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LEITURA CRÍTICA DA BNCC E DOS PCN’s PARA O ENSINO DE TEATRO Nayara Macedo Barbosa de Brito1 Estudantes de Licenciatura em Teatro não poderiam (ou deveriam) sair de seu curso sem conhecer o que o Ministério da Educação regulamenta para a sua prática profissional. Assim, lancei-me na leitura dos documentos referentes à Base Nacional Comum Curricular e aos Parâmetros Curriculares Nacionais, notadamente dos trechos que tratam da linguagem teatral no contexto do Ensino Básico. A primeira impressão que tive na leitura do material foi bastante positiva no que diz respeito à compreensão de teatro apresentada nos dois documentos. Por exemplo, logo no início da BNCC, destaca-se a necessidade de considerar as manifestações artísticas para além daquelas legitimadas pelas instituições e meios de comunicação de massa e de tomar as experiências em arte como prática social e não apenas como um meio de aquisição de códigos e técnicas. Entendendo o contexto escolar como um espaço de educação para além da escolarização, o viés mais amplo proposto para o ensino de teatro me pareceu bastante pertinente. É nesse sentido que são pensadas as competências específicas que os alunos devem desenvolver dentro do processo de aprendizagem em Artes (cf. BNCC, 2016, p. 196). Ao indicar, entre as competências esperadas, a de conhecer, fruir e analisar práticas artísticas e culturais as mais diversas, a de compreender as relações entre as artes e as novas tecnologias da comunicação e a de estabelecer relações entre arte, mídia, mercado e consumo, está se reconhecendo as artes como parte da vida e do conhecimento humano e, por este motivo, propondo a formação de cidadãos capazes de fazer este mesmo reconhecimento e de criar relações com esse saber e pensar criticamente suas produções. E não, como mais rasamente se costuma sugerir, propondo a formação de artistas, muito embora também se espere que esses alunos assumam o lugar de criadores através das artes. Além disso, a forma como a experiência teatral é descrita, e a escolha dos termos para descrevê-la, como um encontro multissensorial “com o outro em performance. [Onde] o corpo é lócus de criação ficcional de tempos, espaços e sujeitos distintos de si 1 Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia. CL: http://lattes.cnpq.br/7520909340905274. Contato: nay_brito13@hotmail.com http://lattes.cnpq.br/7520909340905274 próprios, por meio do verbal, não verbal e da ação física.” (BNCC, 2016, p. 194) demonstra uma compreensão ampliada da linguagem, indo além da convenção forjada pela tradição dramática. Essa ampliação fica mais evidente nos trechos referentes ao ensino dos 3º e 4º ciclos, que usam os termos “atuantes/público” em lugar de “ator/espectador”, usados nos 1º e 2º ciclos, como observam Peregrino e Santana (s/d, p. 8). Quanto à serialização, o documento deixa bem claro que “a progressão das aprendizagens não está proposta de forma linear, rígida ou cumulativa” e que “os agrupamentos propostos não devem ser tomados como modelo obrigatório para o desenho dos currículos” (BNCC, 2016, p. 195). As habilidades propostas para serem trabalhadas em cada ciclo, dividido nas categorias “Contextos e práticas”, “Elementos da linguagem” e “Processos de criação”, remetem à metodologia triangular de Ana Mae Barbosa (2009): nesse trecho do documento, reconhecemos tópicos que podemos associar à apreciação, à prática e à contextualização do teatro. À despeito do esclarecimento dado pelo documento, observamos, e no próprio texto também temos isso colocado, uma “maior sistematização dos conhecimentos”, a “proposição de experiências mais diversificadas em relação a cada linguagem” e uma “maior autonomia nas experiências e vivências artísticas” (BNCC, 2016, p. 203). De uma aproximação mais lúdica à linguagem nas séries do 1º ciclo, em que é proposto um reconhecimento e exploração do teatro e seus elementos em jogos de faz-de-conta, em contações de histórias e na vida cotidiana, das séries do 2º ciclo é demandado o desenvolvimento de um conhecimento mais específico e elaborado sobre as formas e estéticas com as quais o teatro dialoga, de modo a que os alunos sejam capazes tanto de reconhecê-las quanto realizá-las em suas práticas artísticas orientadas na sala de aula e até fora dela. Se a BNCC apresenta uma compreensão mais desenvolvida da linguagem teatral, notadamente para o seu ensino nos 3º e 4º ciclos, os PCN’s – Arte apresenta o Teatro de uma forma mais elementar. Por exemplo, na página 57 a prática da dramatização é dada como “uma manifestação espontânea” da criança, que deve evoluir “do jogo espontâneo para o jogo de regras”, cabendo à escola oferecer “condições para o exercício consciente e eficaz, para a aquisição e ordenação progressiva da linguagem dramática” (PCN’s – Arte, 1997, p, 54). Noutra perspectiva, os PCN’s entendem o teatro também como um instrumento de educação social do indivíduo, possuindo uma função integradora e oportunizando a apropriação crítica e construtiva dos conteúdos sociais e culturais da sua comunidade (PCN’s – Arte, 1997, p. 57). As propostas educacionais devem compreender a atividade teatral como uma combinação de atividade para o desenvolvimento global do indivíduo, um processo de socialização consciente e crítico, um exercício de convivência democrática, uma atividade artística com preocupações de organização estética e uma experiência que faz parte das culturas humanas. (PCN’s – Arte, 1997, p, 57) Percebemos que a ênfase dada na BNCC ao aspecto do teatro enquanto produção artística e cultural humana a ser reconhecida e apreciada criticamente é substituída nos PCN’s pela ênfase no aspecto instrumental dessa arte, através da qual se poderia desenvolver habilidades sociais dos alunos, em especial nas séries iniciais. A ênfase dada a esse aspecto, nós a entendemos como problemática, em certa medida, pois ela abre espaço para o questionamento, não pouco comum, da necessidade do ensino do Teatro no eixo curricular das escolas. Ora, “um processo de socialização consciente e crítico, um exercício de convivência democrática” podem ser proporcionados também em outras disciplinas curriculares. Por que, então, o ensino do Teatro? Porque, assim como as Linguagens, as Ciências Naturais e etc., as Artes, e o Teatro dentro dessa área, fazem parte da realidade e da produção humanas e devem, portanto, ser estudadas na formação educacional e escolar dos indivíduos. Por outro lado, os PCN’s contribuem mais que a BNCC para o trabalho dos professores na medida em que os ajudam a pensar a preparação e avaliação das aulas (cf. PCN’s – Arte, 1997, p. 58). Nesse sentido, o documento apresenta as seguintes expectativas com relação aos alunos: ao final de cada ciclo, eles devem “compreender e estar habilitado[s] para se expressar na linguagem dramática”, “compreender o teatro como ação coletiva” e “compreender e apreciar as diversas formas de teatro produzidas nas culturas” (ibidem., p. 65). No que diz respeito ao processo de avaliação, o documento traz orientações de perspectiva construtivista que a mim me parecem muito válidas. Ao colocar que “uma situação de aprendizagem pode consolidar uma situação de avaliação” e vice-versa e que “aprender ao ser avaliado é um ato social”; ou então a possibilidade de “situações de auto- avaliação [orientada] para desenvolver a reflexão do aluno sobre seu papel de estudante” (PCN’s – Arte, 1997, p. 66), o documento entende o processo de ensino-aprendizagem em Teatro de uma forma mais dinâmica e colaborativa do que, por exemplo, eu pouco vivenciei em outras disciplinas quando fui aluna do ensino básico, disciplinas essas que se aproximavam mais da dinâmica mecânica indicada no trecho abaixo: A formulação autêntica da criança e as relações construídas por ela, a partir do contato com a própria experiênciade criação e com as fontes de informação, valem mais como conhecimento estruturado para ela mesma do que a repetição mecânica de frases ditas pelo professor ou escritas em textos a ela oferecidos. (PCN’s – Arte, 1997, p, 67) Ainda sobre o papel do professor, o documento é minucioso quando observa as diversas etapas de seu trabalho, através das quais esse profissional assume também as funções de pesquisador, criador, estudioso, estimulador do olhar crítico, acolhedor de materiais, ideias e sugestões, reconhecedor do ritmo pessoal dos alunos, articulador, avaliador, imaginador, entre muitas outras (cf. PCN’s – Arte, 1997, p. 72-3), todas, ao fim e ao cabo, atribuições da função professor. Como os próprios nomes sugerem, os documentos que regulamentam o ensino de Teatro no ensino básico no Brasil indicam apenas “bases” e “parâmetros” para a sua prática. Eles deixam um espaço, bem-vindo, de autonomia para o professor, dando-lhe uma margem possível para compor o currículo junto com a equipe pedagógica da escola e para atuar de uma maneira mais construtivista em sua prática com os alunos em sala de aula. Outros pontos levantados nos documentos indicam o caráter potencial das Artes para trabalhar questões transversais a elas e de grande relevância para a formação cidadã dos indivíduos. Esperamos poder manter ou quiçá ampliar, nos próximos anos, essa autonomia e margem de atuação sobre a estrutura curricular e sobre os temas a serem trabalhados no contexto do ensino de Teatro, apesar da perspectiva que se apresenta para nós com o novo quadro político que assumirá a partir de 2019. REFERÊNCIAS: BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. – 7. Ed. Rev. – São Paulo: Perspectiva, 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base nacional comum curricular. Brasília: DF, 2016. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997. 130p. PEREGRINO, Yara Rosas; SANTANA, Arão Paranaguá de. Ensinando Teatro: uma análise crítica da proposta dos PCN.
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