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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA – UVA Lucas Bezerra Ávila 20181101633 Parecer Jurídico RIO DE JANEIRO 2020 Lucas Bezerra Ávila Parecer Jurídico Trabalho do curso de Direito Da Universidade Veiga de Almeida Disciplina: Direito Contratual Professora: Francesca Odetta RIO DE JANEIRO 2020 PARECER JURÍDICO Endereçamento: Ao Senador Pena Branca Ementa: DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL. DIREITO CONTRATUAL. ARTIGOS 6º, 7º, 9º E 10º DO PROJETO DE LEI Nº 1.179/20. COVID-19. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS. PACTA SUNT SERVANDA. REVISÃO DOS CONTRATOS. TEORIA DA IMPREVISÃO. CLÁUSULA REBUS SICSTANTIBUS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCPIPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS. Relatório: O Senador Pena Branca, no dia 30 de abril de 2020, solicitou um parecer jurídico com análise sobre os arts. 6º, 7º, 9º e 10º, do Projeto de Lei nº. 1179, de 2020, nominado como Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), que transita na Câmara dos Deputados, com base nos princípios da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda) e da revisão dos contratos, na aplicação da Teoria da Imprevisão e da cláusula Rebus sicstantibus, dos princípios da dignidade da pessoa humana e da função social dos contratos. É o relatório. Passo a opinar. Fundamentação: Em decorrência da pandemia do Covid-19, decretado em 11 de março de 2020 pela OSM (Organização Mundial da Saúde) o Poder Judiciário, junto com diversos professores da área do Direito Privado, receosos de que neste período de pandemia haverá “uma verdadeira revolução, do seu ponto de vista negativo, nas relações jurídicas privadas”. Como bem observou o Senador Antônio Anastasia, no dia 3 de abril de 2020, em plenário para aprovação da RJET, propuseram, assim, este regime emergencial e transitório que vem com o objetivo de tentar dar algum contorno para a avalanche de processos judicias e dar uniformidade nas decisões judiciais. O art. 6º do RJET diz que: “As consequências decorrentes da pandemia do Coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos.” Prevê o art. 393 do Código Civil de 2002: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.” O princípio da obrigatoriedade dos contratos, que já foi chamado de pacta sunt servanda, traduz a expressão de que o contrato faz lei entre as partes, e se justifica para garantir a segurança jurídica entre as partes, no sentindo de que, celebrando um contrato as partes cumprirão cada qual as suas obrigações. Mas é notado que vivemos atualmente em um momento de excepcionalidade devido ao Covid-19, o que gera uma impossibilidade de cumprimento de certas obrigações contratuais, como já havia ocorrido anteriormente com a greve dos caminhoneiros e que a jurisprudência assim reconheceu. E é justamente na hipótese do art. 393, supracitado, que se admite o descumprimento do contrato. Por situações excepcionais que ocorreram na história da humanidade, passou-se a seguir a ideia de que os contratos de execução continuada ou diferida devem ser cumpridos conforme as circunstâncias fáticas do momento da contratação. Essa ideia foi denominada de cláusula rebus sit stantibus, que significa, segundo a consultora jurídica Gisele Reis, “estando as coisas como estão”, ou seja, estando as coisas como estão, no momento do contrato, aquelas clausulas, aquilo que foi acordado no contrato, devem ser efetivamente cumpridos. Tal ideia acabou se tornando objeto do que os próprios doutrinadores chamam de teoria da imprevisão. A teoria da imprevisão, prevista no art. 317, do CC, diz que: “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi- lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.” Permite então, tal teoria, ao juiz, revisar o contrato quando circunstâncias imprevisíveis que tenham ocorrido depois da celebração do contrato, alterem significativamente as circunstâncias fáticas de modo a causar um desequilíbrio manifesto. Admitindo-se assim, a revisão contratual. E é em decorrência disse que, para uma parte da doutrina, o princípio do pacta sunt servanda, que significa dizer que nós somos servos do pacto, foi relativizado, pois a depender das circunstâncias se tem a possibilidade de requerer a intervenção do juiz para revisar, modificar ou em último caso a resolução do contrato, que vale lembrar ser a sua extinção sem cumprimento. Já o art. 7º do RJET diz: “Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos art. 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário.” Quis aqui dizer o legislador neste artigo que, apesar destas mudanças (aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário), ainda que possam ser muito relevantes, como a alta do dólar, e mesmo que em decorrência disso se afete os contratos, não serão considerados eventos extraordinários. Os arts. 478 e seguintes preveem a teoria da onerosidade excessiva, que abrange a teoria da imprevisão, mas com um diferencial, pois não basta haver desequilíbrio entre as prestações, o desequilíbrio precisa ser tal que cause para uma das partes uma situação de onerosidade excessiva e, em contra partida, para a outra parte, uma grande vantagem. Ou seja, quando o desequilíbrio for tal que torne o contrato excessivamente oneroso para uma das partes e, por conseguinte, excessivamente vantajoso para a outra, pode a parte prejudicada, pleitear a resolução do contrato, por aplicação da teoria da onerosidade excessiva, onde o contrato se extinguirá sem cumprimento. É notável o embasamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da função social dos contratos que submetem os arts. 9º e 10º. Os artigos assim estabelecem: “Art. 9º Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 31 de dezembro de 2020. § 1° O disposto no caput deste artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020. § 2° É assegurado o direito de retomada do imóvel nas hipóteses previstas no art. 47, incisos I, II, III e IV da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, não se aplicando a tais hipóteses as restrições do caput.” “Art. 10. Os locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, poderão suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos alugueres vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020. § 1° Na hipótese de exercício da suspensão do pagamento de que trata o caput, os alugueres vencidos deverão ser pagos parceladamente, a partir de 30 de outubro de 2020, na data do vencimento, somando-se à prestação dos alugueres vincendos o percentual mensal de 20%dos alugueres vencidos. § 2° Os locatários deverão comunicar aos locadores o exercício da suspensão previsto no caput. § 3º A comunicação prevista no § 2º poderá ser realizada por qualquer ato que possa ser objeto de prova lícita. O princípio da dignidade da pessoa humana, para a doutrina, é um vetor a partir do qual devem todos os demais princípios e todo o ordenamento processual serem interpretados. Ele reconhece que a pessoa humana tem valor superior ao objeto. Já o princípio da função social dos contratos faz parte da teoria dos contratos que diz que, todo contrato tem que ter uma função social, ou seja, os contratantes tem toda liberdade para contratar, mas há algumas regras ao se tratar do objeto quanto do conteúdo deste contrato. Isso ocorre por que a função social do contrato atinge diretamente a ideia da prevalência dos interesses coletivos frente aos individuais. É, portanto, uma limitação da autonomia da vontade, e essa ideia está materializada no art. 421 do Código Civil de 2002, que diz que: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” Então não se pode falar sobre a dignidade da pessoa humana ou da função social nos contratos quando existe uma disparidade econômica, uma onerosidade excessiva em decorrência dessa pandemia que acaba por gerar para um dos polos uma alteração econômico-financeira, com diminuição de sua remuneração ou até mesmo a sua demissão, se tornando impossível dar cumprimento a determinadas obrigações como as dispostas nestes artigos supramencionados. Conclusão: Ante o exposto, devido as medidas sanitárias que o Brasil teve que adotar para tentar conter essa pandemia que está afetando uma série de contratos, tais artigos do Projeto de Lei 1.179 de 2020, vem em uma tentativa de acalmar aqueles que possam temer uma perda de direitos, uma vez que tal proposta suspenderá os prazos que ocorrerem após o dia 20 de março, que é quando se estabelece o marco inicial, e em contra partida, vem como um recado para aqueles que possam vim ao judiciário para usar a pandemia como um instrumento de justificação de inadimplemento de obrigações, não dando oportunidade ao oportunismo. Ao propor essas regras transitórias de Direito Privado, esse projeto acaba por ressaltar a importância da distinção do Direito Privado e do Direito Público. É perceptível metodologicamente nesse projeto a intenção de estabelecer regras claras e precisas para que longe de propiciar inúmeras decisões desencontradas nos diversos tribunais brasileiros, houvesse uma orientação unificada, que em se tratando de direito privado é algo fundamental, que é a segurança e previsibilidade. E ao mesmo tempo impedir uma onda de inadimplemento e abusos de posição dominante e de poder econômico com base nos princípios expostos. Rio de Janeiro, 30 de abril de 2020 Advogado Ruy Barbosa OAB/RJ 01
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