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Nos Estados que adotam Constituição do tipo rígida, há uma nítida distinção entre o processo legislativo de elaboração de normas constitucionais e o processo legislativo de elaboração das demais normas do ordenamento. Nesses Estados, identificam-se duas categorias de legisladores, a saber, o legislador constituinte, com competência para elaborar normas constitucionais, e o legislador ordinário, com competência para elaborar as normas infraconstitucionais do ordenamento. O poder constituinte é aquele exercido pelo primeiro dos legisladores mencionados, ou seja, é o poder de elaborar e modificar normas constitucionais. É, assim, o poder de estabelecer a Constituição de um Estado, ou de modificar a Constituição já existente. A teoria do poder constituinte foi inicialmente esboçada pelo abade francês Emmanuel Sieyês, alguns meses antes da Revolução Francesa, em sua obra “Qu’est- ce que le TiersÉtar?” (“O que é o Terceiro Estado?”). Inspirou-se nas ideias iluministas em voga no século XVIII, e foi aperfeiçoada pelos constitucionalistas franceses posteriores, com destaque para Carré de Malberg (que incorporou a ela a ideia de soberania popular, preconizada por Rousseau). O ponto fundamental dessa teoria – que explica a afirmação de que ela somente se aplica a Estados que adotam Constituição escrita e rígida, e faz com que ela alicerce o princípio da supremacia constitucional– é a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos. O poder constituinte é o poder que cria a Constituição. Os poderes constituídos são o resultado dessa criação, isto é, são os poderes estabelecidos pela Constituição. A teoria do poder constituinte está relacionada com a legitimidade do poder, com a soberania nacional e a soberania popular em um dado Estado. Nasceu do fortalecimento do racionalismo, em oposição ao poder absoluto das monarquias de direito divino, com a invocação da substituição de Deus pela nação (Sieyês), ou pelo povo, como titular da soberania. Contemporaneamente, é hegemônico o entendimento de que o titular do poder constituinte é o povo, pois só este tem legitimidade para determinar quando e como deve ser elaborada uma nova Constituição, ou modificada a já existente. A soberania popular, que é, na essência, o poder constituinte do povo, é a fonte única de que procedem todos os poderes públicos do Estado. O poder constituinte originário pode manifestar-se na criação de um novo Estado (por exemplo, as desintegrações do Império Otomano, da União Soviética, da Iugoslávia deram origem a vários novos Estados), ou na refundação de um Estado, com a substituição de uma Constituição por outra, como ocorre no caso de golpe, revolução, desagregação social, ou mesmo, se assim desejar o povo, em períodos de normalidade social. Conquanto na atualidade haja um consenso teórico em afirmar que é o povo o titular do poder constituinte, o seu exercício nem sempre tem se realizado democraticamente. De fato, em diversos países o poder constituinte tem sido exercido por ditadores ou por grupos que se alçam ao poder mediante a ruptura da ordem democrática, resultando na criação autocrática da Constituição. Trata-se de uma forma de exercício do poder constituinte pela única vontade do detentor do poder, sem nenhuma representação nem participação do povo. Observa-se, assim, que, não obstante a titularidade do poder constituinte seja sempre do povo, temos duas formas distintas para o seu exercício: democrática (poder constituinte legítimo) ou autocrática (poder constituinte usurpado). O exercício autocrático do poder constituinte caracteriza-se pela denominada outorga: estabelecimento da Constituição pelo individuo, ou grupo, líder do movimento revolucionário que o alçou ao poder, sem a participação popular. É ato unilateral do governante, que autolimita o seu poder e impõe as normas constitucionais ao povo (e, teoricamente, a si mesmo). A outorga constitui, portanto, a criação autocrática da Constituição, um exercício do poder constituinte pela única vontade do detentor do poder, sem a representação nem participação dos governados, do povo, destinatários do poder. Temos, nesse caso, o que a doutrina chama de poder constituinte usurpado (Jorge Miranda: Paulo Bonavides). O exercício democrático do poder constituinte ocorre pela assembléia nacional constituinte ou convenção: o povo escolhe seus representantes (democracia representativa), que formam o órgão constituinte, incumbido de elaborar a Constituição do tipo promulgada. A atuação do poder constituinte por meio de uma assembléia nacional constituinte ou convenção composta de representantes do povo democraticamente eleitos é a forma típica de exercício democrático do poder constituinte, desde as origens do constitucionalismo (Convenção de Filadélfia de 1787 e Assembléia Nacional Francesa de 1789). Com a utilização desse sistema, o povo, legítimo titular do poder constituinte, democraticamente, confere poderes a seus representantes especialmente eleitos para a elaboração e promulgação da Constituição. No exercício democrático do poder constituinte pode, ainda, haver maior participação popular do que a verificada na mera eleição de representantes para compor o órgão constituinte (democracia representativa). Com efeito, é possível a participação direta do povo no processo de elaboração ou de aprovação da Constituição (democracia participativa), por meio de plebiscito ou referendo, ou mediante apresentação, ao órgão constituinte, de propostas populares de dispositivos constitucionais para serem apreciadas e, se aprovadas (com ou sem modificações), incorporadas ao texto da Constituição (uma espécie de “iniciativa popular constitucional”). Historicamente, tem sido mais frequente a democracia participativa traduzir-se na sujeição do texto constitucional à aprovação do povo: a Constituição é elaborada pela assembléia constituinte ou convenção e, ulteriormente, submetida a aprovação ou rejeição pelo povo, em sufrágio – referendo popular. Na história constitucional do Brasil, o poder constituinte nem sempre se exercitou segundo o princípio da legitimidade democrática. Além disso, nem uma de nossas Constituições teve seu texto, elaborado pelo órgão constituinte formalmente incumbido dessa tarefa, aprovado em referendo popular (somente a Constituição de 1937, autoritária, outorgada, previa um plebiscito para a aprovação de seu texto, mas esse plebiscito nunca chegou a ser convocado – caso tivesse ocorrido, teria sido um caso típico de Constituição cesarista). Todas as nossas Constituições democráticas, forma promulgadas diretamente pela assembléia constituinte, sem qualquer participação popular direta no ato de promulgação. Apesar disso, podemos apontar como resultantes do exercício legítimo (democrático) do poder constituinte as Constituições de 1891, de 1934, de 1946, e a vigente, de 1988. Foram outorgadas, resultando de usurpação do poder constituinte, as Cartas de 1824, 1937, 1967 e 1969. Seja qual for a forma de exercício do poder constituinte – legítima ou mediante usurpação – um ponto deve ficar claro: sempre que houver ruptura da ordem constitucional estabelecida, e sua substituição por uma outra, ocorre manifestação do poder constituinte, ou seja, a nova Constituição será sempre obra do poder constituinte, mesmo que imposta mediante exercício ilegítimo desse poder. O fato de residir no povo a titularidade do poder constituinte não tem relevância para determinar quando há manifestação do poder constituinte, vale dizer, mesmo nos casos em que há usurpação desse poder, e uma nova Constituição é outorgada por um ato autoritário, não democrático, o só fato desubstituir-se o ordenamento constitucional vigente por um outro consubstancia manifestação do poder constituinte; essa criação e imposição de uma nova ordem constitucional é obra do poder constituinte originário. O poder constituinte originário (chamado por alguns de inicial ou inaugural) é aquele que instaura uma nova ordem jurídica, rompendo por completo com a ordem jurídica precedente. O objetivo fundamental do poder constituinte originário, portanto, é criar um novo Estado, diverso do que vigorava em decorrência da manifestação do poder constituinte precedente. Reproduzimos interessante conceituação trazida pelo Professor Michel Temer a respeito do assunto: “ressalte-se a idéia de que surge novo Estado a cada nova Constituição, provenha ela de movimento revolucionário ou de assembléia popular. O Estado brasileiro de 1988 não é o de 1969, nem o de 1946, o de 1937, de 1934, de 1891, ou de 1824. Historicamente é o mesmo. Geograficamente pode ser o mesmo. Não o é, porém, juridicamente. A cada manifestação constituinte, editora de atos constitucionais como Constituição, Atos Institucionais e até Decreto (veja-se o Dec. n. 1, de 15.11.1989, que proclamou a República e instituiu a Federação como forma de Estado), nasce o Estado. Não importa a rotulação conferida ao ato constituinte. Importa a sua natureza. Se dele decorre a certeza de rompimento com a ordem jurídica anterior, de edição normativa em desconformidade intencional com o texto em vigor, de modo a invalidar a normatividade vigente, tem-se novo Estado”. O poder constituinte originário pode ser dividido em histórico e revolucionário. Histórico seria o verdadeiro poder constituinte originário, estruturando pela primeira vez, o Estado. Revolucionário seriam todos os posteriores ao histórico, rompendo por completo com a antiga ordem e instaurando uma nova, um novo Estado. O poder constituinte originário é inicial, autônomo, ilimitado juridicamente, incondicionado, soberano na tomada de suas decisões. a) Inicial, pois instaura uma nova ordem jurídica, rompendo, por completo, com a ordem jurídica anterior; b) Autônomo, visto que a estruturação da nova constituição será determinada, autonomamente, por quem exerce o poder constituinte originário; c) Ilimitado juridicamente, no sentido de que não tem de respeitar os limites postos pelo direito anterior, com as ressalvas a seguir indicadas e que passam a ser uma tendência para os concursos públicos; d) Incondicionado e soberano na tomada de suas decisões, porque não tem de submeter- se a qualquer forma prefixada de manifestação. A doutrina ainda fala em poder constituinte formal e material: Formal: é o ato de criação propriamente dito e que atribui a “roupagem” com status constitucional a um “complexo normativo”; Material: é o lado substancial do poder constituinte originário, qualificando o direito constitucional formal com o status de norma constitucional. Assim, será o orientador da atividade do constituinte originário formal que, por sua vez, será o responsável pela “roupagem” constitucional. O material diz o que é constitucional; o formal materializa e sedimenta como constituição. O material precede o formal, estando ambos interligados. Assim, anota Jorge Miranda, o poder constituinte formal confere “... estabilidade e garantia de permanência e de supremacia hierárquica ou sistemática ao princípio normativo inerente à Constituição material. Confere estabilidade, visto que a certeza do direito exige o Estatuto da regra. Confere garantia, visto que só a Constituição formal coloca o poder constituinte material (ou o resultado da sua ação) ao abrigo das vicissitudes da legislação e da prática quotidiana do Estado e das forças políticas” Duas são as formas de expressão do poder constituinte originário: outorgada; assembléia nacional constituinte (ou convenção). Outorga: caracteriza-se pela declaração unilateral do agente revolucionário (movimento revolucionário – exemplo: Constituição de 1824, 1937, 1967 e EC n. 1/69, lembrando que a Constituição de 1946 já havia sido suplantada pelo Golpe Militar de 1964 – AI n. 1, de 09.04.1964). Conforme vimos, embora a Constituição de 1946 continuasse existindo formalmente, o País passou a ser governado pelos Atos Institucionais e Complementares, com o objetivo de consolidar a “Revolução Vitoriosa”, que buscava combater e “drenar o bolsão comunista” que assolava o Brasil. Assembléia nacional constituinte ou convenção: por seu turno, nasce da deliberação da representação popular, destacando-se os seguintes exemplos: CF de 1891, 1934, 1946 e 1988. O poder constituinte derivado é também denominado instituído, constituído, secundário, de segundo grau. Como o próprio nome sugere, o poder constituinte derivado é criado e instituído pelo originário. Assim, ao contrário de seu “criador”, que é ilimitado, incondicionado, inicial, o derivado deve obedecer às regras colocadas e impostas pelo originário, sendo, nesse sentido, limitado e condicionado aos parâmetros a ele impostos. Alguns autores preferem a utilização da terminologia competências, em vez de poder constituinte derivado, pois só seria poder constituinte o que derivasse diretamente da soberania popular e fosse ilimitado. No entanto, mantemos a utilização da expressão “poder constituinte” na medida em que dele decorre a produção de normas de caráter constitucional. Derivam, pois, do originário o reformador, o decorrente e o revisor. O poder constituinte derivado reformador, chamado por alguns de competência reformadora, tem a capacidade de modificar a Constituição Federal, por meio de um procedimento específico, estabelecido pelo originário, sem que haja uma verdadeira revolução. O poder de reforma constitucional, assim, tem natureza jurídica, ao contrário do originário, que é um poder de fato, um poder político, ou, segundo alguns, uma força ou energia social. A manifestação do poder constituinte reformador verifica-se através das emendas constitucionais (arts. 59, I, e 60 da CF/88), que abordaremos melhor quando tratarmos das espécies normativas. Neste momento, já adiantamos algumas características do poder de reforma, decorrentes de sua natureza constituída, instituída, ou de segundo grau. Como vimos ao contrário do originário, que é incondicionado, o derivado é condicionado pelas regras colocadas pelo originário, este último, sim, um poder de fato que tudo pode! Pois bem, o originário permitiu a alteração de sua obra, mas obedecidos alguns limites como: quórum qualificado de 3/5, em cada Casa, em dois turnos de votação para aprovação das emendas (art. 60, § 2º); proibição de alteração da Constituição na vigência de estado de sítio, defesa, ou intervenção federal (art. 60, § 1º), no núcleo de matérias intangíveis, vale dizer as cláusulas pétreas do art. 60, § 4º, da CF/88 etc. Estados-membros O poder constituinte derivado decorrente, assim como o reformador, por ser derivado do originário e por ele criado, é também jurídico e encontra os seus parâmetros de manifestação nas regras estabelecidas pelo originário. Sua missão é estruturar a Constituição dos Estados-membros. Tal competência decorre da capacidade de auto-organização estabelecida pelo poder constituinte originário. Como veremos ao tratar dos Estados-membros, no tópico Federação, a eles foi atribuída autonomia, manifestada pela capacidade de auto-organização (art. 25, caput); autogoverno (arts. 27, 28 e 125, que estabelecem regras para a estruturação dos “Poderes” Legislativos: Assembléia Legislativa; Executivo: Governador do Estado; e Judiciário: Tribunais e juízes) e autoadministração (arts. 18 e 25 a 28 –regras de competências legislativas e não legislativas, que será oportunamente estudada). Segundo Anna Cândida da Cunha Ferraz, em uma das mais completas monografias sobre o tema do direito pátrio, o poder constituinte derivado decorrente “... intervém para exercer uma tarefa de caráter nitidamente constituinte, qual seja a de estabelecer a organização fundamental de entidades componentes do Estado Federal. Tem o Poder Constituinte Decorrente um caráter de complementaridade em relação à Constituição; destina-se a perfazer a obra do Poder Constituinte Originário nos Estados Federais, para estabelecer a Constituição dos seus Estados componentes”. Pois bem, em relação à capacidade de auto- organização, prevista no art. 25 caput, da CF/88, foi categórico o poder constituinte originário ao definir que “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. Esta última parte do texto demonstra, claramente, o caráter de derivação e vinculação do poder decorrente em relação ao originário; vale dizer, os Estados têm a capacidade de auto- organizar-se, desde que, é claro, observem as regras que foram estabelecidas pelo poder constituinte originário. Havendo afronta, estaremos diante de um vício formal ou material, caracterizador da inconstitucionalidade. E o que deve ser entendido por princípios desta Constituição? Quais são os limites à manifestação do poder constituinte derivado decorrente? Em interessante síntese, da qual nos valemos, Uadi Lammêgo Bulos estabelece, como limites à manifestação do poder constituinte derivado decorrente, os princípios constitucionais sensíveis, os princípios constitucionais estabelecidos (organizatórios) e os princípios constitucionais extensíveis. Princípios constitucionais sensíveis: terminologia adotada por Pontes de Miranda, encontram-se expressos na Constituição, daí serem também denominados princípios apontados ou enumerados. Nesse sentido, os Estados membros, ao elaborar as suas constituições e leis, deverão observar os limites fixados no art, 34, VII, “a-e”, da CF/88, sob pena de, declarada a inconstitucionalidade da referida norma e a sua suspensão insuficiente para o restabelecimento da normalidade, ser decretada a intervenção federal no Estado. Princípios constitucionais estabelecidos (organizatórios): segundo Bulos, “... são aqueles que limitam, vedam, ou proíbem a ação indiscriminada do Poder Constituinte Decorrente. Por isso mesmo, funcionam como balizas reguladoras da capacidade de auto-organização dos Estados ... podem ser extraídos da interpretação do conjunto de normas centrais, dispersas no Texto Supremo de 1988, que tratam, por exemplo, da repartição de competência, do sistema tributário nacional, da organização dos Poderes, dos direitos políticos, da nacionalidade, dos direitos e garantias individuais, dos direitos sociais, da ordem econômica da educação, da saúde, do desporto, da família, da cultura etc.”. O autor os divide em três tipos: a) limites explícitos vedatórios: proíbem os Estados de praticar atos ou procedimentos contrários ao fixado pelo poder constituinte originário – exs.: arts. 19, 35, 150, 152, ou limites explícitos mandatórios: restrições à liberdade de organização – exs.: arts. 18, § 4º, 29, 31, § 1º, 37 a 42, 92 a 96, 98, 99, 125, § 2º, 127 a 130, 132, 134, 135, 144, IV e V, §§ 4º a 7º; b) limites inerentes: implícitos ou tácitos, vedam qualquer possibilidade de invasão de competência por parte do Estado-membro; c) limites decorrentes: decorrem de disposições expressas. Exs.: necessidade de observância do princípio federativo, do Estado Democrático de Direito, do princípio republicano (art. 1º, caput); da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); da igualdade (art. 5º, caput); da legalidade (art. 5º, II) da moralidade (art. 37), do combate a desigualdades regionais (art. 43) etc.; princípios constitucionais extensíveis: mais uma vez na conceituação de Bulos, “são aqueles que integram a estrutura da federação brasileira, relacionando-se, por exemplo, com a forma de investidura em cargos eletivos (art. 77), o processo legislativo (arts. 59 e s.), os orçamentos (arts. 165 e s.), os preceitos ligados à Administração Pública (arts. 37 e s.) etc.”. Finalmente, lembramos que o exercício do poder constituinte derivado decorrente foi concedido às Assembléias Legislativas, conforme estabelece o art. 11, caput, do ADCT, que diz: “Art. 11. Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta”. (destacamos). Distrito Federal, Municípios e Territórios Federais Esses entes serão mais bem estudados quando tratarmos da Federação brasileira. No entanto, faremos alguns comentários relacionados ao tema do poder constituinte, indagando se existiria uma verdadeira manifestação de poder constituinte derivado no âmbito distrital, municipal e dos Territórios Federais. O Distrito Federal, de acordo com o art. 32, caput, da CF/88, será regido por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de 10 dias e aprovada por 2/3 da Câmara Legislativa, que a promulgará. Tal lei orgânica deverá obedecer aos princípios estabelecidos na Constituição Federal. Dessa forma, muito embora a posição particular ocupada pelo DF na Federação, já que a sua autonomia é parcialmente tutelada pela União (arts. 21, XIII e XIV, e 22, XVII), além de acumular competências legislativas reservadas tanto aos Estados como aos Municípios (art. 32, § 1º), a vinculação da lei orgânica será diretamente com a CF. Nesse sentido, em interessante demonstração, o Min. Carlos Brito afirmou que, “conquanto submetido a regime constitucional diferenciado, o Distrito Federal está bem mais próximo da estruturação dos Estados-membros do que da arquitetura constitucional dos Municípios” (ADI 3.756, j. 21.06.2007, DJ de 19.10.2007). Assim, na medida em que a derivação é direta em relação à Constituição Federal, parece razoável afirmarmos, mudando de posição firmada em edições anteriores à 13ª., que, no âmbito do DF, verifica-se a manifestação do poder constituinte derivado decorrente, qual seja, a competência que o DF tem para elaborar a sua lei orgânica 10 (verdadeira Constituição Distrital) sujeitando-se aos mesmos limites já apontados para os Estados-membros e, assim, aplicando-se, por analogia, o art. 11 do ADCT. Por esse motivo, é perfeitamente possível o controle concentrado no âmbito do TJ (Justiça do Distrito Federal e dos Territórios), tendo como paradigma a Lei Orgânica do DF, com a mesma natureza das constituições estaduais, regra esta, inclusive, introduzida, de modo expresso, no art. 30 da Lei n. 9.868/99 e, também, na Lei n. 11.697/2008, que dispõe sobre a organização judiciária do Distrito Federal e dos Territórios. Nesse sentido, também, a jurisprudência do STF. “EMENTA: antes de adentrar no mérito da questão aqui debatida, anoto que, muito embora não tenha o constituinte incluído o Distrito Federal no art. 125, § 2º, que atribui competência aos Tribunais de Justiça dos Estados para instituir a representação de inconstitucionalidade em face das constituições estaduais, a Lei Orgânica do Distrito Federal apresenta, no dizer da doutrina, a natureza de verdadeira Constituição local, ante a autonomia política, administrativa e financeira que a Carta confere a tal ente federado. Por essa razão, entendo que se mostrava cabível a propositura da ação direta de inconstitucionalidade pelo MPDFT no caso em exame” (RE 577.025, voto do Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.12.2008, Plenário,DJE de 06.03.2009). E como ficam os Municípios? Os Municípios (que por força dos arts. 1º e 18 da CF/88 fazem parte da Federação brasileira, sendo, portanto, autônomos em relação aos outros componentes, na medida em que também têm autonomia “F.A.P.” – Financeira, Administrativa e Política) elaborarão leis orgânicas como se fossem “Constituições Municipais”. Dessa forma, a capacidade de auto- organização municipal está delimitada no art. 29, caput, da CF/88, sendo que seu exercício caberá à Câmara Municipal, conforme o parágrafo único do art. 11 do ADCT, que estabelece: “promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de 6 meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual”. Como se observa, o respeito ao conteúdo dar-se-á tanto em relação à Constituição Estadual como à Federal, obedecendo, desta feita, como advertiram Araújo e Nunes, “a dois graus de imposição legislativa constitucional”. Em virtude disso e trazendo à baila entendimento jurisprudencial emanado pelo TJSP, os autores concluem que “o poder constituinte decorrente, conferido aos Estados-membros da Federação, não foi estendido aos Municípios”. Nesse sentido, Noemia Porto estabelece: “o poder constituinte derivado decorrente deve ser de segundo grau, tal como acontece com o poder revisor e o poder reformador, isto é, encontrar sua fonte de legitimidade direta da Constituição Federal. No caso dos Municípios, porém, se descortina um poder de terceiro grau, porque mantém relação de subordinação com o poder constituinte estadual e o federal, ou em outras palavras, observa necessariamente dois graus de imposição legislativa constitucional. Não basta, portanto, ser componente da federação, sendo necessário que o poder de auto- organização decorra diretamente do poder constituinte originário. Assim, o poder constituinte decorrente, conferido aos Estados-membros e ao Distrito Federal, não se faz na orbita dos Municípios. Por essa razão, ato local questionado em face da lei orgânica municipal enseja controle de legalidade, e não de constitucionalidade”. E como ficam os Territórios Federais? Os Territórios Federais, (que, como veremos, hoje não mais existem, mas poderão vir a ser criados) de acordo com o art. 18, § 2º, integram a União, não se falando em autonomia e, portanto, não se cogitando em manifestação de poder constituinte. Assim, apesar de a doutrina pouco falar sobre o assunto, devemos nos posicionar, orientado os candidatos aos concursos públicos. Entendemos que o poder constituinte derivado decorrente (para aqueles que aceitam caracteriza-lo como constituinte) – é apenas o poder que os Estados-membros, por meio das Assembléias Legislativas, têm de elaborar as suas Constituições Estaduais, bem como o DF de elaborar a sua Lei Orgânica, devendo, ambas, obedecer os limites impostos pela Constituição Federal, nos exatos termos do art. 25, caput, e art. 32, caput, da CF/88. Essa particularidade, portanto, não se estende aos Municípios e Territórios Federais que eventualmente venham ser criados, pelas razões acima expostas. O poder constituinte derivado revisor, assim com o reformador e o decorrente, é fruto do trabalho de criação do originário, estando, portanto, a ele vinculado. É, ainda, um “poder” condicionado e limitado às regras instituídas pelo originário, sendo assim, um poder jurídico. Como já advertimos, melhor seria a utilização da nomenclatura competência de revisão, na medida em que não se trata, necessariamente, de um “poder”, uma vez que o processo de revisão está limitado por uma força maior que é o poder constituinte originário, este sim um verdadeiro poder, inicial e ilimitado, totalmente autônomo. O art. 3º. do ADCT determinou que a revisão constitucional seria realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. Pois bem, o que se percebeu foi o estabelecimento de uma competência de revisão para “atualizar” e adequar a Constituição às realidades que a sociedade apontasse como necessárias. Como o próprio texto constitucional prescreve, após cinco anos, contados de 05.10.1988, deveria ser feita uma revisão na Constituição. Desde já observamos que a revisão deveria dar-se após, pelo menos, 5 anos, podendo ser 6, 7, 8... e apenas uma única vez, sendo impossível uma segunda produção de efeitos. Em se tratando de manifestação de um “poder” derivado, os limites foram estabelecidos pelo poder constituinte originário. Muito se questionou a respeito dos limites. Teorias surgiram apontando uma ilimitação total; outras apontando a condicionalidade da produção da revisão desde que o plebiscito previsto no art. 2º do ADCT modificasse a forma ou sistema de governo. A teoria que prevalece foi a que fixo como limite material o mesmo determinado ao poder constituinte derivado reformador, qual seja, o limite material fixado nas “cláusulas pétreas” do art. 60, § 4º, da CF/88, vale lembrar, a proibição de emendas tendentes a abolir: • A forma federativa de Estado; • O voto direto, secreto, universal e periódico; • A separação dos Poderes; e • Os direitos e garantias individuais. No ordenamento jurídico pátrio, a competência revisional do art. 3º do ADCT proporcionou a elaboração de meras 6 Emendas Constitucionais de Revisão (n. 1, de 1º.03.1994 – DOU, 02.03.1994 – , e as de ns. 2 a 6, de 07.06.1994, publicadas no DOU em 09.06.1994), não sendo mais possível nova manifestação do poder constituinte derivado revisor em razão da eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada da aludida regra.
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