
58 Otto F. Kernberg 
erotismo corporal pode enriquecer a abertura de cada parceiro à dimensão estética da cultura e 
da arte, e à experiência da natureza. O desmantelamento conjunto dos tabus sexuais da infância 
pode também cimentar a vida emocional, cultural e social do casal. 
Nos pacientes com uma significativa patologia de caráter, a capacidade de apaixonar-se 
indica certas conquistas psicológicas: nas personalidades narcisistas, apaixonar-se assinala o 
início da capacidade de consideração pelo outro e culpa, e certa esperança de superação da 
desvalorização profunda e inconsciente do objeto de amor. Com pacientesborderíine, a 
idealização primitiva pode ser o primeiro passo rumo a uma relação amorosa diferente da 
relação amor-ódio com os objetos primários. Isso ocorre se, e quando, os mecanismos de 
dissociação responsáveis por essa primitiva idealização forem resolvidos, e essa relação 
amorosa (ou uma nova relação substituta) for capaz de tolerar e resolver os conflitos pré-
genitais contra os quais a idealização primitiva era uma defesa. Os pacientes neuróticos, e os 
pacientes com uma patologia de caráter relativamente moderada, desenvolvem a capacidade 
para uma relação amorosa duradoura se e quando o tratamento psi-canalítico ou 
psicoterapêutico bem-sucedido resolver os conflitos inconscientes, predominantemente 
edípicos. 
Estar apaixonado também representa um processo de luto relacionado a crescer e tornar-
se independente, a experiência de deixar para trás os objetos reais da infância. Neste processo 
de separação, também existe a reconfirmação das boas relações com objetos internalizados 
do passado, conforme o indivíduo se torna confiante na capacidade de dar e receber amor e 
gratificação sexual simultaneamente — com um mútuo reforço entre ambos, que estimula o 
crescimento — em contraste com o conflito entre amor e sexo na infância. 
Chegar a este estágio desenvolvimental permite o desenvolvimento da capacidade de 
transformar o apaixonar-se num relacionamento amoroso estável, implicando na capacidade de 
ternura, preocupação e idealização mais sofisticada do que a de níveis desenvolvimentais 
anteriores, e na capacidade de identificação e emparia com o objeto de amor. Agora a ternura 
pode expandir-se para uma satisfação sexual completa, a identificação se aprofunda com a 
empatia e identificação sexual completa, e a idealização se torna um comprometimento 
maduro com um ideal representado por aquilo que a pessoa amada é ou representa, ou o 
que o casal, unido, poderá tornar-se. 
Amor Sexual Maduro e Casal Sexual 
Henry Dicks (1967) of ereceu,baseado na pesquisa sobre os conflitos de casais casados, o 
que eu considero a estrutura psicanalítica mais abrangente para o estudo das características das 
relações amorosas normais e psicopatológicas. Abordou o estudo da capacidade para uma 
relação amorosa madura em termos das dimensões de interação estabelecidas num 
relacionamento conjugal. Ao examinar casais, 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 59 
 
individual e conjuntamente, a partir de uma perspectiva psicanalítica, ele criou um marco de 
referencial que permitiu uma análise das razões para o conflito conjugalcrónico e para as 
consequências desses conflitos, seja na destruição do casal, seja na manutenção de um equilíbrio 
insatisfatório e conflitoso, ou, se possível, na resolução dos conflitos. 
Dicks descobriu que havia três áreas maiores em que os casais se relacionavam um com o 
outro. Em primeiro lugar, suas expectativas mútuas, conscientes, quanto àquilo que o 
relacionamento conjugal deve prover; em segundo lugar, a extensão em que suas expectativas 
mútuas permitem a harmonização de suas próprias expectativas culturais e a integração do casal 
com seu ambiente cultural; em terceiro lugar, a ativação inconsciente de relações 
patogênicas passadas, internalizadas em cada parceiro, e mútua indução de papéis 
complementares com essas relações objetais passadas. Dicks descobriu que os casais estabeleciam 
uma formação de compromisso entre suas relações objetais inconscientes, que 
frequentemente estavam em agudo conflito com seus desejos conscientes e expectativas mútuas. 
Esta mútua indução de papéis se dava através da identificação projetiva, e provou ser um 
sólido fator na determinação da capacidade do casal de obter gratificações, ou infelicidade. Dicks 
enfatizou como os conflitos sexuais entre os parceiros eram o território normal, no qual se 
expressavam os conflitos conjugais e as relações objetais inconscientemente ativadas, e mostrou 
o agudo contraste entre essas relações objetais ativadas e a idealização mútua inicial do casal. 
As vicissitudes descritas por Dicks na ativação da identificação projetiva mútua como parte das 
relações objetais do casal, e a influência de seu ideal de ego no relacionamento, influenciaram 
significativamente minha opinião sobre o relacionamento do casal. Ele afirmou que 
"paradoxalmente ao senso comum, o comprometimento inconsciente — o enrrosamento cúmplice 
mútuo dos parceiros—parece mais poderoso e inevitável no tipo de casamento perturbado que 
estamos considerando agora, do que na interdependência livre e flexível de "pessoas inteiras" 
(página 73). 
Creio que as áreas de interação do casal delineadas por Dicks podem ser reformuladas e 
ampliadas para no mínimo as seguintes três áreas: 1) suas relações sexuais reais, 2) suas relações 
objetais consciente e inconscientemente predominantes, 3) seu estabelecimento de um ideal de 
ego conjunto. A capacidade para o amor sexual maduro descrito por mim se desenvolve nessas 
três áreas. 
O que gostaria de enfatizar é a importância da integração da libido e agressão, do amor e do 
ódio (com a predominância do amor sobre o ódio), em todas essas três áreas maiores de interação de 
um casal. Em relação a isso, agradeço a Stoller (1979,1985), que deu imensas contribuições ao 
entendimento psicanalítico da excitação sexual, da perversão e da natureza do amor. Ele salientou a 
presença essencial da agressão como um componente da excitação sexual, chegando, independen-
temente, a conclusões semelhantes às que cheguei ao estudar as experiências sexuais dos pacientes 
borderline. Também enfatizou a importância do mistério na excita- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
60 Otto F. Kernberg 
cão sexual e descreveu fatores anatómicos e fisiológicos que, em interação com desejos e perigos 
edípicos, contribuem para as qualidades excitantes e frustrantes que são parte desse mistério. O 
mistério tanto induz quanto reflete a fantasia sexual. Stoller enfatizou a função da excitação sexual 
na recriação de situações perigosas e potencialmente frustrantes, e na sua superação por meio de 
fantasias e ato sexuais específicos. Assim, tanto em termos da capacidade de excitação sexual e 
desejo erótico, quanto da integração de relações objetais pré-edípicas e edípicas como parte das 
relações amorosas, a integração da libido e agressão, de amor e ódio, emergiram gradualmente 
como um aspecto maior na capacidade para as relações amorosas, assim como na patologia 
dessas relações. 
Os aspectos sadomasoquistas da sexualidade perversa polimorfa proporcionam um ímpeto 
importante para o anseio de fusão sexual; e uma excessiva predominância da falta de cuidados 
corporais ternos ou de experiências traumáticas, abuso físico ou sexual, podem extinguir a 
capacidade de resposta sexual e interferir com a consolidação e desenvolvimento do afeto da 
excitação sexual. E, ao contrário, uma repressão excessiva da agressão, ou proibições inconscientes 
contra os componentes primitivos e agressivos da sexualidade perversa polimorfa do bebé, podem 
inibir significativamente e empobrecer a resposta sexual. Clinicamente, de fato, observei que 
algum grau de supressão ou repressão da sexualidade perversa polimorfa infantil era o tipo mais 
frequente de inibição sexual que contribui de forma importante para o empobrecimento da vida 
amorosa de casais, cujas relações emocionais eram, de outra forma, satisfatórias. Na prática, 
descobrimos que os casais podem ter intercurso genital regularmente, com excitação sexual e orgas-
mo, mas com uma crescente monotonia, um vago sentimento de insatisfação e aborrecimento. 
Na área da excitação sexual, então, tanto a ausência da integração da agressão quanto um excesso 
dela podem inibir a relação amorosa. 
O mesmo processo aparece nas relações objetais dominantes do casal. A falta de integração das 
relações objetais internalizadas "totalmente boas" e "totalmente más" conduz à primitiva 
idealização nas relações amorosas da organização de personalidade borderline; sua qualidade 
irrealista leva facilmente ao conflito e à destruição do relacionamento. Uma idealização que não 
tolera ambivalência, que é facilmente destruída pela emergência de qualquer agressão no 
relacionamento, é por definição uma idealização frágil e insatisfatória, faltando aos parceiros a 
capacidade para uma mútua identificação profunda. Mas a integração das relações objetais, que 
anuncia a dominância dos conflitos edípicos mais avançados, com sua tolerância à ambivalência, 
também significa a emergência da agressão no relacionamento que precisa ser tolerada, e que é 
potencialmente perigosa para o relacionamento. 
A tolerância da ambivalência facilita a ativação dos cenários inconscientes e da identificação 
projetiva de relações objetais patogênicas passadas internalizadas. De modo que a tolerância da 
agressão, como parte do relacionamento ambivalente do casal, o enriquece enormemente e 
garante a profundidade que foi apontada como parte da "identificação genital" de Balint, ou da 
"consideração" de Winnicott. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 61 
Mas uma agressão excessiva ameaça o casal com intoleráveis conflitos e 
potencial ruptura do relacionamento. 
Indo mais além das relações objetais para a mútua projeção do ideal de ego 
do casal, o estabelecimento conjunto da idealização um do outro, assim 
como a idealização do relacionamento do casal, não apenas servem a 
propósitos defensivos contra uma avaliação mais realista de suas 
necessidades e de seu relacionamento, como também leva consigo a 
ascendência de funções do superego em geral (e do superego infantil) com seus 
remanescentes de proibição contra desejos edípicos e contra a sexualidade infantil. 
O desenvolvimento normal das funções do superego protege o casal, acrescenta o 
poderoso elemento: um senso de mútua responsabilidade e preocupação, 
derivado de sua profundidade emocional. Mas também cria a possibilidade, 
quando a agressão predomina no superego, de perseguição mútua e de 
supressão da liberdade. 
Obviamente, a qualidade e o desenvolvimento de uma relação amorosa 
depende da natureza da combinação do par e, por implicação, do processo de 
seleção que os aproxima. As mesmas características que implicam na 
maturação da capacidade para as relações amorosas, influenciam o processo de 
seleção. A capacidade para usufruir livremente o sexo constitui, se disponívelpelo menos para um dos dois, uma primeira situação de teste para a extensão 
em que eles poderão chegar juntos à liberdade, riqueza e variedade de seus 
encontros sexuais. Uma capacidade de enfrentamento maduro da inibição, 
limitação ou rejeição sexual é expressão de uma identificação genital estável, ao 
contrário da rejeição raivoza, da desvalorização ou submissão da masoquista à 
inibição sexual do parceiro. Naturalmente, a resposta do parceiro sexualmente 
inibido a esse desafio tornar-se-á um importante elemento da dinâmica ou 
desenvolvimento do casal sexual. Por trás de incompati-bilidades sexuais 
iniciais de um casal normalmente existem questões edípicas significativas não-
resolvidas, e a extensão em que o relacionamento do casal pode contribuir 
para a sua solução, depende em certo ponto da atitude do mais sadio dos dois. 
Mas evitar escolher um parceiro que obviamente colocaria grandes limitações à 
expectativa de gratificação sexual, é um aspecto do processo de seleção normal. 
O desenvolvimento da capacidade para relações objetais totais ou 
integradas implica na obtenção de uma identidade do ego e, ao mesmo tempo, 
de relações de objeto profundas, o que facilita a seleção intuitiva de alguém que 
corresponda aos desejos e aspirações da pessoa. Sempre haverá 
determinantes inconscientes do processo de seleção, mas, em circunstâncias 
comuns, a discrepância entre os desejos e medos inconscientes e as 
expectativas conscientes, não será tão extrema a ponto de pôr em perigo a 
dissolução dos processos de idealização inicial, no relacionamento do casal. 
Além disso, a seleção madura da pessoa que amamos e com quem 
queremos viver a nossa vida envolve ideais, julgamentos de valor e objetivos 
maduros, os quais, além da satisfação das necessidades de amor e intimidade, 
dão um significado mais amplo à vida. Poderíamos questionar se o termo 
"idealização" ainda se aplica aqui, mas na medida em que a pessoa escolhida 
corresponde a um ideal pelo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
62 Oito F. Kernberg 
qual lutar, há um elemento de transcendência nessa seleção, um compromisso que vem ao natural, 
porque é um compromisso com um certo tipo de vida representado por aquilo que a relação com 
pessoa pode ser ou poderá vir a ser. 
Aqui voltamos à dinâmica básica, segundo a qual a integração da agressão nas áreas da 
relação sexual, relação objetal e ideal do ego do casal garante a profundidade e intensidade do 
relacionamento, embora também possa ameaçá-lo. O fato de que o equilíbrio entre amor e 
agressão é um equilíbrio dinâmico torna essa integração e profundidade potencialmente 
instáveis. Um casal não pode tomar seu futuro como certo, mesmo nas melhores circunstâncias; 
muito menos quando conflitos significativos não-resolvidos, em um ou ambos os parceiros, 
ameaçam o equilíbrio entre amor e agressão. Às vezes, mesmo em condições que parecem auspiciosas 
e seguras, novos desenvolvimentos modificam aquele equilíbrio. 
O próprio fato de que a condição essencial para uma relação profunda e duradoura entre 
duas pessoas seja a capacidade de aprofundar-se no próprio self, assim como no dos outros — 
para a empatia e o entendimento, que abrem os profundos caminhos das múltiplas relações não-
faladas entre as pessoas —, cria uma curiosa contrapartida. Na medida em que alguém se torna 
mais capaz de amar em profundidade, e mais capaz de apreciar realisticamente outra pessoa, com o 
passar dos anos, como parte de sua vida pessoal e social, pode-se também vir a encontrar outras 
pessoas que, realisticamente, poderiam servir como um parceiro igualmente satisfatório ou mesmo 
melhor. A maturidade emocional, portanto, não é nenhuma garantia de estabilidade sem conflitos 
para o casal. Um profundo comprometimento com uma pessoa e os valores e experiências de 
uma vida vivida a dois enriquecerão e protegerão a estabilidade do relacionamento. Mas 
se o autoconhecimento e a autoconsciência forem profundos, pode ser ativado, de tempos em 
tempos, um anseio por outras relações (cujo potencial pode advir de uma avaliação realista), e 
sobrevir repetidas renúncias. A renúncia e o anseio, por seu lado, também podem acrescentar 
uma dimensão de profundidade à vida do indivíduo e do casal, e o redirecionamento dos anseios, 
fantasias e tensões sexuais no relacionamento do casal pode constituir uma dimensão adicional, 
obscura e complexa desse relacionamento. Numa análise final, todos os relacionamentos huma-
nos devem terminar, e a ameaça de perda e abandono e, em última análise, da morte, é maior 
quanto mais profundo for o amor: a consciência disso também intensifica o amor. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
C a p í t u l o 5 
Experiência Sexual e 
Psicopatologia 
o que segue, ofereço ilustrações clínicas de como uma psicopatologia sig-dficativa interfere 
com o desenvolvimento de relações amorosas maduras, "ratarei de comparar as consequências 
de condições borderline e narcísicas severas e menos severas, assim como de psicopatologia 
neurótica, através de casos clínicos típicos. 
Em alguns dos casos mais severos de pacientes com organização de personalidade borderline, 
particularmente aqueles com tendências autodestrutivas e auto-mutiladoras significativas, ou 
pacientes com patologia narcísica, tendências antisociais, e agressão egossintônica, pode prevalecer 
uma notável ausência da capacidade de prazer sensual e erotismo de pele. Tanto em pacientes do 
sexo masculino quanto feminino, pode haver uma ausência de qualquer válvula de escape sexual, 
nenhum prazer na masturbação, nenhum desejo sexual ligado a qualquer objeto, além de uma 
incapacidade de chegar à excitação, sem falar em orgasmo, no intercurso sexual. São pacientes 
que não manifestam nenhum sentimento de haver estabelecido os mecanismos repressivos vistos 
em pacientes mais sadios (normalmente neuróticos), os quais podem apresentar uma inibição da 
excitação sexual secundária, baseada na repressão. 
Os pacientes que estou descrevendo são incapazes de chegar à excitação sexual, embora 
estejam claramente equipados com um aparelho biológico perfeitamente normal. A história de 
seu desenvolvimento desde pequenos transmite a impressão de que a ativação prazerosa do 
erotismo de pele não foi atingida, ou foi impedida desde o início, no período em que eram bebés. 
Experiências extremamente traumáticas, abuso físico e/ou sexual e a chama tiva ausência de um 
objeto parental amoroso e preocupado tendem a dominar suas histórias. Frequentemente, a 
automutilação — eles puxam a própria pele, cabelo ou superfícies mucosas — 
63 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
N 
64 Otto F. Kernberg 
lhes dá um tipo de gratificação sensual, mas a dor supera de longe qualquer evi-
dência de prazer erótico. A exploração psicanalítica revela um mundo de fantasias 
primitivas, dominado por interações sadomasoquistas, e uma busca de poder como 
a única garantia de segurança, como uma alternativa para a submissão total a um 
objeto sádico. Esses pacientes têm grandes dificuldades em atingir eventualmente 
a capacidade para a satisfação sensual. Paradoxalmente, a psicoterapia psicanalíti-
ca que pode melhorar imensamente suas dificuldades de personalidade, pode tam-
bém contribuir para consolidar ainda mais sua inibição sexual ao introduzir meca-
nismos repressivos. Os terapeutas sexuais, corretamente, consideram que esses 
pacientes apresentam um prognóstico extremamente reservado. 
A integração das relações objetais internalizadas primitivas, dissociadas, idea-
lizadas e persecutórias desses pacientes como parte e consequência do tratamento 
psicoterapêutico, talvez lhes possibilite desenvolver a capacidade de idealização, 
de ansiar por uma relação idealizada que possa facilitar a melhora em sua capaci-
dade deinvestimento e comprometimento emocional. Podem finalmente ser capa-
zes de estabelecer uma relação amorosa comprometida, mas, tipicamente, não 
demonstram nenhuma capacidade de amar apaixonadamente. 
Uma mulher de vinte e tantos anos estava hospitalizada por severas tendên-
cias automutiladoras, com risco de vida. No passado, ela cortara profundamente 
seus braços, apresentava múltiplas cicatrizes desfigurantes, havia-se queimado 
com cigarros, e parecia estar viva somente por um milagre após várias tentativas 
de suicídio. Interrompera seus estudos universitários no primeiro semestre da fa-
culdade para entrar em um estilo de vida desgarrado, vivendo com homens que 
lhe davam drogas ilegais, sem experimentar qualquer desejo ou prazer sexual em 
suas relações íntimas. Pelo contrário, sentia-se extremamente receosa de ser explo-
rada pelos homens, e, ao mesmo tempo, tendia ela a explorar os homens financeira 
e emocionalmente. Obtinha gratificação sensual somente sendo abraçada, ao dor-
mir com eles à noite, ou sentindo que lhe davam drogas sem fazer qualquer per-
gunta ou exigência além de seus favores sexuais. Apresentava, no entanto, uma 
curiosa capacidade de lealdade ao homem com o qual vivia, na medida em que 
suas exigências eram satisfeitas e ela se sentia no controle do relacionamento: pas-
sava subitamente a desvalorizá-lo e abandoná-lo somente quando temia estar sen-
do explorada ou tratada injustamente. Sua história incluía abuso físico pela mãe, e 
abuso sexual por um padrasto. O sucesso inicial nas séries do primeiro grau, devi-
do à sua elevada inteligência, foi seguido por uma gradual deterioração de seu 
funcionamento, em virtude da falta de investimento em seu trabalho nos anos 
posteriores. Ela fizera parte de um grupo marginal, um tanto anti-social, mas não 
se envolvera em tais atividades além de pequenos roubos em lojas no início da 
adolescência, o que deixara de fazer quando achou que era perigoso demais. 
Pacientes borderline menos gravemente doentes podem apresentar a capaci-
dade para excitação sexual e desejo erótico, mas sofrem as consequências de sua 
patologia de relações objetais internalizadas. Os mecanismos dissociativos da or-
ganização de personatidadeborderline dividem o mundo das relações objetais inter- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 65 
nas e externas em figuras idealizadas e persecutórias. Eles são capazes, conseqúen-
temente, de idealizar relacionamentos com "objetos parciais". Tais relacionamen-
tos, entretanto, são frágeis, e sempre em risco de serem contaminados por aspectos 
"totalmente maus" que podem transformar um relacionamento ideal num relacio-
namento persecutório. 
As relações amorosas desses pacientes podem apresentar desejo erótico jun-
tamente com a idealização primitiva do objeto amado. O que achamos aqui é o 
desenvolvimento de intensos apegos amorosos, com idealização primitiva e de 
natureza um pouco mais duradoura do que o envolvimento transitório dos pacien-
tes narcisistas. A contraparte dessas idealizações é a tendência a reações abruptas 
e radicais de desapontamento, a transformação do objeto idealizado num objeto 
persecutório, e relações desastrosas com objetos previamente idealizados. Tais ca-
sos costumam apresentar as características agressivas mais dramáticas nos proce-
dimentos de divórcio. Talvez o tipo mais frequente desse relacionamento patológi-
co seja o de mulheres com personalidades infantis e organização de personalidade 
borderline, que se agarram desesperadamente a homens idealizados de modo tão 
irrealista, que normalmente é muito difícil obter qualquer quadro real desses ho-
mens a partir das descrições que a paciente faz deles. Superficialmente, esses 
envolvimentos se assemelham aos das mulheres masoquistas bem mais integra-
das, que se submetem a homens idealizados, sádicos, mas a idealização irrealista, 
infantil, é muito mais acentuada nestes casos. O seguinte caso, também extraído de 
um trabalho anterior (1976), ilustra essa dinâmica. 
A paciente era uma jovem obesa, de 18 anos de idade. Habitualmente tomava 
uma variedade de drogas, e seu desempenho na escola estava se deteriorando 
gradualmente apesar de seu alto QI. Sua rebeldia fizera com que fosse expulsa de 
várias escolas, e promovia cenas violentas em casa. No hospital ela dava a impres-
são de ser uma adolescente impulsiva, hiperativa, desgrenhada e suja. Sua explo-
ração rude da maioria das pessoas contrastava agudamente com sua completa 
dedicação a um jovem, que ela encontrara num outro hospital, e para quem ela 
escrevia diariamente cartas de amor longas e apaixonadas. Ele, por ser terno, res-
pondia apenas ocasionalmente, de maneira inconstante e tinha algumas dificulda-
des, nunca especificadas, com a lei. Apesar dos cuidadosos esforços por parte do 
médico da paciente para obter um quadro realista desse homem, ele permaneceu 
sempre como uma sombra nebulosa, embora, conforme a paciente, "fosse um ho-
mem perfeito, ideal, amoroso e lindo". 
Na psicoterapia, a paciente descreveu ardentemente as intensas experiências 
sexuais com seu namorado, seu sentimento de plena realização no relacionamento, 
e sua convicção de que se pudesse fugir com ele e viver uma vida isolada do resto 
do mundo, seria feliz e normal. A paciente já tivera antes vários terapeutas, e viera 
ao nosso hospital "preparada" para lutar contra os esforços da equipe para separá-
la de seu namorado. 
Ela conseguia perdoar, ou melhor, racionalizar, a pouca responsividade do 
namorado, ao mesmo tempo em que permanecia altamente sensível, muitas vezes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
66 Otto F. Kernberg 
paranóide, em relação ao desprezo ou negligências das outras pessoas. Somente depois de 
ele a ter rejeitado total e obviamente (e após ter conhecido um outro jovem em nosso 
hospital, com quem repetiu essa mesma relação), foi que pôde livrar-se do primeiro. Fez 
isso tão completamente que, após alguns meses, não conseguia nem mesmo lembrar-se 
do rosto dele. 
Paradoxalmente, este tipo de "apaixonar-se" tem um prognóstico melhor do que as 
efémeras paixões loucas das personalidades narcísicas, embora estas pareçam ser bem mais 
"orientadas para a realidade" do que os típicos pacientesborderline. 
Há vários aspectos notáveis nas relações amorosas intensas de pacientes com 
organização de personalidade borderline. Em primeiro lugar, eles ilustram a plena capacidade 
para a excitação genital e o orgasmo vinculada a um apaixonado comprometimento, e 
mostrando assim que o desenvolvimento da "primazia genital" necessariamente não 
implica em maturidade emocional. 
Nesses pacientes, uma certa integração parece ter tomado o lugar da sexualidade 
infantil perversa polímorfa e da sexualidade genital, no sentido de que eles parecem capazes 
de integrar a agressão com o amor; isto é, de "recrutar" os componentes agressivos e 
sadomasoquistas da sexualidade infantil, a serviço da gratificação erótica libidinal. Esta 
integração da excitação sexual e do desejo erótico parece ocorrer antes do sujeito ter a 
capacidade de integrar suas relações objetais internalizadas, investidas agressiva e 
libidinalmente. A dissociação das relações objetais (em relações idealizadas e persecutórias) 
persiste,e, pelo contrário, a intensa idealização erótica dos objetos idealizados tem a função 
de negar o segmento agressivo das relações objetais internalizadas, e de proteger o 
relacionamento idealizado da contaminação com a agressão. 
Os pacientesborderline demonstram uma capacidade para um tipo primitivo de 
apaixonar-se, caracterizado por uma idealização irrealista do objeto amado, que eles não 
conseguem perceber em nenhuma profundidade. Este tipo de idealização difere da 
idealização madura, e ilustra os processos desenvolvimentais que o mecanismo de 
idealização sofre antes de culminar na idealizaçãonormal do apaixonar-se. 
Experiências sexuais intensas, que idealizam relações íntimas, podem ser usadas 
para negar uma intolerável ambivalência e proteger a dissociação das relações objetais. Este 
processo ilustra o que poderia ser chamado de prematura edipicalização de conflitos pré-
edípicos em muitos pacientes com organização de personalidade borderline: casos amorosos 
altamente neuróticos, mas intensos, obscurecem a incapacidade subjacente de tolerar a 
ambivalência. Clinicamente, em ambos os géneros, a ativação de modos genitais de 
interação pode servir como tentativas de escapar das relações assustadoras e frustrantes 
centradas nas necessidades orais e de dependência. É como se uma esperança inconsciente 
de gratificação, através da atividade sexual e de um relacionamento diferente do frustrante 
relacionamento pré-genital com a mãe, estimulasse uma fuga para a sexualização precoce 
de todas as relações. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 67 
Muitos pacientes com personalidade narcísica possuem uma capacidade bem-
desenvolvida para a excitação sexual e orgasmo no intercurso sexual, e um amplo espectro 
de tendências infantis polimorfas perversas, sem a capacidade para um profundo 
investimento num objeto de amor. Muitos desses pacientes jamais se apaixonaram nem 
amaram ninguém. Os pacientes que são promíscuos e que têm intensos sentimentos de 
frustração e impaciência, quando os objetos sexuais desejados não se tornam 
imediatamente disponíveis, podem parecer estar apaixonados, mas não o estão. Isto se 
torna evidente em sua indiferença logo depois de terem realizado sua conquista. 
Por razões terapêuticas e prognosticas, é importante diferenciar a promiscuidade sexual 
de pacientes com uma estrutura de personalidade narcísica da dos pacientes com 
personalidade histérica e fortes tendências masoquistas: nos últimos, a promiscuidade 
sexual normalmente reflete uma culpa inconsciente em relação a estabelecer um 
relacionamento estável, maduro, gratificante, porque tal relacionamento representaria 
inconscientemente a realização edípica proibida. Esses pacien tes histéricos e masoquistas 
apresentam uma capacidade para relações objetais plenas e estáveis em outras áreas que não 
o envolvimento sexual. Por exemplo, mulheres com uma personalidade histérica e fortes 
tendências competitivas inconscientes com os homens podem desenvolver relações estáveis 
e profundas com eles enquanto não estiver presente nenhum componente sexual; é somente 
quando se desenvolve a intimidade sexual que o ressentimento inconsciente pela submissão 
fantasiada aos homens, ou a culpa inconsciente pela sexualidade proibida, interfere na 
relação. 
Em contraste, a promiscuidade sexual das personalidades narcísicas está vinculada à 
excitação sexual por um corpo que "se retrai" e fica indisponível, ou por uma pessoa 
considerada atraente ou valiosa por outras pessoas. Esse corpo ou pessoa desperta inveja e 
cobiça inconscientes nos pacientes narcisistas e a necessidade de possuí-los, assim como a 
tendência inconsciente a desvalorizar e estragar aquilo que é invejado. Na medida em que a 
excitação sexual temporária intensifica a ilusão da desejabilidade do objeto, um entusiasmo 
transitório pelo objeto sexual desejado pode assemelhar-se ao estado de apaixonar-se. 
Entretanto, a realização sexual logo gratifica a necessidade de conquista, desencadeaando 
o processo inconsciente de desvalorizar o objeto desejado, e resultando num rápido 
desaparecimento tanto da excitação sexual quanto do interesse pessoal. 
A situação é complexa, entretanto, porque a cobiça e a inveja inconscientes tendem a 
ser projetadas no objeto sexual desejado,e, em consequência, o medo da cobiça possessiva e 
do potencial exploração pelo objeto sexual se torna uma ameaça, reforçando a necessidade de 
escapar para a "liberdade". Para o paciente narcisista, todas as relações são entre 
exploradores e explorados, e a "liberdade" é simplesmente uma fuga da possessividade 
devoradora fantasiada. No curso do tratamento psicanalítico, todavia, a promiscuidade 
compulsiva do paciente narcisista também revela uma desesperada busca de amor 
humano, como se ele estivesse 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
68 Otto F. Kernberg 
magicamente ligado a partes do corpo — seios ou pênis, nádegas ou vaginas. C anseio 
interminável e repetitivo do paciente narcisista por essas partes do corpc podem emergir, na 
análise, como uma fixação regressiva em experiências simbióticas iniciais, dissociadas, envolvendo 
zonas erógenas e a idealização da superfície corporal, para compensar uma incapacidade de 
estabelecer uma relação objetal total ou uma constância de objeto (Arlow e colaboradores, 1968). 
A fuga dos pacientes narcisistas dos objetos sexuais que foram "conquistados" também 
pode representar uma tentativa de proteger esses objetos da destrutividade sentida 
inconscientemente. Riviere (1937), discutindo a psicologia dos "Dons Juans and Rolling Stones", 
enfatizou as fontes orais da inveja do outro género, e as defesas de rejeição e desprezo, como 
fatores dinâmicos essenciais. Fairbairn (1954) sublinhou a função da perversão como uma forma 
de substituição para um relacionamento com objetos profundamente dissociados, idealizados e 
persecutórios, que não podiam ser tolerados pelo ego "central" do paciente. 
A patologia narcísica, em resumo, ilustra como a capacidade original para a excitação 
sexual e idealização de superfícies corporais pode prosseguir para uma sexualidade infantil 
polimorfa perversa bem desenvolvida, e, eventualmente, para interesses genitais e a capacidade 
para o orgasmo genital. Esta progressão ocorre quando a pessoa não desenvolve em 
profundidade a capacidade para relações objetais íntimas, de modo que a idealização 
permanece restrita ao domínio sexual e abastante subdesenvolvida no domínio das relações 
objetais reais. A temporária idealização das pessoas significativas pelos pacientes narcisistas é 
inadequada para gerar mais do que um interesse "puramente sexual", uma idealização de 
superfícies corporais que não se estende à idealização da pessoa total. Algumas personalidades 
narcisistas, no entanto, são capazes de experienciar uma idealização da outra pessoa que se 
estende do seu corpo até a pessoa, mesmo que este interesse seja transitório e limitado por 
mecanismos inconscientes de desvalorização defensiva. Os seguintes casos, originalmente descritos 
num trabalho anterior (1976), ilustram o contínuo psicopatológico na variação dos transtornos 
de personalidade narcísica. 
Um homem de vinte e poucos anos consultou-me por medo de impotência. Embora tivesse 
tido intercurso sexual, ocasionalmente, com prostitutas, quando o tentou pela primeira vez com 
uma mulher que descreveu como tendo sido uma amiga platónica, não conseguiu ter uma 
ereção completa. Este fracasso foi um severo golpe em sua auto-estima e provocou uma 
intensa reação de ansiedade. Jamais se apaixonara e nunca se envolvera sexual ou 
emocionalmente com mulheres nem com homens. Suas fantasias masturbatórias refletiam 
tendências perversas múltiplas, com aspectos homossexuais, heterossexuais, 
sadomasquistas, exibicionistas e voyeuristas. 
Muito inteligente e culto, trabalhava eficientemente como contador, e várias relações um 
tanto distantes,mas estáveis, com homens e mulheres, centravam-se em interesses políticos e 
intelectuais comuns. Não parecia ambicioso. Estava satisfeito com sua rotina de trabalho e as 
pessoas em geral gostavam dele, por seu 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 69 
comportamento amistoso, flexível e altamente adaptativo. Seus amigos se divertiam com sua 
ocasional ironia mordaz e sua atitude arrogante em relação a outras pessoas. 
O pacientefoi atendido inicialmente como uma personalidade obsessiva, mas a análise 
revelou uma estrutura de personalidade narcísica típica. Possuía uma convicção profunda, em 
grande parte inconsciente, de ser superior às disputas mesquinhas e competitivas, em que seus 
colegas e amigos se envolviam. Também se sentia superior aos interesses desenvolvidos pelos 
amigos por mulheres medíocres, psicologicamente desprezíveis, apesar de fisicamente atraentes. 
O fato de ter sido incapaz de desempenhar-se quando consentiu em ter intercurso com sua "amiga 
platónica" foi um terrível golpe em seu autoconceito, pois pensava que deveria ser capaz de 
desempenhar-se sexualmente com homens ou mulheres, e que estava acima da moralidade 
estreita e convencional de seus contemporâneos. 
Aqui enfatizaria primeiro que a capacidade para um envolvimento sexual, para apaixonar-
se — mesmo na forma de uma louca paixão temporária — estava ausente, sugerindo um 
prognóstico reservado para o tratamento psicanalítico. (A análise deste paciente acabou em 
fracasso depois de mais de cinco anos de tratamento.) A característica dinâmica central neste 
caso era uma intensa inveja das mulheres, e defesas contra esta inveja, através da desvalorização e 
de uma orientação homossexual narcisicamente determinada — uma característica frequente nas 
personalidades narcísicas. 
O próximo caso ilustra tanto a presença de certa capacidade para apaixonar-se quanto a 
deterioração desta capacidade numa série de breves paixões loucas e promiscuidade. Ele também 
ilustra a proposta de que o avanço, desde a fixação nas superfícies corporais até o apaixonar-se por 
uma pessoa, está vinculado ao desenvolvimento da capacidade de vivenciar culpa e preocupação, 
depressão e tendências reparadoras. Em contraste com o caso anterior, este homem no início da 
casa dos 30, mostrava certo potencial para apaixonar-se. No curso da psicanálise, este potencial 
desenvolveu-se extraordinariamente enquanto ele tentava elaborar um paradigma transferencial 
básico. 
O paciente originalmente consultou-me por uma intensa ansiedade ao falar em público e 
uma promiscuidade sexual cada vez mais insatisfatória. Disse que se apaixonara algumas vezes em 
sua adolescência, mas descobriu que logo se cansava das mulheres que idealizara e desejara. 
Depois de alguma intimidade sexual com uma mulher, perdia todo o interesse e passava a 
procurar outra. Logo antes de iniciar o tratamento, começara uma relação com uma mulher 
divorciada, que tinha três filhos pequenos. Achou-a muito mais satisfatória do que a maioria das 
anteriores. No entanto, sua promiscuidade sexual continuou, e, pela primeira vez, experimentou 
conflitos entre seu desejo de estabelecer uma relação mais estável com uma mulher, e os 
numerosos casos que mantinha ao mesmo tempo. 
Sua desesperada busca de experiências sexuais com mulheres foi o principal assunto da 
análise desde o início. A princípio, proclamava orgulhosamente seus sucessos com as mulheres 
e o que considerava sua extraordinária capacidade de 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
70 Otto F. Kernberg 
atividade e satisfação sexuais. Entretanto, logo ficou aparente que seu interesse nas mulheres 
buscava exclusivamente seus seios, nádegas, vaginas, pele suave, e, acima de tudo, gratificar sua 
fantasia de que as mulheres estavam escondendo e retendo todos os seus "tesouros" (como ele 
costumava chama'-los). Ao conquistá-las, sentia que as "desempacotava" e "engolia". Num nível 
mais profundo (ele tomou consciência disso somente depois de muitos meses de análise), tinha a 
assustadora convicção de que não havia nenhuma maneira de incorporar a beleza das mulheres e 
que a penetração sexual, o intercurso e o orgasmo somente representavam uma incorporação 
irreal e ilusória daquilo que ele admirava e queria tornar seu. 
A gratificação narcísica de "ganhar" uma mulher passava rapidamente, e sua consciência da 
completa perda de interesse, após um breve período de envolvimento sexual, estava estragando toda 
a antecipação e desenvolvimento dessas efémeras relações. Nos últimos anos, mantinha 
fantasiado frequentemente ter intercurso com mulheres ainda não-conquistadas, enquanto 
mantinha intercurso com uma que já era dele e, portanto, a caminho da desvalorização. 
Mulheres casadas eram particularmente atraentes para ele, não como imaginei a princípio, em 
virtude de conflitos edípicos triangulares, mas porque o fato de outros homens descobrirem algo 
atraente nessas mulheres alimentava o interesse minguante do paciente por elas como possuindo 
um "tesouro escondido". 
Finalmente, o paciente percebeu a intensidade de sua inveja das mulheres, derivada de sua 
inveja e raiva da mãe. Sua mãe o frustrara cronicamente: ele sentia que ela lhe sonegara, física e 
mentalmente, tudo o que era adorável e admirável. Ainda se lembrava de agarrar-se 
desesperadamente ao seu corpo, cálido e macio, enquanto ela rejeitava friamente sua expressão 
de amor e lembrava também suas iradas exigências em relação a ela. 
Durante a adolescência, lutou constantemente para controlar a consciência e a expressão de 
sua inveja e ódio inconscientes das mulheres. Costumava assistir a filmes sobre a Segunda Guerra 
Mundial, e ficava enraivecido quando as atrizes se exibiam para uma grande audiência de 
soldados que aplaudiam. Achava isso cruel, e que os soldados deveriam ter tomado de assalto o 
palco e matado as atrizes. Meditava interminavelmente sobre o fato de as mulheres terem 
consciência de seus seios e genitais, e que quando elas tiravam suas roupas de baixo, à noite, 
aquelas peças de roupa maravilhosas, macias, que tinham o privilégio de ficar junto ao corpo 
delas), elas as atiravam — tesouros negligenciados e inacessíveis para ele — no chão. 
A análise gradualmente descobriu fantasias sádicas de masturbação que c paciente tinha 
quando criança. Via a si mesmo dilacerando mulheres, torturandc um grande número delas, e 
então "libertando" a única do grupo que parecia ino cente e gentil, boa, amorosa e generosa—
uma substituta ideal da mãe, eternamen te bondosa, generosa, linda e incansável. Ao dissociar suas 
relações internas com a mulheres em dependência de uma mãe ideal, absolutamente boa, e uma 
destrui cão vingativa de todas as outras mães más, o paciente acabou sem a capacidade d 
estabelecer uma relação profunda em que teria sido capaz de tolerar e integrar seu 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 71 
sentimentos contraditórios de amor e ódio. Em vez disso, a idealização dos seios, dos genitais 
femininos e de outras partes do corpo permitiu-lhe gratificar regressi-vamente um erotismo 
primitivo e frustrado, enquanto simbolicamente roubava as mulheres daquilo que lhes era 
específico e único. Através de sua promiscuidade, também negava sua assustadora dependência 
de qualquer mulher em especial e inconscientemente estragava a que ele estava avidamente 
tentando incorporar. 
Que ele pudesse "dar" um orgasmo às mulheres, que elas precisassem de seu pênis, o 
reassegurava simbolicamente de que ele não precisava delas — que ele tinha um órgão generoso, 
superior a qualquer seio. Mas o fato de que uma mulher tentasse, depois, continuar sendo 
dependente dele, despertava o medo de que quisesse roubá-lo daquilo que ele tinha para dar. No 
entanto, em meio à sua desesperada busca de gratificação de anseios eróticos para substituir sua 
necessidade de amor, o paciente sentia crescente insatisfação e, num certo momento, tornou-se 
consciente de estar na verdade procurando uma relação com uma pessoa "por baixo" da pele 
das mulheres. 
Foi somente através do exame sistemático de sua exigência oral, de sua duradoura insatisfação 
na transferência, que o paciente percebeu tendência a estragar e destruir inconscientemente aquilo 
que ele mais desejava, a saber,o entendimento e interesse por parte de seu analista, e o amor e 
gratificação sexual por parte das mulheres. À plena consciência de suas tendências destrutivas em 
relação ao analista e às mulheres levou a um gradual desenvolvimento da culpa, depressão e ten-
dências reparadoras. Finalmente, a preocupação pelo objeto trouxe uma mudança radical em sua 
relação com o analista, com sua mãe e com aquela mulher divorciada, com quem (atuando uma 
culpa inconsciente) ele casara durante sua análise. 
Na medida em que ia percebendo quanto amor e dedicação recebia de sua esposa, passou a 
sentir que não a merecia. Percebeu que estava ficando mais interessado nos pensamentos e 
sentimentos dela, que conseguia aproveitar junto os momentos de felicidade dela, que estava 
ficando profundamente curioso sobre a vida interior de outro ser humano. Finalmente percebeu 
como fora terrível sua inveja dos interesses independentes da esposa, das amigas dela, de suas 
coisas, e dos milhares de pequenos segredos que ele sentia que ela partilhava com outras 
mulheres, e não com ele. Percebeu que, ao depreciá-la e desvalorizá-la constante-mente, ele a 
tornara vazia e aborrecida para ele e ficara com menos medo caso tivesse de deixá-la como 
deixara outras mulheres antes dela. 
Ao mesmo tempo, experimentou uma dramática mudança em sua atitude interna durante 
o intercurso sexual. Ele o descreveu quase como um sentimento religioso, um sentimento de 
esmagadora gratidão, humildade e satisfação, por encontrar o corpo e a pessoa dela ao mesmo 
tempo. Agora era capaz de expressar essa gratidão na forma de intimidade física, enquanto sentia 
o corpo dela (agora representando sua pessoa total e não um objeto parcial) com uma nova 
excitação. Em resumo, o paciente passara a ser capaz de vivenciar o amor romântico, vinculado à 
paixão sexual, pela mulher com quem estava casado há mais de dois anos. Sua vida sexual o 
deixava plenamente satisfeito — um contraste com seu antigo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
72 Otto F. Kernberg 
 
padrão de rápido desapontamento e uma imediata busca por uma nova mulher. Sua necessidade 
anterior de masturbar-se compulsivamente após o intercurso sexual desapareceu. 
Intensa inveja e ódio das mulheres podem ser vistos em muitos pacientes do sexo masculino. 
Na verdade, em termos clínicos, sua intensidade nos homens parece igualar-se à da inveja do pênis 
nas mulheres. O que distingue as personalidades masculinas narcisistas não é somente a 
intensidade dessa inveja e ódio, mas também a desvalorização patológica das mulheres (derivada da 
desvalorização da mãe como um objeto primário de dependência). 
A desvalorização da sexualidade feminina juntamente com a negação das necessidades de 
dependência em relação à mulher, contribuem para uma incapacidade de sustentar qualquer 
envolvimento profundo, pessoal e sexual, com as mulheres. Nós encontramos uma completa 
ausência de interesse sexual pelas mulheres (mas uma definida orientação heterossexual) nos 
pacientes mais severamente doentes; os casos menos severos mostram uma frenética procura de 
excitação sexual e promiscuidade sexual, vinculadas a uma incapacidade de estabelecer um 
relacionamento mais permanente; os casos ainda mais brandos apresentam uma limitada 
capacidade para loucas paixões passageiras. 
Loucas paixões passageiras podem representar o início da capacidade de apaixonar-se, 
mas com a idealização limitada aos atributos físicos sexuais das mulheres a serem conquistadas. 
O que esses pacientes não conseguem atingir, todavia, é a idealização característica do apaixonar-
se, em que a genitalidade feminina e a mulher específica são idealizadas, e a gratidão por seu amor e 
sua preocupação com ela como pessoa se desenvolvem na capacidade para uma relação mais estável. 
O sentimento de realização que acompanha o apaixonar-se não existe na personalidade narcísica; 
no máximo, conseguem ter um sentimento fugaz de realização por terem feito uma conquista. 
A inveja e dependência da mãe como a primeira fonte de amor e dependência é, com certeza, 
tão intensa nas mulheres quanto nos homens, e uma importante fonte de inveja do pênis nas 
mulheres é sua busca da relação dependente com o pai e seu pênis como uma fuga e liberação de 
uma relação frustrante com a mãe. Os componentes orais da inveja do pênis são predominantes nas 
mulheres com estrutura de personalidade narcísica, assim como sua vingativa desvalorização dos 
homens e das mulheres. Permanece uma questão aberta se o prognóstico para o tratamento 
psicanalítico das mulheres com estrutura de personalidade narcísica é mais reservado do que 
para o dos homens: esta questão é explorada no relato de Paulina Kernberg (1971) sobre o caso de 
uma mulher com personalidade narcísica refletindo esses mecanismos. 
Uma paciente narcisista, com vinte e poucos anos, era gelidamente atraente (a frieza é típica 
das mulheres narcisistas, em contraste com o coquetismo ardente das personalidades histéricas), o 
suficiente para substituir um homem por outro, sucessivamente, como seu "escravo". Explorava os 
homens impiedosamente: quan- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatoíogta das Relações Amorosas 73 
do eles finalmente decidiam deixá-la, reagia com raiva e vingança, mas sem saudade, pesar ou culpa. 
Com pacientes neuróticos estamos no domínio da inibição da capacidade para relações 
amorosas, sob a influência de conflitos edípicos não-resolvidos. Os processos de idealização, 
envolvidos nas relações amorosas, já evoluíram da idealização primitiva e irrealista para a 
integração das relações objetais internalizadas "totalmente boas" e "totalmente más", e o paciente já 
atingiu a constância de objeto e capacidade realista para avaliar em profundidade, tanto a si mesmo 
quanto ao seu objeto de amor. 
Á típica patologia das relações amorosas relacionada aos conflitos edípicos dominantes é uma 
plena capacidade para a idealização romântica, para apaixonar-se e permanecer apaixonado (isto é, 
para um profundo comprometimento no contexto da tolerância da ambivalência), em combinação 
com a inibição dos anseios genitais diretos e dos anseios sexuais infantis polimorfos pelo objeto 
edípico. Os pacientes em que predomina este tipo de psicopatologia são capazes de apaixonar-se, e 
ter relações amorosas profundas e estáveis, no contexto de certa inibição de sua sexualidade genital 
são sintomas predominantes: impotência, ejaculação precoce ou retardada (embora nesses casos a 
psicopatologia pré-genital também costume desempenhar um papel importante) e frigidez 
(especialmente inibição da capacidade feminina de excitar-se sexualmente e ter orgasmos no 
intercurso). 
Uma defesa alternativa contra a proibição inconsciente de envolvimento sexual, em virtude de 
suas implicações edípicas, é a dissociação entre os anseios ternos e os eróticos, de modo que um 
objeto de amor "sexual" é escolhido em contraste com outro objeto de amor, dessexualizado e 
idealizado. A incapacidade para integrar o desejo erótico e a ternura se evidencia em uma outra a 
capacidade: a de ter uma relação sexual intensamente gratif icante com um objeto, dissociada do amor 
intenso não-genital, por um outro objeto. A expiação da culpa inconsciente por anseios edípicos 
proibidos pode ser expressada ou pela seleção de objetos de amor frustrantes, inacessíveis ou 
punitivos, ou por somente ser capaz de combinar totalmente o amor sexual e a ternura em relações 
amorosas frustrantes. Na verdade, poderíamos dizer que, enquanto as relações amorosas do tipo 
narcisístico representam a típica psicopatologia dos conflitos pré-edípicos na área das relações 
amorosas, as relações amorosas masoquistas representam a típica patologia do nível edípico de 
desenvolvimento. O seguinte caso, descrito primeiramente num trabalho anterior (1976), ilustra 
alguns aspectosdessas questões. 
Um homem com trinta e poucos anos consultou-me em virtude de dúvidas obsessivas acerca 
de sua noiva ser ou não atraente. Na primeira sessão, trouxe uma maleta contendo fotos ampliadas da 
noiva, cuidadosamente escolhidas entre aquelas nas quais ele a achava atraente, e aquelas em que ela 
não lhe parecia atraente. Perguntou-me se via qualquer diferença nas duas séries de fotos: 
respondi que não, e o paciente, mais tarde, me contou que esta fora a mesma reação apresentada 
pelos amigos, quando lhes confiara esta sua dificuldade. Depois, revelou-me que 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
74 Otto F. Kernberg 
sua noiva sempre lhe parecia menos atraente quando suspeitava que ela pudesse estar 
sexualmente excitada por ele. 
O paciente apresentava uma típica estrutura de cará ter obsessiva, com intensas reações 
formativas contra a agressão, uma polidez exagerada, e uma maneira pedante de expressar-se. 
Tinha uma importante posição numa universidade local, mas era prejudicado em seu trabalho por 
ser tímido, por seu medo dos colegas mais velhos e por sua insegurança em relação aos alunos (os 
quais desconfiava que riam secretamente dele devido às suas maneiras "corretas e conservadoras". 
Sua mãe, dominadora e resmungona, controlava a família, conforme o paciente, com a ajuda 
do "exército feminino" (suas várias irmãs mais velhas). Seu pai era um homem claramente tenso, 
um pouco explosivo, mas submisso à mulher. Por toda a infância, o paciente sentira viver numa 
casa cheia de mulheres, cheia de segredos e lugares nos quais ele não podia entrar, gavetas que 
não podia abrir, assuntos que não podia escutar. Foi criado numa atmosfera extremamente religio-
sa, em que tudo o que se relacionava a sexo era considerado sujo. Em um episódio da infância, a mãe 
o espionara quando ele se envolvera num jogo sexual com as amigas da irmã mais moça, para 
depois puni-lo severamente. 
O paciente se orgulhava de sua "pureza moral" e ficou chocado por eu não me impressionar 
"como uma realização moral" o fato de ele nunca ter tido uma relação sexual na vida (nem sentido 
qualquer excitação sexual com mulheres pelas quais "se apaixonara"). Depois admitiu que havia 
mulheres que o haviam excitado sexualmente em sua adolescência, geralmente mulheres de nível 
sócio-econômico mais baixo, já que idealizava e dessexualizava completamente as mulheres de seu 
próprio grupo social. Nunca tivera quaisquer sintomas, afirmou, até começar a sair com sua noiva, 
cerca de dois anos antes de me procurar, e até desenvolver-se a dúvida obsessiva sobre ser ela 
atraente ou repulsiva, justamente quando ela começou a querer uma relação fisicamente mais 
íntima, como beijá-lo ou acariciá-lo. 
Na transferência, seu perfeccionismo obsessivo-compulsivo a princípio interferiu seriamente 
com a associação livre, e gradualmente tomou-se o maior foco do trabalho analítico nos primeiros 
dois anos de análise. Por trás de sua submissão perfeccionista à psicanálise, estava uma zombaria 
inconsciente do analista, como supostamente poderoso, mas na verdade fraco e impotente—uma 
reação inconsciente semelhante à que o paciente tinha em relação aos colegas mais velhos, e que 
projetava em seus alunos (que via como zombando dele). Um enorme desafio e rebelião contra a 
figura paterna gradualmente emergiram na transferência, e tomaram a forma específica de intensa 
suspeita de que eu queria corromper a sua moralidade (uma visão que o paciente atribuía a todos 
os psicanalistas). 
Mais tarde, o paciente achou que o analista também era um "agente" de sua noiva, querendo 
empurrá-lo para os braços dela: consultou vários pastores religiosos a respeito dos perigos da 
psicanálise para a moralidade sexual e para a pureza do seu relacionamento com a noiva. Depois de 
ver o analista como repetindo o comportamento superficialmente controlador, mas 
profundamente submisso, do pai em relação à mãe (o analista sendo um agente da noiva), a 
transferência gradu- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 75 
almente mudou e ele passou a me perceber como sua mãe, espiando-o e apenas fingindo ser 
sexualmente tolerante, de modo a fa/ê-lo confessar seus sentimentos sexuais para depois puni-lo. 
Durante o segundo e terceiro ano da análise, predominou esta transferência materna, e os mesmos 
conflitos puderam ser analisados em sua relação com a noiva e em sua opinião geral sobre as 
mulheres, como mães perigosas que estavam a fim de provocar os jovens homens e levá-los a um 
comportamento sexual para mais tarde vingar-se deles. 
Este paradigma transferencial mudou, por sua vez, para um nível ainda mais profundo, em que 
a excitação sexual em relação a suas irmãs, e particularmente sua mãe, passou para o primeiro plano, 
com medos profundamente reprimidos de retaliação por parte do pai. A percepção da mãe hostil 
era um deslocamento de sua percepção ainda mais assustadora de um pai hostil. 
Neste momento, o característico asseio, polidez e superpreocupação com a limpeza 
tornaram-se o foco do trabalho analítico. Esses traços de caráter agora pareciam representar uma 
reação formativa contra sentimentos sexuais de qualquer tipo; também representavam um protesto 
silencioso e obstinado contra uma mãe "excitada", desorganizada e superpoderosa. Finalmente, 
representavam seu desejo de ser sempre um garotinho asseado, que seria amado pelo pai ao preço 
de renunciar à sua competitividade com o pai e com os homens em geral. 
Durante o quarto ano de sua análise, o paciente começou a sentir desejo erótico pela noiva. 
Anteriormente, quando ele a achava atraente, ela representava a mulher idealizada, pura, 
inacessível — uma contrapartida da imagem da mãe sexualmente excitante mas repulsiva. 
Durante o quinto e último ano da análise, o paciente começou a ter relações sexuais com sua 
noiva e, após um período de ejaculação precoce (ligada ao medo de ter seus genitais danificados 
pela vagina, e uma reativação de medos paranóides do analista como uma figura pai-mãe vingativa), 
sua potência tornou-se normal. Foi somente então que o paciente descobriu que sempre tivera uma 
necessidade compulsiva de lavar as mãos com frequência, porque este sintoma desapareceu no 
contexto de suas experiências sexuais com a noiva. É este último episódio que eu gostaria de 
examinar melhor. 
O paciente costumava encontrar sua noiva nas manhãs de domingo, originalmente para reunir-
se aos pais e outros membros da família, para ir à igreja. Depois de um certo tempo, os dois 
começaram a se encontrar no escritório dele, e não em seu apartamento — que era perto do lugar em 
que seus pais moravam—e a passar as manhãs de domingo juntos, em vez de irem à igreja. Numa 
manhã de domingo o paciente conseguiu, pela primeira vez em sua vida, como parte do jogo 
sexual, lamber os genitais dela e ficar excitado. Surpreendeu-se, maravilhado, por ela chegar ao 
orgasmo dessa maneira e ficou profundamente impressionado por ela ser tão livre e aberta com ele. 
Percebeu como imaginava que todas as mulheres (mãe) eram terrivelmente proibidoras e 
reprovadoras em relação a sexo. Também percebeu, com um sentimento de exultação, que o calor, a 
umidade, o cheiro e o gosto do corpo e dos genitais da noiva o excitavam em vez de repelir, e seu 
sentimento de vergonha e nojo transformou-se em excitação e satisfação. Para sua surpresa, não 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
76 Oito F. Kernberg 
 
 
teve ejaculação precoce ao ter relações sexuais com ela, e compreendeu que isto estava relacionado 
a ter perdido, pelo menos temporariamente, o sentimento de raiva e ressentimento contra ela como 
mulher. 
Reconheceu, durante as semanas seguintes, que o permanecer no escritório e envolver-se 
sexualmente com a noiva representava uma rebelião contrao pai e a mãe, e contra aqueles aspectos 
das convicções religiosas dele que representavam uma racionalização das pressões do seu superego. 
O paciente, em sua adolescência, tivera a fantasia de que Jesus o estava observando, particularmente 
quando ele espiava as amigas das irmãs, tentando vislumbrar seus corpos quando elas se despiam. Foi 
extraordinário observar como sua atitude em relação à religião mudou, e como agora começou a 
perceber Jesus como não estando tão preocupado com se os seres humanos "se comportavam bem" 
ou não sexualmente, mas como representando a busca de amor e de entendimento humano. 
O paciente também percebeu que os aspectos em sua noiva que às vezes lhe desagradavam, 
representavam, em sua mente, aspectos de sua mãe quando, na infância, ela parecia estar 
sexualmente excitada com o pai. Esses aspectos da noiva agora deixaram de ter importância, e 
reconheceu outras semelhanças, reais, que ela tinha com sua mãe, como o mesmo background cultural 
e ético. Quando sua noiva cantava músicas de sua região nativa, ele ficava profundamente 
emocionado; as músicas lhe transmitiam o sentimento de comunicar-se com uma parte de seu 
passado; não com sua mãe como pessoa, mas com obackground do qual ela se originava. Sentiu que ao 
alcançar esta realização total em sua relação com a noiva, também estava atingindo uma nova 
ponte com seu passado, um passado que previamente rejeitara como parte de sua rebelião reprimida 
contra os pais. 
A inveja do pênis pode ser sempre traçada até a inveja original da mãe (basicamente, dos "seios" 
da mãe como o símbolo da capacidade de dar vida, nutrição, e simbolizando o primeiro objeto bom), 
de modo que a inveja do pênis nas mulheres tem como uma raiz importante a inveja inconsciente da 
mãe, deslocada para o pênis do pai, e então reforçada pelos componentes agressivos dos conflitos 
edípicos (incluindo particularmente o deslocamento da agressão da mãe para o pai). Por trás da 
inveja do pênis regularmente encontramos a desvalorização que a mulher faz de seus próprios 
genitais, refletindo uma combinação da inibição primária da genitalidade vaginal no relacionamento 
inconsciente entre mãe e filha; a fantasia infantil da superioridade masculina promovida e reforçada 
pela cultura; e os efeitos indiretos da culpa inconsciente pela relação positiva com o pênis do pai. 
Uma mulher com uma significativa patologia de caráter, consultou-me pelas inibições sexuais 
que somente conseguia superar fazendo sexo com homens que a humilhavam. Nos primeiros dois 
anos de análise, foi possível examinar as suas necessidades autodestrutivas nos relacionamentos que 
estabelecia com os homens, e com o analista, ligadas a profundos sentimentos inconscientes de culpa 
por suas atividades e desejos sexuais, que representavam conflitos edípicos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 77 
 
No terceiro ano da análise, o desejo de que o analista—e os homens em geral —precisasse dela, 
gradualmente transformou-se em anseios dependentes antigos por sua madrasta, que sentira como fria e 
rejeitadora. Voltara-se para o pai, numa tentativa de receber amor sexual em substituição à falta de gratificação 
oral por parte da mãe. A idealização de sua mãe de fato, que morrera no auge do período edípico da paciente, 
parecia agora ser uma defesa não apenas contra a culpa edípica, mas contra a raiva anterior, oralmente 
determinada, contra ela. 
O analista era agora visto como uma imagem da mãe, frio e rejeitador, e a paciente desenvolveu fortes 
desejos de ser protegida, abraçada e amada por ele como umaboa mãe que a traqúilizava contra os medos em 
relação à mãe má. Tinha fantasias sexuais centradas na felação, relacionadas ao sentimento de que o orgasmo do 
homem representava simbolicamente a doação de amor e leite, proteção e nutrição. A desesperada aderência em 
suas relações com os homens e, ao mesmo tempo sua frigidez, agora foram entendidas como uma expressão 
desses anseios orais em relação aos homens, de seus raivosos desejos de controlá-los e incorporá-los, e de seu 
medo de permitir-se experimentar uma ratificação sexual plena, porque isso significaria uma total dependência 
e, portanto, uma total frustração por homens "maternais" cruéis. 
Foi neste estágio de sua análise que a paciente conseguiu, pela primeira vez, estabelecer uma relação com 
um homem que parecia um objeto de amor mais adequado do que a maioria daqueles que ela escolhera 
anteriormente. (Ela casou com ele um pouco depois de terminar a análise.) Uma vez que sua capacidade de 
chegar à gratificação sexual completa com este homem assinalou uma dramática mudança em sua relação com 
ele, com o analista, com sua família e em sua visão geral da vida, examinarei melhor este episódio. 
Durante a análise, a paciente tornou-se capaz de chegar ao orgasmo regularmente, nas relações sexuais com 
este homem. Para sua surpresa, se descobriu chorando nas primeiras vezes em que conseguiu um orgasmo 
completo, chorando com um sentimento de embaraço e, ao mesmo tempo, de alívio. Ficou profundamente grata 
a ele por lhe dar seu amor e seu pênis; sentiu-se grata por poder aproveitar plenamente o seu pênis, e em certo 
momento do intercurso teve a fantasia de estar abraçando um pênis imenso, girando em torno dele exultantemente, 
sentindo estar girando em torno do centro do universo, a fonte fundamental de luz. Sentiu que o pênis dele era 
dela, que podia realmente confiar que ele e seu pênis pertenciam a ela. 
Ao mesmo tempo, deixou de invejá-lo por ele ter um pênis e ela não. Se ele se separasse dela, ela poderia 
tolerar isso, porque aquilo que ele vinha-lhe dando tornara-se parte de sua vida interior. Sua nova experiência 
era algo que lhe pertencia e não lhe poderia ser tirado. Sentiu-se grata e culpada, ao mesmo tempo, pelo amor 
que este homem lhe dera enquanto ela fora, agora percebia, tão invejosa e desconfiada dele e tão inclinada a não 
se entregar inteiramente a ele, para impedir 
78 Otto F. Kernberg 
 
seu suposto "triunfo" sobre ela como mulher. E sentiu que fora capaz de abrir-se para aproveitar seu 
corpo e seus genitais, apesar das proibições internas oriundas das ordens fantasiadas de sua mãe e 
de sua madrasta. Estava livre do terror de excitar-se sexualmente com um homem adulto que a 
tratava como uma mulher adulta (assim quebrando o tabu edípico). 
Também sentiu-se exultante por conseguir expor o corpo ao namorado, sem o medo secreto de 
que seus genitais fossem feios, mutilados e repugnantes. Conseguiu dizer a ele "não posso imaginar, se 
existe um céu, que ele seja melhor do que isso", referindo-se à experiência sexual deles. Foi capaz de 
apreciar o corpo dele, de ficar sexualmente excitada ao brincar com o seu pênis, que não era mais o 
odiado instrumento de superioridade e dominação masculina. Agora conseguia andar por aí, sentindo-
se igual às outras mulheres. Não precisava mais invejar a intimidade dos outros, porque tinha a sua 
própria relação íntima com o homem que amava. Mas, acima de tudo, a capacidade de aproveitar o 
sexo de forma compartilhada e de ter plena consciência de estar recebendo amor dele, ao mesmo 
tempo em que o dava a ele — sentindo-se grata por isso e não tendo mais medo de expressar intei-
ramente suas necessidades de depender dele—estavam expressadas no seu choro, depois do orgasmo. 
A característica central neste caso foi a superação da inveja do pênis: tanto suas raízes orais 
(inveja da mãe generosa e do pênis generoso, e medo de uma odiosa dependência deles), quanto 
suas raízes genitais (a convicção infantil da superioridade dos homens e da sexualidade masculina), 
foram elaboradas no contexto de uma relação objetal total em que a culpa pela agressão dirigida ao 
objeto, a gratidão pelo amor recebido e a necessidade de reparar a culpa, dando amor, foram todas 
expressadas junto.C a p í t u l o 6 
Agressão, Amor e o Casal 
á tendo estudado como a excitação sexual incorpora a agressão a serviço do amor, agora me 
volto para a interação do amor e da agressão no relacionamento emocional do casal. Com a 
intimidade sexual vem uma maior intimidade emocional, e com a intimidade emocional, a 
inevitável ambivalência das relações edípicas e pré-edípicas. Nós poderíamos dizer, colocando de 
maneira condensada e simplificada, que a ambivalência masculina em relação à mãe excitante e 
frustrante, a partir do início da infância, sua profunda desconfiança da natureza provocadora e 
retraída da sexualidade materna, tornam-se questões que interferem com seu vínculo erótico, 
idealização e dependência da mulher que o homem ama. Sua culpa edípica inconsciente e seu 
sentimento de inferioridade em relação à mãe edípica idealizada podem resultar em inibição sexual 
ou intolerância com uma mulher que se torna sexualmente livre e não é mais uma 
garotinha/mulher em relação à qual ele se sente reasseguradoramente protetor. Esse 
desenvolvimento pode perpetuar a dicotomia entre relações erotizadas e relações idealizadas 
dessexualizadas com as mulheres, típicas dos meninos no início da adolescência. Em circunstâncias 
patológicas, particularmente nos homens com patologia narcisista, a inveja inconsciente da mãe e a 
necessidade de vingar-se dela podem provocar uma desvalorização inconsciente catastrófica da 
mulher como o objeto sexual desejado, com consequente distanciamento e abandono. 
A mulher que não teve um relacionamento inicial satisfatório com uma mãe que tolerava a 
sexualidade de sua filhinha, a experiência inconsciente de uma mãe hostil e rejeitadora que interferia 
com o desenvolvimento inicial da sensualidade corporal da menininha e, mais tarde, com seu amor 
pelo pai, pode resultar numa culpa inconsciente exagerada pela intimidade sexual em conjunção com 
um pro- 
79 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
J 
80 Otto F. Kernberg 
fundo comprometimento com um homem. Nessas circunstâncias, a mudança de objeto normal na 
garotinha da mãe para o pai é inconscientemente distorcida, e o relacionamento com os homens se 
torna um relacionamento sadomasoquista. Caso se desenvolva uma estrutura de personalidade 
narcísica, a jovem pode expressar sua intensa inveja inconsciente dos homens através de uma 
desvalorização defensiva dos homens que a amam, pelo distanciamento emocional, e talvez por 
uma promiscuidade narcisicamente determinada que equivale à promiscuidade correspondente nos 
homens narcisistas. A experiência de um pai edípico inacessível, sádico, sexualmente rejeitador, ou 
sedutor e provocador, irá exacerbar esses conflitos iniciais e seus efeitos sobre a vida amorosa de 
uma mulher. 
Dada a frequência de uma grave culpa edípica inconsciente e das defesas narcísicas derivadas 
de fontes edípicas e pré-edípicas, bem poderíamos perguntar que fatores são responsáveis por criar e 
manter uma relação bem-sucedida entre um homem e uma mulher. Duas respostas-padrão e 
convencionais: que os costumes morais sociais protegem a estrutura do casamento, e que, na medida 
em que as estruturas culturais e sociais parecem estar atualmente se desintegrando, a instituição do 
casamento está em perigo; e segundo, que o amor "maduro" implica em amizade e camaradagem, que 
gradualmente substituem a apaixonada intensidade do amor inicialmente romântico e asseguram a 
continuidade da vida conjunta do casal. 
De um ponto de vista psícanalítico, o anseio por tornar-se um casal e assim preencher as 
profundas necessidades inconscientes de uma identificação amorosa com os próprios pais e seus 
papéis num relacionamento sexual é tão importante quanto as forças agressivas que tendem a minar 
relacionamentos íntimos; e o que destrói o apego apaixonado e talvez pareça ser um sentimento de 
aprisionamento e "aborrecimento sexual" é na verdade a ativação da agressão, que ameaça o delicado 
equilíbrio entre o sadomasoquismo e o amor no relacionamento do casal, tanto sexual quanto 
emocional. 
Mas uma dinâmica mais específica entra em ação na medida em que a intimidade emocional se 
desenvolve. Õ desejo inconsciente de reparar os relacionamentos patogênicos dominantes do 
passado e a tentação de repeti-los em termos de necessidades agressivas e vingativas insatisfeitas 
resulta em sua reencenação com o parceiro amado. Através da identificação projetiva, cada parceiro 
tende a induzir no outro as características do antigo objeto edípico e/ou pré-edípico com quem ele ou 
ela tiveram conflitos. Se os antigos conflitos em torno da agressão foram graves, surge a possibilidade 
de reencenar imagens de mãe-pai primitivas, fantasticamente combinadas, que apresentam pouca 
semelhança com as características reais dos objetos parentais. 
Inconscientemente, é estabelecido um equilíbrio, através do qual os parceiros complementam a 
relação objetal patogênica dominante do passado, e isso tende a cimentar o relacionamento de 
maneiras novas e imprevisíveis. Descritivamente, nós descobrimos que os casais, em sua intimidade, 
interagem com vários "pequenos milagres". Essa "loucura privada" (empregando os termos de 
André Green 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 81 
[1986]) pode ser ao mesmo tempo frustrante e excitante, porque ela ocorre no contexto de um 
relacionamento que bem pode ter sido o mais excitante, satisfatório e realizador que ambos os 
parceiros poderiam ter sonhado. Para um observador, o casal parece reencenar um estranho 
cenário, completamente diferente de suas interações habituais, um cenário que, todavia, foi 
encenado repetidamente no passado. Por exemplo, um marido dominante e uma esposa submissa se 
transformam, respectivamente, num garotinho lamuriento e numa severa mestra quando ele fica 
gripado e precisa de cuidados; ou uma esposa delicada e empática com um marido direto e agressivo 
pode transformar-se numa queixosa paranóide e ele num cuidador maternal e tranquilizador quando ela 
se sente ameaçada por uma terceira pessoa; ou uma orgia de pratos arremessados pode romper o 
harmonioso estilo de vida de um casal de tempos em tempos. Esta "união na loucura" comumente 
tende a ser rompida pelos aspectos mais normais e gratificantes do relacionamento do casal nos 
domínios sexual, emocional, intelectual e cultural. De fato, uma capacidade para a descontinuidade 
em seu relacionamento desempenha um papel central em sua manutenção. 
Descontinuidades 
Esta capacidade para a descontinuidade, descrita por Braunschweig e Fain (1971, 1975) e 
André Green (1989, 1993), tem suas raízes fundamentais na descontinuidade do relacionamento 
entre mãe e bebé. De acordo com Braunschweig e Fain, quando uma mãe fica inacessível para o filho 
por ter retornado ao marido como parceira sexual, o bebé termina percebendo este fato. Idealmente, 
a mulher pode alternar seus dois papéis e passar facilmente da mãe terna, afetuosa, sutil-mente 
erótica de seu bebé à parceira erótica, sexual, de seu marido. E seu bebé inconscientemente se 
identifica com ela em ambos os papéis. A descontinuidade da mãe desencadeia as primeiras fontes de 
frustração e anseio no bebé. Mas também, através da identificação com a mãe, é acionada a 
capacidade do bebé e da criança para a descontinuidade em sua próprias relações íntimas. De 
acordo com Braunschweig e Fain, o auto-erotismo do bebé decorre de repetidas sequências de 
gratificação alternando-se com frustração de seu desejo de fusão com a mãe: a masturbação pode 
representar um relacionamento objetal antes de se tornar uma defesa contra aquele relacionamento. 
André Green considera esta descontinuidade como uma característica básica do funcionamento 
humano tanto na normalidade quanto na patologia. A descontinuidade nas relações amorosas,propõe ele, protege o relacionamento da fusão perigosa na qual a agressão tornar-se-ia suprema. A 
capacidade para a descontinuidade é acionada pelos homens em seus relacionamentos com as mulhe-
res: separar-se das mulheres após a gratificação sexual representa uma asserção de autonomia 
(basicamente, uma reação narcisista normal ao retraimento da rnãe), e costuma ser mal-interpretada 
no cliché cultural—principalmente feminino — de 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
82 Otto F. Kernberg 
que os homens têm menos capacidade do que as mulheres para estabelecer um 
relacionamento de dependência. Nas mulheres, esta descontinuidade é normalmente ativada 
na interação com seus bebés, incluindo a dimensão erótica desta interação: o que leva ao 
frequente sentimento do homem de ser abandonado: mais uma vez, no cliché cultural — desta 
vez, masculino — da incompatibilidade das funções maternas e do erotismo heterossexual 
nas mulheres. 
As diferenças na capacidade para tolerar descontinuidades nos homens e nas mulheres 
também aparecem em suas descontinuidades referentes às relações amorosas, conforme 
Alberoni (1987) salientou: as mulheres normalmente interrompem (descontinuam) suas relações 
sexuais com um homem que não amam mais e estabelecem uma descontinuidade radical entre 
um antigo relacionamento amoroso e um novo. Os homens normalmente são capazes de 
manter um relacionamento sexual com uma mulher mesmo que seu comprometimento 
emocional esteja em outro lugar, isto é, eles têm uma maior capacidade de tolerar a 
descontinuidade entre investimentos emocionais e eróticos, e para uma continuidade de 
investimentos eróticos numa mulher, na realidade e na fantasia, durante muitos anos, 
mesmo na ausência de um relacionamento real com ela. 
A descontinuidade masculina entre atitudes eróticas e ternas em relação às mulheres 
está refletida na dissociação "Virgem-prostituta", sua defesa mais típica contra o 
relacionamento sexual edípico com a mãe, inconscientemente jamais abandonado, proibido e 
desejado. Mas por trás dessa dissociação, profundos conflitos pré-edípicos com a mãe tendem 
a reemergir de modo intenso nos relacionamentos dos homens com as mulheres, interferindo 
em sua capacidade de comprometer-se profundamente com uma mulher. Para as mulheres, 
que já mudaram seu comprometimento da mãe para o pai no início da infância, o problema não 
é a incapacidade de se comprometerem num relacionamento de dependência com um homem, 
mas tolerar e aceitar sua própria liberdade sexual neste relacionamento. Em contraste com a 
asserção masculina da sua genitalidade fálica a partir do início da infância, no contexto da 
erotização inconsciente do relacionamento mãe-bebê, as mulheres têm de redescobrir sua 
sexualidade vaginal original, inconscientemente inibida no relacionamento mãe-filha. 
Poderíamos dizer que os homens e as mulheres precisam perceber, com tempo, aquilo com o 
que o outro vem preparado, ao estabelecer um relacionamento amoroso: os homens precisam 
chegar a um comprometimento profundo, e as mulheres, à liberdade sexual. Obviamente, há 
exceções significativas a esse desenvolvimento, tais como a patologia narcisista nas mulheres e 
graves tipos de ansiedade de castração nos homens. 
A descontinuidade na relação amorosa também é estimulada pela mútua projeção de 
ditames do superego; projetar no parceiro sexual os aspectos sádicos de um superego 
infantil e/ou edípico pode levar à submissão masoquista e distorções irreais, 
sadomasoquistas, no relacionamento, mas também a uma rebelião contra o superego projetado 
precisamente através das separações temporárias que caracterizam descontinuidades normais 
no relacionamento amoroso. Ao rejeitar violentamente ou atacar o objeto que inspira culpa, 
pode ser obtida uma liber- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 83 
dade temporária em relação ao superego projetado, sádico. Esse alívio, paradoxalmente, pode permitir 
a reemergência do amor. 
A função central da descontinuidade explicaria por que alguns casais mantêm um 
relacionamento sólido e durável juntamente com a agressão e violência estabelecidas em sua vida 
amorosa. Se nós agruparmos, de forma simplificada, a psícopatologia não-orgânica em categorias 
neuióúca,borderline, narcisista e psicótica, os parceiros de diferentes categorias podem estabelecer 
variados graus de equilíbrio que estabilizam seu relacionamento ao mesmo tempo em que lhes 
permitem encenar seu mundo de loucura privada contida por descontínuidades protetoras. Por 
exemplo, um homem neurótico com uma personalidade obsessiva, casado com uma mulher 
borderline, pode inconscientemente admirar o que ele sente como a liberdade dela de dar expansão 
às suas violentas explosões agressivas, enquanto ela pode ficar protegida das consequências reais e 
temidas de seu comportamento agressivo pela descontinuidade obtida pelos processos de cisão que ela 
impõe como a maneira mais natural de relacionar-se num relacionamento conjugal. E seu marido 
obsessivo pode ser reassegurado pela natureza autocontida da agressão que ele inconscientemente 
teme em si mesmo. Mas um outro casal com uma patologia semelhante pode destruir-se, porque o 
homem obsessivo não consegue tolerar a inconsistência da mulher e porque a mulher fonfer/zne não 
consegue tolerar a natureza persecutória, como ela a experencia, da persistência e continuidade 
racional do seu marido obsessivo. 
Através de muitos anos de vida conjunta, a intimidade de um casal pode ser ou reforçada ou 
destruída pela encenação de certos tipos de cenários, diferentes das relações objetais passadas, 
usuais, dissociadas e inconscientes. Esses cenários específicos, temidos e desejados, são gradualmente 
estabelecidos pelos efeitos cumulativos de comportamentos dissociativos. As encenações podem 
tornar-se altamente destrutivas, às vezes simplesmente porque desencadeiam reações circulares que 
engolfam a vida amorosa do casal além de suas intenções e de sua capacidade de contê-las. Aqui me 
refiro, acima de tudo, à encenação de cenários edípicos representando a invasão do casal por terceiros 
excluídos como uma força disruptiva maior, e a várias relações gemelares imaginárias, encenadas pela 
dupla como uma força destrutiva centrípeta ou distanciadora. Vamos examinar primeiro essas últimas 
relações. 
Os conflitos narcísicos se manifestam não apenas na inveja inconsciente, desvalorização, 
exploração e separação, mas também no desejo inconsciente de completar a si mesmo através do 
parceiro amado, que é tratado como um gémeo imaginário. Didier Anzieu (1986), desenvolvendo o 
trabalho de Bion (1967), descreveu a seleção inconsciente do objeto de amor como uma 
complementação homossexual e/ou heterossexual dose//: uma complementação homossexual no 
sentido de que o parceiro heterossexual é tratado como uma imagem especular dose// Qualquer 
coisa no parceiro que não corresponda a esse esquema de complementar, não é tolerada. Se a 
intolerância inclui a sexualidade do outro, ela pode levar a uma grave inibição sexual. Por trás da 
intolerância à sexualidade do outro está a inveja narci- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
84 Oito F. Kernberg 
sista do outro género. Em contraste, quando a escolha do outro é como um gémeo heterossexual, a 
fantasia inconsciente de complementação por ser ambos os géneros num só, pode agir como um 
poderoso cimento. Bela Grunberger (1979) foi o primeiro a salientar as fantasias narcisistas 
inconscientes de ser ambos os géneros num só. 
Tem sido frequentemente observado que, após muitos anos de vida conjunta, os parceiros 
começam a ficar parecidos até mesmo fisicamente; os observadores muitas vezes ficam 
maravilhados de como duas pessoas assim semelhantes se encontraram. A gratificação narcisista 
neste relacionamentogemelar, o casamento, poderíamos dizer, do objeto de amor e da gratificação 
narcisista protege o casal contra a ativação da agressão destrutiva. Em circunstâncias menos ideais, 
essas relações gemelares podem evoluir para aquilo que Anzieu (1986) chamou de uma "pele" para 
relacionamento do casal — uma exigência de completa e contínua intimidade, que a princípio 
parece uma intimidade de amor, mas termina por se tornar uma intimidade de ódio. A pergunta 
constantemente repetida: "Tu ainda me amas?" reflete a necessidade de manter a pele comum do casal 
e é a contraparte da afirmação "Tu sempre me tratas assim!" que sinaliza a mudança na qualidade do 
relacionamento sob a pele, do amor para a perseguição. Somente a opinião do outro realmente conta 
para proteger a própria segurança e sanidade, e essa opinião pode transformar-se, de um fluxo regular 
de amor, em um f luxo igualmente regular de ódio. 
Antigos cenários encenados inconscientemente podem incluir fantasias realizadoras de desejo, 
culpa inconsciente, a desesperada busca de um final diferente para uma situação traumática temida e 
interminavelmente repetida, e uma reação em cadeia acionada, involuntariamente, que rompe a 
sequência interna do cenário. Por exemplo: uma mulher com uma estrutura de personalidade 
histérica, uma fixação edípica num pai idealizado, e profundas proibições contra o envolvimento 
sexual com ele, casa-se com um homem com uma estrutura de personalidade narcisista e um intenso 
ressentimento inconsciente contra as mulheres. Ele a escolheu como um gémeo heterossexual 
desejável, que ele inconscientemente esperava ter totalmente sob controle, como um suporte para o 
seu narcisismo. Sua inibição sexual frustra seu narcisismo e o leva a buscar satisfação extraconjugal, 
enquanto o desapontamento dela com o pai edípico desencadeia, primeiro, uma inútil submissão 
masoquista em relação ao marido e, depois, um caso amoroso masoquista (e pela mesma razão) 
sexualmente gratificante com um homem proibido e socialmente perigoso. Quando ela abandona o 
marido, este percebe sua temida dependência em relação a ela, negada pela maneira como a tratava 
antes, como uma escrava, enquanto a sua (dela) resposta sexual agora plenamente despertada no 
relacionamento ameaçador, mas inconscientemente permitido (por sua natureza não-conjugal), 
provoca a aceitação de sua própria sexualidade genital. O marido e a mulher se reencontram com um 
melhor entendimento de suas necessidades mútuas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 85 
É verdade que ambos fizeram psicanálise e, sem tratamento, provavelmente não teriam sido 
capazes de reconstruir seu relacionamento. Ele inconscientemente precisava provocá-la para que se 
tornasse a mãe rejeitadora, justificando assim, retrospectivamente, por assim dizer, sua 
desvalorização dela e sua busca por uma nova mulher idealizada; ela inconscientemente 
precisava reconfirmar a inacessibilidade e deslealdade do pai e pagar o preço de uma situação 
socialmente perigosa, como uma condição para responder sexualmente a um homem que não era seu 
marido. 
Triangulação 
Triangulações diretas e inversas, que descrevi num trabalho anterior (1988), constituem os 
cenários inconscientes mais frequentes e típicos, que podem, no pior dos casos, destruir o casal ou, no 
melhor dos casos, reforçar sua intimidade e estabilidade. Eu utilizo triangulação direta para descrever 
a fantasia inconsciente de ambos os parceiros de um terceiro excluído, um membro idealizado do 
género do sujeito — o temido rival replicando o rival edípico. Todos os homens e todas as 
mulheres, inconsciente ou conscientemente, temem a presença de alguém que seria mais satisfatório 
para o seu parceiro sexual; este terceiro temido é a origem da insegurança emocional na intimidade 
sexual e do ciúme como um sinal de alarme protegendo a integridade do casal. 
A triangulação inversa define a fantasia compensadora, vingativa, de envolvimento com 
uma outra pessoa além do parceiro sexual, um membro idealizado do outro género que representa o 
objeto edípico desejado, estabelecendo assim um relacionamento triangular no qual o sujeito é 
cortejado por dois membros do outro género, em vez de precisar competir como rival edípico do 
mesmo género pelo objeto edípico idealizado do outro género. Proponho que, dadas essas duas 
fantasias universais, existem potencialmente, na fantasia, sempre seis pessoas na cama, juntas: o 
casal, seus respectivos rivais edípicos inconscientes e seus respectivos ideais edípicos inconscientes. 
Se essa formulação lembrar o comentário de Freud (1954) a Fliess: "Estou-me acostumando com a 
ideia de considerar todo ato sexual como um processo em que quatro pessoas estão envolvidas" 
(carta 113, página 289), deve ser observado que seu comentário foi feito no contexto da discussão da 
bissexualidade. Minha formulação surge no contexto das fantasias inconscientes baseadas nas 
relações objetais edípicas e identificações. 
Uma forma que a agressão relacionada aos conflitos edípicos assume frequentemente (na 
prática clínica e na vida cotidiana) é o conluio inconsciente de ambos os parceiros para encontrar, na 
realidade, uma terceira pessoa que represente o ideal condensado de um e o rival do outro. A 
implicação é a de que a infidelidade conjugal, os relacionamentos triangulares breves ou 
duradouros, muito frequentemente refletem conluios inconscientes entre o casal, a tentação de ence- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
86 Otto F. Kernberg 
nar o que é mais temido e desejado. A dinâmica homossexual assim como a heterossexual entram em 
cena, porque o rival inconsciente é também um objeto sexualmente desejado no conflito edípico 
negativo: a vítima da infidelidade frequentemente se identifica inconscientemente com o parceiro 
traidor nas fantasias sexuais acerca do relacionamento do parceiro com o rival ciumentamente odiado. 
Quando uma grave patologia narcisista em um ou ambos os membros do casal impede a capacidade 
para o ciúme normal — uma capacidade que implica numa certa conquista para tolerar a rivalidade 
edípica — essas triangulações podem ser facilmente encenadas. 
O casal que consegue manter sua intimidade sexual, proteger-se da invasão de terceiros, não 
está apenas mantendo sua óbvia fronteira convencional, mas está também reafirmando, em sua luta 
contra rivais, a gratificação inconsciente da fantasia do terceiro excluído, um triunfo edípico e uma 
rebelião edípica sutil ao mesmo tempo. As fantasias sobre terceiros excluídos são componentes típicos 
das relações sexuais normais. A contraparte da intimidade sexual que permite o desfrutar da 
sexualidade perversa polimorfa é o desfrutar das fantasias sexuais secretas que expressam, de modo 
sublimado, a agressão em relação ao objeto amado. A intimidade sexual nos apresenta então mais 
uma descontinuidade: a descontinuidade entre os encontros sexuais nos quais ambos os parceiros 
estão completamente absorvidos e identificados um com o outro, e os encontros sexuais nos quais 
cenários fantasiados secretos são encenados, daí trazendo para o relacionamento as 
ambivalências não-resolvidas da situação edípica. 
As perenes perguntas: "O que as mulheres querem?" "O que os homens querem?" podem ser 
respondidas dizendo-se que os homens querem uma mulher em papéis múltiplos — como mãe, como 
uma garotinha [filha], como irmã gémea, e, acima de tudo, como uma mulher adulta sexual. As 
mulheres, em virtude de sua decisiva mudança de objeto primário, querem os homens em papéis 
paternais, mas também em papéis maternais, como pai, como garotinho [filho], um irmão gémeo e 
um homem adulto sexual. E, num nível diferente, tanto os homens quanto as mulheres podem 
desejar encenar um relacionamento homossexual ou inverter os papéis sexuais num derradeiratentativa de superar as fronteiras entre os sexos que inevitavelmente limitam a gratificação narcisista 
na intimidade sexual: ambos anseiam por uma fusão completa com o objeto amado, com elementos 
edípicos e pré-edípicos que jamais podem ser satisfeitos. 
Perversidade e Fronteiras 
Basicamente, a experiência das fronteiras entre os géneros pode ser superada somente quando a 
destruição simbólica do outro como pessoa permitir o uso de seus órgãos sexuais como artifícios 
mecânicos sem envolvimento emocional. O assassinato sádico é a consequência extrema, mas lógica, 
de uma tentativa de penetrar uma outra pessoa, até a própria essência de sua existência e para apagar 
todo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 87 
o sentimento de ser excluído dessa essência. Em circunstâncias mais moderadas, a perversidade — o 
recrutamento do amor a serviço da agressão — transforma a profunda intimidade sexual numa 
mecanização do sexo, que deriva da desvalorização radical da personalidade do outro, uma 
observação feita primeiramente por Fairbairn(1954). 
A perversidade no encontro sexual pode ser ilustrada pelos desenvolvimentos típicos dos casais 
envolvidos, durante um período de tempo, em sexo grupai. Após seis meses/um ano de consistente 
participação em múltiplas atividades perversas polimorf as, sua capacidade para a intimidade sexual e, 
por falar no assunto, para qualquer intimidade, termina (Bartell, 1971). Nessas circunstâncias, a estrutu-
ra edípica tende a desmantelar-se. Isto está num acentuado contraste com os efeitos, estabilizadores, 
sobre um casal, de um relacionamento triangular real, de modo a ser atingido um equilíbrio que 
permite a atuação da agressão não-integrada ao separar o amor da agressão no relacionamento com 
dois objetos; a atuação da culpa inconsciente pelo triunfo edípico é obtida através da manutenção de um 
relacionamento amoroso que não chega a ser inteiramente satisfatório. 
No relacionamento emocional do casal, uma perversidade correspondente pode ser observada 
nos relacionamentos sadomasoquistas duradouros, em que um dos parceiros desempenha as 
funções do superego perfeccionista e cruel, gratificando assim as suas próprias tendências sádicas 
através da indignação farisaica, enquanto o parceiro masoquisticamente expia sua culpa derivada de 
fontes edípicas e, mais frequentemente, pré-edípicas. 
Ou talvez esse equilíbrio perverso não mais envolva a expressão da agressão sancionada pelo 
superego, mas a encenação de cenários sadomasoquistas mais primitivos, com formas de agressão 
que envolvem risco de vida, e a idealização primitiva de um objeto poderoso e cruel sem uma 
dimensão moral. Um parceiro por exemplo, pode concordar, com a esterilização ou mesmo com 
mutilação, real ou automutilação como castração simbólica. Mecanismos dissociativos primitivos 
podem proteger a perversidade dentro de um equilíbrio estável do casal, que atinge uma 
extraordinária intimidade dominada pela agressão. 
A ativação de relacionamentos objetais primitivos dissociados na interação dos parceiros pode 
criar reações circulares que adquirem uma qualidade fixa, que a descontinuidade comum no 
relacionamento do casal pode não mais conter. Por exemplo, as explosões hostis de um dos parceiros 
podem evocar uma resposta, de indignação justificada e identificação com funções primitivas do 
superego. Isso é seguido por uma submissão masoquista do primeiro perpetrador ao seu parceiro, 
mudando para novas explosões raivosas ou um imediato reforço da agressividade como uma defesa 
secundária contra a culpa inconsciente. Essas reações podem escalar até esta relação objetal 
primitiva dissociada transformar-se num aspecto recorrente da vida do casal. Ethel Person (1988) 
descreveu uma situação típica na qual um dos parceiros tem um relacionamento extraconjugal e 
defende-se dos sentimentos de culpa através de um comportamento provocador em relação ao parceiro 
conjugal, visando induzir uma rejeição por parte desse parceiro e assim aliviar 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
88 Otto F. Kernberg 
a culpa existente. Isso pode levar a um resultado exatamente oposto ao pretendido, o que acaba 
destruindo o casal. De modo geral, uma agressão implacável, como um apelo inconsciente de aceitação 
e como a expiação da culpa desencadeada por essa mesma agressão, não pode ser contida pelo 
parceiro. 
Fronteiras e Tempo 
As fronteiras que separam o casal de seu ambiente social protegem o equilíbrio do casal, para o 
seu bem ou não. O extremo isolamento social dos casais com desenvolvimentos perversos nas áreas 
sexual, emocional e/ou do superego pode gradualmente piorar o relacionamento destrutivo, porque 
os parceiros não têm as interações corretivas com o ambiente, e perdem a capacidade normal 
para "metabolizar" aspectos da agressão gerada em suas interações no contexto de sua vida social. 
Casais extremamente sadomasoquistas, em isolamento social, podem colocar em perigo o parceiro 
masoquista. No lado positivo, as fronteiras normais protegem a intimidade do casal não apenas 
contra a invasão triangular do ambiente social circundante, mas também sua "loucura privada", 
as necessárias descontinuidades em seu relacionamento. 
Certas fronteiras comuns dos casais tornam-se significativas em diferentes estágios da vida do 
casal. Primeiro, o relacionamento com seus filhos, um assunto vasto e complexo demais para ser 
examinado nesse momento, exceto para destacar a importância de se manter as fronteiras que 
separam as gerações. Uma das mais ubíquas manifestações de culpa inconsciente pela qualidade 
implicitamente rebelde e desafiadora de qualquer relacionamento íntimo (representando a realização 
edípica) é o casal não ter coragem para manter fronteiras firmes de intimidade em relação aos filhos. 
A proverbial ausência de uma chave na porta do quarto pode simbolizar a culpa inconsciente dos 
pais pela intimidade sexual e a concepção inconsciente de que as funções paternas devem substituir 
as sexuais. Esta fantasia regressiva, projetada nos filhos como um medo de suas reações por serem 
excluídos do quarto dos pais, reflete o medo subjacente de identificar-se com o casal parental na 
cena primária e o conluio inconsciente entre os pais, que assim abdicam da completa identificação com 
seus próprios pais. 
Uma outra fronteira é com a rede de casais que constituem a vida social habitual. Os 
relacionamentos com outros casais normalmente são infiltrados por erotismo; entre os amigos e seus 
cônjuges em conluio inconsciente estão os temidos rivais e os objetos sexuais desejados e proibidos. 
As fronteiras provocadoramente excitantes e proibitivas entre os casais são os ambientes típicos 
em que as triangulações diretas e inversas são desenvolvidas. 
A fronteira entre o casal e o grupo é sempre uma zona de combate. Uma "guerra estática" é 
representada pela pressão do grupo para moldar o casal à sua imagem e se reflete na moralidade 
convencional — na ritualização ideológica e teológica do amor, comprometimento, casamento e 
tradição familiar. Deste ponto 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 89 
de vista, o casal que existe desde o início da adolescência ou mesmo desde a infância, aproximados por 
seus parentes, sancionados pela percepção universal benevolente, na verdade mora numa prisão 
simbólica, embora possa escapar para um relacionamento amoroso secreto. As mútuas tentações e 
seduções na rede de casais adultos representam uma guerra mais dinâmica, mas também, às vezes, a 
potencial salvação para indivíduos e casais aprisionados em relacionamentos que estão se afundando 
em mútuo ressentimento e agressão. 
O grupo precisa do casal para a sua sobrevivência, para o reasseguramento de que um triunfo 
edípico,afastando-se da multidão anónima. E o grupo inveja e se ressente do sucesso do casal, num 
contraste com a solidão do indivíduo nessa multidão anónima. O casal, por sua vez, precisa do 
grupo para descarregar sua agressão no ambiente. A identificação projetiva não somente opera dentro 
do casal, mas, de maneiras sutis, inclui também uma terceira e uma quarta pessoa. Liberman (1956) 
descreveu como as amargas queixas do paciente para o analista sobre o parceiro conjugal podem 
ser parte de uma sutil atuação. O analista torna-se o repositório da agressão contra o parceiro 
conjugal, e o paciente se retira para um relacionamento "preservado" com o parceiro, enquanto 
abandona o relacionamento com o analista. 
Este é um exemplo particular do fenómeno mais geral do analista-"penico" descrito por 
Herbert Rosenfeld (1964). Os amigos íntimos de um casal que cumprem esta função geralmente não 
percebem que se tornaram os portadores da agressão que de outra forma se tornaria intolerável para o 
casal. 
Um casal que parece estar funcionando bem pode despertar uma inveja excessiva nos grupos 
sociais não-estruturados, tais como os grupos grandes de viagem ou em partidos políticos, em 
organizações profissionais ou comunidades de artistas. A inveja que normalmente é mantida sob 
controle pelos aspectos racionais e maduros dos relacionamentos interpessoais e amizades numa 
rede de casais, torna-se imediatamente aparente em tais grupos. A percepção inconsciente dessa 
inveja, no casal, pode assumir a forma de ataques públicos mútuos provocados pela culpa, para 
acalmar aqueles que têm inveja, ou de um comportamento externo desafiador de total harmonia, 
enquanto a agressão mútua permanece escondida da visão pública. Às vezes, os parceiros conseguem 
esconder dos outros como seu relacionamento é verdadeiramente íntimo. 
E uma terceira fronteira, representada pela dimensão do tempo, é a estrutura para o desenvolvimento 
da vida do casal como tal, e para a natureza limitada dessa vida, em virtude da morte e da separação. 
A morte se torna uma importante consideração para os casais em anos mais avançados. O medo de 
envelhecer e adoecer, o medo de deixar de ser atraente para o parceiro, o medo de ficar 
excessivamente dependente do outro, o medo de ser abandonado por uma outra pessoa, e a tendência 
inconsciente a desafiar ou negar a realidade do tempo—por exemplo, por uma descuidada negligência 
da própria saúde física ou da do parceiro—podem tornar-se o campo em que a agressão, de todas as 
fontes, é acionada. Aqui, a preocupação e mútua responsabilidade derivadas das funções do ego e 
do superego podem
 
90 Otio F. Kernberg 
desempenhar um papel maior na proteção da sobrevivência do casal, em contraste com o conluio 
inconsciente com perigosos padrões autoderrotistas, como ao negligenciar a doença ou ser 
financeiramente irresponsável. 
Os homens podem ser particularmente sensíveis ao processo de envelhecimento nas mulheres, 
muito mais do que as mulheres em relação aos homens, em virtude de uma conexão inconsciente 
entre a idealização da superfície do corpo da mãe, como uma origem do erotismo e o medo do 
conteúdo do corpo da mãe, como uma expressão da projeção inconsciente, nela, de tendências 
agressivas primitivas (Meltzer e Williams, 1988). Esta sensibilidade pode inibir os homens 
sexualmente (e, na medida em que elas temem ser sexualmente menos atraentes, também as 
mulheres) em estágios avançados da sua vida, e reativar ou reforçar proibições edípicas contra sua 
sexualidade. A afirmação da intimidade sexual de um casal, quando eles atingem uma idade 
avançada, é um teste final de sua liberdade sexual. Á negação comum da vida sexual nos idosos é a 
edição final, por assim dizer, dos esforços da criança para negar a sexualidade dos pais; também é a 
edição final da culpa dos pais associada à sua própria sexualidade. Preocupar-se pela companhia 
amada de toda uma vida pode vir a ser um fator cada vez mais importante na mediação e 
controle da representação da agressão dissociada do casal. 
As mudanças de poder e autoridade relacionadas a mudanças no prestígio das pessoas, nos 
rendimentos e outros desenvolvimentos relacionados à profissão e ao trabalho podem não apenas af 
etar o equilíbrio emocional, mas, paradoxalmente, muitas vezes representam os efeitos imprevistos de 
fatores inconscientemente determinados. Um clássico exemplo é o da enfermeira que sustenta o 
marido estudante de medicina, segura em seu papel de provedora maternal enquanto gratifica as 
necessidades de dependência dele. Quando, mais tarde, ele se torna um médico bem-sucedido, ele se 
ressente da dependência da mãe, procurando um relacionamento em que ele é o pai dominante para 
uma garotinha-amante, enquanto sua esposa luta com o ressentimento pela perda de sua função 
materna para ele e o ressentimento inconsciente em relação aos homens poderosos (inveja do 
pênis) ativado pelo sucesso profissional dele. 
Ou um homem narcisista que estabelece um relacionamento com uma jovem simples, inibida, 
que o adora, estimula-a a estudar e trabalhar para que ela satisfaça suas expectativas de gemelaridade 
narcísica, apenas para descobrir que o desabrochar dela ativa sua profunda inveja das mulheres e 
ressentimento por sua independência. Ele subsequentemente a desvaloriza, e seu relacionamento é 
destruído. 
Mas o tempo não opera apenas destrutivamente. A busca da reativação de conflitos passados 
para curar feridas (empregando a expressão de Martin Bergmann [1987]) pode ter sucesso no sentido 
de que o amor pode ser mantido apesar da violência da agressão mútua; a sobrevivência do casal 
pode expor a natureza fantástica e exagerada dos medos inconscientes que cercam a agressão 
reprimida ou dissociada. Ser capaz de atacar o parceiro sadicamente e contudo testemunhar a 
sobrevivência de seu amor; ser capaz de experienciar em si mesmo a transição da raiva implacável e 
desvalorização para culpa, pesar e reparação, constituem expe- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 91 
riências inestimáveis para o casal. Quando a intimidade sexual e o prazer incorporam os esforços 
reparadores vinculados a essa consciência, culpa e preocupação, então a excitação sexual e a 
intimidade emocional aumentam, juntamente com o comprometimento do casal para uma 
responsabilidade conjunta por suas vidas. 
O crescimento emocional implica numa identificação expansível com todos os estágios da vida, 
criando uma ponte sobre as fronteiras que separam os grupos de idade. As experiências acumuladas 
de uma vida compartilhada incluem o luto pela perda dos pais, da juventude da pessoa, de uma 
passado cada vez maior deixado para trás, de um futuro que se torna implacavelmente limitado. 
Uma vida conjunta se torna o repositório do amor, uma força poderosa de união que proporciona 
continuidade perante as descontinuidades da existência cotidiana. 
Num estágio posterior de vida, a fidelidade ao outro se torna a fidelidade ao mundo interno. A 
crescente consciência da limitação de todos os relacionamentos pela morte salienta a importância 
desse mundo interno. A negação da própria morte fica limitada pela consciência do fim necessário, 
em algum momento, da vida conjunta do casal, que inicia um processo de luto que novamente 
enriquece a vida vivida junto e após a morte da pessoa amada. O membro sobrevivente fica com a 
responsabilidade pela continuação da vida vivida junto. A mulher cujo marido morreu e que volta à sua 
velha rede de casais com um novo marido ativa este processo de luto no grupo todo. 
Fixação Patológica de Papel 
Eu descrevi a perversidade nas relações amorosas que a destrói no par sexual porque os 
elementos agressivos predominam e controlam a excitação sexual, em virtude dos padrões 
sadomasoquistas que dominam e controlam o relacionamento emocional, e em virtudeda 
dominância e controle por aspectos persecutórios e sádicos de funções do superego mutuamente 
projetados. Uma forma adicional de perversidade é o congelamento do relacionamento num único 
padrão de um relacionamento objetal complementar, inconsciente, do passado. Normalmente, repre-
sentações do passado interagem com relações realistas. Uma ilustração de uma mudança 
tipicamente flexível nas interações dos parceiros seria a mudança inconsciente do marido do papel do 
homem sexualmente dominante e excitado penetrando sua mulher e simbolicamente restabelecendo 
o pai amoroso e sexualmente aceitador, para o papel do bebé satisfeito que foi nutrido pela mãe, 
simbolicamente representada pela mulher que lhe deu o presente do orgasmo dela. Ele pode então 
tornar-se a criança dependente de uma mãe maternal que o cobre, alimenta e põe para dormir. Ou ele 
pode ativamente mudar para um papel paternal em relação a uma filha dependente, consertando uma 
lâmpada queimada que ela não consegue (ou finge que não consegue) trocar. 
Ou a mulher pode mudar do papel da parceira sexual adulta para a filha dependente de uma 
mãe protetora, ou a mulher maternal que alimenta seu garoti- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
92 Otío F. Kernberg 
nho-homem. Ou ela pode tornar-se a garotinha culpada que é seduzida sexualmente por um pai 
sádico; ou ela é "estuprada" em sua fantasia durante a relação sexual, confirmando assim a 
ausência de culpa (dela) pelo prazer sexual; ou ela pode exibir-se envergonhadamente, expiando 
assim seu prazer sexual enquanto obtém a gratificação de ser admirada pelo homem que a ama. 
Ou um homem pode mudar do garotinho movido pela culpa, repreendido por uma mãe 
perfeccionista, para o garotinho invejoso observando os mistérios das preocupações e interesses 
femininos adultos. Ou ele pode ressentir-se da dedicação da sua mulher à sua profissão ou ao bebé 
deles porque ele se sente como uma criança negligenciada, a contraparte para o ressentimento 
inconsciente da mulher pelo sucesso profissional do marido porque este sucesso reativa a inveja inicial 
dos homens. Estes e outros desempenhos de papel podem ser mutuamente gratif ican-tes porque 
expressam tanto amor e ódio — a integração da agressão num relacionamento amoroso. Mas esses 
conluios inconscientes podem falhar, e a agressão pode ser expressada numa "fixação" inconsciente 
de si mesmo e do parceiro sexual num determinado papel, levando aos típicos cenários que se 
tornam o tema de conflitos conjugais crónicos: a mulher dependente, aderente e faminta de amor e o 
homem narcisista, indiferente e autocentrado; a mulher dominadora, poderosa e controladora que se 
sente frustrada por seuhomem-menino, que quer um homem adulto como seu parceiro, e que está 
tendo dificuldade em perceber a natureza auto-perpetuadora de seu relacionamento. Ou o homem 
"faminto por sexo" que não consegue entender o limitado interesse sexual da mulher; e, é claro, o 
parceiro culpado e o acusador, em todas as suas variações. 
Fixações rígidas de papéis normalmente refletem reencenações de cenários dissociados e 
uma incapacidade de aceitar ou executar as funções de descontinuidade relacionadas à culpa 
edípica ou fixações narcísicas. Poderíamos perguntar se uma simples falta de correspondência 
harmoniosa de encenações inconscientes poderia provocar choques resultantes de expectativas 
contraditórias; um homem tentando ser um pai protetor colide com um mãe competitiva; ou ambos os 
parceiros ficam frustrados porque ambos têm expectativas de dependência. Clinicamente, 
entretanto, a sintonia inconscientemente fina na percepção inconsciente do casal da disposição do 
outro, torna muito claro para eles como serão percebidos pelo outro. O que parece ser um simples 
equívoco é normalmente determinado por necessidades inconscientes. 
A suposição de que os problemas do casal resultam de seu fracasso em comunicar-se toca apenas 
a superfície. Às vezes, a comunicação serve para estabelecer uma agressão mal e mal controlada, o 
que não significa que os esforços para comunicar necessidades e expectativas não sejam úteis. Mas 
quando conflitos inconscientes profundos entram em cena, o processo comunicativo pode ser 
contaminado por eles, e a comunicação aberta pode servir apenas para acentuar os conflitos. 
Uma palavra final sobre os casais diante de valores sociais e convencionais. Dicks (1967) descreveu o 
complexo relacionamento entre as aspirações conscientes do casal, seus valores culturais, e os do 
mundo social circundante. Eu acredito que 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 93 
não há regras "objetivas" sobre quais valores devem determinar o relacionamento de um casal, 
especialmente sua maneira de lidar com os conflitos. A dimensão ideológica de todas as culturas é, 
creio, implicitamente dirigida contra a intimidade do casal. Está na própria natureza da cultura 
convencional tentar controlar a natureza basicamente rebelde e implicitamente associai do casal, como 
é percebido pelo ambiente social convencional. A independência do casal, em relação à 
convencionalidade social pode, conseqúentemente, ser crucial em sua sobrevivência em condições de 
conflito — e a não-convencionalidade do terapeuta do casal, essencial em seu papel com eles. É 
verdade, naturalmente, que quando distorções extremas no restabelecimento de relações objetais 
dissociadas do passado ameaçam a integridade física ou emocional de um ou ambos os parceiros, a 
realidade social comum pode proteger os parceiros de uma deterioração perigosa, que traz inclusive 
risco de vida. Tais condições, entretanto, aplicam-se apenas a uma minoria de casos. Há uma grande 
maioria de casais cujos conflitos inconscientes assumem o mimetismo superficial de gritos de guerra 
ideológicos, com novas complicações em seu relacionamento conforme os padrões convencionais se 
tomamslogans rígidos que reduzem ainda mais sua flexibilidade para lidar com os conflitos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
C a p í t u l o 7 
Funções Superegóicas 
Construtivas e Destrutivas do 
Casal 
Superego: Aspectos Estruturais e Funcionais 
Ao descrever as contribuições feitas pela libido e pela agressão às relações sexuais e 
emocionais do casal, me referi ao papel crucial desempenhado pelo superego. Passemos a 
examinar agora com mais detalhes o papel dessa instância. Vimos como o casal se torna o 
repositário das fantasias e desejos conscientes e inconscientes de ambos os parceiros e de suas 
relações objetais e internalizadas. Também vimos como o casal adquire uma identidade 
própria, além da identidade de cada um dos parceiros. Sugiro que o casal, como entidade, 
também ativa as funções conscientes e inconscientes do superego, de cada um de seus 
membros, resultando na aquisição, com o passar do tempo, de um sistema superegóico pró-
prio do casal, num acréscimo aos superegos individuais que o constituem. 
O efeito deste novo sistema de superego sobre o relacionamento do casal depende da 
maturidade do superego de cada parceiro. Quando domina a patologia de um superego 
primitivo, são reativados precursores sádicos do superego, e que têm o potencial de destruir o 
casal. Um superego maduro, expressado na preocupação pelo parceiro — e pelose//— protege as 
relações objetais do casal, estimula o amor e o comprometimento, mas, uma vez que o superego 
sempre inclui remanescentes de conflitos edípicos, pode também ameaçar a capacidade para o 
amor sexual, inibindo ou proibindo as expressões de sentimentos ternos e sexuais pelo mesmo 
objeto. Portanto, o superego pode reforçar a capacidade para uma paixão sexual duradoura, 
ou pode destruí-la. Schafer (1960) esclareceu os aspectos benignos e hostis do superego para o 
indivíduo;aqui, estou examinando essas mesmas funções para o casal. 
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Psicopatologia das Relações Amorosas 95 
Estabelecer o ideal de ego como uma subestrutura do superego é um pré-requisito básico para 
a capacidade de apaixonar-se. A idealização da pessoa amada reflete a projeção de aspectos do ideal 
de ego da própria pessoa, um ideal que representa a realização sublimatória de desejos edípicos. É 
uma projeção que coincide com o apego a este ideal projetado, o sentimento de que a pessoa amada 
representa a corporificação, na realidade externa, de um ideal desejável, profundamente almejado. A 
este respeito, o relacionamento, na realidade, com a pessoa amada, é idealmente uma experiência de 
transcender as próprias fronteiras psíquicas, uma experiência de êxtase em contraste dialético com o 
mundo comum da realidade cotidiana, e uma experiência que traz um novo significado à vida. O 
amor romântico, portanto, expressa uma profunda necessidade emocional, essencial para explicar a 
razão que leva as pessoas a formarem casais, e não algo simplesmente derivado do romantismo 
como um ideal cultural. 
Conforme Chasseguet-Smirgel (1985) salientou, a projeção do ideal de ego na pessoa amada não 
reduz a própria auto-estima, como Freud (1914) originalmente sugeriu, mas a aumenta, porque as 
aspirações do ideal do ego são dessa forma realizadas. Além disso, o amor retribuído aumenta a 
auto-estima como parte da gratificação de estar apaixonado e ser amado de volta. Nessas condições, 
o auto-amor e o amor objetal se fundem — um aspecto crucial da paixão sexual. O amor não 
correspondido pode ter diferentes consequências, dependendo do equilíbrio psíquico da pessoa. O 
processo de luto poderia, numa pessoa com suficiente flexibilidade, permitir a recuperação da mesma 
sem um trauma maior significativo; mas se o indivíduo está neuroticamente fixado no que era 
originalmente um objeto inacessível e frustrante, ele poderá experimentar uma perda importando da 
auto-estima. Em geral, quanto maior a predisposição do indivíduo para a derrota edípica e a frustração 
pré-edípica (por exemplo, a frustração da dependência oral), maior o sentimento de inferioridade 
relacionado ao amor não-correspondido. 
Estou propondo que o estabelecimento de funções maduras do superego em ambos os parceiros 
se reflete em ambos terem a capacidade de se sentirem responsáveis um pelo outro e pelo casal, de se 
preocuparem por seu relacionamento e de ambos protegerem contra as consequências da inevitável 
ativação da agressão, que resulta da igualmente inevitável ambivalência nos relacionamentos 
íntimos. 
Ao mesmo tempo, ativa-se uma função mais sutil do superego, mas extremamente importante. 
Refiro-me aos aspectos sadios dos ideais do ego de ambos os parceiros, que se combinam para 
criar uma estrutura conjunta de valores. Uma série de valores pré-conscientemente adotados é 
gradualmente delineada, elaborada e modificada através dos anos, e proporciona uma função de 
fronteira para o casal diante do resto do mundo. Em resumo, o casal estabelece seu próprio superego. É 
no contexto dessa série conjunta de valores que o casal pode criativamente contribuir para a solução 
de seus conflitos. Um inesperado gesto de amor, remorso, perdão, humor, podem manter a agressão 
dentro dos limites. A tolerância em relação às deficiências e limitações do outro, assim como de si 
mesmo, são silenciosamente integradas ao relacionamento. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
96 Otto F. Kernberg 
A importância dessa estrutura conjunta de superego está em função implícita como "corte de 
apelação", uma espécie de último recurso quando um dos parceiros infligiu uma grave lesão ao 
sistema de valores estabelecido em conjunto. Uma transgressão real, ou a tentação de transgredir, 
essa fronteira conjunta, alerta o casal para um extraordinário perigo para seu relacionamento, 
constituindo assim um importante sistema de alarme que protege o casal de uma possível dissolução. 
Se um dos parceiros — ou ambos — tiver um superego menos maduro, menos firme, a 
projeção de aspectos reprimidos do superego infantil pode deixar o outro parceiro particularmente 
suscetível às críticas de um ou de outro. Uma série de projeções de um superego primitivo reforça 
ilogicamente qualquer crítica obje-tiva que possa estar vindo do parceiro. Ter um superego maduro 
permite que o parceiro criticado se rebele, supere o ataque e ajude a manter o equilíbrio do casal. 
Mas uma severa patologia do superego em qualquer um dos parceiros pode resultar no 
emprego da identificação projetiva, em vez da simples projeção, tornando mais difícil se opor contra 
essa defesa. A consequência pode ser a destruição do equilíbrio do casal, na medida em que 
introjeções de um superego sádico assumem o controle do relacionamento. 
No desenvolvimento normal, os precursores pré-edípicos do superego (caracterizados por 
idealização primitiva e fantasias persecutórias) são gradualmente reduzidos e neutralizados, o que, por 
sua vez, facilita a internalização dos aspectos idealizados e proibidores do superego edípico mais 
maduro. A integração dos níveis pré-edípicos e edípicos da formação do superego facilita, então, a 
consolidação do superego pós-edípico, com sua abstração, individuação e despersonificação 
características (Jacobson, 1964). 
Um dos afetos complexos que se desenvolvem em consequência desses processos é a gratidão. 
A gratidão é também uma das maneiras pelas quais o amor se desenvolve e se perpetua. A capacidade 
de gratidão, para a qual contribuem o ego e o superego, é básica para a reciprocidade nos 
relacionamentos humanos; ela se origina no prazer do bebé com o reaparecimento, na realidade 
externa, da imagem da mãe ou cuidador gratificantes (Klein, 1957). A capacidade de tolerar a 
ambivalência, que marca a mudança da fase de aproximação da separação-individuação para a 
fase da constância do objeto, também é marcada por um aumento na capacidade de gratidão. A 
conquista da constância de objeto também aumenta a capacidade para sentir culpa pelas próprias 
agressões. A culpa, conforme Klein (1957) salientou, reforça a gratidão (embora não seja a sua 
origem). 
A culpa também aumenta a idealização. A idealização mais primitiva é a da mãe, na fase 
simbiótica do desenvolvimento, que evolui para a idealização da mãe da fase de separação-
individuação. A integração do superego, que promove o desenvolvimento da capacidade para a 
culpa inconsciente, também estimula o desenvolvimento da idealização tanto como uma formação 
reativa contra esta culpa quanto uma expressão direta da mesma culpa. Esta idealização, estimulada 
pelo superego, age como um poderoso reforço para a gratidão como um componente do amor. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 97 
A capacidade do casal para idealizar um ao outro, está expressada, mais intensamente, na 
capacidade para sentir gratidão pelo amor recebido e a correspondente intensificação do desejo de 
retribuir amor em troca. A experiência do orgasmo do outro como uma expressão do amor recebido, 
assim como a capacidade de retribuir com amor, contém a garantia de que o amor e a reciprocidade 
prevalecerão sobre a inveja e o ressentimento. 
Paradoxalmente, entretanto, a capacidade de gratidão resultante da idealização, é oposta 
a certas características avançadas do ideal de ego do estágio edípico de desenvolvimento, em que o 
relacionamento idealizado com os pais edípicos deriva da renúncia ao erotismo infantil perverso 
polimorfo e aos aspectos genitais eróticos da relação. 
Conforme Dicks (1967) enfatizou, a idealização mútua inicial do casal recentemente formado, e 
suas expectativas conscientes de um relacionamento amoroso sustentado, maiscedo ou mais tarde 
entram em conflito com o ressurgimento de antigas relações objetais internalizadas, conflitadas, 
reprimidas e dissociadas. Os conflitos edípicos e as correspondentes proibições do superego 
provocarão, na maioria dos casos, um gradual colapso dessas idealizações iniciais enquanto se dá a 
renovação da tarefa adolescente de integrar o erotismo e a ternura. Esses conflitos, frequentemente 
envolvendo testes para a estabilidade do casal, podem não apenas produzir descobertas dolorosas 
para ambos os participantes, mas também criar seus próprios processos curativos, como o caso 
seguinte ilustra. 
Um paciente tinha o que considerava um relacionamento sexual satisfatório com seu namorado, 
antes do casamento. Depois de casados, sua vida sexual se deteriorou. Queixava-se que o marido 
não lhe dava atenção suficiente e que parecia exclusivamente interessado na natureza sexual do 
relacionamento, sem ternura suficiente. 
Ela não tinha nenhuma tolerância para com as descontinuidades comuns em qualquer 
relacionamento íntimo duradouro, assim como não tinha consciência de que sua tendência a culpar o 
marido, e ver a si mesma como uma vítima impotente, estava envenenando seu relacionamento. Sentia 
que o amava e não percebia que seu comportamento infantilmente "grudado", e provocador de 
culpa, repetia aspectos do relacionamento de sua mãe com seu pai, e de seu próprio relacionamento 
com o pai durante o início da adolescência. 
Quando mais tarde encontrou um homem que fora seu namorado no início da adolescência, e a 
quem ela idealizara naqueles anos todos, iniciou num caso com ele, sexualmente muito satisfatório. 
Surpreendeu-se por sentir-se, com o amante, inteiramente satisfeita como mulher e com maior senso 
de segurança e auto-esti-ma. Ao mesmo tempo, sentiu renovar o amor que nutria pelo marido, o que fez 
com que ficasse culpada pelo caso extraconjugal e passasse a apreciar mais os aspectos positivos de 
sua vida de casada. Depois de um certo tempo, descobriu que os aspectos emocionais do 
relacionamento com o marido eram muito mais satisfatórios do que com o amante, enquanto, por outro 
lado, experienciava uma plena gratificação sexual com o amante, que imaginava que seu marido não 
conseguiria pró- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
98 Oito F. Kernberg 
porcionar-lhe. Este conflito levou-a ao tratamento psicanalítico, e à gradual consciência de sua 
incapacidade inconsciente de experimentar, plenamente, um relacionamento emocional e sexual 
satisfatório com o mesmo homem. 
A externalização crónica de um superego infantil, e a busca de um relacionamento 
inabalavelmente amoroso com o objeto parental que essa estrutura de superego personifica, 
podem restringir severamente a vida do indivíduo e a vida amorosa do casal, apesar da ausência de 
conflito manifesto. Normalmente, no entanto, essa aparente estabilidade e harmonia manifestas são 
obtidas à custa de certo grau de restrição na vida social do casal, pois outros relacionamentos poten-
cialmente ameaçadores — ou que possam promover confrontos corretivos—precisam ser 
cuidadosamente evitados, especialmente a consciência da possibilidade de relacionamentos mais 
satisfatórios. A identificação de um dos parceiros com o agressor (expressada na identificação com o 
superego do outro), pode resultar na aliança sadomasoquista do casal contra o mundo externo, 
pode, por outro lado, também e gratificar a necessidade do casal ter um conjunto de valores 
compartilhado, ao projetar no ambiente, conjuntamente, a rebelião interna contra o superego infantil. 
Os casais que conjuntamente se comportam como vítimas ofendidas e humilhadas de terceiras 
pessoas, podem, portanto, manter um relacionamento neurótico, mas estável, que talvez inclua 
também muitos aspectos sadios de mútua preocupação e responsabilidade. 
No extremo oposto, valores compartilhados podem ser ao casal a força e resistência necessárias 
para sobreviver num ambiente hostil — por exemplo, numa sociedade totalitária —, em que a 
desonestidade culturalmente sancionada nos relacionamentos sociais comuns, deve ser tolerada e 
filtrada pela silenciosa rebelião secreta do casal contra a opressão e corrupção de seu ambiente. 
Conforme já sugeri, a própria natureza da intimidade sexual do casal implica em certa rebelião 
compartilhada contra a convencionalidade, e é uma fonte de constante gratificação em seu 
relacionamento. 
A luta contra o superego infantil precisa de ajuda para consolidar o relacionamento do casal—
libertando-o da aceitação impensada de ideologias e estereótipos sexuais convencionais, tipicamente 
representados pelos clichés culturais de "homens sujos", "homens indiferentes", "mulheres 
sexualmente passivas". Outra tarefa que o casal precisa enfrentar, é tomar consciência da tendência 
humana de projetar remanescentes do próprio superego infantil no parceiro sexual. A 
tranqúilização implícita do parceiro contra esses medos fantasiados, pode ter funções curativas: "Não, 
não acho que você seja um garotinho tímido que eu não possa levar a sério sexualmente." "Não, não 
vou te considerar uma mulher sem valor depois de fazer os sexo." "Não, teu comportamento 
agressivo não provocará eterna punição, desvalorização, ressentimento ou meu eterno rancor." Ainda 
outra tarefa relacionada, é enfrentar o perigo de que as funções do superego primitivo de um dos 
parceiros, imponham um simbólico reino do terror para ambos. Entramos aqui no domínio da 
psicopatologia da formação do superego sádico, em um ou em ambos os parceiros, levando a 
relacionamentos sadomasoquistas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 99 
Mais outra tarefa é a de integrar as expectativas conscientes em relação a uma vida a dois, com as 
aspirações, exigências e proibições do meio cultural. Os conflitos produzidos por diferenças nos 
meios religiosos, étnicos ou económicos, e as divergências de opinião política e ideológica, podem 
desempenhar um importante papel para garantir ou interferir no relacionamento do casal com seu 
ambiente social. 
Um casal pode proteger-se contra conflitos potenciais entre o ambiente cultural atual e os antigos 
valores intemalizados, através do isolamento social. Entretanto, de modo típico, depois do 
nascimento dos filhos, o isolamento do casal fica ameaçado e o desafio de integrar os próprios 
valores com os do ambiente pode tornar-se urgente e inevitável. 
No lado positivo da projeção de funções do superego no parceiro está o uso do parceiro como 
um conselheiro e protetor, consolo contra ataques externos e fonte de tranqúilização quanto ao 
próprio valor. A maneira pela qual um dos parceiros idealiza o outro tem seus significados: um homem 
que casa com uma mulher porque a admiração dela alimentou a auto-estima dele, não pode mais 
tarde depender da admiração dela, se vier a desvalorizá-la. Assim, a utilização inicial de um reforço 
por parte do outro pode ter um efeito contrário, por produzir um sentimento de solidão numa pessoa 
incapaz de idealizar o parceiro. 
Embora a frequente dissociação entre o amor terno e o erótico constitua a dinâmica 
subjacente de muitos relacionamento triangulares duradouros, também o é a busca de um 
relacionamento que compense frustrações importantes. Alguns casos extraconjugais têm, como 
função maior, proteger o relacionamento conjugal de um aspecto desse relacionamento que é 
inconscientemente temido: o casamento se consolida, assim, através da redução do nível da temida 
intimidade. Sentir uma culpa inconsciente, pela natureza gratificante e realizadora de um 
relacionamento amoroso, particularmente o casamento, pode representar os efeitos da patologia do 
superego de um dos parceiros (ou de ambos). 
Outra triangulação crónica, determinada pelo superego, pode refletir a intolerância em um ou 
ambosos parceiros pela ambivalência normal das relações amorosas e, assim, pela expressão direta 
de qualquer agressão. Por exemplo, um ou ambos, podem ter um sentimento idealizado (mas 
emocionalmente ingénuo) de uma perfeita relação amorosa com um parceiro com quem o sexo e a 
ternura se combinam e, simultaneamente, manter um outro relacionamento duradouro que também 
combine sexo e ternura: a agressão subjacente estará sendo expressada apenas indiretamente, na 
satisfação inconsciente das implicações agressivas de estar traindo a ambos os parceiros. 
Essas dinâmicas, particularmente os mecanismos dissociativos envolvidos, podem ser uma 
defesa contra características sádicas do superego no relacionamento do casal, que se observam quando 
um dos relacionamentos paralelos é desfeito. Surge um medo desproporcional de que a pessoa com 
quem o indivíduo realmente está comprometido jamais perdoará ou esquecerá a infidelidade passada 
— tornando-se assim um superego cruel, rancoroso—o que pode se combinar, realmen- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
100 Otto F. Kernberg 
te, com o parceiro cumprindo este papel rancoroso e eternamente ressentido. Embora a lesão 
narcisista de sentir-se abandonado e traído seja um aspecto obviamente importante desse 
comportamento rancoroso, estou pensando também na proje-ção correspondente no parceiro e/ou 
na identificação com um superego implacável, por parte do parceiro "traído". 
A capacidade de perdoar aos outros é normalmente sinal de um superego maduro, que se 
origina da capacidade de reconhecer a agressão e a ambivalência em si mesmo, e da capacidade de 
aceitar a ambivalência inevitável nas relações íntimas. A autêntica capacidade de perdoar é 
expressão de um senso maduro de moralidade, de uma aceitação da dor que vem da perda das 
ilusões sobre si mesmo e sobre o outro, da fé na possibilidade da recuperação da confiança, da 
possibilidade de que o amor seja recriado e mantido vivo, apesar e além de seus componentes 
agressivos. A disposição de perdoar baseada na ingenuidade ou na grandiosidade narcísica, todavia, 
tem muito menos valor para reconstruir a vida de um casal que se supõe tenha como base uma nova 
consolidação da preocupação compartilhada um pelo outro, e por sua vida conjunta. 
As fantasias sobre a morte do parceiro e a própria morte são tão comuns que dizem muito 
sobre ostatus do casal. Quando ocorre uma doença grave, ou ameaça à vida, talvez seja mais fácil 
tolerar a perspectiva da própria morte do que da do parceiro: inconscientemente, a fantasia 
essencial de ser preservado se refere à sobrevivência da mãe. Kãthe Kollwitz simboliza a morte na 
sua escultura da jovem Kollwitz adormecendo nos braços de Deus — uma expressão de uma fonte 
básica de ansiedade e segurança. A perda fundamental da mãe, o protótipo do abandono e da 
solidão, é a ameaça básica contra a qual a sobrevivência do outro é uma pro-teção; esta 
preocupação aumenta o amor pelo outro e o desejo inconsciente da imortalidade do outro. 
Tal preocupação básica é complementada pela assustadora perspectiva da própria morte 
fantasiada como sendo o triunfo final do outro excluído: o perigo de ser substituído pelo rival edípico: 
"Até que a morte nos separe" é vivenciado como uma ameaça básica, uma cruel brincadeira do 
destino: simbolicamente, a castração. Essa confiança básica no amor do parceiro, e no próprio amor 
pelo parceiro, reduz significativamente o medo de um terceiro excluído e ajuda a lidar com a 
ansiedade relativa à própria morte. 
Um importante aspecto da reencenação de conflitos do superego no relacionamento do casal 
pode ser o desenvolvimento da disposição de enganar. Enganar pode servir como proteção contra 
uma agressão real ou fantasiada por parte do outro, ou pode servir para esconder, ou manter sob 
controle, a própria agressão contra o outro. Enganar é, em si mesmo, sem dúvida, uma forma de 
agressão. Isto pode se desenvolver como uma relação a ataques temidos, vindos do outro, que por 
sua vez podem ser uma estimativa realista ou refletir uma projeção do próprio superego. A 
declaração de um marido "Eu não posso contar isso à minha mulher. Ela jamais aceitaria", pode ser 
verdade e refletir o superego infantil da esposa, ou derivar do fato de ele projetar nele seu próprio 
superego infantil. Ou ambos podem 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 101 
estar aprisionados por uma estrutura de superego conjunto: o casal pode 
às vezes sucumbir ao conlui autodestrutivo derivado da submissão conjunta 
a um superego sádico compartilhado. A disposição de enganar também 
pode servir para proteger o outro de uma lesão narcisista, ciúme ou 
desapontamento. Por outro lado, uma "absoluta honestidade" é às vezes 
simplesmente uma agressão racionalizada. A ambivalência, normalmente 
sob controle nas interações sociais, pode escapar ao controle nas relações 
íntimas: a inflexão da voz, ou uma mudança na expressão facial, têm o 
potencial de escalar rapidamente num sério conflito, mesmo quando o 
estímulo original foi relativamente inócuo. Muitas vezes, o casal não está 
plenamente consciente de quão bem se conhece, de quão bem um pode 
"ler" o outro. 
De fato, a comunicação afetiva aumenta o perigo de mútuas 
projeções superegóicas de expressões descontroladas, ou incontroláveis, 
dos aspectos negativos da ambivalência normal. A própria "intrusão" na 
experiência psíquica do outro, alimentada pela capacidade de ambos de 
"ler" os sentimentos não-expres-sos do outro, acelera a transformação dos 
medos paranóides na disposição defensiva de enganar. No melhor dos 
casos, a disposição de enganar pode ser percebida pelo outro como um 
discreto grau de artificialidade que aumenta a distância. No pior dos 
casos, pode ser sentida como um ataque disfarçado, o que desencadeia 
novas reações paranóides no parceiro. Embora o engano pretenda proteger 
o relacionamento do casal, ele pode piorá-lo. Mesmo nos relacionamentos 
bem-sucedí-dos, há ciclos que poderiam ser chamados de 
comportamentos enganadores, paranóides (ou mutuamente 
desconfiados), e comportamentos depressivos, determinados pela culpa, 
que expressam e ao mesmo tempo defendem contra a comunicação afetiva 
direta. A disposição de enganar pode ser uma defesa contra medos 
paranóides subjacentes, e o comportamento paranóide pode, por sua vez, 
ser uma defesa contra características depressivas mais profundas: mas a 
auto-acusação também pode ser uma defesa contra tendências 
paranóides, uma formação reativa contra acusar o outro. 
Patologia do Superego relativamente Moderada 
Nos tipos mais moderados de patologia do superego, quando o 
relacionamento do casal é mantido, mas o superego conjuntamente 
estabelecido é muito restritivo, o casal também se torna mais suscetível 
às exigências e proibições limitadoras da cultura circundante, 
particularmente aos aspectos convencionais dessa cultura. Na medida em 
que a convencionalidade reflete remanescentes culturalmente 
compartilhados do superego da latência, esta é outra maneira pela qual o 
fracasso das funções do superego maduro provoca uma regressão a 
exigências e proibições de um superego restritivo infantil. 
O caso seguinte ilustra o problema produzido por um superego bem-
integra-do, mas excessivamente severo, de ambos os parceiros, 
compartilhado pelos dois, ou inconscientemente imposto por um deles ao 
relacionamento do casal. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
102 Otto F. Kernberg 
 
Um casal consultou-me em virtude de crescentes dificuldades interpessoal; e sexuais. Ela 
estava no início da casa dos 30, e, conforme ambos descreveram, era uma dona-de-casa dedicada, 
eficiente, que cuidava amorosamente de seus dois filhos homens, com 3 e 5 anos de idade. Ele, no 
final da casa dos 30, foi descrito por ambos como um homemtrabalhador e responsável, que 
conseguira, em poucos anos, chegar a uma posição importante em seu negócio. Pertenciam a uma 
comunidade suburbana católica, de classe média, e ambos faziam parte de grandes famílias de origem 
latino-amerícana. A razão para a consulta foi a crescente insatisfaça; dela com o que sentia como 
distanciamento, indisponibilidade emocional e negligência por parte do marido; e o que ele sentia 
como uma atitude cada vez mair intolerante, resmungona e repreensiva da esposa e que o estava 
afastando de casa Eles aceitaram minha proposta de uma combinação de entrevistas diagnosticai 
separadas, para cada um, intercaladas com uma série de entrevistas diagnosticas conjuntas. Meu 
objetivo era o de avaliar o conflito conjugal e decidir um possíve_ tratamento individual para um ou 
ambos, ou para o casal em conjunto. 
A avaliação individual da esposa evidenciou um diagnóstico de significativc transtorno de 
personalidade, com predominância de características histéricas e masoquistas, mas funcionando 
num nível neurótico de organização de personalidade. Suas principais dificuldades pareciam ser o 
ajustamento sexual ao casamento. Ela tinha desejo de intimidade sexual, mas uma capacidade para 
apenas míru-ma excitação sexual, que desaparecia momentos após a penetração. Odiava o que 
sentia como um excessivo interesse e "crueza" sexual do marido e parecia ressentir-se do fracasso 
dele em reproduzir o relacionamento cálido que tivera com seu pai forte e idealizado. Também se 
odiava por começar a soar como sua mãe submissa, resmungona e provocadora de culpa. 
Descreveu a atitude puritana de ambos os pais em relação a sexo, e manifestou intensas defensas 
repressivas, tais come bloquear todas as lembranças da primeira infância. Queixou-se amargamente 
da mudança em seu marido, cujo comportamento alegre, amistoso e cortês durante o namoro, fora 
substituído por mau-humor e retraimento. 
As entrevistas individuais com o marido também forneceram evidências de um significativo 
transtorno de personalidade, com predomínio de características obsessivo-compulsivas. 
Apresentava também uma identidade de ego bem integrada, capacidade para relações objetais 
profundas e sintomas de uma depressão neurótica moderada, persistente. Seu pai fora um homem de 
negócios que admirara na primeira infância por sua força e poder, mas com quem se desapontara 
cada vez mais na adolescência, à medida que reconhecera seu comportamento autoritário em relação 
à esposa e aos filhos. O paciente tinha duas irmãs mais velhas, e sua curiosidade infantil sobre a 
sexualidade fora severamente reprimida por ambos os pais, particularmente por sua mãe, uma 
mulher aparentemente submissa mas cujo controle manipulativo sobre o pai era muito evidente 
para o paciente. 
Durante a adolescência, ele se envolveu, desafiadoramente, com mulheres de um status sócio-
econômico mais baixo, e grupos culturais diferentes. Teve vários casos amorosos apaixonados 
durante a idade adulta jovem, que terminaram quan- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 103 
do, para grande alegria de seus pais e familiares, ele casou com uma jovem de seu próprio meio 
cultural e religioso. A conduta um tanto tímida e acanhada de sua esposa, a semelhança de 
background, sua relutância em começar um relacionamento sexual com ele antes do casamento, tudo 
isso o atraíra. Uma vez casados, sua falta de responsividade sexual, que ele a princípio descartou 
como decorrente de sua falta de experiência, tornou-se uma crescente fonte de insatisfação. Ao 
mesmo tempo, acusava-se por sua incapacidade de gratificá-la sexualmente, sentindo-se cada vez 
mais inseguro para aproximar-se dela, e finalmente reduzindo suas investidas sexuais de modo que, 
no momento da consulta, estavam tendo relações sexuais apenas a uma ou duas vezes por mês. 
Também se sentia cada vez mais deprimido, conscientemente culpado por não estar mais 
disponível para sua mulher e filhos, mas aliviado quando se afastava de casa e submergia no 
trabalho. Insistia em que amava a esposa, e que, se ela fosse menos crítica com ele e se suas 
relações sexuais fossem melhores, os outros problemas desapareceriam. O fato de ambos terem 
tantos interesses e aspirações em comum lhe parecia importante. E salientou, realmente amava a 
maneira pela qual ela cuidava dos filhos, da casa e da vida cotidiana. 
Ela, por sua vez, declarou convicções semelhantes em suas entrevistas individuais: amava o 
marido, estava desapontada com sua distância e retraimento, mas esperava que o 
relacionamento pudesse voltar ao que fora antes. O único problema era o sexual. O sexo era um 
dever que ela estava disposta a cumprir, mas responder-lhe de maneira que ele desejava dependia, 
tinha certeza, de ele adotar uma abordagem mais gentil e mais paciente. 
Nas entrevistas conjuntas que realizei em paralelo às sessões individuais, durante várias 
semanas, ficou claro que eles realmente compartilhavam suposições e aspirações referentes à sua 
vida em comum, a valores culturais e a expectativas conscientes sobre seus respectivos papéis no 
casamento. A principal dificuldade de fato parecia estar na área sexual. Eu me perguntava em que 
extensão a depressão dele poderia ser secundária à sua culpa inconsciente por não ter conseguido 
satisfazer as expectativas de ambos como um homem forte e bem-sucedido; e me questionava se a 
inibição sexual dela poderia refletir uma culpa inconsciente por conflitos edípicos não-resolvidos, 
reforçada pela incapacidade do marido em ajudá-la a superar essas inibições. 
Ambos, eu pensava, estavam lutando com questões edípicas em suas relações objetais 
inconscientemente ativadas. Ele inconscientemente a percebia como a reencarnação da mãe 
controladora e manipuladora, que desaprovava seu comportamento sexual; e, contra a própria 
vontade, estava restabelecendo uma identificação com o pai fracassado de sua adolescência. Ela, ao 
inconscientemente reduzi-lo ao papel de um marido sexualmente falho, estava evitando um 
relacionamento sexual com um pai forte, cálido e dominador, que teria despertado culpa edípica. E, 
contra a sua vontade, estava repetindo os comportamentos frustrados, provocadores de culpa e 
controladores da mãe. Conscientemente, ambos tentavam agarrar-se a seus ideais comuns da 
esposa afetuosa e generosa, e do marido forte e 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
104 Oito F. Kernberg 
 
 
protetor, e ambos, num conluio inconsciente, estavam evitando perceber os sentimentos 
agressivos inconscientemente presentes em seu relacionamento. 
Ao investigar a extensão em que eles seriam capazes de reconhecer este conluio inconsciente, 
descobri que ambos estavam muito relutantes em explorar melhor sua dificuldade sexual. Ela 
criticava muito minhas tentativas de tratar aspectos íntimos das relações sexuais no que ela 
chamava de uma maneira "pública e mecânica", e ele concordava que, dada à relutância dela e à 
aceitação dele dessa situação, ele não queria "inflamar artificialmente" seus conflitos sexuais. 
Eram tão hábeis e mutuamente apoiadores no minimizar a importância de suas dificuldades 
sexuais que tive de retornar às minhas anotações sobre as entrevistas individuais, para me 
reassegurar do que eles me haviam dito a respeito de suas dificuldades sexuais. 
Ao reafirmar sua imagem conscientemente mantida de um relacionamento ideal, eles 
estabeleceram o que poderia ser chamado de um superego conjunto, colocando-me no papel de 
um demónio tentador. Ambos expressaram não mais que o desejo de que eu apenas lhes desse 
recomendações e regras de como deveriam tratar um ao outro para reduzir suas tensões e mútuas 
recriminações e esperavam, assim, resolver suas dificuldades. 
Nas sessões individuais que se seguiram a essas entrevistas conjuntas, aconteceu um novo 
desenvolvimento.Ele deixou muito claro que não acreditava que sua mulher quisesse continuar 
as entrevistas diagnosticas, e que, de fato, ela achava que eu estava contra ela e era mais uma 
ameaça do que uma ajuda para o casamento. Ao mesmo tempo, continuou ele, seria aceitável 
para ela se ele continuasse me vendo, para que eu pudesse tentar melhorar seu comportamento 
em relação a ela. Disse que se eu realmente acreditasse que ele precisava de tratamento, ele estaria 
disposto a fazer um tratamento sozinho. Perguntei qual seria o obje-tivo desse tratamento 
individual, em contraste com o trabalho conjunto para "resolver" seu relacionamento conjugal; 
disse que o objetivo seria tratar sua depressão e sua indiferença às relações sexuais, que era tão 
diferente de seu comportamento antes do casamento, além da sua incapacidade de relacionar-se 
com esposa. 
Encontros individuais com ela confirmaram sua desconfiança e ressentimento em relação às 
entrevistas conjuntas. Sentia que, como homem, eu tendia a ficar do lado do seu marido, e que 
exagerava a importância dos aspectos sexuais de seu relacionamento. Disse que se ele precisasse 
de tratamento, isso estava bem para ela, mas que não estava mais disposta a continuar as 
entrevistas conjuntas. 
Finalmente resolvi recomendar tratamento individual para ambos; aceitei sua decisão de 
não continuar as entrevistas conjuntas, e, em entrevistas individuais com ela, sugeri que avaliasse 
com um outro terapeuta, sozinha, se suas reconhecidas dificuldades sexuais poderiam ter fontes 
mais profundas e se ela poderia beneficiar-se de um tratamento adicional. Com certa relutância, 
ela começou uma psicoterapia psicanalítica com uma mulher, que, entretanto, suspendeu depois 
de alguns meses, achando que não era nem útil nem necessário. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 105 
O marido fez um tratamento psícanalítico comigo nos seis anos seguintes. No curso dessa 
análise, a natureza dos conflitos com a esposa/ os motivos de escolhê-la como parceira, a dinâmica 
de sua depressão e inibição sexual foram esclarecidos e elaborados. Nos estágios iniciais da 
análise, ele insistia repetidamente em que, independentemente de qualquer outro resultado, 
jamais iria querer divorciar-se da esposa: sua convicção religiosa e seu background impediam um 
passo desses. A investigação psicanalítica revelou como, por trás dessa declaração, estava proje-
tando em mim seu comportamento adolescente e rebelde em relação a ambos os pais, 
particularmente as proibições dopai de qualquer relacionamento commuíhe-res fora de sua 
comunidade cultural e religiosa. Eu, e a psicanálise em geral, representávamos uma ideologia anti-
religiosa, e ele estava em guarda contra isso. 
Mais tarde, na medida em que conseguiu reconhecer este aspecto projetado de sua 
personalidade, percebeu a moralidade dicotomizada, de "virgem-prostitu-ta", de sua adolescência, 
e como ele identificava a noiva com a mulher latina católica idealizada que o lembrava de sua mãe. 
Sua inibição sexual refletia a reativação deprofunda culpa pelo interesse sexual em suas irmãs, e a 
percepção de sua esposa como uma mãe ideal, desapontada e desgostosa. Num estágio mais 
avançado da análise, a culpa inconsciente pela agressão relacionada a frustrações anteriores com a 
mãe, a raiva inconsciente por sentir que ela o negligenciava, e a culpa por uma doença séria e 
com risco de vida que mãe tivera quando ele era pequeno (e pela qual se sentira 
inconscientemente responsável), emergiram como temas maiores. Além disso, relacionada à 
inibição de seus esforços competitivos no trabalho, a culpa inconsciente pelo sucesso nos 
negócios que eleja obtivera emergiu como um novo elemento. Sentia que um mau casamento era 
um preço justo a pagar por seu sucesso nos negócios, que inconscientemente representava um 
triunfo sobre seu pai. 
Estas múltiplas camadas de conflitos relacionados à culpa inconsciente haviam sido 
expressadas em sua depressão, que foi gradualmente desaparecendo nos primeiros dois anos de 
tratamento. Num estágio avançado de sua análise, a atua-ção de sua rebelião edípica, na forma de 
um caso extraconjugal com uma mulher altamente insatisfatória, iluminou ainda mais seu 
profundo medo de combinar um relacionamento terno e erótico com a mesma mulher. No quinto 
ano da análise, desenvolveu um relacionamento com outra mulher. Esta mulher era eroticamente 
responsiva e gratificante em termos culturais, intelectuais e sociais. Quando estava num estágio 
inicial desse relacionamento, contou à mulher acerca da relação, atu-ando tanto uma agressão 
retaliadora contra a mãe frustrante, como também um esforço inconsciente de dar à esposa, e a si 
mesmo, mais uma chance de melhorar seu relacionamento. Ela reagiu com muita raiva e 
indignação, apresentando-se à família como a vítima inocente da agressão dele, envenenando 
assim, ainda mais, o relacionamento, e acelerando o seu fim. O paciente divorciou-se da esposa 
e casou com essa mulher, um passo que também assinalou a resolução de sua inibição sexual. Uma 
significativa melhora de seus traços de personalidade obsessivo- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
106 Otto F. Kernberg 
compulsivos coincidiu com essas mudanças. No final da análise, suas dificuldades 
maiores haviam sido resolvidas. Um seguimento após cinco anos confirmou a es-
tabilidade dessa melhora e sua felicidade no novo casamento. 
Temos aqui vários aspectos de patologia do superego: o mútuo reforço de 
uma rígida idealização da expectativa consciente do casamento e dos papéis conju-
gais, provocou a confluência da identificação do casal com os valores culturais e 
com a ideologia de um grupo social específico; seu ideal de ego mutuamente pro-
jetado e rigidamente adotado, proporcionou estabilidade com o sacrifício de suas 
necessidades sexuais. A inconsciente projeção mútua de proibições contra a sexua-
lidade edípica e a integração dos sentimentos eróticos e ternos, facilitou a ativação 
inconsciente de seus correspondentes relacionamento edípicos; suas interações atu-
ais mostravam uma crescente semelhança com seus relacionamentos passados com 
as figuras edípicas. 
No lado positivo, seu senso de responsabilidade e preocupação trouxe-os a 
tratamento, mas os sentimentos de culpa subjacentes e seu conluio em manter a 
idealização das visões de casamento conscientemente adotadas os impediu, como 
casal, de acompanhar essa preocupação com a aceitação da oportunidade de mu-
dar seu presente equilíbrio. Ele provou ser o mais flexível, mas o próprio fato de 
seu tratamento criou um desequilíbrio no relacionamento do casal que levou à sua 
gradual destruição. 
 
Patologia Severa do Superego 
Passando agora do efeito sobre o casal de um superego normal ou com uma patologia relativamente moderada, 
para o impacto de uma patologia severa do superego sobre a vida amorosa do casal, poderíamos começar dizendo 
que quanto maior a patologia, maiores as restrições que o casal coloca sobre o que os parceiros acham tolerável. Uma 
severa patologia do superego também é responsável por rígidas racionalizações da identificação com um superego 
primitivo por parte de um ou ambos os parceiros, por "colecionar injustiças", por traições e vinganças assumidas, e 
um afastamento hostil. 
Além disso, uma severa patologia das funções do superego conduz a um comportamento indiferentemente 
negligente e francamente hostil, que expressa níveis primitivos de agressão, a qual começa a dominar e amiúde 
destrói o casal. Paradoxalmente, nos primeiros estágios da ativação dessa severa patologia do superego, a vida 
sexual do casal pode florescer, por causa da negação das proibições edípicas inconscientes ou da expiação da culpa 
inconsciente pelo sofrimento do casal. Uma interação sexual aparentemente livre e prazerosa pode obscurecer adeterioração do relacionamento emocional. 
Quando a patologia do superego é severa, precursores do superego, ao mesmo tempo idealizados e 
persecutórios, limitam contra a integração do superego e facilitam a excessiva reprojeção de núcleos do superego no 
parceiro, o que permite 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 107 
que um, ou ambos, tolerem em si mesmos uma contínua reencenação de padrões contraditórios de caráter. Um dos 
parceiros acusa, critica e deprecia o outro e, através da identificação projetiva, inconscientemente induz esses 
comportamentos no outro. Essas projeções podem refletir-se num distanciamento emocional defensivo entre os 
parceiros, que evolui num período de meses ou anos. Às vezes, o casal pode simplesmente "congelar-se" numa posição 
de distanciamento, que se reforça com o passar do tempo e conduz à eventual destruição ou colapso do relaciona-
mento amoroso. Outras vezes, esse distanciamento permite a preservação da intimidade do casal em algumas áreas. 
Esse distanciamento crónico, mas controlado, interfere na intimidade do casal e em suas estabilizadoras 
descontinuidades comuns. Desenvolvimentos secundários podem incluir uma racionalização reativa do 
comportamento agressivo de cada parceiro contra o outro. Frustrações mutuamente induzidas e sustentadas podem 
então tornar-se uma racionalização para comportamentos que aumentam ainda mais a frustração e o 
distanciamento, por exemplo, envolvimento num caso extraconjugal. 
A expressão mais frequente de projeção do superego, todavia, é um dos parceiros vivenciar o outro como um 
perseguidor implacável, uma autoridade moral que tem um prazer sádico em fazer o outro se sentir culpado e oprimido; e 
o segundo parceiro vivência o primeiro como não-confiável, enganador, irresponsável e desleal, tentando "safar-se 
impunemente". Esses papéis são muitas vezes intercambiáveis. Em consequência de mútuas identificações 
projetivas, os parceiros podem ser altamente eficientes em reforçar ou mesmo induzir as exatas características que 
temem no outro. Os relacionamentos sadomasoquistas persistentes, sem intervenções de "terceiros excluídos", são 
provavelmente as manifestações mais frequentes de patologia severa do superego. Os relacionamentos podem ini-
cialmente permitir relações sexuais satisfatórias, mas com o passar do tempo as interações sadomasoquistas afetam 
também o funcionamento sexual do casal. 
Um casal consultou em virtude de constantes alterações violentas. Ele apresentava um transtorno de 
personalidade misto, com características obsessivas, infantis e narcísicas; ela tinha uma personalidade 
predominantemente infantil, com características histéricas e paranóides. Os sentimentos de insegurança dele no tra-
balho, de não ser capaz de satisfazer suas próprias expectativas de ser tão forte quanto o pai, refletiam-se no seu 
comportamento com a mulher. Comumente atencioso, um tanto submisso a ela, ele precisava lutar com medos de 
aproximar-se sexualmente da esposa. A rejeição dela à sexualidade, a menos que ele a abordasse de certas maneiras 
limitadas, estabelecidas por ela, havia gradualmente restringido seus contatos sexuais e contribuído muito para a sua 
ocasional impotência com ela. 
Um apaixonado caso amoroso com uma colega do escritório havia temporariamente proporcionado a ele 
sentimentos de bravura e realização sexual, mas fingidos por intensos sentimentos de culpa em relação à esposa (a 
quem ele agora começara a ver como uma mãe dominadora, enganadora, provocadora de culpa e sádica). A mãe 
alternava subserviência com violentos ataques de raiva dirigidos ao 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
108 Otto F. Kernberg 
pai. O paciente começou então a alternar seu comportamento entre uma submissão culpada e gestos conciliatórios, com 
periódicos episódios de ataques de raiva súbitos e infantis (quando gritava e quebrava pratos, com sua mãe fizera) 
quando tentava, de maneira desajeitada e derrotista, emular o pai. 
A esposa então sentia que ele a havia maltratado e abusado, uma repetição de sua experiência de ter sido 
fisicamente abusada pelo pai. Tentando evitar o que sentira em sua infância como o humilhante comportamento de 
uma mãe submissa, ela passou a protestar violentamente, envolvendo os vizinhos e familiares como testemunhas, e, 
acima de tudo, sua própria mãe. 
Numa tentativa inconsciente de provocar o marido a novas violências, depreciava seu desempenho sexual e 
envolvia os dois filhos (em idade escolar) e outros conhecidos, para envergonhar o marido. No curso de uma violência 
cada vez maior, numa ocasião ele finalmente bateu nela, o que prontamente a levou a acusá-lo de comportamento 
abusivo às autoridades locais. Foi nesse ponto que a avaliação e o tratamento de casal foram recomendados. 
Este relato ilustra identificações inconscientes, reprojeções de imagens parentais no parceiro conjugal, e, 
acima de tudo, introjeções do superego com comportamentos de "colecionar injustiças", "indignações justificadas", 
comportamentos fortemente racionalizados que servem para justificar a mútua perseguição, assim como a atuação da 
culpa inconsciente devido a aspectos do relacionamento conjugal adulto que ambos julgam intolerável. O tratamento 
psicanalítico da mulher revelou as origens de sua inibição sexual em tentativas inconscientes de recriar um 
relacionamento sadomasoquista com um pai abusivo; o tratamento do marido revelou, por baixo de uma camada de 
ambivalência em relação a uma mãe provocadora e rejeitadora, sua luta infrutífera com uma imagem de pai poderosa e 
ameaçadora. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
C a p í t u l o 8 
O Amor no Setting Analítico 
O Amor Transferencial 
O setting analítico é o laboratório clínico que nos permitiu estudar a natureza do amor e suas múltiplas formas, 
e a transferência, em conjunção com a contratransferência, é o veículo para o estudo dessas formas. 
A principal diferença entre a situação edípica original e o amor transferencial é a possibilidade, em circunstâncias 
ótimas, de investigar totalmente, na transferência, os determinantes inconscientes da situação edípica. Elaborar o 
amor transferencial implica em elaborar a renúncia e o luto que normalmente acompanham a resolução da situação 
edípica. Ao mesmo tempo, o paciente precisa aprender que a busca do objeto edípico será um aspecto permanente de 
todos os seus relacionamentos amorosos (Bergmann, 1987). Isso não significa compreender todas as futuras relações 
amorosas como derivadas unicamente da situação edípica; isso significa apenas que a estrutura edípica influencia a 
moldura das novas experiências tanto para os indivíduos como para o casal. 
Em circunstâncias ótimas, a experiência regressiva do amor transferencial e sua elaboração são facilitadas pela 
natureza "como-se" da regressão transferencial (e pela subjacente força do ego implicada nessa possibilidade de 
regressão limitada), bem como pela crescente capacidade do paciente de gratificação de seus anseios edípicos, através da 
sublimação em um relacionamento real e amoroso recíproco. A ausência dessa reciprocidade diferencia nitidamente o 
amor de transferência de um relacionamento amoroso fora do ambiente analítico, assim como a investigação consciente 
dos conflitos edípicos o diferencia da situação edípica original. Poderíamos dizer que o amor transferencial se 
assemelha ao amor neurótico, no sentido de que a regressão transferencial estimula o desenvolvimento de um 
amor 
109 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
110 Oito F. Kernberg 
nãocorrespondido. Mas a resolução analítica da transferência, por sua vez, diferencia nitidamente o amor 
transferencial da qualidadede atuação que tem o amor neurótico, na qual o amor não-correspondido aumenta o 
apego em vez de resolvê-lo, através do luto. 
A investigação psicanalítica do amor transferencial proporciona evidências de todos os componentes que fazem 
parte do processo normal do apaixonar-se: a projeção em outra pessoa (o analista) de aspectos maduros do ideal de 
ego; a relação ambivalente com o objeto edípico; as defesas contra (assim como o desdobramento) conflitos infantis 
perversos polimorfos e conflitos genitais edípicos. Tudo isso se combina para provocar a experiência do amor 
romântico matizado de desejos sexuais na transferência, mesmo que de modo relativamente breve e temporário. Esses 
sentimentos são comumente diluídos por deslocamentos para outros objetos disponíveis na vida do paciente. Na 
verdade, provavelmente não existe nenhuma outra área de tratamento psicanalítico, em que o potencial tanto para a 
atuação como para experiências de crescimento estejam tão intimamente condensados. 
O amor transferencial pode trair seus componentes neuróticos através de sua intensidade, rigidez e persistência 
teimosa, particularmente quando sua natureza for masoquista. No oposto extremo, a ausência de evidências do amor 
transferencial pode refletir ou fortes resistências sadomasoquistas contra um relacionamento edípico positivo, ou 
uma transferência narcísica em que esses desenvolvimentos edípicos positivos ficam significativamente 
reduzidos. A natureza do amor transferencial varia também conforme o género dos participantes, como foi ampla-
mente observado (Bergmann, 1971,1980,1982; Blum, 1973; Chasseguet-Smirgel, 1984a; Goldberger e Evans, 1985; 
Karme, 1979; Lester, 1984; Person, 1985; Silverman, 1988). 
Em resumo, as pacientes neuróticas em análise com analistas do sexo masculino, tendem a desenvolver típicas 
transferências edípicas positivas — como evidenciam os casos descritos por Freud (1915) em seu clássico artigo 
sobre o amor transferencial. Mas as mulheres com personalidade narcísica, em análise com analistas do sexo 
masculino, não costumam desenvolver esse amor transferencial, ou o desenvolvem somente em estágios muito 
avançados do tratamento, normalmente de forma bastante branda. As resistências narcísicas contra a dependência na 
transferência, parte da defesa contra a inveja inconsciente em relação ao analista, impedem o desenvolvimento do 
amor transferencial; a paciente vivência qualquer anseio sexualizado pelo analista como humilhante, como a fazendo 
sentir-se inferior. 
Os pacientes do sexo masculino, em análise com analistas do sexo feminino, normalmente mostram certo grau de 
inibição em manifestar diretamente o amor transferencial e uma tendência a deslocá-lo para outros objetos; ao invés, 
desenvolvem nosettmg analítico intensas ansiedades em relação à inferioridade ou insuficiência sexual como parte da 
reativação de fantasias narcísicas infantis normais, referentes à mãe edípica. Conforme Chasseguet-Smirgel 
(1970,1984b) salientou, o 
Psicopfltoíogza das Relações Amorosas 111 
medo inconsciente do garotinho de que seu pequeno pênis não seja capaz de satisfazer sua grande mãe é, aqui, uma 
dinâmica significativa. Os pacientes narcisistas do sexo masculino, com analistas mulheres, muitas vezes apresentam o 
que parece ser um intenso amor de transferência, mas que não passa de uma sedução sexualizada e agressiva, 
refletindo a resistência transferencial contra sentir-se realmente dependente de uma analista idealizada. Este esforço 
para reproduzir uma dupla cultural, convencional, do homem poderoso e sedutor perante uma mulher passiva e 
idealizada, é a contrapartida da situação cultural convencional de um relacionamento sexualizado e dependente entre 
apaciente neurótica e o seu analista do sexo masculino, assim como a reprodução, no último caso, do desejo edípico da 
garotinha pelo pai idealizado. 
Os pacientes que foram sexualmente traumatizados, particularmente as vítimas de incesto e os pacientes com uma 
história de envolvimentos sexuais com seus terapeutas, devido à maior pressão, induzida pelo trauma para a 
compulsão à repetição, podem tentar seduzir o analista e com suas demandas amorosas talvez dominando a 
transferência por um período de tempo prolongado. A identificação inconsciente com o agressor desempenha um 
papel importante nesses casos, e a cuidadosa análise do ressentimento raivoso do / a paciente pelo fracasso da resposta 
do/a analista às suas solicitações sexuais, pode exigir muita atenção antes que o / a paciente sinta alívio e apreciação 
pela manutenção do setting analítico. 
As mulheres narcisistas, com fortes características anti-sociais, podem tentar seduzir sexualmente o analista no que 
pode ser erroneamente compreendido como um amor transferencial edípico. Mas a agressão por trás de seus 
esforços para corromper o tratamento geralmente está bem clara na transferência. Essas mulheres devem ser 
distinguidas das mulheres masoquistas, que podem ou não ter uma história de abuso sexual e uma predisposição para 
serem sexualmente abusadas e exploradas. A intensidade das transferências erotizadas em pacientes com uma 
estrutura de personalidade histérica é um exemplo do clássico amor transferencial: uma idealização defensiva e 
sexualizada do analista muitas vezes encobre uma agressão inconsciente significativa, derivada do desapontamento 
edípico e da culpa edípica inconsciente. 
As características neuróticas do amor de transferência estão evidentes não apenas na intensificação dos anseios 
eróticos relativos ao amor não-retribuído: também estão presentes no desejo narcisista infantil normal de ser amado, mais 
do que no amor adulto ativo pelo analista; no desejo de intimidade sexual como uma expressão simbólica de 
anseios simbióticos ou de dependência pré-edípica; e na acentuação geral, defensiva, da idealização sexualizada 
como uma defesa contra conflitos agressivos de muitas fontes. Os pacientes com uma organização de personalidade 
borderline podem manifestar desejos particularmente intensos de serem amados, solicitações eróticas com fortes 
esforços para controlar o analista, e eventuais ameaças de suicídio como uma tentativa de extrair à força o amor do 
terapeuta. 
O desenvolvimento do amor transferencial homossexual é semelhante em ambos os géneros, mas podem 
emergir importantes diferenças na contratrans- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
112 Otto F. Kernberg 
f erência do analista. Os pacientes com psicopatologia neurótica podem desenvol-
ver intensos anseios homossexuais por seu analista do mesmo género, em que 
convergem o complexo edípico negativo e conflitos pré-edípicos, de dependência 
oral e conflitos anais; os elementos dos desejos sexuais podem ser investigados 
após a sistemática análise das resistências contra a regressão transferencial. 
Na patologia narcísica, as transferências homossexuais normalmente adqui-
rem as mesmas características exigentes, agressivas e controladoras das transfe-
rências narcísicas dos pacientes narcisistas do sexo masculino com analistas mu-
lheres, e de pacientes borderline e narcisistas anti-sociais do sexo feminino, com 
analistas homens. 
Como regre geral, a confortável tolerância do analista ao amor transferencial 
positivo, sexualizado, do paciente neurótico, e a manutenção da moldura analítica 
com o amor transferencial pseudopositivo da patologia narcísica, são exigências 
essenciais para uma investigação e resolução analíticas completas de todos esses 
desenvolvimentos. Por outro lado, vejo as vicissitudes da contratransf erência como 
de central importância nesse processo. 
 
Contratransferência 
Embora a Contratransferência como importante fator na formuação das interpretações transferenciais 
venha recebendo crescente atenção na literatura sobre a técnica psicanalítica, vê-se que muito mais foi 
escrito sobrea Contratransferência agressiva do que sobre a Contratransferência erótica. A atitude 
tradicionalmente f óbica em relação à Contratransferência, que mudou somente nas últimas décadas, ainda 
opera em relação à resposta erótica do analista à transferência erótica do paciente. 
Em geral, quando os sentimentos e fantasias eróticas na transferência são reprimidos, eles 
normalmente evocam pouca resposta erótica na Contratransferência. Mas quando as fantasias e desejos 
eróticos do paciente se tornam conscientes, a resposta contratransferencial do analista pode incluir 
elementos eróticos que o alertam para a possibilidade de que o paciente esteja suprimindo conscientemente 
tais fantasias e desejos. Quando as resistências contra a plena expressão da transferência diminuíram 
significativamente, e o paciente vivência fortes desejos sexuais em relação ao analista, as respostas 
contratransf erenciais eróticas podem tornar-se intensas, flutuando com a intensidade da transferência 
erótica. 
Minha ênfase aqui é nas flutuações da transferência: normalmente, mesmo as transferências eróticas 
intensas aumentam e diminuem conforme o paciente desloca sentimentos e desejos transferenciais para 
oportunidades de reprodução, atua-ção e/ou gratificação extra-analíticos de seus sentimentos sexuais. 
Quando os desejos eróticos do paciente ficam centrados exclusivamente no analista, o aspecto de resistência se 
torna muito evidente e o componente agressivo das solicitações sexu- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pstcopatologia das Relações Amorosas 113 
ais fica mais acentuado. Este desenvolvimento tende a diminuir a intensidade dos sentimentos 
contratransferenciais eróticos. 
Quando a identificação projetiva predomina sobre a projeção (isto é, quando o paciente atribui ao 
analista sentimentos sexuais que reconhece em si mesmo, mas rejeitando-os como perigosos, enquanto tenta 
controlar o analista para evitar um temido ataque sexual — em contraste com uma simples projeção de 
impulsos inconscientes — a contratransferência erótica normalmente está ausente. De fato, uma estranha 
discrepância entre as intensas fantasias sexuais projetadas por um paciente com transferência 
erotomaníaca, e uma resposta contratransferencial re-fletindo apenas um sentimento de intimidação e 
constrangimento por parte do analista, deve alertá-lo para a existência de severa patologia narcísica no 
paciente ou profunda regressão na transferência. 
Em minha experiência, a contratransferência erótica mais intensa provavelmente acontece em alguma 
dessas três situações: (1) em analistas do sexo masculino tratando pacientes do sexo feminino, com 
características masoquistas fortes (mas não borderliné) e que desenvolvem um amor sexualizado intenso e 
"impossível" por um objeto edípico inacessível; (2) em analistas de ambos os géneros, com fortes 
características narcísicas não-resolvidas; (3) em algumas analistas do sexo feminino, com fortes tendências 
masoquistas, tratando pacientes homens, narcisistas, altamente sedutores. Algumas pacientes masoquistas são 
capazes de provocar acentuadas fantasias de salvação em seu analista do sexo masculino, "persuadindo-o" a 
tentar ajudá-las, apenas para provar ao analista o quão equivocado ou inútil é essa ajuda. Essas 
persuasões podem tornar-se sexualizadas e manifestas na contratransferência como fantasias de salvação com 
um forte componente erótico. Tipicamente, por exemplo, o analista homem pode perguntar-se: "Por 
queseráque essa paciente tão atraente não consegue manter nenhum homem e está sempre sendo 
rejeitada?" Desta pergunta para a fantasia contratransferencial "Eu seria um parceiro sexual muito 
gratificante para esta paciente", é apenas um passo. 
Descobri que é útil, com pacientes masoquistas com uma longa história de casos amorosos infelizes, 
ficar atento aos momentos em que se desenvolvem essas fantasias de salvação ou uma contratransferência 
erótica. Com muita frequência, essas seduções transferenciais—contratransferenciais culminam no paciente 
compreender erroneamente, e subitamente ficar frustrado, desapontado ou zangado com os comentários do 
analista, ou passar a fazer exigências súbitas e excessivas ao analista, que destroem instantaneamente o 
desenvolvimento da contratransferência de salvação erotizada. 
Também descobri ser útil para o analista, tolerar suas fantasias sexuais sobre o paciente e inclusive 
deixar que se desenvolvam na narrativa de um relacionamento sexual imaginário. Rapidamente, a própria 
fantasia do analista fará com que a ideia se evapore, em decorrência de sua percepção pré-consciente dos 
aspectos " antilibidinais", autodestrutivos e rejeitadores de ajuda da personalidade do paciente; essa 
abordagem facilitará uma interpretação da transferência mesmo antes de 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
114 Otto F. Kernberg 
 
 
sua súbita mudança para aspectos negativos. Inconsistências nos arranjos do trata-
mento, solicitações para mudanças de horário, alegadas insensibilidades do analis-
ta a circunstâncias especiais, irresponsabilidade financeira e pagamentos atrasados 
dos honorários do tratamento, são algumas das maneiras óbvias pelas quais são 
encenadas as tentativas inconscientes do paciente de impedir, ou destruir, a possi-
bilidade de um relacionamento positivo estável com o analista. Atenção em relação 
às narrativas contratransferenciais pode capacitar ao analista detectar essas ten-
dências antes que sejam encenadas no tratamento. 
As intensas manifestações de transferência erótica devem ser diferenciadas 
do desejo do paciente de ser amado pelo analista. Por baixo de esforços sedutores 
conscientes ou inconscientes na transferência pode haver o desejo de tornar-se o 
objeto de desejo do analista — tornar-se o falo do analista — com fantasias de 
inferioridade física e castração. Eu, portanto, gosto de analisar não apenas as defe-
sas do paciente contra a plena expressão da transferência erótica, mas também a 
natureza das próprias fantasias transferenciais. Sob o que parece um desejo de 
relacionamento sexual com o analista, estão múltiplas transferências e significa-
dos. Uma intensa erotização frequentemente pode ser uma defesa, por exemplo, 
contra transferências agressivas de muitas fontes, uma tentativa de escapar de 
conflitos dolorosos acerca da dependência oral ou o estabelecimento de transferên-
cias perversas (o desejo de seduzir o analista para destruí-lo). 
O analista que se sente livre para explorar em sua mente seus sentimentos 
sexuais em relação ao paciente será capaz de avaliar a natureza dos desenvolvi-
mentos da transferência, e assim evitar uma negação defensiva de sua própria 
resposta erótica ao paciente; deve, ao mesmo tempo, ser capaz de examinar o amor 
transferencial sem atuar sua contratransferência, no que possa se configurar como 
uma abordagem sedutora. A transferência erótica do paciente pode ser expressada 
por comportamento não-verbal, pela erotização do relacionamento com o analista, 
ao qual o analista deve responder investigando a natureza defensiva desta sedução 
não-verbalizada, sem nem contribuir para uma erotização adicional da situação de 
tratamento e nem rejeitar defensivamente o paciente. 
A patologia narcísica não-resolvida do analista é provavelmente a maior cau-
sa de atuação da contratransferência, na forma de uma contribuição à erotização da 
situação psicanalítica ou, inclusive, de uma ruptura da estrutura do ambiente psi-
canalítico. Ter relações sexuais com um paciente geralmente é, acredito, um sinto-
ma da patologia de cará ter narcísica do analista e uma correspondente patologia de 
seu superego. Entretanto, às vezes também há uma dinâmica puramente edípica 
envolvida, com o cruzamento de fronteiras do relacionamento analítico simbolica-
mente representando o cruzamento da barreiraedípica. Talvez o fato de o analista 
cruzar as fronteiras sexuais reflita uma atuação da patologia masoquista, um dese-
jo inconsciente de ser punido por uma transgressão edípica. 
A investigação dos aspectos complexos e íntimos das fantasias eróticas do 
paciente e de seu desejo de uma relação amorosa sexual com o analista, proporcio-
na uma oportunidade única para o analista compreender melhor a vida sexual do 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 115 
outro género. Aqui operam as dinâmicas homossexual e heterossexual, o complexo 
de Édipo negativo e o positivo. Na medida em que o analista se identifica com as 
experiências emocionais do paciente do outro género, a correspondente identifica-
ção, na contratransferência, com as experiências eróticas do paciente com outros 
objetos heterossexuais também ativa a capacidade do analista para, e as resistências 
contra, a identificação com os anseios sexuais do outro género. O analista do 
sexo masculino, para ser capaz de estabelecer uma identificação correspondente na 
coníratransferência, com o interesse de sua paciente por um outro homem, tem de 
estar livre para alcançar sua própria identificação feminina. Quando esta paciente 
vivência sentimentos sexuais em relação ao analista, ele pode obter um entendi-
mento muito melhor do desejo sexual de um membro do outro género, ao integrar 
sua identificação correspondente com o desejo sexual da paciente, e sua identifica-
ção complementar como o objeto do desejo dela. Este entendimento por parte do 
analista inclui uma ressonância emocional com sua própria bissexualidade, assim 
como o cruzamento de uma fronteira de intimidade e comunicação que é alcançada 
apenas nos maiores momentos de intimidade sexual de um casal. 
A ativação de uma intensa e complexa contratransferência, que possa ser 
tolerada e utilizada para o trabalho terapêutico, é exclusiva da situação psicanalí-
tica apenas porque há a proteção oferecida pelas fronteiras do relacionamento psi-
canalítico. Uma irónica confirmação da singularidade dessa experiência 
contra transferencial pode ser o seguinte: embora os psicanalistas tenham uma opor-
tunidade única de estudar a psicologia da vida amorosa de pessoas do outro géne-
ro, este conhecimento e experiência tendem a evaporar-se quando se trata de en-
tender suas próprias experiências com este outro género, fora da situação psícana-
lítica. Isto é, fora da situação psicanalítíca, a vida amorosa do analista se toma 
simplesmente humana... 
Quando o paciente e o analista não são do mesmo género, a identificação 
concordante, na contratransferência, depende da tolerância do analista aos seus 
componentes homossexuais, prevalecendo os componentes heterossexuais na iden-
tificação complementar contra transferencial. Esta distinção fica obscurecida quan-
do pacientes do mesmo género do analista vivenciam um intenso amor 
transferencial. Transferências homossexuais, e a resposta erótica do analista a essas 
transferências, tendem a ativar conflitos pré-edípicos e edípicos, particularmente 
com pacientes cujos conflitos e anseios homossexuais são expressados no contexto 
de uma organização de personalidade neurótica. Se o analista pode tolerar seus 
próprios componentes homossexuais, a investigação contra transferencial de sua 
identificação com os pais edípicos deve ajudar a analisar as implicações edípicas 
negativas dos sentimentos homossexuais do paciente. Isso raramente parece tor-
nar-se um problema maior, exceto com analistas que estão lutando contra uma 
repressão conflitual de seus próprios anseios homossexuais, ou contra uma orien-
tação homossexual suprimida. 
Os desenvolvimentos da transferência nos pacientes homossexuais com es-
trutura de personalidade narcisista, em tratamento com analistas do mesmo gene- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
116 Otto F. Kernberg 
ro, adquirem uma qualidade tão intensamente exigente e agressiva, que reduzem 
ou eliminam as fortes respostas contratransferenciais homossexuais, e suas corres-
pondentes dificuldades. Naturalmente, a falta de ressonância sexual na 
contratransferência de um analista do mesmo género de um paciente homossexu-
al, que sofre de uma severa patologia narcísica, também requer uma investigação 
em termos de uma reação fóbica, possivelmente específica, por parte do analista, 
aos seus impulsos homossexuais. O preconceito cultural mais forte contra a ho-
mossexualidade masculina pode representar, infelizmente, uma sobrecarga 
contratransferencial maior para o psicanalista do sexo masculino. 
A partir das observações precedentes, poderia parecer que as questões técni-
cas mais importantes na análise do amor transferencial são, primeiro, a tolerância 
do analista ao desenvolvimento de sentimentos sexuais em relação ao paciente, 
quer homossexuais quer heterossexuais, que exige liberdade interna do analista 
para utilizar sua bissexualidade psicológica; depois, também, a importância de 
analisar sistematicamente as defesas do paciente contra a completa expressão do 
amor transferencial, adotando um percurso intermediário entre a relutância fóbica 
em investigar as resistências contra a plena expressão da transferência sexual, e o 
risco de se tornar sedutoramente invasivo; finalmente, a capacidade do analista de 
analisar inteiramente a expressão do amor transferencial do paciente, e as reações 
à frustração do mesmo, que inevitavelmente acontecerá. Assim, em minha opi-
nião, as tarefas do analista incluem abster-se de comunicar sua contratransferência 
ao paciente (de modo a assegurar sua própria liberdade interna, para investigar 
inteiramente seus sentimentos e fantasias), e integrar o entendimento obtido com 
sua contratransferência em interpretações transferenciais em termos dos conflitos 
inconscientes do paciente. 
A experiência que o paciente tem da "rejeição" do analista como uma confor-
mação das proibições contra seus anseios edípicos, ou uma confirmação da humi-
lhação narcísica, além da inferioridade sexual e castração do paciente, deve ser 
investigada e interpretada. Quando essas condições forem satisfeitas, períodos de 
expressão aberta e livre do amor transferencial, edípico e pré-edípico, podem de-
senvolver-se na transferência e expressar-se, tipicamente, em intensidades flutu-
antes, conforme o crescimento emocional na vida sexual do paciente facilite seus 
esforços para conseguir relações mais gratificantes na realidade externa. 
O analista deve chegar a um acordo não apenas com as próprias tendências 
bissexuais, conforme forem ativadas na contratransferência erótica, mas também 
com outros conflitos infantis perversos e polimorfos, tais como as implicações sádi-
cas e voyeuristas das explorações interpretativas da vida sexual do paciente. Pro-
vavelmente também é verdade que, quanto mais satisfatória a vida sexual do ana-
lista, mais ele será capaz de ajudar o paciente a resolver suas inibições e limitações 
nessa área essencial da experiência humana. Independentemente dos aspectos pro-
blemáticos do amor transferencial, acredito que a experiência singular que o traba-
lho psicanalítico proporciona, ao analisar este amor enquanto se é seu alvo tempo- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 117 
rário, pode contribuir também para o crescimento emocional e profissional do ana-
lista. 
Uma Ilustração Clínica 
A Srta. A. era uma mulher solteira, no final da casa dos 20, encaminhada a 
mim por seu clínico geral em virtude de depressão crónica, abuso de álcool e de 
polissubstâncias, e um estilo de vida caótico, com instabilidade no trabalho e em 
seus relacionamentos com os homens. Anteriormente já me referi a outros aspectos 
de seu tratamento (veja o Capítulo 5). A Srta. A. me pareceu uma mulher inteligen-
te, calorosa e atraente, mas com umaaparência e trajes um tanto simples e negli-
gentes. Concluíra com sucesso seus estudos de arquitetura, e estivera empregada 
em várias firmas de arquitetura, mas mudando frequentemente de emprego, como 
gradualmente descobri sobretudo em função dos casos amorosos infelizes, com 
homens que conhecia no trabalho. Tinha, pois, uma tendência a misturar trabalho 
e relações pessoais, de maneira a prejudicar-se. 
O pai da Srta. A., um proeminente homem de negócios, tinha conexões inter-
nacionais que exigiam frequentes viagens transoceânicas. Desde a morte de sua 
primeira mulher, a mãe da paciente, quando esta estava com 6 anos de idade, ele 
viajava sozinho, deixando a Srta. A. e seus dois irmãos mais velhos aos cuidados de 
sua segunda esposa, com quem a paciente não se dava muito bem. A Srta. Á. 
descreveu sua mãe de maneira idealizada e um tanto irrealista. Sentira um pesar 
profundo após sua morte e que se transformara numa duradoura hostilidade em 
relação à madrasta, com quem o pai casara, um ano depois. A relação com o pai, 
que até então fora excelente, também deteriorou. Ele favorecia a nova esposa em 
virtude do que considerava a injustificada hostilidade da Srta. A. em relação à 
madrasta. 
Durante a adolescência da Srta. A., sua madrasta pareceu satisfeita ficando 
em casa e continuando seus compromissos sociais, enquanto a Srta. A. acompanha-
va o pai em suas viagens transoceânicas. Foi durante os anos escolares do segundo 
grau que a Srta. A. descobriu os casos amorosos do pai com outras mulheres, e 
ficou claro, para ela, que em suas viagens esses casos eram o foco maior de suas 
atividades. A Srta. A. tornou-se a confidente do pai, e sentia-se conscientemente 
emocionada e feliz por ele confiar nela. De modo menos consciente, ela sentia-se 
triunfar sobre a madrasta. 
Enquanto isso, durante a faculdade começou a tomar forma um padrão em 
seu comportamento, que continuava até quando entrou em tratamento. Ela se apai-
xonava, tornava-se intensamente dependente, submissa e aderente, e invariavel-
mente era abandonada. Reagia então com profunda depressão e uma tendência a 
recorrer ao álcool e tranquilizantes menores para superar a depressão. Experimen-
tou uma gradual deterioração em sua posição social, no exclusivo grupo social ao 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
118 Oito F. Kernberg 
qual pertencia, pois desenvolveu a reputação de ser uma "presa fácil demais". 
Quando um caso amoroso infeliz complicou-se, com uma gravidez indesejada e 
um aborto induzido, seu pai ficou preocupado, o que levou o clínico geral da Srta. 
A. a encaminhá-la para mim. 
Minha impressão diagnostica foi a de uma personalidade masoquista, de-
pressão caracterológica e abuso sintomático de álcool e drogas. A Srta. A. mantivera 
boas relações com algumas amigas durante muitos anos, era capaz de trabalhar 
efetivamente na medida em que não se envolvesse em relações íntimas com ho-
mens no trabalho, e impressionou-me como basicamente honesta, preocupada con-
sigo mesma, além de capaz de estabelecer relações objetais profundas. Recomen-
dei psicanálise, e os seguintes desenvolvimentos aconteceram no terceiro e quarto 
anos de seu tratamento. 
A Srta. A. estivera envolvida por algum tempo com um homem casado, B., 
que deixara muito claro não estar disposto a abandonar a esposa para ficar com ela. 
Ele se oferecera, todavia, para ter um filho com a Srta. A. e assumir a responsabili-
dade financeira por esta criança. A Srta. A. estava acalentando a ideia de engravidar 
como uma maneira de cimentar seu relacionamento, e esperando que isso eventu-
almente consolidasse sua união. Em seu relacionamento comigo, repetidamente 
descrevia suas experiências com B. de maneiras que o retratavam como sádico, 
enganador e inconfiável e queixava-se amargamente dele. Mas quando lhe per-
guntei como ela entendia o fato de manter um relacionamento que descrevia nes-
ses termos, acusou-me de tentar destruir o que era, afinal de contas, o relaciona-
mento mais significativo de sua vida, e de eu ser impaciente, dominador e moralis-
ta. 
Ficou gradualmente claro que ela estava me vivenciando como uma figura 
paterna crítica, pouco simpática e de pouca ajuda, uma réplica de como sentia a 
preocupação do pai em relação a ela. Ao mesmo tempo, estava repetindo na trans-
ferência seu padrão masoquista de relacionamento. O que me pareceu peculiar foi 
que, embora descrevesse com muitos detalhes todos os seus argumentos e dificul-
dades com o amante, ela jamais descrevia os aspectos íntimos de sua relação sexu-
al, exceto dizer, de tempos em tempos, que era maravilhoso quando estavam jun-
tos na cama. Por alguma razão, eu não investiguei os motivos para essa discrepân-
cia entre sua abertura geral e esta reserva particular. Só lentamente percebi que 
estava hesitando em explorar sua vida sexual, por causa da minha fantasia de que 
ela iria imediatamente interpretar isso como uma invasão sedutora. Sentia uma 
certa reação contra transferencial em mim, que ainda não compreendia inteiramen-
te. 
Conforme analisei as funções de sua interminável repetição das mesmas 
interações sadomasoquistas com B., descobri que ela estava com medo de que eu 
ficasse com ciúme da intensidade de sua relação com ele. Ela ouviu minhas inter-
pretações — de que estava reproduzindo um relacionamento frustrante e auto-
destrutivo comigo, conforme ela o vivenciava com B. — como um convite para 
uma submissão erótica a mim. Então fui capaz de compreender minha relutância 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 119 
anterior em investigar sua vida sexual como uma consciência intuitiva, de minha 
parte, da sua desconfiança quanto às minhas intenções sedutoras em relação a ela. 
Sugeri que estava com medo de compartilhar comigo os detalhes de sua vida sexual, 
porque pensava que eu queria explorá-la sexualmente e persuadi-la a desenvolver 
sentimentos sexuais em relação a mim. 
Devo acrescentar que todos esses desenvolvimentos aconteceram numa at-
mosfera notavelmente não-erótica; pelo contrário, nessa época pareciam ocorrer 
momentos de tranquila auto-reflexão, em meio a zangadas explosões contra seu 
amante ou contra mim, em virtude de minha alegada intolerância ao seu relaciona-
mento com ele. Ela então começou a analisar nas sessões os aspectos sexuais do seu 
relacionamento com B.. Fiquei sabendo que, embora desde o início fosse uma par-
ticipante voluntária em qualquer jogo ou atividade sexual proposta por B., e que 
sua submissão lhe desse um prazer especial, ela não conseguia chegar ao orgasmo 
na relação sexual, vivenciando a mesma inibição sexual que sentira com seus mui-
tos amantes anteriores. Somente quando um desses amantes, enraivecido, lhe ba-
tia, ela conseguira sentir uma excitação sexual completa e orgasmo. 
Esta informação esclareceu um aspecto de seu comportamento atual com B., 
aderente mas provocador, seus esforços inconscientes de provocá-lo para que ele 
batesse nela, de modo que ela fosse capaz de chegar à plena gratificação sexual. Seu 
abuso do álcool e de tranquilizantes menores emergiu como uma maneira de apre-
sentar-se como impulsiva, descontrolada, exigente e queixosa—em contraste com 
seu jeito doce e submisso habitual—ao mesmo tempo levando os homens à violên-
cia — com a possibilidade de gratificação sexual — e tornando-se pouco atraente 
para eles. Retrospectivamente, seu abuso de álcool parecia uma maneira de expli-
car por que os homens eventualmente a rejeitavam. A culpa inconsciente pelas 
implicações edípicas desses relacionamentos, gradualmente emergiu como uma 
dinâmica maior. 
A análise deste material acelerou o final do relacionamento com B.: a Srta. A. 
deixou de ser tão regressivamente exigente, e confrontou B., de modo mais realista, 
com as inconsistências de seu comportamento em relação a ela. Confrontado comas alternativas propostas por ela para o futuro do relacionamento deles, ele decidiu 
terminá-lo. No período de luto que se seguiu, surgiram pela primeira vez, na trans-
ferência, sentimentos eróticos conscientes em relação a mim. A Srta. A., que ante-
riormente desconfiara que eu estivesse tentando seduzi-la sexualmente, e me vira 
como uma réplica de seu pai hipócrita, moralista e promíscuo, percebia-me agora 
como muito diferente de seu pai. Sua imagem de mim passou a ser a de um homem 
idealizado, amoroso, protetor, mas sexualmente responsivo, e ela expressou livre-
mente seus sentimentos eróticos em relação a mim, que integravam fantasias e 
desejos ternos e sexuais. Eu, por minha vez, tendo-a vivenciado antes como uma 
mulher tanto sem graça, desenvolvia agora fantasias contratransferenciais eróticas 
durante as sessões, juntamente com o pensamento de que era realmente notável 
que uma mulher tão atraente não tivesse sido capaz de manter nenhum relaciona-
mento permanente com um homem. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
120 Oito F. Kernberg 
A Srta. A., em meio à aparente liberdade para expressar suas fantasias de 
uma relação amorosa comigo — em cujo contexto ela imaginava predominante-
mente interações sexuais sadomasoquistas —, também ficou altamente sensível a 
qualquer mínima frustração nas sessões. Se tivesse de esperar alguns minutos, ou 
se um horário precisasse ser mudado, se por alguma razão eu não pudesse acomo-
dar uma mudança solicitada por ela, ela ficava muito magoada—primeiro "depri-
mida", e depois muito zangada. Humilhada por minha ausência de resposta aos 
seus desejos sexuais, ela acusou-me de ser frio, insensível e sadicamente sedutor. 
Imagens das relações descuidadas de seu pai com várias mulheres, durante as 
viagens deles, quando ele a usava para proteger-se das suspeitas de sua segunda 
esposa, emergiram como um tema significativo: eu era tão sedutor e não-confiável 
quanto seu pai, e a estava traindo com minhas relações "descuidadas" com minhas 
outras pacientes e minhas colegas do sexo feminino. 
O intenso afeto dessas recriminações, sua atitude acusadora, autodepreciativa 
e ressentida, uma réplica de suas dificuldades com os homens, e a abertura de um 
aspecto de seu relacionamento com o pai que fora anteriormente reprimido, tam-
bém conduziu a uma mudança em minha contratransferência. Paradoxalmente, 
me senti mais livre para investigar minhas fantasias contratransferenciais, que 
variavam de interações sexuais repetindo suas fantasias sadomasoquistas até como 
seria viver com uma mulher como a Srta. A. Minhas fantasias sobre interações 
sexuais sadomasoquistas também reproduziam o comportamento agressivo dos 
homens em relação a ela, que ela, no passado, tendia inconscientemente a induzir 
neles. Minhas fantasias culminaram no claro reconhecimento de que ela continua-
ria provocando situações de frustração de suas necessidades de dependência, com 
suas recriminações zangadas escalando até interações violentas, e manifestações 
públicas de depressão e raiva. Ela iria apresentar-se como minha vítima, o que 
inevitavelmente destruiria nosso relacionamento. 
Quando utilizei esse materialcontratransferencial em minhas interpretações 
destes desenvolvimentos na transferência, ficaram aparentes os profundos senti-
mentos de culpa da Srta. A. pelos aspectos sexualizados do relacionamento comi-
go. Em contraste com queixas anteriores sobre sentir-se rejeitada e humilhada em 
virtude de minha ausência de resposta amorosa a ela, agora estava ansiosa, culpa-
da e chateada por seus desejos de seduzir-me, e evocou uma imagem idealizada da 
minha mulher (sobre quem ela não tinha nenhuma informação ou conhecimento). 
Percebi, em retrospecto, que minha resistência a investigar anteriormente minhas 
fantasias contratransferenciais haviam-me impedido de segui-las numa direção 
que tornaria muito mais clara a autodestrutividade masoquista dos desejos eróti-
cos da Srta. A. por mim. Diria que minha contra-identificação inconsciente com seu 
pai sedutor interferiu em minha liberdade de analisar minha contratransferência 
erótica e de, portanto, poder perceber melhor o padrão transferencial masoquista 
que ocorria. Também penso que minha resistência contra meus próprios impulsos 
sadomasoquistas inconscientes em resposta à Srta. A., desempenhou um papel 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 121 
neste processo. As fantasias sexuais da Srta. A. sobre seu pai, o fato de senti-lo no 
passado como provocador, mas sexualmente rejeitador, tornaram-se então um con-
teúdo dominante da análise. 
No contexto de nossa investigação dos profundos sentimentos de culpa que 
agora ligavam a imagem da minha mulher, à imagem idealizada de sua própria 
mãe, a Srta. A. percebeu que se defendera contra esses sentimentos de culpa divi-
dindo a imagem da mãe na mãe morta, idealizada, e na madrasta temida e depre-
ciada, representada pelas suas rivais, as outras mulheres na vida dos homens que 
ela jamais poderia ter exclusivamente para si. Este entendimento também ajudou 
a esclarecer sua seleção inconsciente de homens "impossíveis", e a proibição in-
consciente da gratificação sexual plena, a não ser em condições de sofrimento físico 
e mental. 
A Srta. A. finalmente estabeleceu um relacionamento com um homem que de 
muitas maneiras era mais satisfatório do que seus amantes anteriores, tanto em 
termos de não estar envolvido com uma outra mulher naquele momento, quanto 
por pertencer ao seu próprio ambiente social (do qual, em virtude de seu turbulen-
to estilo de vida, ela se sentira banida). Seguiu-se um longo período de análise, no 
curso do qual pudemos explorar com maiores detalhes as fantasias e medos em seu 
relacionamento com C. Conseguiu falar bastante sobre o relacionamento sexual 
deles, e pudemos examinar seus sentimentos de culpa em relação a mim—tendo-
me abandonado como seu objeto de amor — e ao mesmo tempo de triunfo sobre 
mim, num relacionamento sexual que, em sua fantasia, era mais satisfatório do que 
qualquer relacionamento que eu tivesse nesse momento. Em outras palavras, uma 
relação amorosa altamente satisfatória na realidade externa, também tinha a fun-
ção transferencial de elaborar um processo de luto comigo, que repetia o luto e a 
nova reconciliação referentes ao relacionamento ambivalente com seu pai. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
C a p í t u l o 9 
Patologia Masoquista e 
Relações Amorosas 
Masoquismo: um Resumo Geral 
Em minha opinião, o masoquismo pode ser descrito como um amplo 
campo de fenómenos, tanto normais quanto patológicos, centrados 
numa auto-destrutiyidade motivada e num prazer consciente e/ou 
inconsciente com o sofrimento. É um campo de fronteiras imprecisas. Num 
extremo, encontramos uma autodestrutividade tão severa que a auto-
eliminação, ou a eliminação da autoconsciência, adquire uma importância 
motivacional central — Green (1983) chamou-o de o "narcisismo da 
morte"—em que a psicopatologia masoquista se funde com a psicopatologia 
associada à agressão primitiva e severa. 
No outro extremo, uma sadia capacidade para o auto-sacrifício pela 
família ou pelos outros, por um ideal, as funções sublimatórias da 
disposição para sofrer determinada pelo superego não justificam que seja 
considerado patológico. Nossa prolongada dependência infantil e a 
necessária internalização da autoridade dos pais durante nossa demorada 
infância e adolescência tornam quase impossível conceber um superego 
que não inclua componentes masoquistas, isto é, alguma necessidade 
inconscientemente motivada para o sofrimento e sua dinâmica 
subjacente. 
Entre esses dois extremos está um amplo espectro de psicopatologia 
masoquista, cujos elementos comuns centram-se em tornode conflitos 
inconscientes relativos à sexualidade e ao superego. No domínio do 
masoquismo moral, é pago um alto preço para se conseguir prazer, a 
transformação da dor em prazer erótico, a integração da agressão dentro do 
amor, acontece na relação entre o self e um introjeto do superego. Em 
virtude de sentimentos inconscientes de culpa, sofrer 
122 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 123 
conforme a vontade de um introjeto punitivo é recuperar o amor do objeto e a união 
com ele; desta maneira, a agressão é absorvida pelo amor. 
A mesma dinâmica acontece também no masoquismo sexual, como uma 
perversão específica: a experiência obrigatória da dor, submissão e humilhação 
para obter gratificação sexual é a punição inconsciente pelas implicações edípicas 
proibidas da sexualidade genital. 
O masoquismo como parte da sexualidade infantil perversa polimorfa, como 
vimos, constitui um aspecto central da excitação sexual, baseada na resposta po-
tencialmente erótica à experiência de discreta dor física e a simbólica transforma-
ção desta capacidade (transformar dor em excitação sexual) na capacidade de ab-
sorver e integrar o amor no ódio (Kernberg, 1991b). Conforme Braunschwieg e Fain 
(1971,1975) enfatizaram, o objeto do desejo sexual é originalmente um objeto pro-
vocador, a mãe sensualmente estimulante e frustrante, e a excitação erótica, com 
seu componente agressivo, é uma resposta básica a um objeto desejado, frustrante 
e excitante. 
Em circunstâncias ótimas, os aspectos dolorosos da excitação sexual são trans-
formados em prazer, excitação sexual aumentada e o sentimento de proximidade 
em relação ao objeto erótico. A internalízação do objeto erótico, o objeto de desejo, 
também inclui as exigências feitas por esse objeto como uma condição para manter 
o seu amor. A fantasia inconsciente básica poderia ser expressada assim: "Você 
está me machucando, como parte de sua resposta ao meu desejo; eu aceito a dor 
como parte do seu amor, ela cimenta a nossa proximidade, eu estou me tornando 
como você ao apreciar a dor que me é infligida." As exigências do objeto também 
podem ser traduzidas num código moral inconsciente, expressado na fantasia in-
consciente básica que poderia ser verbalizada assim: "Eu me submeto à sua puni-
ção porque, vinda de você, ela deve ser justa; eu a mereço para manter o seu amor, 
e ao sofrer eu mantenho você e o seu amor". As implicações agressivas da dor (a 
agressão oriunda ou atribuída ao objeto desejado, e a reação raivosa à dor) são 
portanto entrelaçadas ou fundidas com o amor, como uma parte indispensável da 
excitação erótica, conforme acentuaram Braunschweig e Fain (1971) e Stoller (1991a), 
e como parte da "defesa moral" descrita por Fairbairn (1954). 
Um caso ilustrativo é o de uma mulher com quarenta e poucos anos, com 
uma estrutura de personalidade depressivo-masoquista, avançada em seu trata-
mento psicanalítico, durante o qual ela foi capaz de resolver sua incapacidade de 
chegar ao orgasmo no intercurso com seu marido, após muitos anos de casamento. 
Em uma sessão, ela desenvolveu a fantasia, na transferência, de que viria totalmente 
despida para uma sessão, e que eu ficaria tão impressionado com seus seios e 
genitais que tornar-me-ia um completo escravo de seu desejo; eu responderia fi-
cando sexualmente excitado e tendo relações sexuais com ela, e ela, por sua vez, 
estaria disposta a tornar-se minha escrava e abandonar todas as suas responsabili-
dades para me seguir. 
Filha única de uma mãe proibidora, que não tolerava nenhuma manifestação sexual 
na filha, e de um pai caloroso, mas distante, que passara longos períodos de 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
124 Otío F. Kernberg 
sua infância ausente de casa, ela imediatamente percebeu a conexão entre seu de-
sejo de uma relação sexual comigo e a rebelião contra a mãe, presente no desejo de 
seduzir o pai e afastá-lo da mãe. Tornar-me seu escravo combinava o desejo de 
minha total aceitação de seus genitais e de sua sexualidade, enquanto me punia por 
ter preferido outras mulheres (sua mãe) e oferecia-se para a escravidão para expiar 
a sua culpa. Mas ela também vivenciava a encenação da fantasia de escravidão 
como uma expressão excitante da agressão, sem precisar temer seus efeitos inibidores 
em seu prazer sexual. Pelo contrário, sentia que essa agressão aumentaria a grati-
ficação de total intimidade e fusão na reciprocidade da relação escravo e senhor. 
Depois dessa sessão, conseguiu pedir ao marido, pela primeira vez, no meio de 
uma relação sexual, para apertar com força seus mamilos, o que ele fez com intensa 
excitação sexual, permitindo que ela, por sua vez, arranhasse suas costas até ele 
sangrar, e ambos, pela primeira vez, chegaram a um intenso orgasmo juntos. 
Ao analisar esta experiência, expressou a fantasia de que seu marido era como 
um bebé faminto, frustrado, mordendo os seios da mãe, e que ela, podia gratificar 
suas necessidades enquanto tolerava sua agressão, isto é, uma mãe poderosa, com-
preensiva e generosa. Ao mesmo tempo, sentia que também era uma mulher sexual 
relacionando-se com seu marido-bebê (que assim não era um pai ameaçador) e 
ainda assim vingando-se de um pai que a abandonara, e também do marido, que 
lhe causara dor, fazendo com que ele também sangrasse. E sentiu que arranhá-lo 
enquanto o abraçava, apertado, intensificou sua fusão e o sentimento de que podia 
participar do orgasmo dele enquanto ele podia participar do dela. Esta mulher, 
chegando ao final de sua análise, conseguiu articular importantes facetas da exci-
tação sexual e do desejo erótico normais. 
A fusão com o objeto do desejo, entretanto, é estimulada em condições não 
apenas de intensa excitação erótica e amor, mas também de extrema dor e ódio, 
conforme proposto por Jacobson (1971). Quando as interações com a mãe são cro-
nicamente agressivas ou abusivas, frustrantes e provocadoras, a intensidade da 
dor física ou psíquica do bebé pode não ser absorvida por uma resposta erótica 
normal, ou pelos precursores sádicos, e ainda assim de protetores e confiáveis do 
superego; em vez disso, esta dor é diretamente transformada em agressão. Com 
base nas observações de Fraiberg (1982), Galenson (1983,1988), Herzog (1983), 
Stoller (1975) e outros, Grossman (1986,1991) propôs que a dor excessiva é transfor-
mada em agressão, que a agressão excessiva distorce o desenvolvimento de todas 
as estruturas psíquicas, e que além disto ela interfere com a capacidade de elabora-
ção da agressão na fantasia, em contraste com sua expressão direta no comporta-
mento. Poderíamos dizer também, com Green (1986), que a agressão excessiva 
restringe o domínio da experiência psíquica inconsciente, por uma somatização 
primordial e / ou pela atuação. 
Em circunstâncias extremas, a agressão excessiva se reflete na auto-
destrutividade primitiva. Uma severa doença inicial, com dor prolongada, ataques 
físicos e/ou sexuais, relações cronicamente abusivas e caóticas com um objeto 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicopatologia das Relações Amorosas 125 
parental, tudo isso pode se refletir em severa destrutividade e autodestrutividade, 
produzindo o síndrome do narcisismo maligno (Kernberg, 1992). Este síndrome se 
caracteriza por umse/f grandioso patológico, infiltrado com agressão, que reflete a 
fusão do selfcom o objeto sádico. A fantasia poderia ser descrita assim: "Eu estou 
sozinho com meu medo, raiva e dor; ao tornar-me unido com meu torturador, 
posso proteger-me ao destruir a mim mesmo ou à minha autoconsciência; agora 
não preciso mais temer a dor ou a morte, porque ao infligi-las a mim mesmo ou aos 
outros, me torno superior a todos os outros que induzem ou teme essas calamida-
des." 
Em circunstâncias menos extremas, o objeto sádico, e a fusão

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