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1 Comunicação, Estética e Cultura de Massa Luiz Vadico 2 ESTÉTICA DAS IMAGENS EM MOVIMENTO 4 ESTÉTICA, FORMAÇÃO E PREOCUPAÇÕES RELATIVAS ÀS PRIMEIRAS IMAGENS EM MOVIMENTO. 6 MÉLIÈS 10 MOSTRAÇÃO VERSUS NARRAÇÃO – O INÍCIO “NÃO NARRATIVO” DO CINEMA 12 OS NICKELODEONS 14 NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA – ESPAÇO E MOVIMENTO 15 O CINEMA CLÁSSICO NARRATIVO 16 NOVOS PROBLEMAS ESTÉTICOS 18 SUGESTÃO DE LEITURAS E FILMES PARA OS TEMAS ABORDADOS 21 A EXPERIÊNCIA SOVIÉTICA: A ESTÉTICA SOCIALISTA 23 TEORIAS DA MONTAGEM 24 O EXPRESSIONISMO ALEMÃO 32 MURNAU 36 POR TRÁS DE METRÓPOLIS 38 VANGUARDAS EUROPÉIAS 40 VANGUARDA FRANCESA - O AVANT-GARDE 41 PRIMEIRA FASE - O IMPRESSIONISMO FRANCÊS 41 SEGUNDA FASE – IMPRESSIONISMO FRANCÊS 42 TERCEIRA FASE – DADAÍSMO E SURREALISMO 43 DADAÍSMO NO CINEMA 43 RENÉ CLAIR – INDÍCIOS DADAÍSTAS 44 MAN RAY 44 MARCEL DUCHAMP 45 SURREALISMO NO CINEMA - LUÍS BUÑUEL E SALVADOR DALI 45 "UN CHIEN ANDALOU" 45 O DOCUMENTÁRIO 47 O USO DA COR 53 O USO EXPRESSIVO 55 AS RECEITAS COLORIDAS 56 NOVAS FERRAMENTAS PARA A MANIPULAÇÃO DA COR NO CINEMA 57 ASTROS E ESTRELAS – A ESTÉTICA DO CORPO. 59 A ÉPOCA DAS ESTRELAS 59 O ATOR DE CINEMA E O DA TV 62 O BELO 63 3 O NEO-REALISMO ITALIANO 65 CARACTERÍSTICAS DO NEO-REALISMO 68 A NOUVELLE VAGUE 70 BIBLIOGRAFIA 74 4 Estética das Imagens em Movimento A virada do século XIX para o XX apresentou um agravamento de uma crise que havia se iniciado no âmbito das artes ao longo do século XIX. A arte pictórica que havia sido acima de tudo baseada na Mimesis (imitação da natureza) – sem retirar dela o que possuía do caráter ligado à representação simbólica - , será confrontada com o surgimento da fotografia. O longo desenvolvimento das máquinas e dos processos de revelação fotográficos ajudaram a questão a se impor aos poucos. Isso levou os artistas e teóricos a um questionamento profundo sobre a natureza do fazer artístico. Agora que o ato fotográfico conseguia traduzir bastante bem a natureza e seus elementos, e despontava também como uma forma artística, quais seriam os novos caminhos que a Arte poderia percorrer? A resposta seria a Arte pela Arte, depois das longas tentativas e explorações em diversos movimentos artísticos bastante conhecidos (Impressionismo, Fauvismo, Cubismo, Dadaísmo, etc) que terminaram por possibilitar o desenvolvimento da Arte Moderna. Uma Arte que se deseja acima de tudo conceitual e que exige para a sua plena fruição um expectador avisado sobre o fazer artístico e sobre o resultado final obtido neste processo. Mal estes problemas se colocavam no âmbito da Arte em relação à fotografia e à representação da Natureza e eis que surgem as imagens em movimento. A fotografia em movimento, ou os quadros móveis. Essa novidade que fazia parte sobretudo de uma resposta necessária ao imaginário relativo ao “Real”, típico da sociedade burguesa do Século XIX, iria originar, como bem se sabe, o que se convencionou chamar de Cinema. Mal se estava pensando na reprodutibilidade das imagens fotográficas, quando subitamente elas começaram a ser imagens em movimento. É necessário ter-se em mente que toda a tradição cultural e filosófica ocidental, que havia produzido ou pensado a Estética o havia feito em cima de objetos eminentemente parados. O que havia permitido estabelecer padrões e critérios de análise que poderiam se traduzir em 5 um juízo a respeito da qualidade de uma obra de arte, e o quanto essa obra de arte atendia aos quesitos sociais relativos ao Belo, e de alguma forma, também relativos ao Sublime. O conhecido intelectual Walter Benjamin tentou atacar a questão da reprodução das imagens no conhecido artigo A Obra de Arte no Tempo da sua Reprodutibilidade Técnica, onde falava à respeito do esvaziamento do “Aura” e de outra forma implicava uma certa de perda do estatuto da Obra de Arte. Essa discussão está inserida no contexto do surgimento do Cinema e das primeiras buscas de teóricos acadêmicos em produzir conhecimento e reflexão sobre o novo meio. Entre os mais representativos deste momento estão Hugo Munsterberg (The Photoplay, 1916) e, pouco posteriormente, Rudolf Arnheim (Film as Art, 1932). Além de buscar entender a natureza do cinema eles também buscavam, e conseguiram de certa forma, estabelecer o cinema como uma forma de arte; devedora de todas as outras artes, mas ao mesmo tempo uma arte autônoma. As discussões de teóricos posteriores tenderam a pensar em termos do efeito que os filmes e o cinema em geral teriam sobre seus espectadores. E, uma longa tradição, tanto de teóricos quanto de historiadores, visitavam a evolução deste processo e a sua estética tendo em vista como ponto final da sua evolução a Narrativa clássica Hollywoodiana. Ou seja, desde o início da primeira tomada de imagem, o que se deseja era contar “estórias”, desenvolver uma forma narrativa. E uma forma narrativa que fosse típica do cinema. Todas as vezes que se olhava para o passado era pensando que em determinados momentos não se possuía algum tipo de equipamento ou conhecimento para se fazer determinado tipo de filme e que por isso os resultados eram sempre “primitivos” e um tanto quanto amadores. No entanto, os estudos mais contemporâneos, a partir de meados dos anos 80 alteraram significativamente essa forma de se ver os Primeiros Filmes ou o chamado Primeiro Cinema (Early Cinema ou Early Film), processo capitaneado por Tom Gunning, André Gaudreault e Charles Musser. Mais do que somente pensar na estética e na natureza do cinema (ou da imagem em movimento) é necessário também se juntar a estes itens as questões: porque se faz, para quem se faz e qual a finalidade em se fazer. E o contexto histórico e social no qual foi feito. O problema que irá nos acompanhar ao longo do curso não é o da natureza da imagem, mas o da estética da imagem em movimento. Os desdobramentos dessa 6 questão estão diretamente relacionados a todos os tipos de imagens em movimento, sejam elas televisivas ou geradas por novas tecnologias. Dizer que estão diretamente ligados também não significa dizer que uma solução estética encontrada para um meio seja pura e simplesmente transportada para o outro. Aqui se discute sobretudo a estética das imagens em movimento, e até mesmo os componentes que podem ser de caráter estético, como o Movimento e o Tempo. Estética, formação e preocupações relativas às primeiras imagens em movimento. A partir de 1895, data da primeira projeção pública realizada pelos irmãos Lumiéres, já poderemos observar os elementos estéticos presentes nos primeiros filmes projetados1. Os Assuntos (títulos) das imagens se referem diretamente ao conteúdo. Isso se deve sobretudo à curta duração do rolo de filme, surge aqui uma primeira determinação relativa ao Tempo e a Estética e à sua finalidade. Observemos que em termos “estéticos” a duração do rolo do filme não é encarada como uma dificuldade e nem como um desafio. É o rolo de filme que se tem naquele momento. A finalidade é apresentar a possibilidade de se registrar imagens em movimento. Como veremos é o “movimento” que chama atenção naquele período (1895-1899 + - ). O enquadramento. A questão seguinte. Imagens em movimento, mas que imagens são? Animações? Não. São fotografias, logo os primeiros a fazerem tomadas de imagens eram sobretudo fotógrafos. Estes fotógrafos também naquele período já se inseriam numa tradição de retratos, fossem da natureza fossem de seres humanos, essa tradição estava sobretudo alojada no plano dos ganhos da arte pictórica ao longo dos séculos. Em outras palavras, mesmo em se tratando de fotógrafos, eles ainda possuíam uma proximidade bastante clara com as regras e formas do que é tido como Belo e pensado como Belo pela e para a pintura.Havia inclusive entre eles um grande esforço por estabelecer a fotografia como uma arte autônoma, mas a dificuldade maior era que desde o inicio a fotografia se “vendeu” como uma forma de captar o real, desejava-se o 1 Não se pode esquecer o pioneirismo de Thomas Edison, nos Estados Unidos, na invenção e aplicação do Kinestoscópio. O seu trabalho não será particularmente verificado aqui, pois o aparelho permitia apenas o visionamento individuas das imagens. Em termos estéticos, os conteúdos abordados em seus trabalhos são muito próximos ao dos irmãos Lumiéres. 7 seu análogo. O que de certa forma é um paradoxo, pois a Arte tinha sido até então “a mimetização” do real, as técnicas e os significados envolvidos nisso tudo. Então, provavelmente, com a exceção das “naturezas mortas” todos os temas típicos da Arte Pictórica foram de alguma forma reaproveitados pelos fotógrafos (cinegrafistas), quer seja em sua arte, quer seja na captação das imagens em movimento. A natureza do conteúdo. O que estava efetivamente fotografado na película? As primeiras constatações relativamente à análise dessas imagens, necessariamente nos levam a dizer pura e simplesmente que tudo o que há nelas, forma, conteúdo, estratégias, pontos de vista, são fruto da época. Observemos a imagem mais impactante: A Chegada do Trem A escolha do assunto nos fala muito sobre o que ocorria naquele momento. Essa imagem é tão forte que todas as vezes que se fala do surgimento do cinema comenta-se que as pessoas assustadas fugiram da sala quando foi projetada essa imagem (isso é lenda). Ao final de um século onde o progresso, o desenvolvimento tecnológico, as novas descobertas científicas, etc faziam crer na evolução e progressão continuas da humanidade, o trem representava o conjunto de todas essas coisas unidas. Era ao mesmo tempo o símbolo de uma época como também o símbolo do movimento, da velocidade, da potência, da mobilidade, da união, do transporte, da conquista das novas fronteiras. E, acima de tudo, se trata de uma máquina. Começava a existir um encantamento pela máquina, pela sua velocidade, pela sua mecânica, pelos seus movimentos mecânicos, harmônicos, sincrônicos e repetitivos (Dziga Vertov, Marinetti)2. Este é apenas um primeiro indício. Poderemos perceber que pouco tempo depois, um dos cinegrafistas de Lumière teve a idéia de colocar o cinematógrafo em um trem, e então tivemos a câmera sendo movimentada, mais um detalhe característico do movimento. Posteriormente um outro cinegrafista resolveu colocar uma câmera sobre um barco, e foi mostrando imagens de Veneza. Realizando o que se chamaria hoje de travelling. A Máquina surge nestes primeiríssimos filmes como algo que encanta e que pertence à categoria das coisas belas, belas e que se movimentam. Em outros filmes, como veremos posteriormente as novas tecnologias também receberam sua carga de crítica. Pois Vemos a recente invenção do automóvel ser alvo de atenção e ao mesmo 2 A beleza, a estética da máquina e a sua apologia podem ser encontradas nos trabalhos de marinetti, italiano fundador do movimento futurista e a sua influência pode ser claramente sentida nos filmes de Dziga Vertov, como “O Homem com a Camêra”. 8 tempo de comicidade. Pois podemos ver carros explodindo. E, efetivamente alguns deles explodiram. Vamos notar também de imediato que o que está no pano de fundo da maior parte destas imagens é a sociedade burguesa. Não apenas no que tange à classe, mas aos costumes, aos desejos, ao lugar onde vive. A cidade surge assim como o pano de fundo mais comum. Desde o começo há uma forte preeminência das tomadas de imagem relacionadas às cidades. Opção esta que se refere a uma escolha do cinegrafista e a uma necessidade comercial, nas cidades encontrava-se a maior parte do público que poderia pagar para ver as exibições. Muito rapidamente os Irmãos Lumiéres enviaram os seus cinegrafistas para as várias partes do mundo. Para recolherem imagens em movimento. Este registro pode ser visto de diversas formas. Por que o “mundo”? Bem, estavam em plena Segunda Revolução Industrial, plena era neo-colonista; a Europa tinha sede de saber, de ver, conhecer, tocar e cheirar os povos distantes. Os meios de transporte, mesmo com as efetivas alterações das velocidades, via trem e barco a vapor, ainda não permitiam a locomoção fácil para todos os cantos e nem para todas as pessoas. O cinematografo trazia então para todos eles a possibilidade de ver lugares onde nunca estiveram e nunca estariam provavelmente. A contra-mão disso, foi que ao mesmo tempo que as imagens dos diversos pontos do mundo chegavam à Europa, as imagens da Europa chegavam também a diversas partes do mundo. Vimos aparecer muito rapidamente imagens em movimento de diversas partes como podemos perceber nestes exemplos (Rússia, China, Índia – Box dos Primeiros filmes). Se podemos dizer que o conteúdo da curiosidade européia era uma das marcas da estética dessas imagens, podemos dizer também que elas são tomadas a partir do ponto de vista do europeu. Ao mesmo tempo que essas imagens eram tomadas nos diversos lugares elas eram ali também consumidas muitas vezes antes da matriz européia recebê-las. As imagens eram tomadas com a única finalidade de se fazer exibições de imagens em movimento e se ganhar dinheiro com as mesmas exibições. Por isso uma estratégia comum neste primeiro momento era o cinegrafista tomar imagens em plena rua, das pessoas passando, depois explicava o que estava fazendo e informava onde seriam as exibições, e as pessoas acorriam para lá para se verem nas projeções. Claro, nem sempre a câmera estava ligada. No período inicial da história das imagens em movimento o que estava em jogo pura e simplesmente era a máquina, era a promoção do aparelho que podia fazer 9 imagens e em seguida projetando mostrá-las em movimento. É a curiosidade das pessoas pelo novo invento que está sendo explorada. Por isso pode-se dizer, como alguns teóricos, que eles faziam “mostração”. A sua preocupação única é mostrar. Mostram os lugares, mostram as pessoas, mostram eventos, acontecimentos. Muito da produção desses primeiros anos é dedicado a mostrar o que as pessoas não tinham visto. Um evento do qual não tinham participado, ou a sua participação no filme, ver lugares que não tinham visto, reconstituição de crimes, cenas históricas, “mostração”. A grande diferença daquilo que ocorria para o mundo da fotografia era o “movimento”. Os Irmãos Lumiéres acreditavam que assim que o desejo pela novidade houvesse passado o cinematografo e todos os seus produtos não chamariam mais atenção, viam nele apenas um negócio passageiro. Foi um mágico Méliès, um homem do entretenimento, portanto, que viu nas imagens em movimento uma possibilidade de ganhar dinheiro com entretenimento. Ele foi um dos primeiros a explorar industrial e comercialmente essas imagens. Inicialmente, devido talvez à sua profissão, percebeu que era possível fazer trucagens com as imagens. Fazer coisas desaparecerem, objetos mudarem de lugar, etc. Esses pequenos truques chamavam grandemente a atenção, pois, as pessoas mal haviam se acostumado a ver as imagens se moverem e de repente estavam vendo objetos desaparecerem, montagens estranhas, coisas que nunca haviam imaginado antes. Mas, uma das características dos produtos relacionados ao entretenimento na sociedade moderna, é que precisam sempre ser renovados para não perderem o interesse. Em pouco tempo, Méliès viu a possibilidade de se contar estórias com o novo mecanismo e surgiram as primeiras narrativas elaboradas e produzidas tendo em vista o novo meio. Isso não foi algo que ocorreu tão somente na França. Nos Estados Unidos, Thomas Alva Edison, já explorava as imagens em movimento, anteriormenteao cinematógrafo, através dos Kinetoscópios. E, percebeu a necessidade de entrar na concorrência no campo dos cinematógrafos. Seu principal cinegrafista foi Porter, que além de fazer os mesmo tipos de tomadas que faziam os Lumiéres também notou a necessidade de criar novos assuntos interessantes para as pessoas continuarem a ver filmes e desejarem sempre ver mais. Concluindo. Neste primeiro momento temos então: Câmera Fixa. Imagem em Plano geral. Assuntos diversificados (cidade, costumes, novidades, etc). Prevalecia o registro do movimento, continuava por um tempo sendo fotografia, pouco depois fotografia em movimento, o movimento, suas 10 possibilidades, até que as aplicações do novo invento começaram a ser efetivamente percebidas. As imagens de outros países poderiam ser usadas em palestras de viagens. Poderiam ser vendidas com fins didático-pedagógicos. As notícias, as novidades também poderiam ser guardadas como registros de eventos importantes. Com essa finalidade, as imagens em movimento atraíam para si todos os elementos que formavam a reprodução de imagens no século XIX. Tínhamos ainda as normas da pintura clássica nos enquadramentos, os ângulos típicos dos fotógrafos, os assuntos relacionados à fotografia, relacionados às noticias de jornal, as pequenas comedias relacionadas às tiras de jornais e charges. Bem, as imagens se moviam, e agora, o que se fazer com elas? Méliès Ao descobrir no cinematógrafo uma nova possibilidade para a sua arte, Méliès, que era mágico por formação iniciou suas primeiras experiências. As suas primeiras experiências com o aparelho visavam mostrar pura e simplesmente seus truques mágicos; em seguida notou que o próprio meio era uma possibilidade de criar “truques” mágicos. Em pouco tempo ele começou a fundir pequenas cenas e sketches, com a finalidade de explorar na trucagem o cômico, em outras palavras, o entretenimento puro e simples. A câmera em Méliès é fixa, ela não se move, sempre está em Plano Geral, a concepção que ele tinha do uso da câmera estava diretamente relacionada ao palco do teatro. E, sendo um homem do entretenimento, também ligado ao teatro, iremos observar em seus filmes toda a maquinaria de cenários utilizados à época. Este produtor não estava de forma alguma preocupado em mostrar “a realidade” ou fazer alguma forma de filme que fosse aquilo que se chamaria mais tarde “documentário” ou até mesmo as chamadas “atualidades”, que também atraíram grandemente os espectadores. Estéticamente falando vamos ver em seus filmes o típico gosto do século XIX, uma das características mais marcantes são as alegorias. Mulheres representando planetas, musas, virtudes, etc. Algo que já acontecia nas artes gráficas, na impressão e ilustração de livros. Um claro gosto pelo ornamento. As vezes uma ornamentação excessiva. O conteúdo do cenário variava, desde a utilização de ornamentação, uma forte característica do Art Noveau, até mesmo às influências da gravura japonesa ou da arte chinesa que tanto influenciaram os pintores impressionistas e os primeiros 11 Expressionistas do período. O gosto pelo exótico, pelo oriental, pelo fantástico determina a escolha de vários dos assuntos. Mas, não nos enganemos com a câmera e enquadramentos fixos de Mélies, a grande mobilidade característica da sua exploração do palco, e a intensidade dos detalhes a serem visto levavam às suas produções uma grande platéia. Ele precisou mesmo construir um grande estúdio para poder realizar seus filmes, que visivelmente não eram baratos. O papel de Mélies na História do Cinema é bastante reconhecido, pois foi um dos primeiros a perceber o importante papel da ficção e a explorar industrialmente o invento a partir tão somente do entretenimento que este poderia oferecer. As estórias que ele contou estavam sempre vinculadas ao Fantástico e ao maravilhoso. Explorou vários assuntos, no entanto, a ficção científica, representada pelo escritor Julio Verne, teve sua preferência. A Viagem à Lua é um dos seus mais famosos filmes. Veremos nele não apenas parafernália teatral utilizada plenamente, o caros cenários, mas também veremos moças e rapazes cuja única função é “abrilhantar” o espetáculo, da mesma forma que se fazia no “Vaudeville”. Méliès é o primeiro a fazer narrativas mais longas. As narrativas curtas, sempre ocupando apenas um quadro e o tempo do filme eram bem mais comuns, contavam sempre um pequeno evento, como é o caso do “Jardineiro Regado” (1895) dos irmãos Lumières. Estas primeiras filmagens preocupavam-se muito mais com o fato de mostrar as possibilidades do aparelho, mostrar a inovação técnica, mostrar as imagens em movimento, do que contar estórias, ou desenvolver o aparelho de qualquer forma para que se fizesse isso de uma forma mais eficiente. Seguindo as opções de Mélies, a França produziu vários filmes chamados “Filmes de Arte” nos quais simplesmente filmava grandes nomes do Teatro atuando no palco. Poderia parecer pouco, mas esta era a única chance de algumas pessoas verem a atuação da famosa Sarah Benhardt, p. ex., além de outros nomes famosos do teatro. É importante ter claro em mente, neste momento, que o enquadramento da câmera, quando desejava mostrar coisas relativas à ficção era o “palco do Teatro”, as dimensões do enquadramento obedeciam mais ou menos o tamanho do enquadramento do teatro. 12 Mostração versus Narração – O Início “Não Narrativo” do Cinema Em seu livro O Primeiro Cinema, Flávia Cesarino descreve as mudanças sofridas pela historiografia do cinema ao tratar das produções do período de 1895 a 1906/1908, que, inicialmente, eram vistas por historiadores como Lewis Jacobs, Georges Sadoul e Jean Mitry, como desajeitadas experiências na busca do que o cinema teria em sua essência , ou seja , uma linguagem própria utilizada para contar histórias. “ A abordagem tradicional considerava que somente a partir do momento em que se começou a manipular satisfatoriamente os vários elementos dessa linguagem – a alternância de tempos e espaços , os closes , os campos/contra-campos, as tomadas subjetivas , a centralização , os travellings , as panorâmicas , as fusões , etc. – para construir narrativas fluentes é que o cinema teria se transformado num sistema de expressão verdadeiramente artístico.” (pág. 38) A visão da historiografia clássica pensava o seu objeto de estudos a partir de uma evolução linear, onde as produções dos primeiros anos seriam uma espécie de infância ou pré-história e o “marco zero” do que realmente interessava estaria datado com os filmes de D.W. Griffith, ou mais especificamente para alguns, como Nicholas Vardac, no ano de 1915, com a apresentação de O nascimento de uma nação. Mesmo entre os historiadores clássicos há divergências entre esse momento de transição já que também são citados como figuras importantes para a descoberta da linguagem cinematográfica, principalmente no que se refere à montagem , nomes como Edwin Porter ( Life of an American Fireman – 1903 ) , James Williamson ( Attack on a China Mission – 1900) e G.A. Smith ( Grandma’s Reading Glass – 1900). Divergências e nacionalismos a parte, o que fica patente é a idéia da importância do surgimento da narrativa, neste caso também clássica, para a avaliação do valor artístico dos trabalhos cinematográficos. Tal posição só viria a ser questionada, segundo Flávia Cesarino, a partir dos trabalhos de Jean-Louis Comolli , nos Cahiers du Cinéma , em 1971/1972. Fatos importantes contribuiram para essas mudanças. Um deles seria a descoberta em 1940, na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos de Paper Prints3 contendo fotogramas 3 No intuito de proteger seus filmes da exploração ilegal e não autorizada e na ausência de uma legislação sobre o direito autoral de produções cinematográficas, TomasA. Edison , precursor do cinema na América, a partir de 1894, começou a copiar em papel fotográfico cada fotograma de seus filmes, formando rolos que posteriormente foram chamados de Paper Prints e eram registrados na Biblioteca do Congresso Americano como fotografias. Essa prática logo foi adotada por vários outros estúdios de produção cinematográfica fazendo com que essa acervo chegasse a cerca de 5 mil rolos ainda em 1912. 13 de filmes dos primeiros anos do cinema. Posteriormente essas fotos foram re- transferidas para película de 16mm num trabalho iniciado pelo técnico e colecionador Kemp Niver. Só isso já rendeu aos pesquisadores vasto material para análise, já que muitos dos filmes recuperados a partir dos Paper Prints já não existiam mais e só podiam ser analisados a partir de lembranças e anotações, procedimento comum dos historiadores clássicos citados anteriormente. Outro fato foi o evento que ficou conhecido como o Simpósio de Brighton, em 1978, que reuniu arquivistas e pesquisadores de vários países e que a partir das diversas contribuições apresentadas, direcionou o olhar dos presentes para a necessidade de uma nova avaliação dos trabalhos do cinema dos primeiros anos. Em meio aos muitos pesquisadores que foram a Brighton estavam André Gaudreault e Tom Gunning que consolidam, a partir daí, uma nova forma de ver os trabalhos dos primeiros dez anos do cinema. Flávia Cesarino, citando estes autores em seu trabalho de 1989, “Le Cinéma de Premiers Temps: un défi à l’histoire du cinema ?”, resume bem o novo olhar sobre essa parte da história do cinema : “ 1. O cinema dos primeiros tempos apresenta formas discursivas estranhas ao cinema que se institucionalizou após 1915 (...) e não pode ser julgado por normas que então nem existiam ainda (...). 2. As normas que iriam ser erguidas para dar nascimento à (...) linguaguem cinematográfica (...) não apresentam, em última análise, apesar de sua durabilidade, mais do que um instante do código.” Gunning observa que a relevância dada à narrativa e à sua característica de ser contínua (de modo a ser eficiente) era tão cara aos historiadores clássicos, sendo sua ausência tão negativa para o Primeiro Cinema (na visão deles), devido ao fato dos mesmos terem usado como referência os modelos narrativos vindos do teatro e da literatura, quando era nas artes populares, como a lanterna mágica, o teatro burlesco e os vaudevilles que o Primeiro Cinema se baseava. Uma lógica própria, não necessariamente contínua e baseada em atos, interligados ou não, mas diretamente focados em prender a atenção dos espectadores no que estava sendo mostrado. Gunning vai elaborar melhor essas diferenças no conceito de Cinema de Atrações. Gaudreault, por sua vez, desenvolve uma teoria que, em síntese, estabelece dois modos fundamentais para a comunicação narrativa: a mostração e a narração. A primeira ligada mais ao relato cênico, baseado mais na imitação e que ele chama de diegese mimética; já a segunda, mais ligada ao relato escritural e à figura tradicional do 14 narrador, situação que ele chama de diegese simples. Para este autor o cinema dos primeiros anos está muito mais ligado à categoria de mostração, situação que aos poucos vai sendo movida em direção à narração e ao modo clássico e hegemônico de fazer cinema que sobrevive até hoje. Trabalhando juntos ou separados, Gaudreault e Gunning parecem convergir em alguns pontos apesar de haver diferenças entre a idéia de Cinema de Atrações e o esquema narratológico proposto por Gaudreault. De uma forma ou de outra, ambos determinam uma espécie de polaridade entre atrações, espetáculo ou mostração e a narração da maneira como a conhecemos hoje em sua forma hegemônica no cinema. Os dois também parecem concordar que, com a ascensão de Griffith e seus trabalhos no cenário da indústria do cinema, o pólo da narração clássica começa a tornar-se hegemônico apontando para o pólo do espetáculo um papel cada vez menor nos filmes que se seguiram. O modo de fazer cinema estabelecido por Griffith, de uma certa forma, decreta a queda de um outro personagem tão importante nesta trajetória: George Méliès. Se Griffith representa a conquista da narração e o domínio sobre uma recém descoberta linguagem do cinema, Mélies encarnou no Primeiro Cinema o lado do espetáculo. Através de truques cada vez mais complexos, o mágico Méliès atraiu a atenção dos espectadores e construiu, da sua forma, sua relação com o público, numa trajetória diferente da de Griffith, num caminho que o levaria do sucesso à miséria em menos de 20 anos. Nesse momento, a balança de Gaudreault pende definitivamente para a Narração e a Mostração parece então fadada ao esquecimento. Entretanto pode não ter sido bem assim.Teria a ascensão de Griffith sepultado a Mostração de Gaudreault e o Cinema de Atrações de Tom Gunning deixando-os apenas como características de uma época, a do Primeiro Cinema que finda entre os anos de 1906/1908 ? Seriam esses dois extremos, Atrações e Narração, a única equação possível para estruturar as possibilidades do fazer cinematográfico? Por fim, sendo negativa a resposta à questão anterior, em que bases teóricas poderíamos reconstruir esse problema ? Os Nickelodeons Enquanto na França Méliés reinava e exportava seus filmes, inclusive para os Estados Unidos. Na América do começo do século XX se criou uma casa de espetáculos 15 chamada simplesmente de Nickelodeon, que não eram mais do que um simples salão, onde a maior parte da assistência nem possuía cadeiras para se acomodar. Mas o preço altamente convidativo fez com que este tipo de casa ganhasse as boas graças do público. E rapidamente essas casas de projeção pipocaram por todos os Estados Unidos. Com seu aumento significativo houve uma demanda para que os filmes fossem produzidos em maior quantidade e ainda mais rapidamente do que eram feitos. Inicialmente o público era formado apenas pelas camadas populares, imigrantes de todas as partes do mundo, operários, pobres de todos os tipos. Todos sem a possibilidade de freqüentar qualquer outro ambiente de entretenimento da chamada “Alta Cultura”. O Nickelodeon lhes deu uma oportunidade única de entretenimento barato. Aos poucos, devido ao grande sucesso dessas casas, que enriqueceram de uma hora para outra exibidores e produtores, elas foram se tornando melhores e mais bem acabadas, até se transformarem em grandes salas de exibição. As melhorias e as críticas sociais que as projeções de imagens móveis sofriam por parte da elite da sociedade, fez aos poucos que se buscasse dar uma “validação” para esta nova forma de entretenimento. Buscava-se atrair a classe média e quem sabe, até mesmo a elite, para assistirem as projeções. Paulatinamente vai surgindo a “narrativa cinematográfica”. Para se desenvolver uma narrativa que fosse própria do novo meio, e que não fosse apenas um teatro filmado, diversos passos precisaram ser dados. Vários são os responsáveis pelas transformações ocorridas até que se desenvolvesse essa nova forma de narrativa. Narrativa cinematográfica – Espaço e Movimento Os primeiros filmes a mostrarem de certa forma uma maneira diferente de se mostrar uma estória foram os filmes de “perseguição”. A situação inicial mostrava alguém que por acidente ou não fazia algo que levava uma pessoa a persegui-lo, e de acidente em acidente o numero de pessoas que o perseguiam aumentavam até o desfecho final. Este foi um gênero muito popular. Certamente foi o gênero que permitiu que houvesse continuidade narrativa entre os planos. Até então tínhamos, câmera fixa, plano único, enquadramento teatral. A partir destes filmes a ação da estória passava a ter continuidade entre diversos planos filmados. Em geral eram cenas rodadas ao ar livre, algumas vezes, entremeadas com algum cenário. Essa perseguição através de diversosquadros possibilitou que se pensasse na continuidade narrativa entre os planos, que não 16 fosse mostrada apenas uma situação inusitada, mas que se pudesse efetivamente utilizar este recurso para contar estórias. Com as diversas experiências de Sidney Olcott, Porter e Griffith, nos Estados Unidos; Ferdinand Zecca, Alice Guiy e Feuillade, na França, aos poucos a dimensão do quadro deixou de ser a teatral e tomou como medida o corpo humano. Ele passou – não sem muitas críticas – a poder ser cortado, poderíamos ter agora o Plano americano, ou Plano Médio, o Plano Geral, e o Plano de Detalhe. Essa transformação é importante uma vez que a dimensão do palco do teatro foi substituída por algo que também possui uma história e uma dimensão estéticas, o corpo. Estes desenvolvimentos se fizeram necessários tendo em vista o público que se desejava atingir. Para a continuidade do desenvolvimento da industria das imagens em movimento era fundamental atrair o público da classe média. A escolha pelo corpo como parâmetro não deixa de estar diretamente ligada ao ato de contar estórias, pois nelas seguimos os protagonistas, que são o referencial. O Cinema Clássico Narrativo A partir da ascensão de Griffith e da construção do código que ao longo dos anos se transformou no que conhecemos como a “linguagem do cinema” inicia-se o reinado do que os teóricos chamam de Narrativa Clássica Hollywoodiana, um conjunto de regras e padrões que Noël Burch também batizou de IMR – Institucional Mode of Representation. Esse conjunto de convenções está relacionado aos enquadramentos, à forma de filmar e dispor os elementos da cena e principalmente à edição. A estrutura da narrativa clássica se organiza a partir da relação entre problemas e suas soluções, entre equilíbrio e desequilíbrio, entre um mundo ficcional que é “ desarrumado” por um evento ou uma seqüência deles e o esforço que será feito durante a narrativa para reencontrar o equilíbrio original que foi quebrado. A narrativa clássica é uma espécie de viagem de retorno, de jornada em direção à ordem anterior. Para seguir essa trajetória que poderíamos chamar de linear, as relações de causa e efeito são fundamentais e tem que ser organizadas em termos de coerência e verossimilhança. O mundo ficcional construído pela narrativa clássica tem que ser compreensível e ele tem de ser plausível para o espectador; sua lógica interna tem que ser consistente. Como diz Annetthe Kuhn em seu texto sobre a Narrativa Clássica Hollywoodiana: “Temporal and 17 spatial coherence are in fact preconditions of the cause-effect logic of events in the classic narrative”4. As ações da narrativa clássica são guiadas por indivíduos, personagens bem caracterizados com traços de personalidade bem definidos, motivações e desejos. A cadeia de eventos será direcionada pelos atos desses personagens. O processo de edição será guiado, portanto, pela necessidade de dar a essa história e a esse mundo ficcional uma coerência interna e um potencial de absorção do espectador. Para tanto a questão da continuidade será fundamental. As regras de edição que são seguidas até hoje são baseadas na idéia de que os cortes devem ser imperceptíveis para que a atenção não seja desviada para eles e sim concentrada na estória e no mundo diegético criado por ela. A presença da edição deve ser invisível. Um outro aspecto importante em relação aos produtos do Primeiro Cinema é que estes na realidade eram entregues semi-acabados, ou melhor , com um enorme potencial de manipulação, que poderia ir da alteração da velocidade de projeção ao re- ordenamento de suas tomadas, com a simples exclusão de algumas partes. O tamanho reduzido dos filmes e sua inserção em espetáculos com outros tipos de atração influenciavam algumas dessas escolhas. Além disso, a sobreposição de cores à película, o acompanhamento de música e efeitos sonoros, além da utilização de “narradores/explicadores”, os “lectures”, nos levam a entender que, nessa época, a construção do sentido passava pelas mãos dos exibidores. Era deles a decisão final sobre como os filmes chegavam às platéias. Com o cinema clássico essa ordem de poder se altera e são os grandes estúdios que definem afinal como o filme deve chegar às telas. A verticalização da indústria com a compra e construção das grandes cadeias de exibição pelos estúdios de Hollywood vai reforçar também essa nova ordem, só abalada décadas depois por uma nova legislação para a indústria decidida pelo Congresso Americano. Um fato importante a considerar sobre a estrutura da narrativa clássica é que, apesar de hegemônica, ela não se constrói idêntica em todos os lugares e em todos os períodos. Como todos os modos narrativos ela também sofre influências que vão gerar variações principalmente entra a experiência americana e a européia. Mesmo assim seus 4 A coerência de tempo e espaço são pré-condições para a lógica de causa e efeito da narrativa clássica- Tradução do autor. 18 traços gerais e sua lógica de construção serão usados como núcleo de uma enorme massa de filmes, principalmente nas décadas de 30 e 40. Em seu trabalho “Narration in the Fiction Film”, David Bordwell propõe o Cinema Clássico Narrativo como um tipo ou categoria do que ele chama de Modo Narrativo. Bordwell define o seu conceito de Modo Narrativo como “algo que revela um certo nível de generalidade e significante unidade dentro de estratégias narrativas historicamente definidas”. Bordwell também diferencia Modos e Gêneros Narrativos. Segundo ele: “ Um gênero varia de forma significativa entre períodos e formações sociais; um modo tende a ser mais fundamental, menos passageiro e mais presente ou observável. Nesse espírito eu considero que Modos de Narração transcendem gêneros, escolas, movimentos e até cinemas nacionais”. Um Modo Narrativo é enfim definido como um conjunto de normas historicamente distinto de construção narrativa e compreensão. Sendo assim a idéia de pluralidade de Modos nos leva a ver também diferentes tipos de sistemas de convenções e a uma certa imprecisão ao falarmos que um filme “foge do convencional”. Segundo Bordwell, a idéia de Modos Narrativos nos leva a crença de que não há filmes “não convencionais” e sim filmes que pertencem a sistemas de convenções (Modos) diferentes. O Modo da Narrativa Clássica é talvez, portanto, o que exponha de forma mais clara e direta ao expectador suas próprias regras, sua própria ordenação interna, apesar de, contraditoriamente, fazer isso “apagando as pistas” de que alguém colocou ali as coisas do jeito que estão. Novos Problemas Estéticos As imagens em movimento, que no início das projeções significavam sobretudo o movimento das imagens enquadradas e nenhum movimento da câmera ou do enquadramento ou do plano, tinham como limite o tamanho do rolo do filme (1895- 1900). Não se estava preocupado naquele momento com o que se chamaria posteriormente “montagem” ou edição. Havia limites físicos para tanto, o filme em si, o tamanho do rolo de filme permitido pelos projetores desenvolvidos até então. Com a complexização narrativa, os equipamentos foram sendo aperfeiçoados. Não percamos este fato de vista, o cinema é sobretudo uma arte dependente do desenvolvimento 19 tecnológico. Os incrementos tecnológicos de quaisquer tipos permitem novas possibilidades estéticas. No caso da narrativa clássica três elementos que já estavam implícitos no Primeiro Cinema, ganham uma grande dimensão: Movimento, Tempo, Espaço. O movimento que originariamente, como comentado acima, se situava no conteúdo da imagem, pôde contar aos poucos com os movimentos de câmera. Primeiramente a própria câmera, fixa, sendo movida por algo, um barco, um trem, um avião, etc. Num outro momento a câmera passa a se mover - panoramizando – buscando o seuobjeto. Estes movimentos de câmera podem ser feitos em diversas direções. Aos poucos além destes movimentos da câmera, ela também passa a ser movida, para pegar diferentes ângulos de uma determinada cena; além de ser comum também a chamada “quebra de eixo”. Mas na narrativa clássica estes movimentos não são aleatórios ou inconseqüentes. Eles possuem de imediato uma finalidade, elaborar uma perfeita “sutura espacial” entre os diversos planos afim de criar na mente do espectador a idéia de que os diversos planos são na verdade a continuidade de um espaço único, ou de diversos espaços por onde os protagonistas da estória se movem. A “sutura espacial” pode ser independente do fator “temporal”, no entanto, tanto o tempo quanto o espaço são organizados para dar suporte à ação dos personagens. São eles que constituem um perfeito “mundo ficcional” onde a atenção do espectador não é desviada pelos inúmeros “cortes” ou passagem entre os planos, o que se constituiria na famosa “continuidade”. Atualmente a “Continuidade” entre os planos pode ser constituída de diversas formas, uma das mais marcantes é a do vídeo-clipe, onde a continuidade é sobretudo marcada pela música. Ela alinhava todos os planos, permitindo que o espectador veja tudo como sendo parte de um mesmo momento de imagens em movimento. Na narrativa clássica o Tempo de duração de um plano também surge como uma forma de ação estética, pois a duração maior ou menor deste irá permitir uma maior ou menor fruição do espectador dos elementos que constituem este mesmo plano. Quanto mais veloz os cortes, quanto menos durarem os planos, menos detalhes o espectador irá perceber. O que nos leva a outro dado do Tempo, a velocidade, que também é uma característica adesa á questão temporal. O filme pode ser cortado e montado tendo em vista o tempo como um dos seus suportes. Vários teóricos do inicio do cinema (Cinema não sonorizado - + - 1915 a 1927) gostavam de comparar os filmes com a música. Pois assim como esta arte, o tempo tem grande importância, a determinação do tempo de 20 duração dos planos e a correlação entre eles cria “ritmo”. O que permite, de alguma forma, uma sensação semelhante à causada por “danças” ritmadas ou por musicas que possuem o compasso extremamente marcado. Mas a relação entre música e ritmo temporal conseguido através da montagem não é tão simples. O grande exemplo da perfeita fusão entre espaço, tempo, narratividade e ritmo, é citado exaustivamente e historicamente como sendo o do filme “O Nascimento de Uma Nação”. Nele a montagem é utilizada com fins dramáticos. Duas linhas narrativas se cruzam ao final do filme (Montagem paralela), numa velocidade crescente de diminuição de duração dos planos, das seqüências que se entrelaçam, para chegar ao desfecho do filme. A sensação passada para o espectador é de tensão e ansiedade. Em termos estéticos o desenvolvimento da narrativa cinematográfica propriamente dita, colocou pela primeira vez, uma conjunção estética completamente nova (exceção feita às imagens em movimento como mencionadas no início do texto). Se no primeiro cinema, o movimento contido nas imagens poderia ser estético, Serpentines dances p. ex., este elemento ainda não era suficiente para se determinar uma estética das imagens em movimento, pois o aparelho nada mais fazia do que registrar parte de um movimento que havia sido feito diante da câmera. O Tempo e o Espaço poderiam ser usados de forma dramática. Ao longo de décadas este desenvolvimento foi pensado tão somente em função de uma narrativa. Mas os elementos estavam dados, e a Vanguarda Artística, posteriormente, saberia fazer bom uso deles. O Tempo e o Espaço são cada vez mais utilizados no sentido de levar o espectador não somente a uma situação estética mas a uma situação de Estesia. Se busca acima de tudo impactar este espectador sensorialmente, é a partir da sua sensorialidade que se deseja levá-lo a uma fruição que pode ser estética. Veremos exemplos claros dessa exploração em filmes recentes que se pretendem documentários, como “Baraka” Koyaniskatsi, ou daquele próprio período como “O Homem com a Câmera”, etc. Os primeiros trabalhos de Griffth dão uma boa idéia do que ele iria desenvolver, como “The Girl and Her Trust”(1903), o próprio “O Nascimento de uma Nação”(1915). É importante notar que conforme as narrativas se tornam mais complexas também ocorre um aumento na duração dos filmes. O tempo de exibição de imagens em movimento sempre foi muito variável desde o começo da sua história. A projeção de uma única imagem poderia durar perto de um minuto, no entanto, um programa de projeção possuía várias imagens para serem projetadas de assuntos diversos, muitas delas eram acompanhadas por comentaristas, algumas vezes até 21 palestras, isto alongava bastante o tempo ao qual a platéia estava exposta. Mas, com certeza é partir das produções italianas como Cabíria (1913), de Pastrone, que os filmes viraram literalmente longa-metragens. Mas, o Tempo sendo um dos elementos constitutivos de uma experiência estética é em si mesmo estético? Esvaziado de todo e qualquer elemento referencial, o Tempo não é Estético e não possui estética, no entanto, o Tempo é sensível. Ele é parte e causa da sensorialidade. Nós sentimos que o tempo passa. Podemos não ter referencias que nos informem imediatamente sobre isso, mas sentimos que ele passa. Como ele passa? Esta já é uma situação ditada pelo psiquismo, pelo o que é subjetivo no sujeito, se é rápido, devagar, etc. Mas ele em si mesmo, não se constitui em estético. Sugestão de leituras e filmes para os temas abordados Discussão e conceituação de Estética cinematográfica. O Cinema é Arte? Especificidades da Arte industrial Textos: Aumont, Jacques. A Estética do Filme. Campinas: Papirus, 1995. p.19 – 52. Bernardet, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983. p. 07 - 30 Betton, Gerard. Estética do Cinema. São Paulo: Martins Fontes, 1987. Pareysson, Luigi. Os Problemas da Estética. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 15-33. Mumford, Lewis. Arte e Técnica.Lisboa: Ed. 70, s.d.e. p. 09 - 33 Tudor, Andrew. Teorias do Cinema. São Paulo: Martins Fontes, s.d.e., p. 11 – 28. Mitry, Jean. Estética y psicología Del cine – 1. Las estructuras. Espanha: Siglo XXI, 1986. p. 07 – 43. O Surgimento do Cinema: Pioneiros e cinema não narrativo. Filmes Sugeridos: ARRIVÉE D'UN TRAIN EN GARE À LA CIOTAT Louis Lumiére 1895 ARRIVÉE DES CONGRESSISTES A NEUVILLE-SUR-SAÔNE Louis Lumiére BATAILLE DE BOULES DE NEIGE Cameraman de Louis Lumiére DÉMOLITION D'UN MUR Louis Lumiére REPAS DE BÉBÉ Louis Lumiére DREAM OF A RAREBIT FRIEND, THE Edwin S. Porter EUROPEAN REST CURE, THE Edwin S.Porter HISTOIRE D'UN CRIME Ferdinand Zecca Textos: Bernardet, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983. p. 31 - 77 Costa, Flávio Cesarino. O Primeiro Cinema. São Paulo: Ed. Scritta, 1995. (cap. I e II ou inteiro) Machado, Arlindo. Pré-Cinemas e Pós-Cinemas. Campinas: Papirus, 1997. Xavier, Ismail. O Cinema no Século. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 21-42 O Cinema narrativo: os diversos pioneiros e Griffith. A origem da montagem, recursos técnicos. Os primeiros gêneros. Filmes Surgeridos: CLOCK MAKER!S DREAM, THE Georges Mèliés VIAGENS IMAGINÁRIAS DE GEORGES MÉLIÈS, AS Georges Méliès REVE ET RÉALITÉ Ferdinand Zecca ? NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO, O (THE BIRTH OF A NATION) D. W. Griffith INTOLERÂNCIA (INTOLERANCE) D.W.Griffith 22 Textos: Andrew, J. Dudley. As Principais Teorias do Cinema. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. p. 10 - 36 (Hugo Munsterberg) Mitry, Jean. Estética Y Psicologia Del Cine, vol. 1 – p. 316- 338. Xavier, Ismail. A Experiência do cinema, Rio de Janeiro: Embrafilme, 1977. p. 27 – 54 e p. 57 – 73. (Hugo Munsterberg e Pudovkin) Xavier, O Cinema no Século, p. 247-266 Xavier,Ismail. O Discurso Cinematográfico – a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 1984. p. 19 – 30. Xavier, Ismail D. W. Griffith: o nascimento de um cinema, São Paulo : Brasiliense,1984. (inteiro) 23 A Experiência Soviética: A Estética Socialista Um dos fenômenos sociais mais importantes do século XIX foi o surgimento das organizações de trabalhadores. As reivindicações por limite da jornada, por melhores condições de trabalho, melhores salários e por uma legislação trabalhista que garantisse os direitos conquistados, foi uma luta que envolveu e uniu todos estes grupos. Os trabalhadores, liderados por pequenos partidos, particularizados por várias expressões ideológicas distintas, muitas vezes se uniam diante de situações sociais urgentes para dar-lhes soluções. Clubes, sindicatos, associações aos poucos foram sendo fundados ao longo do tempo, incluindo jornais que faziam circular as idéias e a cultura daquilo que se chamaria mais tarde de a classe operária. Um importante caldo cultural se formou entre estes trabalhadores, europeus ou não. O internacionalismo foi uma das suas principais bandeiras, Anarquistas, Socialistas Cristãos, Bolcheviques, entre outros, foram os responsáveis pelo surgimento de uma nova forma de lidar com as forças sociais. Em vários níveis o pensamento operário parecia ser uma solução para diversos problemas da sociedade burguesa. A família nuclear era questionada pelos anarquistas, bem como toda forma de opressão e todo poder político. Os socialistas eram originalmente, tanto quanto os anarquistas, a favor da igualdade entre todas as classes e homens. Os socialistas utópicos eram favoráveis à formação de novas comunidades, verdadeiras experiências sociais, colônias, fazendas, pequenas cidades. O solidarismo era um dos principais “sentimentos” em pauta pelos diversos grupos de trabalhadores. Aos poucos foi surgindo uma “cultura operária”, livros, livretos, revistas, jornais. Acompanhados da conseqüente produção artística. Uma produção voltada inicialmente para as letras, tendo em vista a necessidade de se espalhar as novas idéias pelo mundo, publicando e divulgando teóricos de peso, mas também dramaturgos, literatos e poetas. Que cantavam os novos tempos que haveriam de vir na Aurora do século XX. A Europa como um todo fervilhava com estes movimentos operários: Itália, 24 Alemanha, Rússia, Inglaterra, Espanha, etc. E, em muito pouco tempo outros países além mar também possuíam seus próprios movimentos. Uns em maior escala outros em menor, mas a força do movimento operário se fez sentir por todo o mundo. Este pensamento reivindicador era insuflado por um forte desejo de mudança. Desejava-se a Revolução, a criação de um novo tempo, uma nova sociedade, onde as injustiças fossem apagadas, as misérias esquecidas, onde a igualdade e a liberdade caminhassem lado a lado. Com o acontecimento da Revolução Russa de 1917, todos os olhares do mundo se voltaram para lá. Sob a liderança de Lênin uma nova forma de sociedade iria tentar se implantar. No início as esperanças, as experimentações, as descobertas a busca por formas novas em todos os sentidos era imensa, e tudo era permitido neste buscar viver o “socialismo”. É neste período que surgem as experimentações no Cinema russo, antes mesmo de ser União Soviética, as experimentações ocorrem incentivadas por artistas em geral e pelo próprio governo. Era necessário criar uma cultura nova, uma cultura que obedecesse a novas regras que trouxesse dentro de si o novo e sepultasse a ideologia burguesa. Um dos principais envolvidos neste processo de elaboração de uma “Estética Socialista” foi Sergei Eisenstein, além, de Dziga Vertov e Vsevolod Pudovkin. Teorias da montagem Eisenstein foi um dos primeiros cineastas a refletir sobre a importância da montagem na definição de uma obra cinematográfica, desenvolvendo estudos teóricos profundos sobre ela e dividindo-a em diversos tipos consoante o modo como é efetuada e os seus objetivos específicos. Mas estas concepções teóricas não surgem do nada e Eisenstein teve diversas influências, não só dentro do cinema, mas também noutras artes, especialmente no teatro. Vsevolod Meyerhold, a figura central do teatro russo no início do séc. XX, foi, durante muitos anos, o principal expoente da vanguarda teatral no combate à escola psicologista e naturalista de Stanislavsky. Profundamente influenciado pela "commedia dell'arte" de tradição italiana e pelo romantismo alemão, Meyerhold lutava pela desverbalização do teatro, numa tentativa de fundir as tradições populares da 25 pantomima e do folclore numa cena estilizada e desnaturalizada. A sua concepção de actor correspondia a alguém que pudesse executar o máximo de movimentos no mínimo tempo de reacção possível, indo contra a expressão dos estados de alma preconizada pelo teatro clássico. O corpo do actor deveria ser como "uma máquina bem oleada, os movimentos devem ser precisos, cronométricos". A influência das teorias de Meyerhold sobre Eisenstein é muito grande, não só nos seus trabalhos teatrais, mas também no cinema. Por exemplo, o actor Nikolai Tcherkassov, intérprete da personagem Ivan em "Ivan, o terrível" queixava-se por diversas vezes das exigências físicas de Eisenstein, chegando mesmo ao ponto de ter de receber massagens faciais no final de cada dia de rodagem devido à expressividade do seu papel. Mas a influência de Meyerhold verifica-se, sobretudo, naquilo que Eisenstein definiu como "tipagem", isto é, a defesa de que o espectador deveria reconhecer as personagens pela simples observação do seu rosto, facto que o levou a utilizar actores não-profissionais. Assim, conseguia estabelecer um compromisso entre a autenticidade das suas personagens e a sugestão da situação das mesmas apenas através dos seus rostos. Daí que, nos seus filmes, as personagens surjam como verdadeiros estereótipos das mais diversas profissões e níveis sociais. Eisenstein vai, claramente, beber às tradições teatrais mais antigas, tais como a já referida "commedia dell'arte", e mesmo ao imaginário circense (o palhaço rico e o palhaço pobre). Depois da explicação do processo de tipagem, essencial na compreensão do cinema de Eisenstein, passamos então para a montagem. Não sendo o seu inventor, "Eisenstein foi, seguramente, um dos seus mais eméritos teóricos e, por certo, aquele que mais alargadamente a utilizou nos seus filmes". A montagem, como princípio básico, tem a idade do próprio cinema, já que montar é, sobretudo, colar os planos uns aos outros para que seja fisicamente possível a sua projecção sequencial. Contudo, a utilização da montagem enquanto processo de significação só começou quando o cinema se assumiu como tal, largando o estigma do "teatro filmado" ou da simples reprodução de imagens, através de Griffith. O eminente cineasta norte-americano verificou a possibilidade de utilização de diferentes planos (toda a escala de planos do plano panorâmico ao plano de pormenor) e da variação do ângulo de filmagem (que até à altura era sempre o mesmo, geralmente, à altura do homem), o que atribuía, desde logo, uma importância capital à montagem. Assim, já não existe tão somente a 26 preocupação básica com a sequência de projecção do filme, mas surge agora a necessidade de dar aos planos fragmentários um significado, um sentido. Griffith descobriu ainda a importância do ritmo no cinema (enquanto efeito de montagem), conferindo diferentes durações aos planos e às diferentes proporções de duração entre os planos um caráter significante, num processo de montagem a que Eisenstein chama de montagem métrica. Por outro lado, na Rússia, um teórico e cineasta muito importante chamado Lev Kuleshov, fez descobertas a outro nível. A sua experiência mais famosa é deveras reveladora: Kuleshov montou um grande plano expressivo do rostodo ator Mosjoukine (retirado de um filme de Geo Bauer) com outro mostrando um prato de sopa; depois montou o mesmo plano do rosto do ator com um outro mostrando um caixão de criança; montou ainda um terceiro conjunto com o mesmo plano da cara do ator e um outro de uma mulher seminua em pose provocante. Projetou então o conjunto final perante uma audiência, sendo unânime a opinião de que Mosjoukine era um ótimo ator, dado que expressava de um modo magnífico os sentimentos de fome (plano do prato de sopa), dor (plano do caixão de criança) e de desejo (plano da mulher seminua). Kuleshov provava assim que o significado de uma seqüência pode depender tão somente da relação subjetiva que cada espectador estabelece entre imagens ou planos que, parcelarmente, não possuem qualuer significação. As teoria da montagem de Sergei Eisenstein derivam, largamente, deste pressuposto. A sua oposição em relação às concepções de Vsevolod Pudovkin funda-se, em boa parte, na recusa que Eisenstein fazia em considerar os planos como unidades sobreponíveis de forma simples, preferindo uma concepção dialética do choque entre os planos, nascendo daí a sua significação. A importância fulcral que Eisenstein atribui à montagem tem a ver com as concepções que, nessa altura, a psicologia experimental tinha criado em relação ao psiquismo humano. A força manipulatória do cinema estava, segundo o cineasta, na montagem, fato confirmado pelas descobertas de Pavlov em torno da "teoria dos reflexos condicionados". Segundo este, seria possível controlar as reações conscientes e, à primeira vista, voluntárias mercê de estímulos e condicionamentos nervosos apropriados. Aqui está, em parte, a explicação para a forte dimensão propagandística do cinema, apesar de, na atualidade, esta visão mecanicista 27 dos comportamentos e reações humanas ter sido ultrapassada pelos trabalhos de Jean Piaget, entre outros, no que respeita à gênese da inteligência humana. A luta de Eisenstein em busca dos estímulos corretos que operassem no espectador as reações (emocionais, primeiro, emocionais, depois) desejadas, está na origem dos seus estudos teóricos sobre a montagem. Vejamos então as concepções estabelecidas pelo realizador acerca da montagem. A montagem métrica baseia-se essencialmente no comprimento dos fragmentos de montagem e na proporcionalidade entre os vários comprimentos de fragmentos sucessivos, um pouco à maneira do compasso musical. A tensão é originada a partir de uma aceleração de tipo mecânico (reduzindo a duração dos fragmentos de filme, embora mantendo uma proporcionalidade de base). É a forma mais primitiva de montagem que está preocupada com fatores essencialmente mecânicos, mais do que com qualquer outro tipo de preocupações. Eisenstein aponta "O fim de S. Petersburgo", de Vsevolod Pudovkin, como exemplo claro deste método. No fundo, este tipo de montagem tem a ver com a criação de uma sucessão de imagens que possa ser projetada, acima de qualquer intento intelectual. Quanto à montagem rítmica, está relacionada com a importância do movimento no interior de cada fragmento que, mais tarde, irá determinar a métrica dos mesmos. Daí que neste tipo de montagem existam dois tipos de movimento: o dos cortes de montagem e o real no interior dos planos. Eisenstein explorou profundamente não só as concordâncias desses dois movimentos como, acima de tudo, os conflitos entre eles. Um dos fatores de tensão mais importantes na famosa cena da escadaria de Odessa em "o couraçado Potemkine" é a dissonância entre o ritmo criado pelo corte métrico de montagem e o ritmo dos passos dos soldados que avançam pela escadaria, esmagando tudo à sua vista. Da montagem rítmica, Eisenstein avança para a montagem tonal, mais complexa. Aqui, "o movimento é percebido num sentido mais lato. O conteúdo de movimento abarca todos os efeitos de fragmento da montagem. Aí a montagem baseia- se no som emocional característico de cada fragmento - do seu dominante. O tom geral do fragmento". Torna-se evidente que a concepção de medida de Eisenstein se torna, neste caso, menos clara, visto que o tal "som emocional" não se avalia de modo 28 empírico, adiantando mesmo a hipótese de se estabelecerem coeficientes matemáticos para as tonalidade luminosas, ou efeitos geométricos para fragmentos descritíveis como tendo um "som agudo". O fato é que a clareza científica dos dois tipos de montagem anteriores não se estende a estas montagem tonal, já que o som emocional não é mensurável segundo elementos matemáticos reais. Daí que, mais do que um dado comprovado, esta categoria de montagem fosse um objetivo a atingir. Para demonstrar a montagem tonal, o exemplo mais comum é a sequência do nevoeiro de "O couraçado Potenkin", na qual a dominante da montagem é, sobretudo, dada pelas vibrações luminosas dos planos não esquecendo porém a sua componente rítmica (expressa pela suave agitação das águas, pela ligeireza do movimento dos barcos, pelo vapor em lenta ascensão, pelas gaivotas que voam sossegadas). A montagem harmônica parte das dissonâncias da montagem tonal (dos conflitos entre dois tons dominantes numa mesma cena) e Eisenstein inclui aqui como factores determinantes do processo de montagem "todos os recursos dos fragmentos". As concepções do cineastas não são também muito claras neste caso, tendo o próprio confessado que a descoberta da montagem harmônica se tinha dado posteriormente à sua utilização em "A linha geral", sendo que esse facto não se deveu a não ser possível a detecção conflitual sem a visão em movimento, isto é, depois do filme montado na totalidade. Estabelecendo uma analogia com a música, Eisenstein refere que a um som central se adicionam sempre harmônicas superiores e inferiores não visíveis no papel, mas só detectáveis depois da execução da obra pelos músicos. A montagem intelectual, como Eisenstein a caracterizou, "é a montagem não dos sons harmônicos geralmente fisiológicos, mas de sons harmônicos de um tipo intelectual, isto é, conflito-justaposição de efeitos intelectuais paralelos". Envergando por uma concepção científica, o cineasta pretende mostrar que não existe diferença entre o movimento de um homem balançando sob a influência de uma montagem métrica elementar e o processo intelectual em si, porque o processo intelectual trata-se da mesma agitação ao nível dos mais altos centros nervosos. Eisenstein aventura-se no "terreno da pura especulação psicofisiológica de precária confirmação científica". O exemplo mais relevante deste tipo de montagem é a sequência dos deuses em "Outubro", que apresenta, sucessivamente, imagens de vários ícones, começando no cristianismo e acabando nos ídolos tribais primitivos. A idéia de Eisenstein era que o 29 espectador se apercebesse do progresso apenas intelectualmente. Por estas (e outras) razões, a complexa estruturação de algumas cenas de "Outubro" (perceptível para quem possuía hábitos literários ou cinematográficos com algumas raízes) foi totalmente incompreensível para muitos dos espectadores que, à data da realização, assistiram ao filme. Finalmente, a montagem vertical surgiu a Eisenstein em 1938, depois de uma longa estadia no estrangeiro, estando relacionada com a concepção global de um filme, mais do que com a relação entre os seus vários planos. Digamos que ela é, sobretudo, um meio de criar os efeitos desejados pela relação entre imagens visuais e sonoras incluindo, mais tarde, o efeito cor para o único caso que Eisenstein nos legou (na segunda parte de "Ivan, o Terrível"). A aplicação da montagem vertical nos filmes de Eisenstein iniciou-se com "Alexander Nevsky" onde a história musical de Prokofiev se funde com a história visual-verbal, chocando entre si, mas sobretudo reforçam-se numa soma que é bem mais que a contida separadamente em cada uma das suas partes. Filmes A Greve (1924)Alguns pontos básicos são observados no filme: primeiramente, todo o filme é desenvolvido em cima da montagem das atrações; em segundo lugar, o herói deveria ser coletivo e a ação deveria ser de massas e não individual, o que mostra claramente oposição à ação psicologista do cinema burguês. No dia 1º de fevereiro de 1925, em Leningrado, A Greve é publicamente exibida pela primeira vez. A recepção foi controversa; o filme é de uma novidade sem precedentes nos meios cinematográficos. Não conta propriamente uma história, mas mostra uma idéia - o quadro geral de uma greve; não utiliza o herói intermediário, mas mergulha o espectador no imediato, na ação;não tranquiliza o público, antes deixa-o suspenso numa das maiores sangrias cinematográficas; e, finalmente, utiliza processos formais de grande inovação (montagem intelectual). Na época foi sobremaneira complexo para o espectador compreender tal revolução formal (a qual correspondia a novos conceitos ideológicos). A cena dos fura- greves saindo das barricas, a metáfora do abate do gado montada paralelamente à 30 repressão policial sobre os grevistas, a caracterização sob capas de animais de algumas personagens e tantos outros recursos expressivos altamente antinaturalistas chocaram o público. Diversos críticos também mostraram fortes reservas em relação ao filme, dizendo que Eisenstein preconizara a forma em detrimento do conteúdo. Não obstante, a imprensa oficial considerou o filme como um dos melhores já feitos. O Pravda considera-o "primeira criação revolucionária do cinema", o Izvestia afirma-o como "um imenso e interessante triunfo no desenvolvimento de nossa arte", e a Kiuno Gazeta defende-o como "um acontecimento gigantesco do cinema soviético, russo e mundial". O Encouraçado Potemkin (1925) Eisenstein recebeu a incumbência de fazer um dos filmes destinados oficialmente a comemorar os vinte anos da revolução de 1905. O filme chamar-se-ia o ano de 1905, e Eisenstein tinha a mais completa autonomia para desenvolvê-lo; entretanto, duas ressalvas foram feitas: o filme deveria ter um final feliz e positivo, e deveria ser concluída até o dia 20 de dezembro de 1925. O caso do motim a bordo do Encouraçado Príncipe Potemkin de Taurine, que antes ocupava apenas meia página do roteiro, é tomado como ponto central do filme. Um único aspecto que, tomado metonimicamente, que contém toda a gigantesca epopéia de 1905. Diversos são os aspectos que fizeram de O Encouraçado marco na história do cinema: primeiramente a rigorosa estrutura; ,concebido como um drama de cinco atos: 1º) Os Homens e os Vermes; 2º) O Drama do Castelo da Popa, ou, O Incidente na Baía de Verna; 3º) O Sangue Clama Vingança; 4º)A Escadaria de Odessa; 5º) A Passagem da Esquadra. Decorrente dessa estrutura o filme segue duas linhas de força: a particular, que diz respeito a cada um dos atos, e a global, que se refere à totalidade do filme. Essa estrutura é construída com base numa reação dialética bipolar: a uma situação inicial em que a tensão cresce, sucede sempre uma reação antitética. Assim (ato 1) à descoberta da carne com vermes sucede uma reação da recusa em comer; à tentativa de sumária repressão (ato 2) sucede a revolta dos marinheiros; à tristeza causada pela morte de Vakulintchuk (ato 3) sucede o comício e a solidariedade da população de Odessa; à 31 confraternização (ato 4) sucede a repressão sangrenta; à expectativa de confronto com a esquadra (ato 5) sugere a recusa desta em disparar e a passagem, triunfante do encouraçado. Esta dimensão dialética, que contém em cada ato dois componentes antagônicos, encontra sempre no início do ato seguinte a síntese que por sua vez gera nova antítese e por aí afora. Assim, cada ato é como que o movimento histórico seguinte. Também a utilização da metáfora (já feita em A Greve) encontra neste filme exemplos mais sólidos e firmados: o balancear das mesas suspensas quando da recusa em comer (cujo ritmo é fator de tensão meramente mecânico mas cuja interpretação pode ser entendida como expressão de uma certa indecisão, de um certo movimento, ainda só pendular, que a qualquer momento poderá arrebentar as amarras), ou a célebre cena dos leões de pedra erguendo-se. O filme também apresenta diversas marcas intertextuais: o grito "um por todos, todos por um"; a mulher segurando a criança morta na escadaria de Odessa, cena que representa claramente a Pietá. Apesar das experimentações e de algum sucesso de Eisenstein com a formação final da União Soviética, o partido buscou por outros caminhos estéticos surgindo aquele que foi a marca do regime de Stálin o “Realismo Socialista”. Assim que o partido definiu uma estética oficial, todas as demais foram sendo desincentivadas. No entanto, as experiências de Eisenstein e Vertov influenciaram sobremaneira muito daquilo que é feito ainda hoje no audiovisual. Sugestão de leituras e filmes para os temas abordados Eisenstein e a Arte socialista – Montagem Filme: OUTUBRO Sergei Eisenstein e Grigori Alexandrov O Encouraçado Potemkim (Einsenstein, 1925) Um Homem com Uma Câmera (Vertov) Textos: Agel, Estética do Cinema, p. 63-69. Andrew, As Principais Teorias do Cinema, p. 52-84 Eisenstein, Sergei. A Forma do Filme. p. 173-216. Eisenstein, Serguei. Memórias imorais, São Paulo, Companhia das Letras: 1987. Eisenstein, Serguei, Reflexões de um cineasta, Rio de Janeiro: Zahar, 1969. Tudor, As Teorias do Cinema, p. 29-63 Xavier, O Discurso Cinematográfico, p. 107-114 Xavier, A Experiência do cinema, p. 175-202 (Eisenstein) e p. 247-266 (Vertov) 32 O Expressionismo Alemão Expressionismo, movimento artístico de vanguarda que surgiu na primeira década do século 20, manifestou-se basicamente em três vertentes artísticas: a pintura, a literatura e o teatro. Suas visões abstratas, dramáticas e apocalípticas se tornaram extremamente populares na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial e influenciaram decisivamente o surgimento de um pretenso cinema expressionista, inaugurado com o clássico "O Gabinete do Dr. Caligari", de Robert Wiene, em 1919. O Expressionismo tratado aqui foi uma definição popularizada a partir de 1911 por Willheim Worringer, crítico e historiador de arte, para qualificar um conjunto de obras pictóricas, especialmente dos fauvistas Derain, Dufy, Braque e Marchet, então expostas em Berlim; e para a opô-las ao impressionismo. Mais tarde, o termo passou a definir toda a arte na qual a forma nasce não diretamente da realidade observada, mas de reações subjetivas à realidade. A palavra nunca delimitou uma escola ou um estilo claro e distinto: "expressionismo", escreveu um de seus ativistas, Herwarth Walden, "não é nem um estilo nem um movimento; é uma percepção de mundo". Suas manifestações foram tão numerosas como os grupos "expressionistas" que surgiram nos centros urbanos de toda a Alemanha e Áustria-Hungria, adotando e absorvendo elementos fauvistas, cubistas, futuristas e até construtivistas. O extraordinário sucesso do termo fez com que fosse aplicado, posteriormente, com significações variáveis, à poesia, ao teatro e também ao cinema. "O Gabinete do Dr. Caligari", filme prodígio de 1920, indicou novas ambições estéticas ao cinema mundial: novas relações entre filme e artes gráficas, entre ator e representação, entre imagem e narrativa. Os vínculos que estabeleceu entre o cinema e um dos movimentos de arte mais progressistas da época surpreenderam e atraíram um público intelectual que até então raramente havia dado atenção a uma área ainda incerta da indústria do espetáculo. Além disso, proporcionou à cultura cinematográfica alemã um prestígio internacional nunca visto e ajudou a reabrir os mercados ultramarinos que estavam fechados desde a guerra. 33 Durante quase cinqüenta anos, a versão aceita da história da realização de "O Gabinetedo Dr. Caligari" foi a do teórico Sigfried Kracauer, baseada no relato de Hans Janowitz. Segundo essa versão, o principal crédito pela realização do filme deveria ser dado aos seus dois escritores, o próprio Janowitz e Carl Mayer, que teriam entregue ao produtor Erich Pommer e ao diretor Robert Wiene o produto pronto para ser executado. Na época de tal relato, supunha-se que nenhuma cópia do roteiro havia sobrevivido. Porém, no início de década de 1950, Werner Krauss - o próprio Dr. Caligari - contou à crítica Lotte Einser que ainda possuía uma cópia. Em 1978, muito tempo depois de sua morte, a Stiftung Deutsche Kinemathek conseguiu comprar o roteiro de sua viúva, publicando-o em 1995. Através deste roteiro, foi possível desmistificar uma série de lendas a respeito do filme, principalmente no que se refere à participação do diretor. O que mais impressiona, em primeiro lugar, é que, em nenhuma parte, o roteiro prenuncia o visual singular que iria assegurar-lhe sua forma duradoura. Tal recurso, segundo se acredita hoje, teria sido idéia do diretor e dos seus cenaristas, Warm, Reinman e Röhrig. Além disso, o cenário de Janowitz-Mayer está ambientado no mundo moderno, com telefones, telegramas e luz elétrica. Wiene e seus assistentes previram problemas na compatibilização dessa moderna tecnologia com o desenho fantástico, e não hesitaram em excluí-la. O filme acabado foge a indicações precisas de época: a cidade é uma fantasia medieval; os figurinos misturam o romântico, o moderno e o puramente imaginário; as atuações variam entre o estilizado e o naturalista. O que não se sabe ao certo é se Wiene simplesmente não se preocupou com isso, ou quis deliberadamente sugerir atemporalidade - característica que seria imitada por diversos filmes alemães depois de Caligari. Outra interferência de Wiene (esta reconhecida já na década de 1920) foi a inserção de uma "narrativa moldura" que transformou ahistória do monstruoso Dr. Caligari - psiquiatra disfarçado de diretor de espetáculos que utiliza o hipnotizado sonâmbulo Cesare para cometer assassinatos - na narrativa do louco Francis, paciente do hospício dirigido pelo próprio Dr. Caligari. Desde Kracauer, quase todos que escreveram sobre o filme admitiram que a moldura falsificou a ação, glorificado a autoridade. Entretanto, o espectador moderno pode prontamente interpretar o final do filme do ponto de vista de que a história de Francis é verdadeira e de que ele não é louco, mas que o falsamente benévolo diretor usou de suas artimanhas para mandar encarcerá-lo. 34 Janowitz e Mayer começaram a trabalhar em seu roteiro no inverno de 1918, durante as últimas semanas da revolução alemã. Recordando o passado, Janowitz considerou que seus suportes específicos para concepção do trabalho foram a atmosfera de mistério inspirada pelas lembranças de Praga; o assassinato de uma jovem em Hamburgo, que acidentalmente testemunhou no parque de Holstenwall; a desconfiança em face do poder autoritário que adquiriu nos cinco anos e meio de serviço militar. Já a história específica do filme foi sugerida por um espetáculo de variedades mostrando um homem hipnotizado, visto pelos autores num parque de diversões de Berlim. Conta Janowitz: "Encontramos um novo método de escrever tal filme de modo que ao ser lido para alguém as cenas se projetam uma a uma na imaginação do ouvinte. (...) Não se permitiria nada, nada mesmo, que fosse desnecessário; palavras e imagens tinham de coincidir perfeitamente. A colocação de cada palavra devia ser decidida de acordo com a importância da impressão visual que ela estava destinada a criar." Essa descrição acurada do estilo expressionista associado ao trabalho subseqüente de roteirista de Carl Mayer não está de modo algum presente no roteiro de Caligari: Mayer iria se tornar defensor de um tipo de cinema que deve ser totalmente expressivo: seu roteiro para "A Última Gargalhada", de Murnau (1924), é célebre por dispensar inteiramente os letreiros narrativos. Mas, se não no roteiro, em seu acabamento final, Caligari deu início à era expressionista do cinema alemão. É preciso ter em vista que, em 1920, o expressionismo deixara de ser vanguarda perigosa e estava na moda. A obra de seus artistas e cenas de suas produções teatrais eram divulgadas pelas revistas ilustradas; os cinemas de Berlim faziam largo uso de seus trabalhos gráficos. Os meses imediatamente anteriores à produção de Caligari assistiram a uma eclosão de montagens expressionistas em Berlim. A comparação de desenhos e fotografias dessas produções com as imagens de Caligari indica que os cenaristas do filme tinham estudado essas produções teatrais para chegar ao seu estilo. Assistindo a Caligari e a outros filmes clássicos do mesmo tipo hoje, deparamo-nos com o problema de que com o tempo eles foram segregados para formar a classe especial dos filmes de arte, considerados como algo separado da linha principal da produção industrial. Mas, de uma perspectiva histórica, é preciso reconhecer que Caligari foi feito, consciente e estrategicamente, na linha principal da produção comercial de seu tempo, com o elemento arte calculado como uma atração extra positiva, ainda que incerta, para a bilheteria. 35 Caligari inspirou uma cinematografia inovadora estética e tecnicamente, em que se destacam, entre outros, "Nosferatu - Uma Sinfonia do Horror" (1922) e "Fantasma" (1922), de Friederich William Murnau; "A Morte Cansada" (1921), "Dr. Mabuse - O Jogador" (1922) e "Os Nibelungos" (1924), de Fritz Lang e "O Gabinete das Figuras de Cêra" (1924), de Paul Leni. Se nenhum filme posterior se comprometeria tão cabalmente com caráter formal do estilo, a essência do expressionismo - o uso do ambiente para refletir e expressar de psicologia dos personagens - persistiria no cinema alemão. Ao furar o bloqueio comercial dos Aliados na década de 20, esses filmes provocaram reações apaixonadas. Os críticos ficaram muito impressionados com a violência, com a cenografia deformada e com o clima de fantasia, mas principalmente com a construção de uma atmosfera visual através de recursos inovadores de iluminação. Também apreciaram o papel importante desempenhado pela câmera (que, pela primeira vez, esteve completamente móvel) e a disciplina coletiva que revelava unidade narrativa e perfeita integração de luzes, cenários e atores. Influência Com a repercussão dos filmes alemães e com o êxodo de cineastas para os Estados Unidos (como Murnau e Lang), o cinema mundial e, principalmente, o cinema americano, foram beneficiados por tendências artísticas expressionistas, principalmente no que diz respeito às questões técnicas de cenografia e iluminação. Entre as muitas manifestações dessa tendência estão os filmes de terror dos anos 30 produzidos pela Universal Studios e os filmes noir. Mas, além das características técnicas e estéticas já citadas, Caligari e seus seguidores possuíam uma outra que seria reiterada por muitos anos no cinema alemão, mesmo após o final do movimento expressionista: as histórias de personagens obscuros envolvidos com impulsos internos de destruição e de dupla personalidade, tema que, por sinal, já havia sido abordado anteriormente nos primórdios do cinema germânico. Fazem parte dessa lista o Dr. Caligari e o Sonâmbulo Cesare, o vampiro Nosferatu, o bandido Mabuse, a andróide Maria de "Metrópolis", o "Vampiro de Dusseldorf" e vários outros personagens. Mas é em filmes esquecidos da década de 10, dos quais sobraramapenas algumas fotografias e partes dos roteiros, que se encontra o embrião temático dessas histórias que influenciariam tanto o cinema alemão quanto o cinema americano. O primeiro filme foi "O Estudante de Praga" de Paul Weneger, em 1913. Ligado ao romantismo e aos contos de Edgar Allan Poe, o filme contava a história do estudante 36 Baldwin, que vende ao
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