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QUESTÃO SOCIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO E LOCAL
CAPÍTULO 1 - QUAL A RELAÇÃO DO SURGIMENTO DA QUESTÃO SOCIAL COM O CAPITALISMO?
Introdução
Caro aluno, seja bem-vindo à disciplina Questão Social no Contexto Brasileiro e Local. Você conhece o objeto do Serviço Social? Se você pensou na questão social, acertou. Para refletir sobre a questão social será necessário apreender alguns conhecimentos sobre as contradições das correntes teóricas do Serviço Social e estudar a intervenção deste diante de seu objeto, além de explorar o conceito de questão social com todos os seus desdobramentos ao longo da história do Brasil e do mundo. Como a questão social vem sendo construída e reconstruída na sociedade? Qual sua relação com o capitalismo? Por meio de conceituações e ferramentas trazidas neste capítulo, você terá condições de diferenciar as concepções históricas acerca da categoria questão social e do contexto da Revolução Industrial à contemporaneidade. Espero que tudo o que será apresentado possa proporcionar uma reflexão crítica sobre a questão social e suas novas demandas na prática contemporânea. Ao final do capítulo, espero ainda que você seja capaz de identificar características importantes dos fundamentos da questão social, reconhecendo seu processo e avanço; distinguir as características principais da era da Revolução Industrial, compreendendo seu desenvolvimento com as Poor Laws e interpretando o período do Welfare State, culminando nos dias atuais. Além disso, questionar teorias sobre a questão social conhecendo fatos importantes da época dos autores citados e compreender as estruturas que dimensionam os atores sociais e suas relações diante das manifestações de tal questão.
1.1 Manifestação da questão social e seus fundamentos socio-históricos, políticos, econômicos e culturais
A questão social é transformada com a movimentação da sociedade. Para sua compreensão, vamos estudar a história do século XIX. Antes, porém, lembremos que o capitalismo surgiu com o fim do feudalismo, nos séculos V a XV, na Europa (BRAUDEL, 1995). Este se estendeu pela Idade Média, sendo o poder dos senhores feudais superior ao dos reis. Essa descentralização de poder marca o fim do período medieval.
Surgem os burgueses, comerciantes da época, que defendiam o mercantilismo. Junto a isso, a acumulação primitiva ganhou formas, e mudanças nas relações sobre as terras se acentuaram.
A burguesia, apesar de não deter o poder político — monopolizado pelo clero e pela nobreza —, ampliou sua influência econômica, aliada à acumulação primitiva como processo de enriquecimento, entre os séculos XVI e XVIII. Isso foi determinante para as transformações econômicas da Revolução Industrial.
A partir do exposto, você já consegue imaginar a relação da questão social com o capitalismo? Como era a economia da época? O que mudou para as pessoas comuns? Vamos ver as dinâmicas da sociedade que tem como atores os burgueses, os trabalhadores que perderam suas terras, os artesãos, os trabalhadores da manufatura e os do início da indústria.
Ao estudar este tópico, você será identificará as características dos fundamentos da questão social reconhecendo seu processo e avanço.
1.1.1 O cercamento das terras
Na Inglaterra do século XVI, como parte da tradição econômica de utilização comunitária da terra que remontava à Idade Média, os camponeses utilizavam as terras de forma comunal e delas extraíam madeira, caça e outros produtos para a sobrevivência. A partir desse período, com as Leis de Cercamentos (Enclosure Acts) editadas por sucessivos monarcas ingleses, viram-se privados dessa fonte de recursos. O que aconteceu nesse novo cenário? As terras que eram de uso comum dos camponeses foram cercadas por poderosos senhores feudais numa ação de privatização dos espaços comuns às populações (POLANYI, 2000).
Vejamos de forma mais detalhada esse processo de privatização da terra. Eram muito comuns na Inglaterra os campos abertos. Qualquer cidadão poderia manter seu cultivo sem ser o proprietário das terras. As comunidades primitivas viviam baseadas no costume e na reciprocidade das pessoas em que todos favoreciam o bem comum. O processo do cercamento de terras deu lugar à exploração em campos fechados, e as terras foram cercadas. Apareceram donos para os espaços que antes eram partilhados com quem podia caçar, extrair madeira ou cultivar. Com os cercamentos, a terra passa a ser mercadoria. Os proprietários podiam comprar e vender, enquanto a maioria daqueles que lá viviam eram expulsos já que não tinham meios para a aquisição de terras. Para aumentar os lucros com a venda de suas terras, os fazendeiros começaram a devastar as florestas e a drenar os pântanos localizados em suas propriedades. Com isso, uma verdadeira revolução agrícola ocorreu.
A Revolução Agrícola ficou conhecida pela implementação de novas técnicas nas plantações da Inglaterra, para o aumento da produção, por exemplo: cavalos puxavam alguns maquinários para agilizar os processos e diminuir a força humana, ou ainda o plantio da mesma espécie de vegetação para facilitar o manuseio e garantir um volume maior do mesmo produto (PEREIRA, 2001).
O cercamento das terras marca a transição do feudalismo para o capitalismo, uma vez que a propriedade privada é uma instituição primordial deste último. O trabalhador perde o acesso às terras, restando-lhe a venda da força de trabalho em troca de salário. Tal contexto promoveu o fortalecimento da burguesia, a constituição do proletariado e o desenvolvimento da Revolução Industrial.
A expropriação das terras e a apropriação privada de uma minoria, ainda no século XV, marcam o início da exploração da propriedade privada capitalista, e da apropriação do trabalho humano por consequência. Trabalho e terra, apesar de serem considerados mercadorias, não podem ser compreendidos dessa forma, como afirma Polanyi (2000, p. 89):
A terra era o componente fundamental da ordem feudal, formando-se, pois, a base do sistema militar, jurídico, administrativo e político. Ademais o status e a função dessa ordem eram determinados pelas leis e costumes... O mercantilismo, por sua vez, levava a almejar o desenvolvimento dos recursos nacionais com base nos negócios e no comércio... Trabalho, terra e dinheiro são elementos essenciais da indústria e devem assim ser organizados em mercados, o que leva à falsa ideia de que são mercadorias. Trabalho é a atividade humana produzida não para a venda, mas para fins diversos e não pode ser armazenada. Terra diz respeito à natureza, que como sabemos não pode ser produzida pelo homem. Dinheiro é o equivalente geral dos preços, intermediador das trocas e não algo produzido para a troca. Portanto, tratar terra, trabalho e dinheiro como mercadorias é uma ficção.
Para Polanyi (2000), entender o trabalho e a terra como mercadorias é algo incorreto, ou melhor, fictício. Toda uma dinâmica da sociedade, tanto econômica quanto social, sofre com tanta mudança. O homem que foi sujeitado a essa alteração em relação à sua forma de sobreviver pode ser considerado abandonado socialmente.
Toda essa reestruturação da produção de bens, e agora consumo, favorecidamente realizada pela burguesia, muda o panorama da vida centrada no bem comum da comunidade entendida como primitiva. O que acontece com essa população? A sua vida ganha novos rumos e sua força de trabalho, como outras mercadorias, passa a ser vendida.
O livro "História social e econômica moderna", escrito por Ricardo Selke e Natália Bello, faz um resgate histórico para o entendimento do mundo moderno por meio das mudanças que ocorreram do fim da Idade Média até a Idade Moderna, as quais levaram à acumulação de capital. Recomendamos a leitura das páginas 29 a 36. Elas são referentes ao item que narra a história do sistema feudal até o capitalismo.
Neste primeiro momento, podemos analisar de forma histórica as transformações na vida das pessoas comuns que viviam na Europa, principalmente na Inglaterra, até o século XVIII (BRAUDEL, 1995). Os interesses sociais foram colocados de lado em favor dos interesseseconômicos, os quais se tornaram o principal motivo da reorganização social.
1.1.2 As formas de troca
Ainda para compreender o surgimento do capitalismo, vamos retornar às sociedades primitivas que tinham sua vida preservada pelos próprios membros da comunidade por entenderem que isso era uma obrigação moral. O trabalho exercido por um indivíduo normalmente era direcionado pelo parentesco, ou melhor, pela família a que pertencia, algo como uma tradição.
Prevalecia na vida medieval uma ordem social cujo centro era a família, com privilégio hereditário que se perpetuava através dos tempos. O exercício da autoridade passava de pai para filho em obediência à linhagem real ou aristocrática sacramentada pela tradição. Família e propriedade constituíam, pois, antes da constituição dos Estados nacionais, a base do poder governamental (PEREIRA, 2003, p. 64).
As produções não eram destinadas à compra ou à venda, e sim à troca. Os bens eram escassos, contudo, era uma escassez provocada pela falta do bem ou produto e não por uma lógica de mercado que exigia um consumo após uma compra de mercadoria ou serviço.
Para Polanyi (2000), nas sociedades primitivas e arcaicas, ressaltam-se três possibilidades de troca: a reciprocidade, a redistribuição e a troca de mercadoria ou troca relacionada com negociação de mercado.
A reciprocidade, vinculada às sociedades primitivas, é considerada uma movimentação de produtos que não se assemelha ao comércio, sendo uma forma de relação social. Esta relação contava com a formação de acordos espontâneos, sem regras preestabelecidas ou muitas exigências entre as pessoas que realizariam as trocas. Toda a família teria a responsabilidade de auxiliar a subsistência de seus parentes. Algumas comunidades tinham até por hábito ofertar o que de melhor haviam produzido no auxílio à subsistência dos familiares. Para simplificar o conceito de reciprocidade, podemos dizer que os parentes ou pessoas da comunidade se presenteavam, apenas pelo fato de ofertar algo por carinho, sem a expectativa de algum retorno.
A tribo indígena Kaingang, situada atualmente no Rio Grande do Sul, no Brasil, anteriormente estava nas regiões que são conhecidas como Paraná e Santa Catarina, além do Rio Grande do Sul. Apesar de terem sofrido perdas de território no século XIX, conseguiram retomar alguns espaços territoriais. Hoje o que restou foi a memória coletiva desse povo que mantém algumas tradições passadas de geração a geração. A terra, chamada por eles de Mãe Terra, é a base de suas vidas. Não é considerada apenas como um meio de produção de subsistência e está relacionada à sua religião, cultura e vida. “É nesses espaços que exercem atividades de caça, pesca, coleta e cultivo de produtos, como o milho, abóbora, feijão e batata-doce” (TOMMASINO, 2004, p. 58-84). Os conhecimentos medicinais, os animais caçados, as plantas e os cultivos são para o bem comum de toda a aldeia.
Pelo caso relatado pode-se apreender a força da Terra para um povo, bem como toda uma organização social, política e econômica voltadas ao bem comum, que não encontra mais espaço numa realidade marcada pelo capitalismo regido pela lógica do mercado.
A redistribuição, como possibilidade de troca na sociedade, é de natureza política — algo muito comum no século XIX. Nessa modalidade de troca, as pessoas pagam os impostos sem escolher quanto irão pagar e quais serviços irão receber em contrapartida. Elas não possuem autonomia para decidir qual será o serviço prestado, pois a autoridade local é quem decide (POLANYI, 2000). A intenção com tal medida é promover o bem comum, público, baseado em justiça. Sendo assim, podemos dizer que desse tipo de procedimento não decorre qualquer problema, certo? A resposta seria positiva se fosse fácil decidir o que é justo. Pessoas diferentes podem ter entendimentos diferentes sobre o que seria justo ou não. Dessa forma, as regras precisam ser definidas.
Para ficar mais claro o entendimento, basta pensarmos nos dias atuais, em que o Estado recebe os valores advindos dos impostos e destina as verbas às políticas públicas baseadas em regras criadas pelos governantes. A maioria das políticas públicas é redistributiva.
Por sua vez, a troca de mercadoria encontrada nos dias atuais é uma movimentação que controla a compra e a venda dos produtos. Para se manterem, os indivíduos precisam vender produtos ou força de trabalho e, em troca, recebem dinheiro ou salário. Os acordos envolvidos nesse tipo de troca são espontâneos e pré-fixados.
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Figura 1 - Formas de troca e organização social.Fonte: Elaborada pela autora, baseado em POLANYI, 2000.
Uma observação: essas formas de troca não são exclusivas de uma determinada época nem mesmo de uma determinada comunidade. Elas podem ocorrer de forma simultânea. O que é possível observar ao analisar todas essas formas de troca? Observamos que a reciprocidade é a forma mais genuína de troca, a qual se dedica ao bem comum sem esperar por recompensas — situação que não ocorre em uma sociedade capitalista.
1.2 Evolução histórica da consolidação da produção mercantil capitalista ao neoliberalismo contemporâneo
A evolução da produção mercantil capitalista até a implementação do neoliberalismo torna compreensíveis as mudanças de padrões a que foram submetidas as pessoas. Suas consequências estão diretamente ligadas ao surgimento da questão social.
A propriedade privada compreende o poder de dispor, desfazer-se ou negociar algo, respeitando o direito dos demais. Ela é regulada pelo poder público e é parte do capitalismo.
Após o cercamento das terras e a instituição da propriedade privada ganhando espaço na Europa, mais precisamente na Inglaterra do século XVIII, nós devemos nos atentar para as mudanças ocorridas a partir da Revolução Industrial, a qual podemos vincular ao capitalismo afirmando que ela o consolida (POLANYI, 2000).
Definimos Revolução Industrial como a inserção de máquinas a vapor substituindo o trabalho humano. Essa alteração de estrutura avançou além das mudanças para novas tecnologias ou formas de produzir — ela mudou a vida das pessoas comuns. De que maneira eram tratados os trabalhadores das fábricas? Quais as opções de assistência que recebiam os pobres?
Ao fim deste tópico, você conhecerá as principais características da era da Revolução Industrial compreendendo seu desenvolvimento com as Poor Laws e interpretando o período do Welfare State, culminando nos dias atuais.
1.2.1 Fases do capitalismo
O capitalismo é nosso foco principal para explorar melhor o conceito de questão social. Segundo Braudel (1995), o pré-capitalismo — ou mercantilismo, que ocorreu do século XV ao século XVIII — surge ao fim da Idade Média como uma iniciativa dos países exploradores da Europa que retiravam as riquezas das novas terras para fomentar suas relações comerciais. O capitalismo industrial surge como uma segunda fase, já na Revolução Industrial, principalmente nos séculos XVIII e XIX. O capitalismo financeiro é encontrado nos dias atuais, a partir do século XX. O sistema financeiro é o principal agente deste período. Todas as fases são baseadas na circulação de mercadorias e no lucro. Segundo Pereira (2001),
Entrando no período histórico conhecido como Mercantilismo, cuja ênfase econômica incidia sobre a utilização do trabalho como fonte de riqueza ou como riqueza em si. Em decorrência, seus adeptos acreditavam que a pobreza era providencial para o acúmulo de riqueza e para a competição vantajosa no comércio internacional, posto que, com ela, se tinha braços para trabalhar a baixo custo (PEREIRA, 2001, p. 66).
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Figura 2 - Fases do capitalismo na história que se renova e se refaz a partir das crises.Fonte: Elaborada pela autora, baseado em PEREIRA, 2001.
A aceleração dos processos produtivos foi intensificada com a mecanização do maquinário iniciada na Revolução Industrial. As cidades foram crescendo a partir da abertura de novas fábricas. As condições de vida nas cidades eram precárias e até mesmo desumanas.
O romance"Tempos difíceis", de Charles Dickens, é a narrativa da vida complicada da população que enfrentava a miséria na Inglaterra no decorrer do processo de industrialização. O romance nos faz conhecer os problemas básicos daquela sociedade e um pouco do cotidiano do século XIX com consciência social.
As gerações que se sucederam à fase de industrialização podem ser definidas, primordialmente, como as duas gerações que viveram a partir da Revolução Industrial e sofreram profundamente as causas de todas as possibilidades do rápido crescimento da indústria que estariam por vir.
1.2.2 Poor Laws
Antes de falarmos sobre a urbanização e a industrialização, vamos retomar o debate aqui apresentado com um olhar social sobre a população que sofreu para sobreviver durante a industrialização na Inglaterra. Nem sempre a população pobre viveu desprotegida. Para amenizar os problemas da miséria foram criadas, em momentos históricos diferentes, leis de proteção aos pobres, as chamadas Poor Laws. As Poor Laws estiveram estreitamente ligadas aos primeiros esforços de construção do Estado na Europa dos séculos XV e XVI (PEREIRA, 2003).
Ainda no século XVI, na Inglaterra, o contingente populacional aumentou consideravelmente. Muitas famílias se deslocaram do meio rural para o urbano em busca de trabalho. Diversos problemas sociais decorreram do fato de haver cidadãos miseráveis andando sem destino pelas cidades. Com o elevado número dessas pessoas, as pregações da igreja afirmando ser dever do Estado promover algum tipo de assistência a elas e, principalmente, para controlar a população, foram criadas as Poor Laws.
A primeira Poor Law foi elaborada para lidar com este problema. A lei procurava assistir essas pessoas promovendo uma autoproteção à classe menos favorecida (PEREIRA, 2003).
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Figura 3 - A proteção aos pobres na legislação.Fonte: Elaborada pela autora, baseado em HOBSBAWM, 2003.
Você pode imaginar a pior situação, ou a mais inadequada, a que foram submetidas as pessoas durante essas Poor Laws? Elas tiveram de viver nas workhouses, umas casas de trabalho que se assemelhavam a prisões desumanizadas. Viviam nessas casas de trabalho: homens, mulheres, enfermos, ociosos, criminosos e crianças. O trabalho era forçado, a comida racionada e as condições de higiene insuportáveis. Alguns pobres preferiam viver nas ruas a ter que passar pelas casas de trabalho.
A reforma de 1834 tornava o trabalho obrigatório. O auxílio era dado em troca de uma atividade forçada cujo pagamento era inferior ao que se pagava no mercado livre de trabalho. Vejamos o que diz Hobsbawm (2003):
[...] a Lei dos Pobres de 1834 foi projetada para tornar a vida tão intolerável para os pobres do campo que eles se vissem forçados a abandonar a terra em busca de qualquer emprego que lhes fosse oferecido. E, de fato, logo começaram a fazê-lo. Na década de 1840, vários condados já estavam à beira de uma perda absoluta de população, e a partir de 1850 a fuga do campo se tornou generalizada (HOBSBAWM, 2003, p. 172).
Qual foi o destino dos pobres? Eles foram abandonados, e cessou o direito de qualquer assistência para que as pessoas aceitassem todas as formas de trabalho. A reforma de 1834 permitiu o nascimento do mercado de trabalho (HOBSBAWM, 2003).
1.2.3 Capitalismo e questão social
Os burgueses, donos de fábricas na Inglaterra, procuravam explorar ao máximo seus trabalhadores. As horas de trabalho geralmente passavam das 18 horas diárias. Mulheres e crianças desempenhavam a mesma jornada de trabalho apesar de não receberem o mesmo valor de salário. Mesmo ganhando menos, as mulheres e as crianças não tinham alternativas, pois precisavam aceitar as condições de trabalho para aumentar a renda familiar enquanto os burgueses acreditavam ser interessante contratar crianças e mulheres para baratear a produção. O ambiente de trabalho era inadequado e insalubre. A prostituição e os crimes eram comuns nas ruas das cidades, e os burgueses não se preocupavam com tais questões — o importante para eles era o lucro garantido pelos trabalhadores.
Face a um cenário de exploração, teve início, na Inglaterra, entre os anos de 1811 e 1812, um movimento social que se colocou contrário aos avanços tecnológicos e que se voltou contra a substituição da mão de obra humana por máquinas. Esse movimento recebeu o nome de ludismo, em homenagem a um de seus líderes — Led Nudd.
Os trabalhadores acreditavam que as máquinas provocavam as condições ruins de trabalho. Pensando assim, invadiram diversas fábricas e quebraram máquinas e outros equipamentos que consideravam responsáveis pelo desemprego e as péssimas condições de trabalho no período (IGLÉSIAS, 1981).
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Figura 4 - Mobilizações, lutas e reivindicações populares.Fonte: Elaborada pela autora, baseado em IGLÉSIAS, 1981.
O que surge com a expansão da indústria e o consequente avanço do capitalismo? Nesse contexto, irrompe a questão social. Ela nasce como um produto ligado a essas transformações e suas consequências para a sociedade. Nesse período, as desigualdades sociais eram naturalizadas, aceitas como consequência do desenvolvimento. O que podemos afirmar é que a escassez passou a ser produzida por este mesmo mecanismo que busca o desenvolvimento, assim, o que para alguns era desenvolvimento, para outros eram prejuízos irreparáveis em sua condição de vida.
O novo cenário apresentado aqui de transformação econômica, política e social promoveu as expressões de desigualdade e o anseio por lutas sociais.
1.3 Abordagens teóricas sobre o surgimento da questão social
A questão social e todas as desigualdades provocadas pelo capitalismo são fatos inegáveis, independentemente das justificativas. Existem até explicações que divergem sobre seu surgimento. Mas, afinal, o que é questão social? Devemos entendê-la como a expressão da desigualdade social proveniente do modo de produção capitalista. Não podemos tratá-la como algo natural, que faz parte da sociedade, mesmo que se aborde a transição do feudalismo para o capitalismo. Devemos nos ater às transformações e suas consequências, sem acreditar que estas últimas sejam situações inevitáveis.
Como a questão social se expressa? Quais as principais correntes teóricas sobre ela? Neste tópico, exploraremos o conceito estudando seus processos e particularidades, além de outros níveis de entendimento acerca de suas expressões. Veremos como os pensadores marxistas a abordam, uma vez que são os que mais se aproximam da formação do assistente social. Estudaremos ainda outros pensadores pela sua importância na discussão do tema, a partir das perspectivas da sociologia e da história. Todos tratam da questão social partindo de fundamentações sobre o capitalismo, o mercado de trabalho e as formas de proteção social. Assim, destacam-se as contradições e explorações provenientes desse modo de produção.
1.3.1 Definições
Como podemos entender a questão social? De que forma podemos defini-la? Entendida como o conjunto das expressões que definem as desigualdades da sociedade, podemos iniciar a definição da questão social situando seu surgimento no século XIX, na Europa. Nesse sentido, é a expressão da desigualdade e pobreza — questões interligadas e indissociáveis do modo de produção capitalista. A pobreza, de acordo com Marx (1848, p. 25), “[...] por ter causa conhecida poderia ter uma solução adequada [...]”. Ele complementa: “[...] o desenvolvimento das forças produtivas operando nos marcos é capaz de reduzir, significativamente, a dependência e determinação de fatores naturais na produção da escassez”.
A extrema pobreza que já se manifestava antes mesmo do capitalismo era construída socialmente pela divisão entre classes, mas sua causa principal estaria relacionada às formas de exploração das forças produtivas. O pauperismo produzido socialmente não é a única forma de expressão da questão social, esta pode ainda ter outros desdobramentos sociopolíticos como as lutas de classe nas relações de antagonismos entre capital versus trabalho.
SegundoIamamoto (2001, p. 18):
A pulverização da questão social, típica da ótica liberal, resulta nas várias “questões sociais” em detrimento da presença de unidade. Impede assim de resgatar a origem da questão social imanente à organização social capitalista, o que não elide a necessidade de apreender as múltiplas expressões e formas concretas que assume.
O entendimento das expressões da questão social é primordial no desenvolvimento de políticas sociais, e desta maneira, se compreende o objeto do serviço social. Josiane Soares Santos (2012, p. 18) nos orienta que “O conceito adquire uma potencialidade totalizadora a ser explorada, especialmente por designar, de modo articulado, uma série de manifestações encaradas tradicionalmente de forma isolada, configurando os chamados ‘problemas sociais’”.
Para Netto (2001), a história registra que a pobreza crescia na razão direta em que aumentavam a capacidade de produzir, isto é, o nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais e sociais é ligado à escassez gerada. Não é possível deixar de perceber os aspectos da vida social, principalmente dos trabalhadores na época do processo de industrialização e urbanização, que já davam sérios sinais de perversidade nas condições de vida e trabalho ofertados pela burguesia.
Conforme Telles (1996, p. 85):
A questão social é a aporia das sociedades modernas que põe em foco a disjunção, sempre renovada, entre a lógica do mercado e a dinâmica societária, entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia, entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões tramadas na dinâmica das relações de poder e dominação.
Castel (2009, p. 76) já definia “[...] a questão social e suas consequências ideológicas e políticas, são expressões utilizadas aproximadamente a partir de 1830 para designar uma nova dinâmica da pobreza que se generalizava”. O autor ainda complementa a informação deixando a entender que o pauperismo que antecede a industrialização não poderia ser considerado expressão da questão social. Ele vincula a questão social ao pagamento de salário na industrialização e urbanização, até porque, anteriormente, existiam as leis dos pobres que lhes davam assistência.
Para Pereira (2001, p. 59):
A questão social é percebida, [...], na existência de relações conflituosas entre portadores de interesses opostos e antagônicos [...], na qual os atores dominados conseguem impor-se como forças políticas estratégicas e problematizar efetivamente necessidades e demandas, obtendo ganhos sociais relativos. Foi com essa caracterização que a questão social surgiu na Europa no século XIX. [...] Por isso, a questão social é, de fato, particular e histórica.
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Figura 5 - Caracterização das expressões da questão social no modo de produção capitalista.Fonte: Elaborada pela autora, baseado em CASTEL, 2013.
Nos dias atuais, as definições e causas das questões sociais são as mesmas de períodos passados e a cada dia suas consequências têm se aproximado mais do período da industrialização.
1.3.2 Desigualdade social
Como podemos compreender a desigualdade? Podemos entendê-la pela acumulação e acesso de bens e serviços a determinadas pessoas de forma indiscriminada, gerando um grupo que não tem ou terá o mesmo acesso. “David Ricardo e Karl Marx, dois pensadores influentes do século XXI, defendiam a visão de que apenas um grupo social — os proprietários da terra, para Ricardo; os capitalistas industriais, para Marx — se apropriaria de uma parte crescente da produção e da renda” (PIKETTY, 2014, p. 15).
A maioria dos estudos sobre desigualdade depara com as situações decorrentes do processo de industrialização, demarcadas por relações distintas, nas quais a classe burguesa é a favorecida no acesso à propriedade e na compra e venda de produtos. Por consequência, a desigualdade se torna pertinente quando se busca a origem nas relações de capital e trabalho.
No Manifesto Comunista de Engels e Marx (1999, p. 14), os autores afirmam que:
[...] o desenvolvimento da indústria moderna, portanto, enfraquece o próprio terreno em que a burguesia assentou a produção e a apropriação de seus produtos. Assim, a burguesia produz, sobretudo, seus próprios coveiros. Sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.
Partindo dessa perspectiva, a desigualdade na sociedade industrial condiciona e ressalta um problema muito maior e mais significativo, de diferentes dimensões, que afeta as possibilidades na vida e na classe das pessoas.
E se a sociedade mudasse a forma de pensar? A redução ou o fim da desigualdade social estariam garantidos? A resposta é não. Veja que ainda são encontrados nos dias atuais expressões da questão social muito mais visíveis que a própria questão social.
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Quadro 1 - Análise crítica dos desdobramentos da expressão da questão social no Brasil.Fonte: Elaborado pela autora, baseado em IBGE, 2010.
Geralmente essas expressões são carregadas de lutas dos excluídos, os quais, por causa da contradição da lógica do capital e da lógica do trabalho, se manifestam e resistem exigindo direitos políticos, sociais, econômicos e culturais.
1.4 A sociedade e o Estado nas relações e reproduções capitalistas
A sociedade e o Estado possuem uma relação conflituosa que, na atualidade, inclui a atuação de sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais. Pela relação dialética com a sociedade, o Estado abarca todos os fenômenos da vida social, todos os indivíduos e classes e declara diferentes responsabilidades, até mesmo as de responder a demandas e reivindicações contraditórias.
O Estado é aqui entendido como uma organização do poder não mais fundada na fé, mas na política como atividade humana e, como tal, uma construção mundana (e não divina) — prevista, primeiramente, por Hobbes (PEREIRA, 2001).
Cada país possui um entendimento do que é dever do Estado, até mesmo em um único país podem haver variações dessas responsabilidades. Ele pode ser totalitário e depois democrático, ou o contrário. Podem ocorrer disputas de forças e o Estado estar democrático por apenas um período curto de tempo.
O Estado sustenta o modelo capitalista ao controlar a sociedade sob suas instruções. Sendo dotado de poder coercitivo e estando predominantemente a serviço das elites, pode o Estado proporcionar atividades de proteção visando as classes até então menos favorecidas? Sim, desde que os resultados dessas medidas sejam interessantes, ou a pressão social seja tão intensa que ele não tenha alternativa.
1.4.1 As qualificações do Estado
O Estado pode ser qualificado de várias formas: pode variar conforme uma corrente teórica e pode ser diferente em sua formação em determinados tempos — lembremos que o Estado é uma ocorrência histórica em movimento permanente com ideologias diferentes e constantes relações.
O Estado, para Poulantzas (1977), pode ser definido como uma solidificação de forças, isto é, uma relação de forças detectada com foco no poder ou como um conjunto de dominação que predomina por meio de um aparelho institucional que usa burocracia, judiciário, polícia e ideologia em relação à sociedade, apesar de dela também sofrer influências. Dessa forma, o poder do Estado simboliza a força aglomerada e direcionada da sociedade.
A qualificação de Estado direciona ao entendimento do que é sociedade, apesar de nem sempre essas duas precisões serem consideradas. Alguns autores e correntes de pensamento definem de maneira diferente. Na relação com o Estado está a sociedade civil.
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Quadro 2 - Diferentes concepções de Sociedade Civil.Fonte: Elaborado pela autora, baseado em PEREIRA, 2001.
Para finalizar, destacamos a definição de Gramsci, na qual sociedade civil é o conjunto das instituições responsáveis pela representação dos interesses de diferentes grupos sociais, bem como pela elaboração e/ou difusão de valores simbólicos, de ideologias, compreendendo o sistema escolar, os partidos políticos, as igrejas, asinstituições de caráter científico e artístico.
Gramsci concebia o Estado como autônomo. Ele estendeu o conceito de Marx no que podemos chamar de Estado ampliado, estando este acima de outros elementos da sociedade civil e, por isso, com alguma dominação sobre eles. Há diferenças na concepção de Estado entre os dois autores citados. Para Marx, estão nas suas constituições distintas: instituições privadas com função hegemônica (ideologias e cultura) e o Estado com suas intenções políticas (restrição e dominação). O chamado Estado ampliado, devido à inclusão da sociedade em sua definição, defendido por Gramsci, estende as bases para uma discussão que inclui questões como: valores, ciência, arte, escolas, igrejas, ideologias e partidos políticos.
1.4.2 Momentos do Estado capitalista
Podemos considerar três os momentos do Estado Capitalista: o Estado Liberal, o Estado de Bem-Estar Social e o Estado Neoliberal.
Para compreendermos melhor o desenvolvimento do capitalismo é importante entender inicialmente como foi sendo configurado o Estado Moderno. Ele nasceu absolutista e teve início com a crise da sociedade feudal, a partir do século XIV, na Europa Ocidental. Nesse modelo, os monarcas concentravam todos os poderes em suas mãos e o Estado se confundia com a pessoa deles.
Que ação foi tomada pelo rei com a centralização do poder político? Ele passou a impor barreiras econômicas à burguesia (classe social em franca expansão) instituindo altos impostos. Esse contexto histórico perdurou até o século XVIII, conhecido como Século das Luzes, quando se deslocou o eixo do poder divino soberano para o Estado de Direito, no decurso das revoluções burguesas. Esse cenário marcado pela Revolução Gloriosa, o Iluminismo e a Revolução Francesa determinou o declínio do Estado Absolutista e o surgimento do Estado Liberal.
E no Estado Liberal, quem detém o poder? Nesse modelo prevalece o poder da burguesia. O aparecimento do Estado Liberal foi gradual, opondo-se às monarquias absolutistas da época e ao seu regime econômico — o mercantilismo — defendendo a liberdade individual, uma democracia representativa, o direito à propriedade, à livre iniciativa e à concorrência como garantia de progresso.
Um Estado Liberal não é necessariamente democrático: ao contrário, realiza-se historicamente em sociedades nas quais a participação no governo é bastante restrita, limitada às classes possuidoras [...] O Estado Liberal foi posto em crise pelo progressivo processo de democratização produzido pela gradual ampliação do sufrágio até o sufrágio universal (BOBBIO, 1994, p. 7).
Quando surgiu, no século XVIII, foi caracterizado pela ideia de que o indivíduo possui direitos naturais e inalienáveis, tais como o direito a se expressar publicamente, o direito à liberdade religiosa e o direito natural, segundo John Locke, à propriedade, aos bens materiais.
Não demorou muito para o liberalismo ser compreendido como uma exploração dos pobres. As políticas do laissez-faire (deixar fazer) do liberalismo, após a crise de 1930, são aos poucos trocadas pelo Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) (PEREIRA, 2013).
Com o Estado de Bem-Estar, uma nova relação entre Estado e sociedade foi formada, sendo alguns princípios priorizados: “o aumento do pleno emprego, o aumento do acesso de serviços voltados aos direitos sociais e a formalização da assistência social para garantia de promoção dos mínimos sociais às pessoas que viviam em condições indignas” (PEREIRA, 2003, p. 125).
O Estado de Bem-Estar garantiu mais poder ao Estado no controle do mercado, protegendo os direitos dos proprietários com as instituições estatais que passaram a garantir os direitos sociais dos trabalhadores. Vejamos o que diz Stein (2000):
[...] sistema de organização social que procura restringir as livres forças do mercado em três principais direções: a) garantindo direito e segurança social a grupos específicos da sociedade, como crianças, idosos e trabalhadores; b) distribuindo de forma universal serviços sociais como saúde e educação; c) transferindo recursos monetários para garantir a renda dos mais pobres em certas contingências como a maternidade, ou em situação de interrupção de ganhos devido a fatores como doença e desemprego (STEIN, 2000, p. 138).
O Estado atua ao lado de sindicatos e empresas privadas, atendendo às características de cada país, com o intuito de garantir serviços públicos e proteção à população. Os países europeus foram os primeiros e principais incorporadores do modelo que agradou os defensores da social-democracia. Registram-se Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca como destaques na aplicação do Estado de Bem-Estar Social, países que estão no topo do ranking de melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
De acordo com Gasparetto Junior (2017, p. 23),
[...] no Brasil, houve um esboço de implantação do Estado de Bem-Estar Social nas décadas de 1970 e 1980. Todavia, o modelo não seria aplicado como investimento produtivo para sociedade, mas de forma assistencialista. Logo, o que se verificou foi a manutenção da acentuada desigualdade social, os elevados índices de pobreza e o insucesso no Índice de Desenvolvimento Humano.
Ainda na análise deste autor o primeiro país a abandonar o modelo foi a Inglaterra, no governo de Margareth Thatcher. Sob alegação de que o Estado não dispunha mais de recursos para sustentar o Estado de Bem-Estar Social, os direitos que os cidadãos haviam conquistado no decorrer das décadas foram retirados. Nasceria, então, o Estado Neoliberal. Normalmente, entende-se que o Estado de Bem-Estar Social é sintetizado pelo pressuposto Keynesiano que clamava pelo fim do laissez-faire e a formação de uma nova possibilidade além do liberal e do socialismo de Estado.
John Maynard Keynes — o economista de mais destaque no século XX — intercedeu pela política econômica de Estado intervencionista, demonstrando profunda oposição ao liberalismo, apesar de não ser considerado comunista. Os desdobramentos de seus ideais deram origem ao Keynesianismo (PEREIRA, 2003).
Você sabe dizer quando o Estado Neoliberal ganhou destaque? Foi com a crise do petróleo, no início da década de 1970, quando se alegava que o “Estado Keynesiano” ou o “Estado de Bem-Estar Social” havia se transformado num Estado estatizante, coletivista e demasiado grande. A redução do tamanho do Estado foi o pressuposto para o novo modelo, de modo que este deveria ter um papel rigorosamente limitado, diminuindo sua influência na sociedade e na economia. Esta última deveria funcionar de forma independente, sem a influência de ninguém, além de ter o consumidor individual como principal ator do livre mercado.
O Estado deveria ser reorganizado e a diminuição dos tributos e a privatização das empresas estatais seriam um crescente, enquanto a política do pressuposto keynesiano voltado ao pleno emprego seria considerada algo que demandaria muito gasto público e não poderia continuar. A classe trabalhadora perde forças, principalmente de seus sindicatos.
O filme A dama de ferro, lançado em 2011, conta a história de Margaret Thatcher, a primeira-ministra da Inglaterra. Desde sua entrada na política, manteve o pulso forte até os últimos dias de vida. Ela promoveu o fim do Welfare State e implementou o neoliberalismo.
O neoliberalismo intensificou as desigualdades sociais em todos os lugares em que foi implantado. Efetivamente, o que é evidente sobre a questão social são algumas expressões acentuadas pela falta de intervenção estatal e com a desproteção social recorrente no modelo.
Síntese
Concluímos o capítulo. Agora podemos responder qual a relação do surgimento da questão social com o Capitalismo. Com o crescimento da sociedade de mercado e a venda da força de trabalho, as famílias comuns foram obrigadas a vender seu esforço para a burguesia. Esta, por sua vez, explorava ao máximo os trabalhadores. As desigualdades sociais só aumentaram e a luta de classe era a única alternativa para a população explorada. As expressões da questão social, ou as expressões de desigualdade presentes nasociedade surgem com a industrialização e a urbanização enraizadas na contradição da relação capital versus trabalho.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
· acompanhar as mudanças históricas nas relações de trabalho e no cotidiano da vida das pessoas, desde o período pré-capitalista até o início do neoliberalismo;
· aprender algumas definições teóricas sobre a questão social;
· relacionar questão social e capitalismo ao estudar as desigualdades sociais crescentes neste modo de produção;
· identificar as possíveis qualificações de Estado e sua relação com o conceito de sociedade civil;
· compreender os momentos do Estado desde o liberalismo, passando pelo Estado de Bem-Estar, até o início do neoliberalismo;
· aprender que a desigualdade social tem avançado com o novo liberalismo, o neoliberalismo.
Referências bibliográficas
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