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VADICO, Luiz Historia e Estética do cinema

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Comunicação, Estética e Cultura de Massa 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Luiz Vadico 
 
 
 
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ESTÉTICA DAS IMAGENS EM MOVIMENTO 4 
ESTÉTICA, FORMAÇÃO E PREOCUPAÇÕES RELATIVAS ÀS PRIMEIRAS IMAGENS EM 
MOVIMENTO. 6 
MÉLIÈS 10 
MOSTRAÇÃO VERSUS NARRAÇÃO – O INÍCIO “NÃO NARRATIVO” DO CINEMA 12 
OS NICKELODEONS 14 
NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA – ESPAÇO E MOVIMENTO 15 
O CINEMA CLÁSSICO NARRATIVO 16 
NOVOS PROBLEMAS ESTÉTICOS 18 
SUGESTÃO DE LEITURAS E FILMES PARA OS TEMAS ABORDADOS 21 
A EXPERIÊNCIA SOVIÉTICA: A ESTÉTICA SOCIALISTA 23 
TEORIAS DA MONTAGEM 24 
O EXPRESSIONISMO ALEMÃO 32 
MURNAU 36 
POR TRÁS DE METRÓPOLIS 38 
VANGUARDAS EUROPÉIAS 40 
VANGUARDA FRANCESA - O AVANT-GARDE 41 
PRIMEIRA FASE - O IMPRESSIONISMO FRANCÊS 41 
SEGUNDA FASE – IMPRESSIONISMO FRANCÊS 42 
TERCEIRA FASE – DADAÍSMO E SURREALISMO 43 
DADAÍSMO NO CINEMA 43 
RENÉ CLAIR – INDÍCIOS DADAÍSTAS 44 
MAN RAY 44 
MARCEL DUCHAMP 45 
SURREALISMO NO CINEMA - LUÍS BUÑUEL E SALVADOR DALI 45 
"UN CHIEN ANDALOU" 45 
O DOCUMENTÁRIO 47 
O USO DA COR 53 
O USO EXPRESSIVO 55 
AS RECEITAS COLORIDAS 56 
NOVAS FERRAMENTAS PARA A MANIPULAÇÃO DA COR NO CINEMA 57 
ASTROS E ESTRELAS – A ESTÉTICA DO CORPO. 59 
A ÉPOCA DAS ESTRELAS 59 
O ATOR DE CINEMA E O DA TV 62 
O BELO 63 
 3 
O NEO-REALISMO ITALIANO 65 
CARACTERÍSTICAS DO NEO-REALISMO 68 
A NOUVELLE VAGUE 70 
BIBLIOGRAFIA 74 
 
 
 
 
 
 
 4 
 
 Estética das Imagens em Movimento 
 
 
 
 
 
 A virada do século XIX para o XX apresentou um agravamento de uma crise 
que havia se iniciado no âmbito das artes ao longo do século XIX. A arte pictórica que 
havia sido acima de tudo baseada na Mimesis (imitação da natureza) – sem retirar dela o 
que possuía do caráter ligado à representação simbólica - , será confrontada com o 
surgimento da fotografia. O longo desenvolvimento das máquinas e dos processos de 
revelação fotográficos ajudaram a questão a se impor aos poucos. Isso levou os artistas 
e teóricos a um questionamento profundo sobre a natureza do fazer artístico. Agora que 
o ato fotográfico conseguia traduzir bastante bem a natureza e seus elementos, e 
despontava também como uma forma artística, quais seriam os novos caminhos que a 
Arte poderia percorrer? 
 A resposta seria a Arte pela Arte, depois das longas tentativas e explorações em 
diversos movimentos artísticos bastante conhecidos (Impressionismo, Fauvismo, 
Cubismo, Dadaísmo, etc) que terminaram por possibilitar o desenvolvimento da Arte 
Moderna. Uma Arte que se deseja acima de tudo conceitual e que exige para a sua plena 
fruição um expectador avisado sobre o fazer artístico e sobre o resultado final obtido 
neste processo. 
 Mal estes problemas se colocavam no âmbito da Arte em relação à fotografia e à 
representação da Natureza e eis que surgem as imagens em movimento. A fotografia em 
movimento, ou os quadros móveis. Essa novidade que fazia parte sobretudo de uma 
resposta necessária ao imaginário relativo ao “Real”, típico da sociedade burguesa do 
Século XIX, iria originar, como bem se sabe, o que se convencionou chamar de Cinema. 
Mal se estava pensando na reprodutibilidade das imagens fotográficas, quando 
subitamente elas começaram a ser imagens em movimento. É necessário ter-se em 
mente que toda a tradição cultural e filosófica ocidental, que havia produzido ou 
pensado a Estética o havia feito em cima de objetos eminentemente parados. O que 
havia permitido estabelecer padrões e critérios de análise que poderiam se traduzir em 
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um juízo a respeito da qualidade de uma obra de arte, e o quanto essa obra de arte 
atendia aos quesitos sociais relativos ao Belo, e de alguma forma, também relativos ao 
Sublime. 
 O conhecido intelectual Walter Benjamin tentou atacar a questão da reprodução 
das imagens no conhecido artigo A Obra de Arte no Tempo da sua Reprodutibilidade 
Técnica, onde falava à respeito do esvaziamento do “Aura” e de outra forma implicava 
uma certa de perda do estatuto da Obra de Arte. Essa discussão está inserida no contexto 
do surgimento do Cinema e das primeiras buscas de teóricos acadêmicos em produzir 
conhecimento e reflexão sobre o novo meio. Entre os mais representativos deste 
momento estão Hugo Munsterberg (The Photoplay, 1916) e, pouco posteriormente, 
Rudolf Arnheim (Film as Art, 1932). Além de buscar entender a natureza do cinema 
eles também buscavam, e conseguiram de certa forma, estabelecer o cinema como uma 
forma de arte; devedora de todas as outras artes, mas ao mesmo tempo uma arte 
autônoma. 
 As discussões de teóricos posteriores tenderam a pensar em termos do efeito que 
os filmes e o cinema em geral teriam sobre seus espectadores. E, uma longa tradição, 
tanto de teóricos quanto de historiadores, visitavam a evolução deste processo e a sua 
estética tendo em vista como ponto final da sua evolução a Narrativa clássica 
Hollywoodiana. Ou seja, desde o início da primeira tomada de imagem, o que se deseja 
era contar “estórias”, desenvolver uma forma narrativa. E uma forma narrativa que fosse 
típica do cinema. Todas as vezes que se olhava para o passado era pensando que em 
determinados momentos não se possuía algum tipo de equipamento ou conhecimento 
para se fazer determinado tipo de filme e que por isso os resultados eram sempre 
“primitivos” e um tanto quanto amadores. No entanto, os estudos mais contemporâneos, 
a partir de meados dos anos 80 alteraram significativamente essa forma de se ver os 
Primeiros Filmes ou o chamado Primeiro Cinema (Early Cinema ou Early Film), 
processo capitaneado por Tom Gunning, André Gaudreault e Charles Musser. 
 
 Mais do que somente pensar na estética e na natureza do cinema (ou da imagem 
em movimento) é necessário também se juntar a estes itens as questões: porque se faz, 
para quem se faz e qual a finalidade em se fazer. E o contexto histórico e social no qual 
foi feito. 
 O problema que irá nos acompanhar ao longo do curso não é o da natureza da 
imagem, mas o da estética da imagem em movimento. Os desdobramentos dessa 
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questão estão diretamente relacionados a todos os tipos de imagens em movimento, 
sejam elas televisivas ou geradas por novas tecnologias. Dizer que estão diretamente 
ligados também não significa dizer que uma solução estética encontrada para um meio 
seja pura e simplesmente transportada para o outro. Aqui se discute sobretudo a estética 
das imagens em movimento, e até mesmo os componentes que podem ser de caráter 
estético, como o Movimento e o Tempo. 
 
 Estética, formação e preocupações relativas às primeiras 
imagens em movimento. 
 A partir de 1895, data da primeira projeção pública realizada pelos irmãos 
Lumiéres, já poderemos observar os elementos estéticos presentes nos primeiros filmes 
projetados1. 
 Os Assuntos (títulos) das imagens se referem diretamente ao conteúdo. Isso se 
deve sobretudo à curta duração do rolo de filme, surge aqui uma primeira determinação 
relativa ao Tempo e a Estética e à sua finalidade. Observemos que em termos 
“estéticos” a duração do rolo do filme não é encarada como uma dificuldade e nem 
como um desafio. É o rolo de filme que se tem naquele momento. A finalidade é 
apresentar a possibilidade de se registrar imagens em movimento. Como veremos é o 
“movimento” que chama atenção naquele período (1895-1899 + - ). 
 O enquadramento. A questão seguinte. Imagens em movimento, mas que 
imagens são? Animações? Não. São fotografias, logo os primeiros a fazerem tomadas 
de imagens eram sobretudo fotógrafos. Estes fotógrafos também naquele período já se 
inseriam numa tradição de retratos, fossem da natureza fossem de seres humanos, essa 
tradição estava sobretudo alojada no plano dos ganhos da arte pictórica ao longo dos 
séculos. Em outras palavras, mesmo em se tratando de fotógrafos, eles ainda possuíam 
uma proximidade bastante clara com as regras e formas do que é tido como Belo e 
pensado como Belo pela e para a pintura.Havia inclusive entre eles um grande esforço 
por estabelecer a fotografia como uma arte autônoma, mas a dificuldade maior era que 
desde o inicio a fotografia se “vendeu” como uma forma de captar o real, desejava-se o 
 
1 Não se pode esquecer o pioneirismo de Thomas Edison, nos Estados Unidos, na invenção e aplicação do 
Kinestoscópio. O seu trabalho não será particularmente verificado aqui, pois o aparelho permitia apenas o 
visionamento individuas das imagens. Em termos estéticos, os conteúdos abordados em seus trabalhos 
são muito próximos ao dos irmãos Lumiéres. 
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seu análogo. O que de certa forma é um paradoxo, pois a Arte tinha sido até então “a 
mimetização” do real, as técnicas e os significados envolvidos nisso tudo. 
 Então, provavelmente, com a exceção das “naturezas mortas” todos os temas 
típicos da Arte Pictórica foram de alguma forma reaproveitados pelos fotógrafos 
(cinegrafistas), quer seja em sua arte, quer seja na captação das imagens em movimento. 
 A natureza do conteúdo. O que estava efetivamente fotografado na película? 
 As primeiras constatações relativamente à análise dessas imagens, 
necessariamente nos levam a dizer pura e simplesmente que tudo o que há nelas, forma, 
conteúdo, estratégias, pontos de vista, são fruto da época. 
 Observemos a imagem mais impactante: A Chegada do Trem 
 A escolha do assunto nos fala muito sobre o que ocorria naquele momento. Essa 
imagem é tão forte que todas as vezes que se fala do surgimento do cinema comenta-se 
que as pessoas assustadas fugiram da sala quando foi projetada essa imagem (isso é 
lenda). Ao final de um século onde o progresso, o desenvolvimento tecnológico, as 
novas descobertas científicas, etc faziam crer na evolução e progressão continuas da 
humanidade, o trem representava o conjunto de todas essas coisas unidas. Era ao mesmo 
tempo o símbolo de uma época como também o símbolo do movimento, da velocidade, 
da potência, da mobilidade, da união, do transporte, da conquista das novas fronteiras. 
E, acima de tudo, se trata de uma máquina. Começava a existir um encantamento pela 
máquina, pela sua velocidade, pela sua mecânica, pelos seus movimentos mecânicos, 
harmônicos, sincrônicos e repetitivos (Dziga Vertov, Marinetti)2. 
 Este é apenas um primeiro indício. Poderemos perceber que pouco tempo 
depois, um dos cinegrafistas de Lumière teve a idéia de colocar o cinematógrafo em um 
trem, e então tivemos a câmera sendo movimentada, mais um detalhe característico do 
movimento. Posteriormente um outro cinegrafista resolveu colocar uma câmera sobre 
um barco, e foi mostrando imagens de Veneza. Realizando o que se chamaria hoje de 
travelling. 
 A Máquina surge nestes primeiríssimos filmes como algo que encanta e que 
pertence à categoria das coisas belas, belas e que se movimentam. Em outros filmes, 
como veremos posteriormente as novas tecnologias também receberam sua carga de 
crítica. Pois Vemos a recente invenção do automóvel ser alvo de atenção e ao mesmo 
 
2 A beleza, a estética da máquina e a sua apologia podem ser encontradas nos trabalhos de marinetti, 
italiano fundador do movimento futurista e a sua influência pode ser claramente sentida nos filmes de 
Dziga Vertov, como “O Homem com a Camêra”. 
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tempo de comicidade. Pois podemos ver carros explodindo. E, efetivamente alguns 
deles explodiram. 
 Vamos notar também de imediato que o que está no pano de fundo da maior 
parte destas imagens é a sociedade burguesa. Não apenas no que tange à classe, mas aos 
costumes, aos desejos, ao lugar onde vive. A cidade surge assim como o pano de fundo 
mais comum. Desde o começo há uma forte preeminência das tomadas de imagem 
relacionadas às cidades. Opção esta que se refere a uma escolha do cinegrafista e a uma 
necessidade comercial, nas cidades encontrava-se a maior parte do público que poderia 
pagar para ver as exibições. 
 Muito rapidamente os Irmãos Lumiéres enviaram os seus cinegrafistas para as 
várias partes do mundo. Para recolherem imagens em movimento. Este registro pode ser 
visto de diversas formas. Por que o “mundo”? Bem, estavam em plena Segunda 
Revolução Industrial, plena era neo-colonista; a Europa tinha sede de saber, de ver, 
conhecer, tocar e cheirar os povos distantes. Os meios de transporte, mesmo com as 
efetivas alterações das velocidades, via trem e barco a vapor, ainda não permitiam a 
locomoção fácil para todos os cantos e nem para todas as pessoas. O cinematografo 
trazia então para todos eles a possibilidade de ver lugares onde nunca estiveram e nunca 
estariam provavelmente. A contra-mão disso, foi que ao mesmo tempo que as imagens 
dos diversos pontos do mundo chegavam à Europa, as imagens da Europa chegavam 
também a diversas partes do mundo. 
 Vimos aparecer muito rapidamente imagens em movimento de diversas partes 
como podemos perceber nestes exemplos (Rússia, China, Índia – Box dos Primeiros 
filmes). Se podemos dizer que o conteúdo da curiosidade européia era uma das marcas 
da estética dessas imagens, podemos dizer também que elas são tomadas a partir do 
ponto de vista do europeu. Ao mesmo tempo que essas imagens eram tomadas nos 
diversos lugares elas eram ali também consumidas muitas vezes antes da matriz 
européia recebê-las. As imagens eram tomadas com a única finalidade de se fazer 
exibições de imagens em movimento e se ganhar dinheiro com as mesmas exibições. 
Por isso uma estratégia comum neste primeiro momento era o cinegrafista tomar 
imagens em plena rua, das pessoas passando, depois explicava o que estava fazendo e 
informava onde seriam as exibições, e as pessoas acorriam para lá para se verem nas 
projeções. Claro, nem sempre a câmera estava ligada. 
 No período inicial da história das imagens em movimento o que estava em jogo 
pura e simplesmente era a máquina, era a promoção do aparelho que podia fazer 
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imagens e em seguida projetando mostrá-las em movimento. É a curiosidade das 
pessoas pelo novo invento que está sendo explorada. Por isso pode-se dizer, como 
alguns teóricos, que eles faziam “mostração”. A sua preocupação única é mostrar. 
Mostram os lugares, mostram as pessoas, mostram eventos, acontecimentos. Muito da 
produção desses primeiros anos é dedicado a mostrar o que as pessoas não tinham visto. 
Um evento do qual não tinham participado, ou a sua participação no filme, ver lugares 
que não tinham visto, reconstituição de crimes, cenas históricas, “mostração”. A grande 
diferença daquilo que ocorria para o mundo da fotografia era o “movimento”. 
 Os Irmãos Lumiéres acreditavam que assim que o desejo pela novidade 
houvesse passado o cinematografo e todos os seus produtos não chamariam mais 
atenção, viam nele apenas um negócio passageiro. Foi um mágico Méliès, um homem 
do entretenimento, portanto, que viu nas imagens em movimento uma possibilidade de 
ganhar dinheiro com entretenimento. Ele foi um dos primeiros a explorar industrial e 
comercialmente essas imagens. Inicialmente, devido talvez à sua profissão, percebeu 
que era possível fazer trucagens com as imagens. Fazer coisas desaparecerem, objetos 
mudarem de lugar, etc. Esses pequenos truques chamavam grandemente a atenção, pois, 
as pessoas mal haviam se acostumado a ver as imagens se moverem e de repente 
estavam vendo objetos desaparecerem, montagens estranhas, coisas que nunca haviam 
imaginado antes. 
 Mas, uma das características dos produtos relacionados ao entretenimento na 
sociedade moderna, é que precisam sempre ser renovados para não perderem o 
interesse. Em pouco tempo, Méliès viu a possibilidade de se contar estórias com o novo 
mecanismo e surgiram as primeiras narrativas elaboradas e produzidas tendo em vista o 
novo meio. Isso não foi algo que ocorreu tão somente na França. Nos Estados Unidos, 
Thomas Alva Edison, já explorava as imagens em movimento, anteriormenteao 
cinematógrafo, através dos Kinetoscópios. E, percebeu a necessidade de entrar na 
concorrência no campo dos cinematógrafos. Seu principal cinegrafista foi Porter, que 
além de fazer os mesmo tipos de tomadas que faziam os Lumiéres também notou a 
necessidade de criar novos assuntos interessantes para as pessoas continuarem a ver 
filmes e desejarem sempre ver mais. 
 Concluindo. Neste primeiro momento temos então: 
 Câmera Fixa. Imagem em Plano geral. Assuntos diversificados (cidade, 
costumes, novidades, etc). Prevalecia o registro do movimento, continuava por um 
tempo sendo fotografia, pouco depois fotografia em movimento, o movimento, suas 
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possibilidades, até que as aplicações do novo invento começaram a ser efetivamente 
percebidas. As imagens de outros países poderiam ser usadas em palestras de viagens. 
Poderiam ser vendidas com fins didático-pedagógicos. As notícias, as novidades 
também poderiam ser guardadas como registros de eventos importantes. 
 Com essa finalidade, as imagens em movimento atraíam para si todos os 
elementos que formavam a reprodução de imagens no século XIX. Tínhamos ainda as 
normas da pintura clássica nos enquadramentos, os ângulos típicos dos fotógrafos, os 
assuntos relacionados à fotografia, relacionados às noticias de jornal, as pequenas 
comedias relacionadas às tiras de jornais e charges. 
Bem, as imagens se moviam, e agora, o que se fazer com elas? 
Méliès 
 Ao descobrir no cinematógrafo uma nova possibilidade para a sua arte, Méliès, 
que era mágico por formação iniciou suas primeiras experiências. As suas primeiras 
experiências com o aparelho visavam mostrar pura e simplesmente seus truques 
mágicos; em seguida notou que o próprio meio era uma possibilidade de criar “truques” 
mágicos. Em pouco tempo ele começou a fundir pequenas cenas e sketches, com a 
finalidade de explorar na trucagem o cômico, em outras palavras, o entretenimento puro 
e simples. 
 A câmera em Méliès é fixa, ela não se move, sempre está em Plano Geral, a 
concepção que ele tinha do uso da câmera estava diretamente relacionada ao palco do 
teatro. E, sendo um homem do entretenimento, também ligado ao teatro, iremos 
observar em seus filmes toda a maquinaria de cenários utilizados à época. Este produtor 
não estava de forma alguma preocupado em mostrar “a realidade” ou fazer alguma 
forma de filme que fosse aquilo que se chamaria mais tarde “documentário” ou até 
mesmo as chamadas “atualidades”, que também atraíram grandemente os espectadores. 
Estéticamente falando vamos ver em seus filmes o típico gosto do século XIX, uma das 
características mais marcantes são as alegorias. Mulheres representando planetas, 
musas, virtudes, etc. Algo que já acontecia nas artes gráficas, na impressão e ilustração 
de livros. Um claro gosto pelo ornamento. As vezes uma ornamentação excessiva. 
 O conteúdo do cenário variava, desde a utilização de ornamentação, uma forte 
característica do Art Noveau, até mesmo às influências da gravura japonesa ou da arte 
chinesa que tanto influenciaram os pintores impressionistas e os primeiros 
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Expressionistas do período. O gosto pelo exótico, pelo oriental, pelo fantástico 
determina a escolha de vários dos assuntos. 
 Mas, não nos enganemos com a câmera e enquadramentos fixos de Mélies, a 
grande mobilidade característica da sua exploração do palco, e a intensidade dos 
detalhes a serem visto levavam às suas produções uma grande platéia. Ele precisou 
mesmo construir um grande estúdio para poder realizar seus filmes, que visivelmente 
não eram baratos. O papel de Mélies na História do Cinema é bastante reconhecido, pois 
foi um dos primeiros a perceber o importante papel da ficção e a explorar 
industrialmente o invento a partir tão somente do entretenimento que este poderia 
oferecer. 
 As estórias que ele contou estavam sempre vinculadas ao Fantástico e ao 
maravilhoso. Explorou vários assuntos, no entanto, a ficção científica, representada pelo 
escritor Julio Verne, teve sua preferência. A Viagem à Lua é um dos seus mais famosos 
filmes. 
 Veremos nele não apenas parafernália teatral utilizada plenamente, o caros 
cenários, mas também veremos moças e rapazes cuja única função é “abrilhantar” o 
espetáculo, da mesma forma que se fazia no “Vaudeville”. Méliès é o primeiro a fazer 
narrativas mais longas. As narrativas curtas, sempre ocupando apenas um quadro e o 
tempo do filme eram bem mais comuns, contavam sempre um pequeno evento, como é 
o caso do “Jardineiro Regado” (1895) dos irmãos Lumières. 
 Estas primeiras filmagens preocupavam-se muito mais com o fato de mostrar as 
possibilidades do aparelho, mostrar a inovação técnica, mostrar as imagens em 
movimento, do que contar estórias, ou desenvolver o aparelho de qualquer forma para 
que se fizesse isso de uma forma mais eficiente. Seguindo as opções de Mélies, a França 
produziu vários filmes chamados “Filmes de Arte” nos quais simplesmente filmava 
grandes nomes do Teatro atuando no palco. Poderia parecer pouco, mas esta era a única 
chance de algumas pessoas verem a atuação da famosa Sarah Benhardt, p. ex., além de 
outros nomes famosos do teatro. 
 É importante ter claro em mente, neste momento, que o enquadramento da 
câmera, quando desejava mostrar coisas relativas à ficção era o “palco do Teatro”, as 
dimensões do enquadramento obedeciam mais ou menos o tamanho do enquadramento 
do teatro. 
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Mostração versus Narração – O Início “Não Narrativo” do 
Cinema 
 Em seu livro O Primeiro Cinema, Flávia Cesarino descreve as mudanças 
sofridas pela historiografia do cinema ao tratar das produções do período de 1895 a 
1906/1908, que, inicialmente, eram vistas por historiadores como Lewis Jacobs, 
Georges Sadoul e Jean Mitry, como desajeitadas experiências na busca do que o cinema 
teria em sua essência , ou seja , uma linguagem própria utilizada para contar histórias. 
 
 “ A abordagem tradicional considerava que somente a partir do momento em que se 
começou a manipular satisfatoriamente os vários elementos dessa linguagem – a alternância de 
tempos e espaços , os closes , os campos/contra-campos, as tomadas subjetivas , a centralização , 
os travellings , as panorâmicas , as fusões , etc. – para construir narrativas fluentes é que o cinema 
teria se transformado num sistema de expressão verdadeiramente artístico.” (pág. 38) 
 
 A visão da historiografia clássica pensava o seu objeto de estudos a partir de 
uma evolução linear, onde as produções dos primeiros anos seriam uma espécie de 
infância ou pré-história e o “marco zero” do que realmente interessava estaria datado 
com os filmes de D.W. Griffith, ou mais especificamente para alguns, como Nicholas 
Vardac, no ano de 1915, com a apresentação de O nascimento de uma nação. 
 Mesmo entre os historiadores clássicos há divergências entre esse momento de 
transição já que também são citados como figuras importantes para a descoberta da 
linguagem cinematográfica, principalmente no que se refere à montagem , nomes como 
Edwin Porter ( Life of an American Fireman – 1903 ) , James Williamson ( Attack on a 
China Mission – 1900) e G.A. Smith ( Grandma’s Reading Glass – 1900). Divergências 
e nacionalismos a parte, o que fica patente é a idéia da importância do surgimento da 
narrativa, neste caso também clássica, para a avaliação do valor artístico dos trabalhos 
cinematográficos. 
 Tal posição só viria a ser questionada, segundo Flávia Cesarino, a partir dos 
trabalhos de Jean-Louis Comolli , nos Cahiers du Cinéma , em 1971/1972. Fatos 
importantes contribuiram para essas mudanças. Um deles seria a descoberta em 1940, 
na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos de Paper Prints3 contendo fotogramas 
 
3 No intuito de proteger seus filmes da exploração ilegal e não autorizada e na ausência de uma legislação 
sobre o direito autoral de produções cinematográficas, TomasA. Edison , precursor do cinema na 
América, a partir de 1894, começou a copiar em papel fotográfico cada fotograma de seus filmes, 
formando rolos que posteriormente foram chamados de Paper Prints e eram registrados na Biblioteca do 
Congresso Americano como fotografias. Essa prática logo foi adotada por vários outros estúdios de 
produção cinematográfica fazendo com que essa acervo chegasse a cerca de 5 mil rolos ainda em 1912. 
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de filmes dos primeiros anos do cinema. Posteriormente essas fotos foram re-
transferidas para película de 16mm num trabalho iniciado pelo técnico e colecionador 
Kemp Niver. Só isso já rendeu aos pesquisadores vasto material para análise, já que 
muitos dos filmes recuperados a partir dos Paper Prints já não existiam mais e só 
podiam ser analisados a partir de lembranças e anotações, procedimento comum dos 
historiadores clássicos citados anteriormente. 
 Outro fato foi o evento que ficou conhecido como o Simpósio de Brighton, em 
1978, que reuniu arquivistas e pesquisadores de vários países e que a partir das diversas 
contribuições apresentadas, direcionou o olhar dos presentes para a necessidade de uma 
nova avaliação dos trabalhos do cinema dos primeiros anos. Em meio aos muitos 
pesquisadores que foram a Brighton estavam André Gaudreault e Tom Gunning que 
consolidam, a partir daí, uma nova forma de ver os trabalhos dos primeiros dez anos do 
cinema. 
 Flávia Cesarino, citando estes autores em seu trabalho de 1989, “Le Cinéma de 
Premiers Temps: un défi à l’histoire du cinema ?”, resume bem o novo olhar sobre essa 
parte da história do cinema : 
 
“ 1. O cinema dos primeiros tempos apresenta formas discursivas estranhas ao cinema 
que se institucionalizou após 1915 (...) e não pode ser julgado por normas que então nem 
existiam ainda (...). 
2. As normas que iriam ser erguidas para dar nascimento à (...) linguaguem 
cinematográfica (...) não apresentam, em última análise, apesar de sua durabilidade, mais 
do que um instante do código.” 
 
 Gunning observa que a relevância dada à narrativa e à sua característica de ser 
contínua (de modo a ser eficiente) era tão cara aos historiadores clássicos, sendo sua 
ausência tão negativa para o Primeiro Cinema (na visão deles), devido ao fato dos 
mesmos terem usado como referência os modelos narrativos vindos do teatro e da 
literatura, quando era nas artes populares, como a lanterna mágica, o teatro burlesco e os 
vaudevilles que o Primeiro Cinema se baseava. Uma lógica própria, não 
necessariamente contínua e baseada em atos, interligados ou não, mas diretamente 
focados em prender a atenção dos espectadores no que estava sendo mostrado. Gunning 
vai elaborar melhor essas diferenças no conceito de Cinema de Atrações. 
 Gaudreault, por sua vez, desenvolve uma teoria que, em síntese, estabelece dois 
modos fundamentais para a comunicação narrativa: a mostração e a narração. A 
primeira ligada mais ao relato cênico, baseado mais na imitação e que ele chama de 
diegese mimética; já a segunda, mais ligada ao relato escritural e à figura tradicional do 
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narrador, situação que ele chama de diegese simples. Para este autor o cinema dos 
primeiros anos está muito mais ligado à categoria de mostração, situação que aos 
poucos vai sendo movida em direção à narração e ao modo clássico e hegemônico de 
fazer cinema que sobrevive até hoje. 
 Trabalhando juntos ou separados, Gaudreault e Gunning parecem convergir em 
alguns pontos apesar de haver diferenças entre a idéia de Cinema de Atrações e o 
esquema narratológico proposto por Gaudreault. De uma forma ou de outra, ambos 
determinam uma espécie de polaridade entre atrações, espetáculo ou mostração e a 
narração da maneira como a conhecemos hoje em sua forma hegemônica no cinema. Os 
dois também parecem concordar que, com a ascensão de Griffith e seus trabalhos no 
cenário da indústria do cinema, o pólo da narração clássica começa a tornar-se 
hegemônico apontando para o pólo do espetáculo um papel cada vez menor nos filmes 
que se seguiram. 
 O modo de fazer cinema estabelecido por Griffith, de uma certa forma, decreta a 
queda de um outro personagem tão importante nesta trajetória: George Méliès. Se 
Griffith representa a conquista da narração e o domínio sobre uma recém descoberta 
linguagem do cinema, Mélies encarnou no Primeiro Cinema o lado do espetáculo. 
Através de truques cada vez mais complexos, o mágico Méliès atraiu a atenção dos 
espectadores e construiu, da sua forma, sua relação com o público, numa trajetória 
diferente da de Griffith, num caminho que o levaria do sucesso à miséria em menos de 
20 anos. 
 Nesse momento, a balança de Gaudreault pende definitivamente para a 
Narração e a Mostração parece então fadada ao esquecimento. 
 Entretanto pode não ter sido bem assim.Teria a ascensão de Griffith sepultado a 
Mostração de Gaudreault e o Cinema de Atrações de Tom Gunning deixando-os apenas 
como características de uma época, a do Primeiro Cinema que finda entre os anos de 
1906/1908 ? Seriam esses dois extremos, Atrações e Narração, a única equação 
possível para estruturar as possibilidades do fazer cinematográfico? Por fim, sendo 
negativa a resposta à questão anterior, em que bases teóricas poderíamos reconstruir 
esse problema ? 
Os Nickelodeons 
 Enquanto na França Méliés reinava e exportava seus filmes, inclusive para os 
Estados Unidos. Na América do começo do século XX se criou uma casa de espetáculos 
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chamada simplesmente de Nickelodeon, que não eram mais do que um simples salão, 
onde a maior parte da assistência nem possuía cadeiras para se acomodar. Mas o preço 
altamente convidativo fez com que este tipo de casa ganhasse as boas graças do público. 
E rapidamente essas casas de projeção pipocaram por todos os Estados Unidos. Com 
seu aumento significativo houve uma demanda para que os filmes fossem produzidos 
em maior quantidade e ainda mais rapidamente do que eram feitos. 
 Inicialmente o público era formado apenas pelas camadas populares, imigrantes 
de todas as partes do mundo, operários, pobres de todos os tipos. Todos sem a 
possibilidade de freqüentar qualquer outro ambiente de entretenimento da chamada 
“Alta Cultura”. O Nickelodeon lhes deu uma oportunidade única de entretenimento 
barato. 
 Aos poucos, devido ao grande sucesso dessas casas, que enriqueceram de uma 
hora para outra exibidores e produtores, elas foram se tornando melhores e mais bem 
acabadas, até se transformarem em grandes salas de exibição. As melhorias e as críticas 
sociais que as projeções de imagens móveis sofriam por parte da elite da sociedade, fez 
aos poucos que se buscasse dar uma “validação” para esta nova forma de 
entretenimento. Buscava-se atrair a classe média e quem sabe, até mesmo a elite, para 
assistirem as projeções. Paulatinamente vai surgindo a “narrativa cinematográfica”. 
 Para se desenvolver uma narrativa que fosse própria do novo meio, e que não 
fosse apenas um teatro filmado, diversos passos precisaram ser dados. Vários são os 
responsáveis pelas transformações ocorridas até que se desenvolvesse essa nova forma 
de narrativa. 
Narrativa cinematográfica – Espaço e Movimento 
 Os primeiros filmes a mostrarem de certa forma uma maneira diferente de se 
mostrar uma estória foram os filmes de “perseguição”. A situação inicial mostrava 
alguém que por acidente ou não fazia algo que levava uma pessoa a persegui-lo, e de 
acidente em acidente o numero de pessoas que o perseguiam aumentavam até o 
desfecho final. Este foi um gênero muito popular. Certamente foi o gênero que permitiu 
que houvesse continuidade narrativa entre os planos. Até então tínhamos, câmera fixa, 
plano único, enquadramento teatral. A partir destes filmes a ação da estória passava a ter 
continuidade entre diversos planos filmados. Em geral eram cenas rodadas ao ar livre, 
algumas vezes, entremeadas com algum cenário. Essa perseguição através de diversosquadros possibilitou que se pensasse na continuidade narrativa entre os planos, que não 
 16 
fosse mostrada apenas uma situação inusitada, mas que se pudesse efetivamente utilizar 
este recurso para contar estórias. 
 Com as diversas experiências de Sidney Olcott, Porter e Griffith, nos Estados 
Unidos; Ferdinand Zecca, Alice Guiy e Feuillade, na França, aos poucos a dimensão do 
quadro deixou de ser a teatral e tomou como medida o corpo humano. Ele passou – não 
sem muitas críticas – a poder ser cortado, poderíamos ter agora o Plano americano, ou 
Plano Médio, o Plano Geral, e o Plano de Detalhe. Essa transformação é importante 
uma vez que a dimensão do palco do teatro foi substituída por algo que também possui 
uma história e uma dimensão estéticas, o corpo. Estes desenvolvimentos se fizeram 
necessários tendo em vista o público que se desejava atingir. Para a continuidade do 
desenvolvimento da industria das imagens em movimento era fundamental atrair o 
público da classe média. A escolha pelo corpo como parâmetro não deixa de estar 
diretamente ligada ao ato de contar estórias, pois nelas seguimos os protagonistas, que 
são o referencial. 
O Cinema Clássico Narrativo 
 A partir da ascensão de Griffith e da construção do código que ao longo dos anos 
se transformou no que conhecemos como a “linguagem do cinema” inicia-se o reinado 
do que os teóricos chamam de Narrativa Clássica Hollywoodiana, um conjunto de 
regras e padrões que Noël Burch também batizou de IMR – Institucional Mode of 
Representation. Esse conjunto de convenções está relacionado aos enquadramentos, à 
forma de filmar e dispor os elementos da cena e principalmente à edição. 
 A estrutura da narrativa clássica se organiza a partir da relação entre problemas e 
suas soluções, entre equilíbrio e desequilíbrio, entre um mundo ficcional que é “ 
desarrumado” por um evento ou uma seqüência deles e o esforço que será feito durante 
a narrativa para reencontrar o equilíbrio original que foi quebrado. A narrativa clássica é 
uma espécie de viagem de retorno, de jornada em direção à ordem anterior. Para seguir 
essa trajetória que poderíamos chamar de linear, as relações de causa e efeito são 
fundamentais e tem que ser organizadas em termos de coerência e verossimilhança. O 
mundo ficcional construído pela narrativa clássica tem que ser compreensível e ele tem 
de ser plausível para o espectador; sua lógica interna tem que ser consistente. Como diz 
Annetthe Kuhn em seu texto sobre a Narrativa Clássica Hollywoodiana: “Temporal and 
 17 
spatial coherence are in fact preconditions of the cause-effect logic of events in the 
classic narrative”4. 
 As ações da narrativa clássica são guiadas por indivíduos, personagens bem 
caracterizados com traços de personalidade bem definidos, motivações e desejos. A 
cadeia de eventos será direcionada pelos atos desses personagens. 
O processo de edição será guiado, portanto, pela necessidade de dar a essa história e a 
esse mundo ficcional uma coerência interna e um potencial de absorção do espectador. 
Para tanto a questão da continuidade será fundamental. As regras de edição que são 
seguidas até hoje são baseadas na idéia de que os cortes devem ser imperceptíveis para 
que a atenção não seja desviada para eles e sim concentrada na estória e no mundo 
diegético criado por ela. A presença da edição deve ser invisível. 
 Um outro aspecto importante em relação aos produtos do Primeiro Cinema é que 
estes na realidade eram entregues semi-acabados, ou melhor , com um enorme potencial 
de manipulação, que poderia ir da alteração da velocidade de projeção ao re-
ordenamento de suas tomadas, com a simples exclusão de algumas partes. 
 O tamanho reduzido dos filmes e sua inserção em espetáculos com outros tipos 
de atração influenciavam algumas dessas escolhas. Além disso, a sobreposição de cores 
à película, o acompanhamento de música e efeitos sonoros, além da utilização de 
“narradores/explicadores”, os “lectures”, nos levam a entender que, nessa época, a 
construção do sentido passava pelas mãos dos exibidores. Era deles a decisão final sobre 
como os filmes chegavam às platéias. 
 Com o cinema clássico essa ordem de poder se altera e são os grandes estúdios 
que definem afinal como o filme deve chegar às telas. A verticalização da indústria com 
a compra e construção das grandes cadeias de exibição pelos estúdios de Hollywood vai 
reforçar também essa nova ordem, só abalada décadas depois por uma nova legislação 
para a indústria decidida pelo Congresso Americano. 
 Um fato importante a considerar sobre a estrutura da narrativa clássica é que, 
apesar de hegemônica, ela não se constrói idêntica em todos os lugares e em todos os 
períodos. Como todos os modos narrativos ela também sofre influências que vão gerar 
variações principalmente entra a experiência americana e a européia. Mesmo assim seus 
 
4 A coerência de tempo e espaço são pré-condições para a lógica de causa e efeito da narrativa clássica- 
Tradução do autor. 
 18 
traços gerais e sua lógica de construção serão usados como núcleo de uma enorme 
massa de filmes, principalmente nas décadas de 30 e 40. 
 Em seu trabalho “Narration in the Fiction Film”, David Bordwell propõe o 
Cinema Clássico Narrativo como um tipo ou categoria do que ele chama de Modo 
Narrativo. Bordwell define o seu conceito de Modo Narrativo como “algo que revela 
um certo nível de generalidade e significante unidade dentro de estratégias narrativas 
historicamente definidas”. 
 Bordwell também diferencia Modos e Gêneros Narrativos. Segundo ele: 
 
 “ Um gênero varia de forma significativa entre períodos e formações sociais; um modo 
tende a ser mais fundamental, menos passageiro e mais presente ou observável. Nesse espírito eu 
considero que Modos de Narração transcendem gêneros, escolas, movimentos e até cinemas 
nacionais”. 
 
 Um Modo Narrativo é enfim definido como um conjunto de normas 
historicamente distinto de construção narrativa e compreensão. Sendo assim a idéia de 
pluralidade de Modos nos leva a ver também diferentes tipos de sistemas de convenções 
e a uma certa imprecisão ao falarmos que um filme “foge do convencional”. Segundo 
Bordwell, a idéia de Modos Narrativos nos leva a crença de que não há filmes “não 
convencionais” e sim filmes que pertencem a sistemas de convenções (Modos) 
diferentes. 
 O Modo da Narrativa Clássica é talvez, portanto, o que exponha de forma mais 
clara e direta ao expectador suas próprias regras, sua própria ordenação interna, apesar 
de, contraditoriamente, fazer isso “apagando as pistas” de que alguém colocou ali as 
coisas do jeito que estão. 
Novos Problemas Estéticos 
 As imagens em movimento, que no início das projeções significavam sobretudo 
o movimento das imagens enquadradas e nenhum movimento da câmera ou do 
enquadramento ou do plano, tinham como limite o tamanho do rolo do filme (1895-
1900). Não se estava preocupado naquele momento com o que se chamaria 
posteriormente “montagem” ou edição. Havia limites físicos para tanto, o filme em si, o 
tamanho do rolo de filme permitido pelos projetores desenvolvidos até então. Com a 
complexização narrativa, os equipamentos foram sendo aperfeiçoados. Não percamos 
este fato de vista, o cinema é sobretudo uma arte dependente do desenvolvimento 
 19 
tecnológico. Os incrementos tecnológicos de quaisquer tipos permitem novas 
possibilidades estéticas. 
 No caso da narrativa clássica três elementos que já estavam implícitos no 
Primeiro Cinema, ganham uma grande dimensão: Movimento, Tempo, Espaço. 
 O movimento que originariamente, como comentado acima, se situava no 
conteúdo da imagem, pôde contar aos poucos com os movimentos de câmera. 
Primeiramente a própria câmera, fixa, sendo movida por algo, um barco, um trem, um 
avião, etc. Num outro momento a câmera passa a se mover - panoramizando – buscando 
o seuobjeto. Estes movimentos de câmera podem ser feitos em diversas direções. Aos 
poucos além destes movimentos da câmera, ela também passa a ser movida, para pegar 
diferentes ângulos de uma determinada cena; além de ser comum também a chamada 
“quebra de eixo”. Mas na narrativa clássica estes movimentos não são aleatórios ou 
inconseqüentes. Eles possuem de imediato uma finalidade, elaborar uma perfeita “sutura 
espacial” entre os diversos planos afim de criar na mente do espectador a idéia de que os 
diversos planos são na verdade a continuidade de um espaço único, ou de diversos 
espaços por onde os protagonistas da estória se movem. 
 A “sutura espacial” pode ser independente do fator “temporal”, no entanto, tanto 
o tempo quanto o espaço são organizados para dar suporte à ação dos personagens. São 
eles que constituem um perfeito “mundo ficcional” onde a atenção do espectador não é 
desviada pelos inúmeros “cortes” ou passagem entre os planos, o que se constituiria na 
famosa “continuidade”. Atualmente a “Continuidade” entre os planos pode ser 
constituída de diversas formas, uma das mais marcantes é a do vídeo-clipe, onde a 
continuidade é sobretudo marcada pela música. Ela alinhava todos os planos, 
permitindo que o espectador veja tudo como sendo parte de um mesmo momento de 
imagens em movimento. 
 Na narrativa clássica o Tempo de duração de um plano também surge como uma 
forma de ação estética, pois a duração maior ou menor deste irá permitir uma maior ou 
menor fruição do espectador dos elementos que constituem este mesmo plano. Quanto 
mais veloz os cortes, quanto menos durarem os planos, menos detalhes o espectador irá 
perceber. O que nos leva a outro dado do Tempo, a velocidade, que também é uma 
característica adesa á questão temporal. O filme pode ser cortado e montado tendo em 
vista o tempo como um dos seus suportes. Vários teóricos do inicio do cinema (Cinema 
não sonorizado - + - 1915 a 1927) gostavam de comparar os filmes com a música. Pois 
assim como esta arte, o tempo tem grande importância, a determinação do tempo de 
 20 
duração dos planos e a correlação entre eles cria “ritmo”. O que permite, de alguma 
forma, uma sensação semelhante à causada por “danças” ritmadas ou por musicas que 
possuem o compasso extremamente marcado. Mas a relação entre música e ritmo 
temporal conseguido através da montagem não é tão simples. 
 O grande exemplo da perfeita fusão entre espaço, tempo, narratividade e ritmo, é 
citado exaustivamente e historicamente como sendo o do filme “O Nascimento de Uma 
Nação”. Nele a montagem é utilizada com fins dramáticos. Duas linhas narrativas se 
cruzam ao final do filme (Montagem paralela), numa velocidade crescente de 
diminuição de duração dos planos, das seqüências que se entrelaçam, para chegar ao 
desfecho do filme. A sensação passada para o espectador é de tensão e ansiedade. 
 Em termos estéticos o desenvolvimento da narrativa cinematográfica 
propriamente dita, colocou pela primeira vez, uma conjunção estética completamente 
nova (exceção feita às imagens em movimento como mencionadas no início do texto). 
Se no primeiro cinema, o movimento contido nas imagens poderia ser estético, 
Serpentines dances p. ex., este elemento ainda não era suficiente para se determinar uma 
estética das imagens em movimento, pois o aparelho nada mais fazia do que registrar 
parte de um movimento que havia sido feito diante da câmera. 
 O Tempo e o Espaço poderiam ser usados de forma dramática. Ao longo de 
décadas este desenvolvimento foi pensado tão somente em função de uma narrativa. 
Mas os elementos estavam dados, e a Vanguarda Artística, posteriormente, saberia fazer 
bom uso deles. O Tempo e o Espaço são cada vez mais utilizados no sentido de levar o 
espectador não somente a uma situação estética mas a uma situação de Estesia. Se busca 
acima de tudo impactar este espectador sensorialmente, é a partir da sua sensorialidade 
que se deseja levá-lo a uma fruição que pode ser estética. Veremos exemplos claros 
dessa exploração em filmes recentes que se pretendem documentários, como “Baraka” 
Koyaniskatsi, ou daquele próprio período como “O Homem com a Câmera”, etc. 
 Os primeiros trabalhos de Griffth dão uma boa idéia do que ele iria desenvolver, 
como “The Girl and Her Trust”(1903), o próprio “O Nascimento de uma 
Nação”(1915). É importante notar que conforme as narrativas se tornam mais 
complexas também ocorre um aumento na duração dos filmes. O tempo de exibição de 
imagens em movimento sempre foi muito variável desde o começo da sua história. A 
projeção de uma única imagem poderia durar perto de um minuto, no entanto, um 
programa de projeção possuía várias imagens para serem projetadas de assuntos 
diversos, muitas delas eram acompanhadas por comentaristas, algumas vezes até 
 21 
palestras, isto alongava bastante o tempo ao qual a platéia estava exposta. Mas, com 
certeza é partir das produções italianas como Cabíria (1913), de Pastrone, que os filmes 
viraram literalmente longa-metragens. 
 Mas, o Tempo sendo um dos elementos constitutivos de uma experiência 
estética é em si mesmo estético? Esvaziado de todo e qualquer elemento referencial, o 
Tempo não é Estético e não possui estética, no entanto, o Tempo é sensível. Ele é parte 
e causa da sensorialidade. Nós sentimos que o tempo passa. Podemos não ter referencias 
que nos informem imediatamente sobre isso, mas sentimos que ele passa. Como ele 
passa? Esta já é uma situação ditada pelo psiquismo, pelo o que é subjetivo no sujeito, 
se é rápido, devagar, etc. Mas ele em si mesmo, não se constitui em estético. 
 
Sugestão de leituras e filmes para os temas abordados 
Discussão e conceituação de Estética cinematográfica. 
O Cinema é Arte? Especificidades da Arte industrial 
Textos: 
Aumont, Jacques. A Estética do Filme. Campinas: Papirus, 1995. p.19 – 52. 
Bernardet, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983. p. 07 - 30 
Betton, Gerard. Estética do Cinema. São Paulo: Martins Fontes, 1987. 
Pareysson, Luigi. Os Problemas da Estética. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 15-33. 
Mumford, Lewis. Arte e Técnica.Lisboa: Ed. 70, s.d.e. p. 09 - 33 
Tudor, Andrew. Teorias do Cinema. São Paulo: Martins Fontes, s.d.e., p. 11 – 28. 
Mitry, Jean. Estética y psicología Del cine – 1. Las estructuras. Espanha: Siglo XXI, 1986. p. 07 – 43. 
 
O Surgimento do Cinema: Pioneiros e cinema não narrativo. 
Filmes Sugeridos: 
ARRIVÉE D'UN TRAIN EN GARE À LA CIOTAT Louis Lumiére 1895 
ARRIVÉE DES CONGRESSISTES A NEUVILLE-SUR-SAÔNE Louis Lumiére 
BATAILLE DE BOULES DE NEIGE Cameraman de Louis Lumiére 
DÉMOLITION D'UN MUR Louis Lumiére 
REPAS DE BÉBÉ Louis Lumiére 
DREAM OF A RAREBIT FRIEND, THE Edwin S. Porter 
EUROPEAN REST CURE, THE Edwin S.Porter 
HISTOIRE D'UN CRIME Ferdinand Zecca 
 
Textos: 
Bernardet, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983. p. 31 - 77 
Costa, Flávio Cesarino. O Primeiro Cinema. São Paulo: Ed. Scritta, 1995. (cap. I e II ou inteiro) 
Machado, Arlindo. Pré-Cinemas e Pós-Cinemas. Campinas: Papirus, 1997. 
Xavier, Ismail. O Cinema no Século. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 21-42 
 
O Cinema narrativo: os diversos pioneiros e Griffith. 
A origem da montagem, recursos técnicos. Os primeiros gêneros. 
 
Filmes Surgeridos: CLOCK MAKER!S DREAM, THE Georges Mèliés 
VIAGENS IMAGINÁRIAS DE GEORGES MÉLIÈS, AS Georges Méliès 
REVE ET RÉALITÉ Ferdinand Zecca ? 
NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO, O (THE BIRTH OF A NATION) D. W. Griffith 
INTOLERÂNCIA (INTOLERANCE) D.W.Griffith 
 
 22 
Textos: 
Andrew, J. Dudley. As Principais Teorias do Cinema. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. p. 10 - 36 
(Hugo Munsterberg) 
Mitry, Jean. Estética Y Psicologia Del Cine, vol. 1 – p. 316- 338. 
Xavier, Ismail. A Experiência do cinema, Rio de Janeiro: Embrafilme, 1977. p. 27 – 54 e p. 57 – 73. 
(Hugo Munsterberg e Pudovkin) 
Xavier, O Cinema no Século, p. 247-266 
Xavier,Ismail. O Discurso Cinematográfico – a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 
1984. p. 19 – 30. 
Xavier, Ismail D. W. Griffith: o nascimento de um cinema, São Paulo : Brasiliense,1984. (inteiro) 
 
 23 
 
A Experiência Soviética: A Estética Socialista 
 
 
 Um dos fenômenos sociais mais importantes do século XIX foi o surgimento das 
organizações de trabalhadores. As reivindicações por limite da jornada, por melhores 
condições de trabalho, melhores salários e por uma legislação trabalhista que garantisse 
os direitos conquistados, foi uma luta que envolveu e uniu todos estes grupos. Os 
trabalhadores, liderados por pequenos partidos, particularizados por várias expressões 
ideológicas distintas, muitas vezes se uniam diante de situações sociais urgentes para 
dar-lhes soluções. Clubes, sindicatos, associações aos poucos foram sendo fundados ao 
longo do tempo, incluindo jornais que faziam circular as idéias e a cultura daquilo que 
se chamaria mais tarde de a classe operária. 
 Um importante caldo cultural se formou entre estes trabalhadores, europeus ou 
não. O internacionalismo foi uma das suas principais bandeiras, Anarquistas, Socialistas 
Cristãos, Bolcheviques, entre outros, foram os responsáveis pelo surgimento de uma 
nova forma de lidar com as forças sociais. Em vários níveis o pensamento operário 
parecia ser uma solução para diversos problemas da sociedade burguesa. A família 
nuclear era questionada pelos anarquistas, bem como toda forma de opressão e todo 
poder político. Os socialistas eram originalmente, tanto quanto os anarquistas, a favor 
da igualdade entre todas as classes e homens. Os socialistas utópicos eram favoráveis à 
formação de novas comunidades, verdadeiras experiências sociais, colônias, fazendas, 
pequenas cidades. O solidarismo era um dos principais “sentimentos” em pauta pelos 
diversos grupos de trabalhadores. 
 Aos poucos foi surgindo uma “cultura operária”, livros, livretos, revistas, 
jornais. Acompanhados da conseqüente produção artística. Uma produção voltada 
inicialmente para as letras, tendo em vista a necessidade de se espalhar as novas idéias 
pelo mundo, publicando e divulgando teóricos de peso, mas também dramaturgos, 
literatos e poetas. Que cantavam os novos tempos que haveriam de vir na Aurora do 
século XX. A Europa como um todo fervilhava com estes movimentos operários: Itália, 
 24 
Alemanha, Rússia, Inglaterra, Espanha, etc. E, em muito pouco tempo outros países 
além mar também possuíam seus próprios movimentos. Uns em maior escala outros em 
menor, mas a força do movimento operário se fez sentir por todo o mundo. 
 Este pensamento reivindicador era insuflado por um forte desejo de mudança. 
Desejava-se a Revolução, a criação de um novo tempo, uma nova sociedade, onde as 
injustiças fossem apagadas, as misérias esquecidas, onde a igualdade e a liberdade 
caminhassem lado a lado. 
 Com o acontecimento da Revolução Russa de 1917, todos os olhares do mundo 
se voltaram para lá. Sob a liderança de Lênin uma nova forma de sociedade iria tentar se 
implantar. No início as esperanças, as experimentações, as descobertas a busca por 
formas novas em todos os sentidos era imensa, e tudo era permitido neste buscar viver o 
“socialismo”. É neste período que surgem as experimentações no Cinema russo, antes 
mesmo de ser União Soviética, as experimentações ocorrem incentivadas por artistas em 
geral e pelo próprio governo. Era necessário criar uma cultura nova, uma cultura que 
obedecesse a novas regras que trouxesse dentro de si o novo e sepultasse a ideologia 
burguesa. 
 Um dos principais envolvidos neste processo de elaboração de uma “Estética 
Socialista” foi Sergei Eisenstein, além, de Dziga Vertov e Vsevolod Pudovkin. 
Teorias da montagem 
 Eisenstein foi um dos primeiros cineastas a refletir sobre a importância da 
montagem na definição de uma obra cinematográfica, desenvolvendo estudos teóricos 
profundos sobre ela e dividindo-a em diversos tipos consoante o modo como é efetuada 
e os seus objetivos específicos. Mas estas concepções teóricas não surgem do nada e 
Eisenstein teve diversas influências, não só dentro do cinema, mas também noutras 
artes, especialmente no teatro. 
 Vsevolod Meyerhold, a figura central do teatro russo no início do séc. XX, foi, 
durante muitos anos, o principal expoente da vanguarda teatral no combate à escola 
psicologista e naturalista de Stanislavsky. Profundamente influenciado pela "commedia 
dell'arte" de tradição italiana e pelo romantismo alemão, Meyerhold lutava pela 
desverbalização do teatro, numa tentativa de fundir as tradições populares da 
 25 
pantomima e do folclore numa cena estilizada e desnaturalizada. A sua concepção de 
actor correspondia a alguém que pudesse executar o máximo de movimentos no mínimo 
tempo de reacção possível, indo contra a expressão dos estados de alma preconizada 
pelo teatro clássico. O corpo do actor deveria ser como "uma máquina bem oleada, os 
movimentos devem ser precisos, cronométricos". 
 A influência das teorias de Meyerhold sobre Eisenstein é muito grande, não só 
nos seus trabalhos teatrais, mas também no cinema. Por exemplo, o actor Nikolai 
Tcherkassov, intérprete da personagem Ivan em "Ivan, o terrível" queixava-se por 
diversas vezes das exigências físicas de Eisenstein, chegando mesmo ao ponto de ter de 
receber massagens faciais no final de cada dia de rodagem devido à expressividade do 
seu papel. Mas a influência de Meyerhold verifica-se, sobretudo, naquilo que Eisenstein 
definiu como "tipagem", isto é, a defesa de que o espectador deveria reconhecer as 
personagens pela simples observação do seu rosto, facto que o levou a utilizar actores 
não-profissionais. Assim, conseguia estabelecer um compromisso entre a autenticidade 
das suas personagens e a sugestão da situação das mesmas apenas através dos seus 
rostos. Daí que, nos seus filmes, as personagens surjam como verdadeiros estereótipos 
das mais diversas profissões e níveis sociais. Eisenstein vai, claramente, beber às 
tradições teatrais mais antigas, tais como a já referida "commedia dell'arte", e mesmo ao 
imaginário circense (o palhaço rico e o palhaço pobre). 
 Depois da explicação do processo de tipagem, essencial na compreensão do 
cinema de Eisenstein, passamos então para a montagem. Não sendo o seu inventor, 
"Eisenstein foi, seguramente, um dos seus mais eméritos teóricos e, por certo, aquele 
que mais alargadamente a utilizou nos seus filmes". A montagem, como princípio 
básico, tem a idade do próprio cinema, já que montar é, sobretudo, colar os planos uns 
aos outros para que seja fisicamente possível a sua projecção sequencial. Contudo, a 
utilização da montagem enquanto processo de significação só começou quando o 
cinema se assumiu como tal, largando o estigma do "teatro filmado" ou da simples 
reprodução de imagens, através de Griffith. O eminente cineasta norte-americano 
verificou a possibilidade de utilização de diferentes planos (toda a escala de planos do 
plano panorâmico ao plano de pormenor) e da variação do ângulo de filmagem (que até 
à altura era sempre o mesmo, geralmente, à altura do homem), o que atribuía, desde 
logo, uma importância capital à montagem. Assim, já não existe tão somente a 
 26 
preocupação básica com a sequência de projecção do filme, mas surge agora a 
necessidade de dar aos planos fragmentários um significado, um sentido. Griffith 
descobriu ainda a importância do ritmo no cinema (enquanto efeito de montagem), 
conferindo diferentes durações aos planos e às diferentes proporções de duração entre os 
planos um caráter significante, num processo de montagem a que Eisenstein chama de 
montagem métrica. 
 Por outro lado, na Rússia, um teórico e cineasta muito importante chamado Lev 
Kuleshov, fez descobertas a outro nível. A sua experiência mais famosa é deveras 
reveladora: Kuleshov montou um grande plano expressivo do rostodo ator Mosjoukine 
(retirado de um filme de Geo Bauer) com outro mostrando um prato de sopa; depois 
montou o mesmo plano do rosto do ator com um outro mostrando um caixão de criança; 
montou ainda um terceiro conjunto com o mesmo plano da cara do ator e um outro de 
uma mulher seminua em pose provocante. Projetou então o conjunto final perante uma 
audiência, sendo unânime a opinião de que Mosjoukine era um ótimo ator, dado que 
expressava de um modo magnífico os sentimentos de fome (plano do prato de sopa), dor 
(plano do caixão de criança) e de desejo (plano da mulher seminua). Kuleshov provava 
assim que o significado de uma seqüência pode depender tão somente da relação 
subjetiva que cada espectador estabelece entre imagens ou planos que, parcelarmente, 
não possuem qualuer significação. 
 As teoria da montagem de Sergei Eisenstein derivam, largamente, deste 
pressuposto. A sua oposição em relação às concepções de Vsevolod Pudovkin funda-se, 
em boa parte, na recusa que Eisenstein fazia em considerar os planos como unidades 
sobreponíveis de forma simples, preferindo uma concepção dialética do choque entre os 
planos, nascendo daí a sua significação. A importância fulcral que Eisenstein atribui à 
montagem tem a ver com as concepções que, nessa altura, a psicologia experimental 
tinha criado em relação ao psiquismo humano. A força manipulatória do cinema estava, 
segundo o cineasta, na montagem, fato confirmado pelas descobertas de Pavlov em 
torno da "teoria dos reflexos condicionados". Segundo este, seria possível controlar as 
reações conscientes e, à primeira vista, voluntárias mercê de estímulos e 
condicionamentos nervosos apropriados. Aqui está, em parte, a explicação para a forte 
dimensão propagandística do cinema, apesar de, na atualidade, esta visão mecanicista 
 27 
dos comportamentos e reações humanas ter sido ultrapassada pelos trabalhos de Jean 
Piaget, entre outros, no que respeita à gênese da inteligência humana. 
 A luta de Eisenstein em busca dos estímulos corretos que operassem no 
espectador as reações (emocionais, primeiro, emocionais, depois) desejadas, está na 
origem dos seus estudos teóricos sobre a montagem. Vejamos então as concepções 
estabelecidas pelo realizador acerca da montagem. 
 A montagem métrica baseia-se essencialmente no comprimento dos fragmentos 
de montagem e na proporcionalidade entre os vários comprimentos de fragmentos 
sucessivos, um pouco à maneira do compasso musical. A tensão é originada a partir de 
uma aceleração de tipo mecânico (reduzindo a duração dos fragmentos de filme, embora 
mantendo uma proporcionalidade de base). É a forma mais primitiva de montagem que 
está preocupada com fatores essencialmente mecânicos, mais do que com qualquer 
outro tipo de preocupações. Eisenstein aponta "O fim de S. Petersburgo", de Vsevolod 
Pudovkin, como exemplo claro deste método. No fundo, este tipo de montagem tem a 
ver com a criação de uma sucessão de imagens que possa ser projetada, acima de 
qualquer intento intelectual. 
 Quanto à montagem rítmica, está relacionada com a importância do movimento 
no interior de cada fragmento que, mais tarde, irá determinar a métrica dos mesmos. Daí 
que neste tipo de montagem existam dois tipos de movimento: o dos cortes de 
montagem e o real no interior dos planos. Eisenstein explorou profundamente não só as 
concordâncias desses dois movimentos como, acima de tudo, os conflitos entre eles. Um 
dos fatores de tensão mais importantes na famosa cena da escadaria de Odessa em "o 
couraçado Potemkine" é a dissonância entre o ritmo criado pelo corte métrico de 
montagem e o ritmo dos passos dos soldados que avançam pela escadaria, esmagando 
tudo à sua vista. 
 Da montagem rítmica, Eisenstein avança para a montagem tonal, mais 
complexa. Aqui, "o movimento é percebido num sentido mais lato. O conteúdo de 
movimento abarca todos os efeitos de fragmento da montagem. Aí a montagem baseia-
se no som emocional característico de cada fragmento - do seu dominante. O tom geral 
do fragmento". Torna-se evidente que a concepção de medida de Eisenstein se torna, 
neste caso, menos clara, visto que o tal "som emocional" não se avalia de modo 
 28 
empírico, adiantando mesmo a hipótese de se estabelecerem coeficientes matemáticos 
para as tonalidade luminosas, ou efeitos geométricos para fragmentos descritíveis como 
tendo um "som agudo". O fato é que a clareza científica dos dois tipos de montagem 
anteriores não se estende a estas montagem tonal, já que o som emocional não é 
mensurável segundo elementos matemáticos reais. Daí que, mais do que um dado 
comprovado, esta categoria de montagem fosse um objetivo a atingir. Para demonstrar a 
montagem tonal, o exemplo mais comum é a sequência do nevoeiro de "O couraçado 
Potenkin", na qual a dominante da montagem é, sobretudo, dada pelas vibrações 
luminosas dos planos não esquecendo porém a sua componente rítmica (expressa pela 
suave agitação das águas, pela ligeireza do movimento dos barcos, pelo vapor em lenta 
ascensão, pelas gaivotas que voam sossegadas). 
 A montagem harmônica parte das dissonâncias da montagem tonal (dos conflitos 
entre dois tons dominantes numa mesma cena) e Eisenstein inclui aqui como factores 
determinantes do processo de montagem "todos os recursos dos fragmentos". As 
concepções do cineastas não são também muito claras neste caso, tendo o próprio 
confessado que a descoberta da montagem harmônica se tinha dado posteriormente à 
sua utilização em "A linha geral", sendo que esse facto não se deveu a não ser possível a 
detecção conflitual sem a visão em movimento, isto é, depois do filme montado na 
totalidade. Estabelecendo uma analogia com a música, Eisenstein refere que a um som 
central se adicionam sempre harmônicas superiores e inferiores não visíveis no papel, 
mas só detectáveis depois da execução da obra pelos músicos. 
 A montagem intelectual, como Eisenstein a caracterizou, "é a montagem não dos 
sons harmônicos geralmente fisiológicos, mas de sons harmônicos de um tipo 
intelectual, isto é, conflito-justaposição de efeitos intelectuais paralelos". Envergando 
por uma concepção científica, o cineasta pretende mostrar que não existe diferença entre 
o movimento de um homem balançando sob a influência de uma montagem métrica 
elementar e o processo intelectual em si, porque o processo intelectual trata-se da 
mesma agitação ao nível dos mais altos centros nervosos. Eisenstein aventura-se no 
"terreno da pura especulação psicofisiológica de precária confirmação científica". O 
exemplo mais relevante deste tipo de montagem é a sequência dos deuses em 
"Outubro", que apresenta, sucessivamente, imagens de vários ícones, começando no 
cristianismo e acabando nos ídolos tribais primitivos. A idéia de Eisenstein era que o 
 29 
espectador se apercebesse do progresso apenas intelectualmente. Por estas (e outras) 
razões, a complexa estruturação de algumas cenas de "Outubro" (perceptível para quem 
possuía hábitos literários ou cinematográficos com algumas raízes) foi totalmente 
incompreensível para muitos dos espectadores que, à data da realização, assistiram ao 
filme. 
 Finalmente, a montagem vertical surgiu a Eisenstein em 1938, depois de uma 
longa estadia no estrangeiro, estando relacionada com a concepção global de um filme, 
mais do que com a relação entre os seus vários planos. Digamos que ela é, sobretudo, 
um meio de criar os efeitos desejados pela relação entre imagens visuais e sonoras 
incluindo, mais tarde, o efeito cor para o único caso que Eisenstein nos legou (na 
segunda parte de "Ivan, o Terrível"). A aplicação da montagem vertical nos filmes de 
Eisenstein iniciou-se com "Alexander Nevsky" onde a história musical de Prokofiev se 
funde com a história visual-verbal, chocando entre si, mas sobretudo reforçam-se numa 
soma que é bem mais que a contida separadamente em cada uma das suas partes. 
Filmes 
A Greve (1924)Alguns pontos básicos são observados no filme: primeiramente, todo o filme é 
desenvolvido em cima da montagem das atrações; em segundo lugar, o herói deveria 
ser coletivo e a ação deveria ser de massas e não individual, o que mostra claramente 
oposição à ação psicologista do cinema burguês. 
 No dia 1º de fevereiro de 1925, em Leningrado, A Greve é publicamente exibida 
pela primeira vez. A recepção foi controversa; o filme é de uma novidade sem 
precedentes nos meios cinematográficos. Não conta propriamente uma história, mas 
mostra uma idéia - o quadro geral de uma greve; não utiliza o herói intermediário, mas 
mergulha o espectador no imediato, na ação;não tranquiliza o público, antes deixa-o 
suspenso numa das maiores sangrias cinematográficas; e, finalmente, utiliza processos 
formais de grande inovação (montagem intelectual). 
 Na época foi sobremaneira complexo para o espectador compreender tal 
revolução formal (a qual correspondia a novos conceitos ideológicos). A cena dos fura-
greves saindo das barricas, a metáfora do abate do gado montada paralelamente à 
 30 
repressão policial sobre os grevistas, a caracterização sob capas de animais de algumas 
personagens e tantos outros recursos expressivos altamente antinaturalistas chocaram o 
público. Diversos críticos também mostraram fortes reservas em relação ao filme, 
dizendo que Eisenstein preconizara a forma em detrimento do conteúdo. 
 Não obstante, a imprensa oficial considerou o filme como um dos melhores já 
feitos. O Pravda considera-o "primeira criação revolucionária do cinema", o Izvestia 
afirma-o como "um imenso e interessante triunfo no desenvolvimento de nossa arte", e a 
Kiuno Gazeta defende-o como "um acontecimento gigantesco do cinema soviético, 
russo e mundial". 
O Encouraçado Potemkin (1925) 
 Eisenstein recebeu a incumbência de fazer um dos filmes destinados 
oficialmente a comemorar os vinte anos da revolução de 1905. O filme chamar-se-ia o 
ano de 1905, e Eisenstein tinha a mais completa autonomia para desenvolvê-lo; 
entretanto, duas ressalvas foram feitas: o filme deveria ter um final feliz e positivo, e 
deveria ser concluída até o dia 20 de dezembro de 1925. O caso do motim a bordo do 
Encouraçado Príncipe Potemkin de Taurine, que antes ocupava apenas meia página do 
roteiro, é tomado como ponto central do filme. Um único aspecto que, tomado 
metonimicamente, que contém toda a gigantesca epopéia de 1905. 
 Diversos são os aspectos que fizeram de O Encouraçado marco na história do 
cinema: primeiramente a rigorosa estrutura; ,concebido como um drama de cinco atos: 
1º) Os Homens e os Vermes; 2º) O Drama do Castelo da Popa, ou, O Incidente na Baía 
de Verna; 3º) O Sangue Clama Vingança; 4º)A Escadaria de Odessa; 5º) A Passagem da 
Esquadra. 
 Decorrente dessa estrutura o filme segue duas linhas de força: a particular, que 
diz respeito a cada um dos atos, e a global, que se refere à totalidade do filme. Essa 
estrutura é construída com base numa reação dialética bipolar: a uma situação inicial em 
que a tensão cresce, sucede sempre uma reação antitética. Assim (ato 1) à descoberta da 
carne com vermes sucede uma reação da recusa em comer; à tentativa de sumária 
repressão (ato 2) sucede a revolta dos marinheiros; à tristeza causada pela morte de 
Vakulintchuk (ato 3) sucede o comício e a solidariedade da população de Odessa; à 
 31 
confraternização (ato 4) sucede a repressão sangrenta; à expectativa de confronto com a 
esquadra (ato 5) sugere a recusa desta em disparar e a passagem, triunfante do 
encouraçado. 
 Esta dimensão dialética, que contém em cada ato dois componentes antagônicos, 
encontra sempre no início do ato seguinte a síntese que por sua vez gera nova antítese e 
por aí afora. Assim, cada ato é como que o movimento histórico seguinte. Também a 
utilização da metáfora (já feita em A Greve) encontra neste filme exemplos mais 
sólidos e firmados: o balancear das mesas suspensas quando da recusa em comer (cujo 
ritmo é fator de tensão meramente mecânico mas cuja interpretação pode ser entendida 
como expressão de uma certa indecisão, de um certo movimento, ainda só pendular, que 
a qualquer momento poderá arrebentar as amarras), ou a célebre cena dos leões de pedra 
erguendo-se. O filme também apresenta diversas marcas intertextuais: o grito "um por 
todos, todos por um"; a mulher segurando a criança morta na escadaria de Odessa, cena 
que representa claramente a Pietá. 
 Apesar das experimentações e de algum sucesso de Eisenstein com a formação 
final da União Soviética, o partido buscou por outros caminhos estéticos surgindo 
aquele que foi a marca do regime de Stálin o “Realismo Socialista”. Assim que o 
partido definiu uma estética oficial, todas as demais foram sendo desincentivadas. No 
entanto, as experiências de Eisenstein e Vertov influenciaram sobremaneira muito 
daquilo que é feito ainda hoje no audiovisual. 
Sugestão de leituras e filmes para os temas abordados 
Eisenstein e a Arte socialista – Montagem 
 
Filme: 
OUTUBRO Sergei Eisenstein e Grigori Alexandrov 
O Encouraçado Potemkim (Einsenstein, 1925) 
Um Homem com Uma Câmera (Vertov) 
 
Textos: 
Agel, Estética do Cinema, p. 63-69. 
Andrew, As Principais Teorias do Cinema, p. 52-84 
Eisenstein, Sergei. A Forma do Filme. p. 173-216. 
Eisenstein, Serguei. Memórias imorais, São Paulo, Companhia das Letras: 1987. 
Eisenstein, Serguei, Reflexões de um cineasta, Rio de Janeiro: Zahar, 1969. 
Tudor, As Teorias do Cinema, p. 29-63 
Xavier, O Discurso Cinematográfico, p. 107-114 
Xavier, A Experiência do cinema, p. 175-202 (Eisenstein) e p. 247-266 (Vertov) 
 32 
 
O Expressionismo Alemão 
 
 
 
 Expressionismo, movimento artístico de vanguarda que surgiu na primeira 
década do século 20, manifestou-se basicamente em três vertentes artísticas: a pintura, a 
literatura e o teatro. Suas visões abstratas, dramáticas e apocalípticas se tornaram 
extremamente populares na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial e influenciaram 
decisivamente o surgimento de um pretenso cinema expressionista, inaugurado com o 
clássico "O Gabinete do Dr. Caligari", de Robert Wiene, em 1919. 
 O Expressionismo tratado aqui foi uma definição popularizada a partir de 1911 
por Willheim Worringer, crítico e historiador de arte, para qualificar um conjunto de 
obras pictóricas, especialmente dos fauvistas Derain, Dufy, Braque e Marchet, então 
expostas em Berlim; e para a opô-las ao impressionismo. Mais tarde, o termo passou a 
definir toda a arte na qual a forma nasce não diretamente da realidade observada, mas de 
reações subjetivas à realidade. A palavra nunca delimitou uma escola ou um estilo claro 
e distinto: "expressionismo", escreveu um de seus ativistas, Herwarth Walden, "não é 
nem um estilo nem um movimento; é uma percepção de 
mundo". 
 Suas manifestações foram tão numerosas como os grupos "expressionistas" que 
surgiram nos centros urbanos de toda a Alemanha e Áustria-Hungria, adotando e 
absorvendo elementos fauvistas, cubistas, futuristas e até construtivistas. O 
extraordinário sucesso do termo fez com que fosse aplicado, posteriormente, com 
significações variáveis, à poesia, ao teatro e também ao cinema. 
 "O Gabinete do Dr. Caligari", filme prodígio de 1920, indicou novas 
ambições estéticas ao cinema mundial: novas relações entre filme e artes gráficas, entre 
ator e representação, entre imagem e narrativa. Os vínculos que estabeleceu entre o 
cinema e um dos movimentos de arte mais progressistas da época surpreenderam e 
atraíram um público intelectual que até então raramente havia dado atenção a uma área 
ainda incerta da indústria do espetáculo. Além disso, proporcionou à cultura 
cinematográfica alemã um prestígio internacional nunca visto e ajudou a reabrir os 
mercados ultramarinos que estavam fechados desde a guerra. 
 33 
 Durante quase cinqüenta anos, a versão aceita da história da realização de "O 
Gabinetedo Dr. Caligari" foi a do teórico Sigfried Kracauer, baseada no relato de Hans 
Janowitz. Segundo essa versão, o principal crédito pela realização do filme deveria ser 
dado aos seus dois escritores, o próprio Janowitz e Carl Mayer, que teriam entregue ao 
produtor Erich Pommer e ao diretor Robert Wiene o produto pronto para ser executado. 
Na época de tal relato, supunha-se que nenhuma cópia do roteiro havia sobrevivido. 
Porém, no início de década de 1950, Werner Krauss - o próprio Dr. Caligari - contou à 
crítica Lotte Einser que ainda possuía uma cópia. Em 1978, muito tempo depois de sua 
morte, a Stiftung Deutsche Kinemathek conseguiu comprar o roteiro de sua viúva, 
publicando-o em 1995. Através deste roteiro, foi possível desmistificar uma série de 
lendas a respeito do filme, principalmente no que se refere à participação do diretor. O 
que mais impressiona, em primeiro lugar, é que, em nenhuma parte, o roteiro prenuncia 
o visual singular que iria assegurar-lhe sua forma duradoura. Tal recurso, segundo se 
acredita hoje, teria sido idéia do diretor e dos seus cenaristas, Warm, Reinman e Röhrig. 
Além disso, o cenário de Janowitz-Mayer está ambientado no mundo moderno, com 
telefones, telegramas e luz elétrica. 
 Wiene e seus assistentes previram problemas na compatibilização dessa moderna 
tecnologia com o desenho fantástico, e não hesitaram em excluí-la. O filme acabado 
foge a indicações precisas de época: a cidade é uma fantasia medieval; os figurinos 
misturam o romântico, o moderno e o puramente imaginário; as atuações variam entre o 
estilizado e o naturalista. O que não se sabe ao certo é se Wiene simplesmente não se 
preocupou com isso, ou quis deliberadamente sugerir atemporalidade - característica 
que seria imitada por diversos filmes alemães depois de Caligari. 
 Outra interferência de Wiene (esta reconhecida já na década de 1920) foi a 
inserção de uma "narrativa moldura" que transformou ahistória do monstruoso Dr. 
Caligari - psiquiatra disfarçado de diretor de espetáculos que utiliza o hipnotizado 
sonâmbulo Cesare para cometer assassinatos - na narrativa do louco Francis, paciente 
do hospício dirigido pelo próprio Dr. Caligari. Desde Kracauer, quase todos que 
escreveram sobre o filme admitiram que a moldura falsificou a ação, glorificado a 
autoridade. Entretanto, o espectador moderno pode prontamente interpretar o final do 
filme do ponto de vista de que a história de Francis é verdadeira e de que ele não é 
louco, mas que o falsamente benévolo diretor usou de suas artimanhas para mandar 
encarcerá-lo. 
 34 
 Janowitz e Mayer começaram a trabalhar em seu roteiro no inverno de 1918, 
durante as últimas semanas da revolução alemã. Recordando o passado, Janowitz 
considerou que seus suportes específicos para concepção do trabalho foram a atmosfera 
de mistério inspirada pelas lembranças de Praga; o assassinato de uma jovem em 
Hamburgo, que acidentalmente testemunhou no parque de Holstenwall; a desconfiança 
em face do poder autoritário que adquiriu nos cinco anos e meio de serviço militar. Já a 
história específica do filme foi sugerida por um espetáculo de variedades mostrando um 
homem hipnotizado, visto pelos autores num parque de diversões de Berlim. Conta 
Janowitz: 
 "Encontramos um novo método de escrever tal filme de modo que ao ser lido para alguém as 
cenas se projetam uma a uma na imaginação do ouvinte. (...) Não se permitiria nada, nada mesmo, que 
fosse desnecessário; palavras e imagens tinham de coincidir perfeitamente. A colocação de cada palavra 
devia ser decidida de acordo com a importância da impressão visual que ela estava destinada a criar." 
 
 Essa descrição acurada do estilo expressionista associado ao trabalho 
subseqüente de roteirista de Carl Mayer não está de modo algum presente no roteiro de 
Caligari: Mayer iria se tornar defensor de um tipo de cinema que deve ser totalmente 
expressivo: seu roteiro para "A Última Gargalhada", de Murnau (1924), é célebre por 
dispensar inteiramente os letreiros narrativos. Mas, se não no roteiro, em seu 
acabamento final, Caligari deu início à era expressionista do cinema alemão. 
 É preciso ter em vista que, em 1920, o expressionismo deixara de ser vanguarda 
perigosa e estava na moda. A obra de seus artistas e cenas de suas produções teatrais 
eram divulgadas pelas revistas ilustradas; os cinemas de Berlim faziam largo uso de 
seus trabalhos gráficos. Os meses imediatamente anteriores à produção de Caligari 
assistiram a uma eclosão de montagens expressionistas em Berlim. A comparação de 
desenhos e fotografias dessas produções com as imagens de Caligari indica que os 
cenaristas do filme tinham estudado essas produções teatrais para chegar ao seu estilo. 
Assistindo a Caligari e a outros filmes clássicos do mesmo tipo hoje, deparamo-nos com 
o problema de que com o tempo eles foram segregados para formar a classe especial dos 
filmes de arte, considerados como algo separado da linha principal da produção 
industrial. Mas, de uma perspectiva histórica, é preciso reconhecer que Caligari foi 
feito, consciente e estrategicamente, na linha principal da produção comercial de seu 
tempo, com o elemento arte calculado como uma atração extra positiva, ainda que 
incerta, para a bilheteria. 
 35 
 Caligari inspirou uma cinematografia inovadora estética e tecnicamente, em que 
se destacam, entre outros, "Nosferatu - Uma Sinfonia do Horror" (1922) e "Fantasma" 
(1922), de Friederich William Murnau; "A Morte Cansada" (1921), "Dr. Mabuse - O 
Jogador" (1922) e "Os Nibelungos" (1924), de Fritz Lang e "O Gabinete das Figuras de 
Cêra" (1924), de Paul Leni. Se nenhum filme posterior se comprometeria tão 
cabalmente com caráter formal do estilo, a essência do expressionismo - o uso do 
ambiente para refletir e expressar de psicologia dos personagens - persistiria no cinema 
alemão. 
 Ao furar o bloqueio comercial dos Aliados na década de 20, esses filmes 
provocaram reações apaixonadas. Os críticos ficaram muito impressionados com a 
violência, com a cenografia deformada e com o clima de fantasia, mas principalmente 
com a construção de uma atmosfera visual através de recursos inovadores de 
iluminação. Também apreciaram o papel importante desempenhado pela câmera (que, 
pela primeira vez, esteve completamente móvel) e a disciplina coletiva que revelava 
unidade narrativa e perfeita integração de luzes, cenários e atores. 
Influência 
 Com a repercussão dos filmes alemães e com o êxodo de cineastas para os 
Estados Unidos (como Murnau e Lang), o cinema mundial e, principalmente, o cinema 
americano, foram beneficiados por tendências artísticas expressionistas, principalmente 
no que diz respeito às questões técnicas de cenografia e iluminação. 
 Entre as muitas manifestações dessa tendência estão os filmes de terror dos anos 
30 produzidos pela Universal Studios e os filmes noir. Mas, além das características 
técnicas e estéticas já citadas, Caligari e seus seguidores possuíam uma outra que seria 
reiterada por muitos anos no cinema alemão, mesmo após o final do movimento 
expressionista: as histórias de personagens obscuros envolvidos com impulsos internos 
de destruição e de dupla personalidade, tema que, por sinal, já havia sido abordado 
anteriormente nos primórdios do cinema germânico. Fazem parte dessa lista o Dr. 
Caligari e o Sonâmbulo Cesare, o vampiro Nosferatu, o bandido Mabuse, a andróide 
Maria de "Metrópolis", o "Vampiro de Dusseldorf" e vários outros personagens. Mas é 
em filmes esquecidos da década de 10, dos quais sobraramapenas algumas fotografias e 
partes dos roteiros, que se encontra o embrião temático dessas histórias que 
influenciariam tanto o cinema alemão quanto o cinema americano. 
 O primeiro filme foi "O Estudante de Praga" de Paul Weneger, em 1913. Ligado 
ao romantismo e aos contos de Edgar Allan Poe, o filme contava a história do estudante 
 36 
Baldwin, que vende ao

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