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2 Olá, seja bem-vindo (a) ao curso “Introdução à Polícia Comunitária”. É possível que, antes mesmo de se matricular nesse curso, você já tenha escutado falar a respeito de polícia comunitária. Na sua organização, nos noticiários ou ainda em conversas com amigos ou familiares, a expressão polícia comunitária provavelmente já foi utilizada. Com ela, são apresentadas diferentes perspectivas e expectativas, as quais poderão ajudá-lo a entender melhor esse termo. Mas... • O que é polícia comunitária? • O que distingue a polícia comunitária das outras formas de compreender e fazer o policiamento? • É uma forma de fazer relações públicas para a polícia? • É prevenção criminal? • É policiamento a pé? Essas questões são frequentes e podem representar pré-noções equivocadas e prejudiciais para toda a organização se forem mal compreendidas. Desde os anos 1990, a ideia de polícia comunitária tem se tornado cada vez mais popular no campo de segurança pública no Brasil, seguindo um movimento de outros países. Com essa popularização, a noção de polícia comunitária corre um sério risco de se tornar um recurso meramente discursivo, utilizado de forma pouco precisa e descuidada, marcada por um vazio semântico: ora, se tudo pode ser definido como polícia comunitária, nada efetivamente acaba sendo polícia comunitária. Junto à possibilidade de falta de clareza pelo uso descuidado, está a perda de foco e do potencial de aperfeiçoamento dos serviços de segurança pública que acompanham a noção de polícia comunitária. Para evitar esses e outros maus-usos, é necessário ter clareza do conceito de polícia comunitária, suas características e práticas distintivas de outras formas de orientar o trabalho das organizações de segurança pública (OSP)*. Além disso, esse mesmo rigor deve ser utilizado no afastamento dos mitos que ameaçam a polícia comunitária. * O termo “organização de segurança pública” se refere às instituições que compõem o sistema de segurança pública em sentido amplo, sendo utilizado como forma de contemplar e incluir as diferentes possibilidades de vinculação dos discentes desse curso. Em grande medida, as polícias, os corpos de bombeiros, as guardas municipais e as secretarias de segurança pública representam a maioria das instituições envolvidas.) Durante o curso, você terá acesso a informações objetivas e criteriosamente reunidas para a compreensão do debate em torno da polícia comunitária. Com isso, você poderá analisar os seus pontos fortes e avaliar a utilização de técnicas específicas que modifiquem a sua realidade e da comunidade em que está 3 inserido (a). De igual maneira, você poderá evitar as dificuldades enfrentadas pela polícia comunitária em outras realidades. Essa postura crítica representa o início desse curso, onde será necessário um distanciamento de eventuais experiências e pré-conceitos típicos do senso comum. A partir de agora, busque observar a realidade sob o ponto de vista oferecido pela perspectiva da polícia comunitária. Provavelmente, se assim o fizer, você perceberá que a polícia comunitária já faz parte de sua realidade! Desejamos a todos, bons estudos! Objetivo do curso Ao final do curso você será capaz de: • Discutir o contexto de surgimento da noção de polícia comunitária. • Compreender e analisar diferentes conceitos de polícia comunitária. • Identificar as diferenças entre a polícia comunitária e outras formas de orientação das organizações de segurança pública. • Compreender a noção de participação social em segurança pública; • Identificar formas de mobilização social; • Aplicar ferramentas de gestão pela qualidade aplicadas ao policiamento comunitário; • Reconhecer a relevância da participação social no campo de segurança pública. • Compreender a noção de vulnerabilidade social, articulada a contextos e serviços especializados a populações específicas. Estrutura do curso O curso está divido nos seguintes módulos: • Módulo 1 – Polícia Comunitária: da teoria à prática; • Módulo 2 – Mobilização social: uma via de mão dupla; • Módulo 3 – Gestão pela qualidade aplicada ao policiamento comunitário; • Módulo 4 – Atenção a grupos em situação de vulnerabilidade. 4 Apresentação do módulo A polícia comunitária representa um conjunto de valores e práticas que reorientam o trabalho das organizações de segurança pública (OSPs). O contexto de surgimento das alterações que possibilitam o aparecimento da polícia comunitária varia de sociedade para sociedade. Em grande medida, a polícia comunitária divide espaço com outras formas de perceber e realizar o trabalho das OSPs, não sendo, muitas vezes, compreendida como um modelo norteador das políticas e ações de segurança pública no Brasil e em outros países. Com a finalidade de compreender o que é polícia comunitária, neste módulo, você estudará os aspectos motivadores do seu surgimento e as perspectivas filosófica ou normativa e institucionalista que servem de base para: • as conceituações utilizadas; e • análise das implicações do trabalho policial e dos mecanismos e formas de estruturação e funcionamento das OSPs segundo a polícia comunitária. Objetivo do módulo Ao final deste módulo, você será capaz de: • Discutir os aspectos contextuais do surgimento da polícia comunitária; • Compreender e analisar os conceitos de polícia comunitária advindos das perspectivas filosófica ou normativa e institucional; • Descrever as principais características da polícia comunitária; • Analisar as diferenças entre a polícia comunitária e outras formas de orientação das organizações de segurança pública; • Comparar a polícia comunitária enquanto filosofia e técnica; • Identificar o que não corresponde à polícia comunitária MÓDULO 1 POLÍCIA COMUNITÁRIA: DA TEORIA À PRÁTICA 5 Estrutura do Módulo Este módulo compreende as seguintes aulas: • Aula 1 – Contextualizando o surgimento da polícia comunitária • Aula 2 – Definindo conceitos: a perspectiva filosófica ou normativa • Aula 3 – Definindo conceitos: a perspectiva institucionalista • Aula 4 – Os mitos sobre a polícia comunitária Aula 1 – Contextualizando o surgimento da polícia comunitária 1.1 A crise de legitimidade como indutora do surgimento da Polícia Comunitária Para muitos autores é possível interpretar o surgimento da polícia comunitária como uma das implicações perante cenários de crises, especialmente aquelas que se referem à legitimidade* do sistema policial. * o conceito é compreendido como a aceitação de uma ordem de dominação, baseada nas disposições dos sujeitos em aceitar essa ordem e, por outro lado, reflete a capacidade dessa ordem de se fazer consensual. Ou seja, é legítimo aquilo que encontra aceitação ou obediência e promove o consenso diante da ordem de coisas que sustenta. Ver Weber, 1999, v.2, p. 197. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: UnB. 2v.3 Saiba Mais.. David Bayley e Jerome Skolnick (2002) se inserem no conjunto desses autores. Eles analisaram diferentes experiências de polícia comunitária no mundo e observaram que diferentes casos traziam, em comum, críticas e questionamentos ao sistema policial vigente. Por exemplo, na Inglaterra, ocorreram tumultos no final dos anos 1970 motivados por crítica à atuação discriminatória e violenta da polícia. O mesmo ocorreu em Detroit e em Los Angeles também nos anos 1970. Em Cingapura foram os conflitos multiétnicos que levantaram questionamentos sobre o modelo policial. No Brasil, o caso da Favela Naval, em Diadema/SP, representou um momento em que o modelo policial brasileiro foi fortemente criticado. Os autores concluíram que o surgimento da polícia comunitária é comumente marcado por um contexto de críticas ao sistema policial, onde sãoreivindicadas reformas institucionais que aproximem a polícia e a sociedade. Além disso, esse contexto foi marcado pelo aumento das taxas de criminalidade, pelo aumento da sensação de insegurança e por uma grande exposição nos meios de comunicação de episódios que demonstravam a insatisfação popular com ações policiais e os enfrentamentos mais frequentes. 6 Num contexto de crise, a capacidade do sistema policial de encontrar aceitação é colocada em xeque, por meio de críticas referentes. • algumas de suas práticas; • formas de organização; • mecanismos de relacionamento interno e externo, entre outras. Saiba Mais.. Estudos e pesquisas que buscam avaliar os serviços prestados e a confiança nas organizações policiais apresentam informações que auxiliam na identificação de críticas e na construção de estratégias para superá- las. No site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública você encontrará estatísticas, estudos e pesquisas que o ajudarão a ampliar seus conhecimentos. 1.2 Crítica ao modelo tradicional Conforme você estudou, um dos questionamentos relacionados à legitimidade do sistema policial refere-se a algumas de suas práticas advindas do modelo tradicional ou profissional de policiamento, caracterizado pela organização burocrático-legal voltada para a aplicação da lei. Compreenda melhor esta questão. Em diferentes países, a consolidação das OSPs como agências de aplicação da lei ocorreu segundo uma perspectiva de profissionalização do trabalho policial. Notadamente, essa profissionalização era entendida como uma forma de isolamento da organização perante interferências políticas, em que a lei passou a ser encarada como principal fonte de legitimidade para suas ações, inclusive limitando as relações com o público externo, tornando-o distante. Ou seja, as organizações esforçavam-se em evitar interferências políticas utilizando a máxima de que a lei representava a razão de suas atividades. Com isso, as relações com o público externo eram limitadas, distantes. De acordo com Kelling e Moore (1988), o papel da comunidade era receber, passivamente, os serviços de controle do crime exercido pelos policiais profissionais. A expectativa criada sobre a capacidade da polícia em controlar o crime, é uma das principais críticas ao modelo tradicional. A ideia pode ser resumida da seguinte forma: • A atividade da polícia é aplicar a lei, portanto, atuar com crimes. • Todavia, sendo o crime um fenômeno motivado por várias condicionantes sociais, políticas e econômicas, a polícia representa apenas mais um ator nesse processo. Logo, é equivocado atribuir somente à polícia a responsabilidade sobre crimes. No modelo tradicional, os resultados do trabalho das OSPs são medidos pelo: • número de prisões; • aumento ou diminuição de taxas criminais; 7 • número de apreensões, número de mandados judiciais cumpridos; • tempo resposta nos atendimentos emergenciais; • por meio de patrulhamento móvel, dentre outros. Não há algo que englobe tais esforços e lhes confira sentido como um todo, propiciando condições de governança comum*. * A ideia de governança em relação ao poder público diz respeito à capacidade de articular, coordenar e estimular ações e medidas eficazes e compartilhadas entre atores interdependentes que não possuem, comumente, relações hierárquicas entre si. Por exemplo, na área de segurança pública, a promoção de integração entre diferentes OSPs depende, fortemente, da capacidade de governança do governo sobre as ações e medidas em questão. Em outras palavras, no modelo tradicional, os esforços das OSPs são direcionados para a aplicação da lei e o combate ao crime como funções principais, ao passo que a polícia comunitária pressupõe uma expansão do mandato policial para contemplar, ainda, redução do medo do crime e manutenção da ordem local. 1.3 O contexto de crise como oportunidades para mudanças É importante que você compreenda também, que é no contexto de crise que surgem oportunidades de reformas nas OSPs, pois a melhoria dos serviços demanda novos processos e estruturas. No caso do surgimento da polícia comunitária, as mudanças estão relacionadas à maior participação da sociedade na formulação e na avaliação da agenda da segurança pública. As reformas propostas comumente se dirigem a: • promover uma maior responsabilização e transparência das organizações e dos profissionais de segurança pública, ou seja, a prestação de contas e o acesso a informações passam a ser comuns e rotineiros. Por exemplo, é o caso da disponibilização de dados estatísticos ou divulgação de detalhes sobre operações. • possibilitar o desenvolvimento de mecanismos de controle interno e externo, como corregedorias, Ministério Público, Ouvidorias; • estimular a profissionalização dos profissionais de segurança pública, por meio de processos de formação continuada, contemplando temáticas sempre contemporâneas e relacionadas a diferentes contextos da realidade policial. Por exemplo: como atuar diante de crimes no ambiente virtual? Ou ainda, como atuar diante de violações de direitos de comunidades específicas, como indígenas? Certamente, são questões que exigem preparação específica. • fomentar a especialização dos profissionais de segurança pública, em particular por meio de processos de seleção e recrutamento rigorosos e públicos. Mas... O que é polícia comunitária? Nas aulas a seguir, você estudará os conceitos de polícia comunitária a partir de duas perspectivas: a “filosófica ou normativa” e a “institucionalista”. Esses conceitos o auxiliarão na compreensão do tema e nas implicações para as atividades das OSPs. 8 Aula 2 – Definindo conceitos: a perspectiva filosófica ou normativa A dimensão moral ou filosófica oferece uma espécie de lente a partir da qual se passa a enxergar a realidade do trabalho policial, em que a própria OSP se percebe de uma forma diferente. Por conseguinte, as diferentes modalidades de trabalho policial devem continuar a ser realizadas, não se confundindo com o policiamento comunitário. Nesta aula, você examinará mais de perto esta relação. Segundo a perspectiva filosófica ou normativa, a polícia comunitária pode ser interpretada como sendo: uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia como a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos como crimes, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida geral daquela área. (TROJANOWICZ e BUCQUEROUX, 1994, p. 4). Essa definição talvez seja a mais conhecida no Brasil e foi formulada por Robert Trojanowicz e Bonnie Bucqueroux, em 1999. Tendo sido um dos primeiros trabalhos sobre o tema traduzidos para o português, o livro coloca em evidência as duas dimensões da polícia comunitária: Dimensão moral ou filosófica Dimensão instrumental Diz respeito aos valores e princípios e às normas relevantes à polícia comunitária. Representam a sua base de sustentação valorativa, as quais se referem ao dever ser. Diz respeito às questões práticas de organização e de execução da polícia comunitária. Dimensão moral ou filosófica Trojanowicz e Bucqueroux (1994) defendem que a implantação da polícia comunitária exige uma mudança na percepção dos Profissionais de Segurança Pública e, consequentemente, da organização, acerca do que é o seu trabalho, como ele deve ser realizado e para quem se dirigem seus serviços. Essa dimensão moral ou filosófica confere ênfase na melhoria da qualidade de vida das pessoas, por meio da orientação das atividades das OSPs para as necessidades da comunidade. 9 Ao estabelecer como premissa a mútua interação entreOSP e comunidade, a polícia comunitária afirma a vocação do trabalho policial em servir a comunidade, na medida em que os problemas interferem na qualidade de vida da região, inclusive por meio de estratégias de controle criminal, entre outros. Com isso, é central que a organização como um todo, compartilhe desse valor, dessa maneira de encarar o seu lugar e a sua organização. Pode-se dizer que: se a polícia comunitária representa uma forma de perceber o trabalho policial de uma maneira geral e como ele se insere na sociedade, toda a organização deve compartilhar dessa perspectiva, antes mesmo de pensar como devem ser desenvolvidas suas atividades. Importante! A polícia comunitária pressupõe valores que devem ser comuns à organização como um todo, não devendo ser restrita a determinados setores ou atividades da organização. Assim, é possível afirmar que não faz sentido falar em polícia comunitária se não for em relação a toda a organização, pois enquanto filosofia ela deve ser uma referência para todos os seus integrantes. Em outras palavras... TODA OSP DEVE SER ORIENTADA PELA FILOSOFIA DE POLÍCIA COMUNITÁRIA. Mas, e o trabalho policial, como fica? Você estudará a seguir, pois ele está inserido na dimensão instrumental. Dimensão instrumental: o policiamento comunitário O trabalho policial deve ser desenvolvido de acordo com a filosofia ou com os valores da polícia comunitária. A forma de desenvolver o trabalho, ou seja, o policiamento comunitário deve ser adaptado às exigências do público que é atendido, de forma que o profissional de segurança pública preste um serviço completo, o que exige a ampliação do mandato policial. Para tanto, o profissional de segurança pública comunitário deve ser especializado nas atividades que desempenha, pois as atividades de polícia comunitária exigem saberes ou conhecimentos específicos. Exemplo Uma atividade básica do policiamento comunitário são as visitas comunitárias, em que o profissional de segurança pública deve procurar às pessoas da comunidade que atende para conhecer a realidade local e seus problemas, e após isso, registrá-los. Ora, o profissional de segurança pública deve saber como se dirigir ao seu interlocutor para criar vínculos, e não ter esse contato apenas como objetivo a obtenção de informações criminais. Imagine-se nessa situação... Como agir? O que e como falar? Quando realizar a visita? 10 Essas perguntas representam aspectos do trabalho do profissional de segurança pública comunitário que exigem formação e treinamento, igualmente como qualquer outra atividade na organização. Importante! O policiamento comunitário representa uma das possibilidades de tradução, em termos práticos, da filosofia de polícia comunitária. 2.2 Polícia comunitária e policiamento comunitário A partir do conceito de Trojanowicz e Bucqueroux (1994) é possível afirmar que toda a OSP é orientada pela filosofia de polícia comunitária (a partir da lente da polícia comunitária) desde unidades com atividades muito específicas, como controle de distúrbios civis e o policiamento ambiental, até aquelas dedicadas ao policiamento rotineiro, como as unidades de radiopatrulhamento ou do policiamento a pé. Todavia, nem todas executam atividades de policiamento comunitário, as quais são dedicadas a setores especializados da organização. O imperativo que a filosofia de polícia comunitária pressupõe é a promoção de novos valores que orientem a atividade policial, de forma que: Sejam adaptáveis às necessidades de melhoria da qualidade de vida da região, inclusive por meio de estratégias de controle criminal, mas não somente por isso. • Estabeleçam mecanismos de participação social; • Priorizem os problemas identificados pela comunidade; • Estruturem a OSP para o atendimento desses problemas, por meio do policiamento comunitário; • Sejam submetidos aos controles sociais e institucionais; • Sejam adaptáveis às necessidades de melhoria da qualidade de vida da região, inclusive por meio de estratégias de controle criminal, mas não somente por isso. Importante! Tenha em mente que polícia comunitária diz respeito a valores, a como deve ser orientada toda a organização e o policiamento comunitário executa, de forma especializada, atividades como: as visitas residenciais, visitas comerciais, visitas pós-crime, encaminhamentos para outros órgãos, conforme a necessidade, dentre outras. 11 Aula 3 – Definindo conceitos: a perspectiva institucionalista Nas ciências sociais, o institucionalismo é marcado por estabelecer explicações, tendo como principal unidade de análise as instituições, formais e informais, na ação dos indivíduos. É justamente esta análise, no âmbito das OSPs, que você estudará a seguir. 3.1 Mecanismos para a coprodução da segurança A polícia comunitária também pode ser vista como forma de repensar a relação entre a polícia e a sociedade, extrapolando a noção de mera prestação de serviço. Nesse sentido, a polícia comunitária seria uma interação num mesmo nível entre polícia e sociedade, em que o público é visto como coprodutor da segurança e da ordem juntamente com a polícia (SKOLNICK e BAYLEY, 2002, p. 18). Para tanto, alguns mecanismos organizacionais são especialmente relevantes. São eles: • A orientação das OSPs com base na comunidade; • A responsabilização das comunidades; • A responsabilização das OSPs em relação a áreas e a problemas específicos; e • A reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais. Estude a seguir sobre cada um desses mecanismos. A orientação das atividades das OSPs com base na comunidade Os problemas que envolvem uma comunidade devem ser compreendidos a partir da própria comunidade, permitindo analisar suas causas e implicações, assim como as possibilidades de intervenção. Portanto, é importante consultar a população sobre os problemas e as prioridades daquela região, buscando antecipar estratégias para sua resolução. A comunidade não recebe passivamente os serviços: ela contribui para produzi-los. Para tanto, as OSPs precisam se adaptar, como instituição e não apenas alguns setores, para integrar a comunidade nos seus processos e rotinas. A responsabilização das comunidades Nesse ponto, a questão central é permitir que aqueles que participam da priorização dos problemas a serem tratados pelas organizações de segurança pública sintam-se responsáveis pelos resultados obtidos. E isso se dá pelo encorajamento à participação no processo deliberativo, propiciando uma espécie de responsabilidade coletiva em relação a sua própria proteção e segurança. Em outras palavras, trata-se de mobilizar a comunidade para a autoproteção e para a resolução de problemas locais, por meio do compartilhamento de poder. As OSPs são instituições que exercem controle social, principalmente, por meio da possibilidade de utilizarem a força em favor da lei na resolução de conflitos internos (BITTNER, 2002). Assim, a definição das 12 prioridades das OSPs, a influência nas suas estruturas e em suas formas de atuação, ao serem compartilhadas com as comunidades locais, na medida em que a população participa da formação da agenda das OSPs, representam formas de compartilhamento de poder na sociedade. As formas de propiciar essa mobilização serão estudadas adiante, como os Conselhos Comunitários de Segurança e as Associações de Bairro. A responsabilização das OSPs em relação a áreas e a problemas específicos Relacionada com o item anterior, esse mecanismo reforça a necessidade de referenciação territorial da polícia comunitária. Comumente, são utilizados, como mecanismos de referências nas comunidades, os equipamentos que propiciam o estabelecimento de formas de orientação quanto a serviços (no caso, serviços de segurança pública) e quanto a pessoas (novamente,no caso, os profissionais de segurança pública). A referenciação territorial pode ser estimulada por meio de equipamentos fixos (como postos comunitários de segurança - figura 1) ou móveis (como bases comunitárias móveis de segurança – figuras 2 a 4). Com a divisão da área de atuação de cada equipe de profissionais de segurança pública, a comunidade local passa a conhecê-los e a ser conhecida, assim como suas demandas e problemas locais. Para tanto, dois pontos são essenciais: a) a descentralização do comando: diz respeito à flexibilização da tomada de decisão por setores intermediários da OSP, tendo em vista a condições de oportunidade e conveniência na resolução de problemas. Por exemplo, a decisão de acompanhar pessoas numa travessia de trânsito intenso ou o encaminhamento de uma pessoa ao serviço de assistência social da região, em virtude de perda de vínculos com familiares, são decisões que exigem, comumente, flexibilidade para a resolução local de questões pontuais; e b) uma maior autonomia para os profissionais de segurança pública comunitários: está relacionada ao ponto anterior e diz respeito ao estímulo à tomada de decisão diante de problemas locais e pontuais, tendo em vista o conhecimento particular obtido com o maior envolvimento comunitário. Com o tempo, a própria comunidade passa a esperar respostas ágeis específicas em relação aos problemas locais. Essas mudanças organizacionais permitem que o policiamento se torne adaptável às demandas surgidas nas comunidades locais, reforçando os vínculos construídos com as pessoas e o território. A reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais Estabelecer prioridade em serviços não-emergenciais (como o 190) está diretamente associados a estimular atividades proativas face a atividades reativas. A lógica que faz parte dessa ideia é a seguinte: sabendo que crimes e desordens são comuns e frequentes nas sociedades, o policiamento comunitário prioriza a atuação nas suas causas e não nas suas consequências. Para tanto, conhecer as características locais, como dados socioeconômicos e demográficos, assim como a oferta de serviços públicos e a existência de grupos ou coletivos mobilizados na região, é tão importante quanto conhecer os registros e as dinâmicas criminais locais. 13 Por exemplo: no caso de atuação com dependentes químicos em situações de cenas de uso de crack, é especialmente importante para os profissionais de segurança pública conhecerem as redes de atenção e cuidado envolvidas com o atendimento a essas pessoas na região. Mais do que isso, é crucial compreender como essas redes funcionam e quais são as suas lógicas de prestação de serviços, como forma de não tornar a situação ainda mais dramática. Nota Compreender como essas redes funcionam e quais são as suas lógicas de prestação de serviços também é um dos objetivos do Programa Crack, é possível vencer do Governo federal. Na oportunidade visite o site do programa. Em outras palavras, é o caso de estimular o desenvolvimento de formas distintas de abordagem do crime, da desordem e do medo do crime, que contemplem conhecimentos de outras áreas que não apenas do sistema de justiça criminal, em especial das OSP. 3.2 Características da perspectiva institucionalista As características destacadas pela perspectiva institucionalista são as seguintes: Orientação das atividades das OSP com base na comunidade • Extensão do mandato policial; • Foco nos problemas da comunidade, tais como desordem, medo do crime e crime; • Elaboração de diagnósticos a respeito dos problemas da comunidade: questionários, entrevistas, acesso a bancos de dados socioeconômicos e demográficos (p. ex: IBGE, SUS, SUAS). Responsabilização das comunidades • Relações simétricas com a comunidade, ou seja, num mesmo nível, compartilhando poder; • Desenvolvimento de relações baseadas na confiança, ou seja, no estabelecimento de vínculos de reciprocidade. Responsabilização das OSP em relação a áreas e problemas específicos • Descentralização de comando, preferencialmente propiciando a referenciação territorial e de serviços; • Maior autonomia dos profissionais de segurança pública; • Menor rotatividade dos profissionais de segurança pública. Reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais • Atuação nas causas e não nas consequências dos problemas da comunidade; • Criatividade na resolução dos problemas locais, ou seja, as necessidades da comunidade exigem cuidados específicos. 14 Saiba Mais... No final de 2014, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, constituiu uma comissão com objetivo de apresentar sugestões para a melhoria do policiamento dos Estados Unidos, desenvolvendo relações de confiança entre a polícia e a sociedade por meio do policiamento comunitário. Dentre as atividades da comissão, estava a avaliação de experiências com resultados positivos e a proposição de mecanismos de replicação em outras organizações no país. Foram realizadas diferentes recomendações para o governo no sentido de aperfeiçoar o policiamento, em particular por meio do “suporte à cultura e à prática do policiamento que reflitam os valores de proteção e promoção da dignidade de todos, especialmente os mais vulneráveis” (PRESIDENT’S TASK FORCE ON 21ST CENTURY POLICING, 2015: 3). 3.3 O modelo tradicional X O modelo de polícia comunitária Após a compreensão das definições de polícia comunitária, sob a perspectiva filosófica ou normativa e a perspectiva institucionalista, você analisará, a seguir, orientado por questões relacionadas as atividades das OSP, o quadro comparativo com as características entre o modelo tradicional e a polícia comunitária. Observe que, em termos práticos, as diferentes modalidades de policiamento não são excludentes. Pelo contrário, o policiamento comunitário tende a complementá-las com suas atividades. É importante destacar que existem outros modelos de policiamento, como o Policiamento Orientado para Resolução de Problemas, Policiamento Orientado por Evidências e o Policiamento de Tolerância Zero, contudo o debate central entre os modelos destacados parece ser o mais adequado para os objetivos do curso. Questão Modelo Tradicional Polícia Comunitária Qual o papel central da polícia? É uma agência governamental responsável, principalmente, pela aplicação da lei. A polícia é o público e o público é a polícia os profissionais de segurança pública são aqueles pagos para conferir atenção às necessidades dos cidadãos. Como se dá a relação entre a polícia e outras agências públicas? As prioridades entre os órgãos são conflitantes, ou seja, cada um atua de forma isolada. A polícia é uma agência dentre várias responsáveis por melhorar a qualidade de vida. Qual o foco da polícia? Foco na resolução de crimes. Perspectiva mais ampla de resolução de problemas. Como a eficiência da polícia é medida? Por prisões e apreensões. Pela ausência de crimes, desordens e medo do crime. Por exemplo, a realização de pesquisas de vitimização, avaliações da qualidade dos serviços prestados e da confiança 15 nas OSP são mecanismos de gestão utilizados pelo modelo de polícia comunitária Quais são as principais prioridades? Crimes econômicos (p. ex. roubos a bancos) e aqueles que envolvem violência Aqueles problemas que mais incomodam a comunidade Com o que as polícias lidam especificamente? Incidentes ou ocorrências. Demandas e problemas da comunidade. O que determina a efetividade da polícia? Tempo resposta. Cooperação do público e confiança na polícia. O que representa o profissionalismo para a polícia? Respostas rápidas e efetivas para crimes graves. Estar próximo da comunidade e resolver seus problemas. Qual o papel dos comandos centrais? A funçãodo comando é prover os regulamentos e as determinações que devem ser cumpridas pelos policiais. A função do comando central é estabelecer e fomentar os valores organizacionais. Ou seja, atua em nível estratégico. propiciando condições de trabalho, como a descentralização e a autonomia. Como a polícia encara a condenação criminal? Como um objetivo. Como uma ferramenta dentre tantas outras. Como ocorre a prestação de contas? Somente ao superior e quanto questionado. À comunidade, de acordo com as necessidades locais, e aos superiores. Como se dá a organização do policiamento? De acordo com o número de ocorrências, privilegiando os picos ou hot spots. De acordo com as necessidades de segurança da comunidade, ou seja, em casos de sintomas de desordem e incivilidades, medo do crime e crimes. Fonte: Adaptado de M. Sparrow (1988). Implementing Community Policing. Perspectives on Policing. p. 8-9. Washington, DC: National Institute of Justice and Harvard University. Quadro 1 – Características dos modelos tradicional e de polícia comunitária 16 Saiba Mais... As pesquisas de vitimização buscam detalhar aspectos da ocorrência de crimes e de violências, mas também oferecem subsídios sobre percepção de segurança e medo do crime, sobre a avaliação dos serviços prestados pela segurança pública e a confiança nas organizações. Foram realizados diferentes levantamentos em níveis locais, Estados e Municípios, os quais apresentam limitações de comparação dos dados entre si. A partir de 2011, contudo, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública, conduziu a realização da 1ª Pesquisa Nacional de Vitimização, numa parceria com o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública – CRISP/UFMG e o Instituto Datafolha. O relatório final foi lançado em 2013. Aula 4 – Mitos sobre a polícia comunitária Como foi dito na apresentação, o uso correto do conceito de polícia comunitária exige precisão e coerência, a fim de que não seja esvaziado e perca efetividade. Ao longo desse módulo, você estudou que a polícia comunitária é uma filosofia compreensiva que afeta a todos os integrantes de uma OSP. Sua implantação exige que sejam alterados valores e práticas, tanto estratégicos, operacionais e táticos. Nessa aula você será apresentado àquilo que não constitui a polícia comunitária, ou seja, serão apresentados os mitos mais comuns sobre o tema. 4.1 Polícia comunitária não é específica De outra forma, essa crítica afirma que a polícia comunitária é generalista e que não pode ser aplicada a problemas precisos. Pelo contrário, representa uma nova forma de perceber o papel da polícia na sociedade. A polícia comunitária requer o desenvolvimento de técnicas específicas para a aplicação de novas atividades de policiamento comunitário, mas não é uma técnica em si. Por exemplo, essa visão é acompanhada da ideia de que não é necessário treinamento para atuar com a comunidade, pois isso “qualquer um faz”. Trata- se de um engano, que não compreende a tarefa que se impõe ao profissional de segurança pública: encarar sua atividade de uma forma completamente nova, o que exige esforço e dedicação. 4.2 Polícia comunitária é o mesmo que relações públicas As áreas de relações públicas das OSP são confundidas com o trabalho de policiamento comunitário, o que é um erro frequente e negativo para ambos os lados. O objetivo desses setores é “vender” uma imagem da OSP, por vezes baseada na ideia de que as pessoas não compreendem o trabalho da organização e as dificuldades da aplicação da lei. Nessa perspectiva, o policiamento comunitário contribuiria para educar as pessoas sobre o trabalho policial. Mas essa noção apresenta um equívoco desde sua origem: a relação entre a organização e a comunidade não pode ser vista de cima para baixo, desnivelada, ou tendo a pretensão de ensinar as pessoas sobre “como” encararem o trabalho policial. Pelo contrário, o policiamento comunitário tem o potencial de 17 melhorar a imagem das organizações justamente por se basear em novas formas de perceber como deve ser o trabalho policial e como se relacionar com a comunidade, em um mesmo nível de interação. A relação é confiança e de compartilhamento de poder, não de ensinamento ou de promoção de uma imagem. 4.3 Polícia comunitária é suave com o crime Esse talvez seja o mito que cause maior dano aos profissionais de segurança pública que executam o policiamento comunitário. A questão central é o estabelecimento das prioridades do trabalho policial: para a polícia comunitária, se uma pessoa liga para a polícia, é porque aquela questão é importante para ela e, assim, se torna importante para a polícia. Mas quem define a relevância é a comunidade, não a polícia. A noção de que o verdadeiro trabalho policial é fazer prisões e apreensões deixa escapar a imensa maioria dos casos que são apresentados para as OSP todos os dias. Isso não quer dizer que sejam menos importantes que os demais casos: eles são tão relevantes quanto os demais casos, porém são menos frequentes. Além disso, para Kappeler e Gaines (2011), a polícia comunitária exige que o profissional de segurança pública considere estratégias e táticas, que incluem as prisões e apreensões, sendo essas não limitadas; porém, isso não quer dizer que a polícia seja branda com o crime. Pelo contrário, significa que ele atua de uma forma analítica e resolutiva, possibilitando outras maneiras de lidar com os fatores que geram problemas para a comunidade, tais como desordens, crimes e medo do crime. 4.4 Polícia comunitária não é especializada A crítica expressa a resistência de estruturas tradicionais face a mudanças, argumentando que não existiria especificidade no policiamento comunitário. Novamente, o argumento do verdadeiro trabalho de polícia é trazido à tona, sob a perspectiva de que os grandes feitos ou ocorrências são apenas as prisões e as apreensões. O padrão do guerreiro está presente nas OSP brasileiras e tende a ratificar a ideia de que a polícia se dedica exclusivamente ao crime. A polícia comunitária, ao pressupor o reestabelecimento do mandato policial, exige conhecimentos específicos para compreender os problemas locais. Por exemplo: sabendo da incidência dramática de situações envolvendo drogas no país. • Quantos profissionais de segurança pública possuem formação sobre dependência química? • E sobre as relações neurológicas sobre o comportamento do dependente? E quanto às possibilidades de tratamento indicadas para diferentes quadros de dependência? • Quais os comportamentos mais frequentes dos dependentes e suas relações com crimes ou desordens? Tais questões procuram indicar que o trabalho policial não se limita às técnicas de uso da força e conhecimento de legislação, mas deve contemplar saberes específicos que contribuem para a compreensão dos problemas da comunidade. 18 4.5 Polícia comunitária é trabalho social O mito sobre o trabalho social ou o assistencialismo argumenta sobre o mandato policial limitado ao crime, destacando que a polícia tem de lidar com problemas mais sérios durante a maior parte do tempo. Além disso, afirmam que, mesmo tendo o foco de toda a polícia para o crime, as taxas resistem em ceder: pesquisas indicam que a maior parte dos atendimentos das polícias não diz respeito a crimes, mas a chamados de outra natureza. Segundo Famega (2005), 75% do tempo dos policiais que foram analisados não estava relacionado ao atendimento de crimes. Certamente, os casos que se apresentam aos profissionais de segurança pública envolvem diferentes condicionantes de vulnerabilidades. A atuação diante desses problemas permite que o profissional de segurança pública seja tanto o agente da lei quanto o agente da paz, na medida em que pode mobilizar recursos e responsabilidades,que vão desde uma conversa amigável ao uso da força letal. Dificilmente, outro trabalho permite essa diversidade de escolhas. 4.6 Polícia comunitária expõe o profissional a riscos desnecessários A questão colocada se dirige à liberdade conferida ao profissional de segurança pública para se adaptar às necessidades da comunidade, o que poderia levá-lo a não seguir protocolos de segurança. Como você estudou anteriormente, o policiamento comunitário exige treinamento para o desenvolvimento de habilidades e de conhecimentos específicos, inclusive sobre como realizar o seu trabalho de forma segura para todos os envolvidos, não apenas para ele. 4.7 Polícia comunitária serve para obter informações privilegiadas Na verdade, a polícia comunitária pressupõe que sejam criadas relações de confiança entre a polícia e a comunidade. Para tanto, a relação deve ser construída de forma colaborativa de acordo com as necessidades da comunidade, e não aos interesses da polícia. Finalizando... Nesse módulo, você estudou que: • O contexto de surgimento da polícia comunitária foi marcado por críticas ao sistema policial, em que reformas institucionais que aproximassem a polícia e a sociedade eram reivindicadas; • O modelo tradicional ou profissional de policiamento é caracterizado pela organização burocrático-legal voltada para a aplicação da lei. Segundo essa lógica, o papel da comunidade era receber, passivamente, os serviços de controle do crime exercido pelos policiais. (KELLING e MOORE, 1988); Segundo a perspectiva filosófica ou normativa, a polícia comunitária pode ser interpretada como sendo: “uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia como a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos como crimes, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a 19 decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida geral daquela área” (TROJANOWICZ e BUCQUEROUX, 1994, p. 4). • A implantação da polícia comunitária exige uma mudança na percepção dos profissionais de segurança pública e, consequentemente, da organização, acerca do que é o seu trabalho, como ele deve ser realizado e para quem se dirigem seus serviços. • O trabalho da OSP deve ser desenvolvido de acordo com a filosofia ou com os valores da polícia comunitária. A forma de desenvolver o trabalho, ou seja, o policiamento comunitário, deve ser adaptado às exigências do público que é atendido, de forma que o profissional de segurança pública preste um serviço completo, o que exige a ampliação do mandato policial. • A diferença fundamental entre polícia comunitária e policiamento comunitário é: a primeira diz respeito a valores, a como deve ser orientada toda a organização; o segundo executa, de forma especializada, atividades de policiamento comunitário, como as visitas residenciais, visitas comerciais, visitas pós-crime, realiza encaminhamentos para outros órgãos, conforme a necessidade, dentre outras. • A polícia comunitária pode ser vista, também, como forma de repensar a relação entre a polícia e a sociedade, ultrapassando a noção de mera prestação de serviço. Nesse sentido, a polícia comunitária seria uma interação num mesmo nível entre polícia e sociedade, em que o público é visto como co-produtor da segurança e da ordem juntamente com a polícia (SKONICK e BAYLEY, 2002, p. 18). • São mecanismos para a coprodução da segurança: orientação das atividades das OSP com base na comunidade; responsabilização das comunidades; responsabilização das OSP em relação a áreas e problemas específicos e reorientação das atividades das OSP para ênfase em serviços não-emergenciais. • São mitos equivocados sobre a polícia comunitária: a polícia comunitária: não é específica; é o mesmo que relações públicas; é suave com o crime; não é especializada; é o mesmo que trabalho social; expõe os profissionais de segurança pública a riscos desnecessários; é para obter informações privilegiadas. Exercícios 1. Assinale as alternativas FALSAS. a. Polícia comunitária e policiamento comunitário são sinônimos. b. A polícia é responsável pela aplicação da lei e isso define os seus critérios de legitimidade na sociedade. c. O surgimento da polícia comunitária pode ser explicado, em diferentes contextos, por meio de críticas a formas de atuação de OSP, que tendiam a limitar a participação social na segurança pública. d. A responsabilização das OSP representa uma forma negativa de controlar e limitar o trabalho policial, pois as decisões serão baseadas em informações privilegiadas. 20 2. Leia os trechos abaixo e depois responda o que se pede: Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2014), o grau de confiança nas polícias brasileiras foi de cerca de 33%, entre 2013 e 2014. O gráfico a seguir apresenta os dados. Trecho 2 “Em suma, o papel da polícia é enfrentar todos os tipos de problemas humanos quando (e na medida em que) suas soluções tenham a possibilidade de exigir (ou fazer) uso da força no momento em que estejam ocorrendo. Isso empresta homogeneidade a procedimentos tão diversos quanto capturar um criminoso, levar o prefeito para o aeroporto, tirar uma pessoa bêbada de um bar, direcionar o trânsito, controlar a multidão, cuidar de crianças perdidas, administrar os primeiros socorros e separar brigas de familiares” (BITTNER, 2003. p. 136). a) Em sua opinião, levando em consideração os trechos e os dados acima, a polícia comunitária pode ser considerada como uma alternativa para a melhoria da avaliação das polícias brasileiras? b) A avaliação dos resultados do trabalho policial é comumente mensurado a partir das taxas criminais. Contudo, a polícia comunitária pressupõe a ampliação do mandato policial além do crime, contemplando sintomas de desordens, medo do crime e violências. Na sua opinião, as pesquisas que avaliam a confiança nas instituições e a qualidade dos serviços prestados são indicadores importantes nessa tarefa? Como utilizá-los no dia a dia da sua OSP? 3. Assinale as alternativas VERDADEIRAS a. O policiamento comunitário estabelece atividades que dificultam o estabelecimento de indicadores apropriados, o que inviabiliza a mensuração de seus resultados, sobretudo sobre o crime. b. As pesquisas de vitimização representam uma alteração na forma de mensurar os resultados do trabalho das OSPs, contemplando outras realidades além do crime, como avaliação dos serviços prestados, confiança nas organizações e percepção de segurança. c. O modelo tradicional de policiamento buscou limitar o acesso a informações das OSPs, em parte como mecanismo para evitar interferências políticas. d. O modelo de polícia comunitária parte da aproximação com a comunidade como forma de orientar suas atividades rotineiras, o que estabelece condições para a coprodução da segurança. 21 Gabarito 1. Resposta Correta: A, B e D 2. Orientação para resposta: As respostas a estas perguntas devem contemplar, pelo menos, os seguintes aspectos: a centralidade da produção de segurança pública por meio da parceria com a população permite uma aproximação necessária com as OSP; a avaliação das OSP reflete contextos de separação entre o trabalho policial como é pensado e como a sociedade espera que seja realizado, a polícia comunitária permite justamente a superação dessas diferenças; no contato mais próximo é possível, ainda, que as dificuldades do trabalho policial sejam apresentadas e discutidas com as comunidades locais, o que certamente impacta na forma como os serviços são avaliados. É importante, ainda, que a polícia comunitária seja encarada como uma alternativa de gestão que visa à melhoria da prestação dos serviçospúblicos, o que pode impactar na avaliação do seu trabalho, mas isso não o objetivo central do modelo de polícia comunitária. 3. Resposta Correta: B, C e D 22 Apresentação do módulo No Módulo 1, você estudou o surgimento do modelo de polícia comunitária, os conceitos (a partir das perspectivas filosóficas ou normativas e institucionais); as principais características da polícia comunitária, assim como os mitos que frequentemente perseguem o modelo. Estudou também a necessidade de alterações nos valores e nas práticas das OSPs. Mas, e a comunidade? É muito importante que as mudanças organizacionais sejam condizentes e acompanhem as expectativas e as necessidades da comunidade que receberá os serviços. Neste módulo, você compreenderá a relevância da participação social no campo de segurança pública, inclusive para o aperfeiçoamento dos serviços prestados em comunidades locais. Os Conselhos Comunitários de Segurança são mecanismos importantes de mobilização social e também serão estudados. Objetivo do módulo Ao final desse módulo, você será capaz de: • Compreender o conceito de comunidade; • Compreender os conceitos de participação e de mobilização social; • Identificar formas de mobilização social; • Reconhecer comportamentos favoráveis à mobilização social; • Conhecer e listar as principais características dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública; • Identificar dificuldades na realização de reuniões dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública. MÓDULO 2 MOBILIZAÇÃO SOCIAL: UMA VIA DE MÃO DUPLA 23 Estrutura do Módulo Este módulo compreende as seguintes aulas: • Aula 1 – Como definir comunidade? • Aula 2 – Mobilização social; • Aula 3 – Conselhos comunitários de Segurança Pública; • Aula 4 – Dificuldades na mobilização comunitária. Nota As seções sobre Mobilização Social e Conselhos Comunitários de Segurança Pública foram adaptadas do capítulo sobre Mobilização Social da nova edição do Curso Nacional de Promotor de Polícia Comunitária, da SENASP/MJ, ainda no prelo. A redação final, contudo, é de inteira responsabilidade do conteudista, particularmente pelas adequações realizadas para atender ao objetivo do presente trabalho e às próprias teses defendidas. Dessa forma, cabe destacar a produção e a revisão da publicação citada. Aula 1 – Como definir comunidade? 1.1 O conceito de comunidade Para a polícia comunitária, é essencial que o conceito de comunidade esteja claro. Nesse sentido, cabe lembrar que conceitos são representações da realidade que proporcionam pontes com outros conceitos, significados e a própria história. Os conceitos mudam de acordo com o contexto social em que são utilizados, criados e desenvolvidos. E é o que tem ocorrido com o conceito de comunidade. A noção clássica de comunidade envolve o compartilhamento de interesses por pessoas em contextos de interdependência, normalmente associados a um território ou localidade. Nesse sentido, existe uma dependência comum entre as pessoas naquele contexto, as quais são influenciadas pelo espaço compartilhado e também por relações de parentesco (TONNIES, 1957). Para Robert Park et al (1984), a comunidade seria um grupo de pessoas vivendo em uma área geográfica específica e condicionada pelos processos subculturais de competição, cooperação, assimilação e conflito. Em outras palavras, o conceito sugere que as pessoas trazem consigo marcas identificáveis de pertencimento à comunidade ao viver naquele local e ao criar e participar de instituições sociais que permitam interações (KAPPELER E GAINES, 2011). A vida em comunidade influencia como as pessoas pensam, se sentem, acreditam e agem. Esses valores comuns ajudam a constituir a dimensão moral da vida em comunidade, em que não apenas os valores, como as crenças, os hábitos e as práticas são compartilhados pelos participantes da comunidade e repassados a novos membros ao longo do tempo. 24 Por vezes, o conceito de comunidade tem sido associado à noção de vizinhança. Notadamente, após processos de urbanização e crescente concentração de pessoas em centros urbanos, a ideia de vizinhança tende a privilegiar a dimensão espacial da comunidade, ou seja, seus limites geográficos. Existem, por outro lado, críticas que argumentam no sentido da inclusão da dimensão moral da vida em comunidade. Em suma, pode-se destacar as seguintes características que estão presentes no conceito de comunidade: • Existência de áreas geográficas e/ou espaços de interações, ou seja, o espaço em que as pessoas de uma comunidade se relacionam. Por exemplo: bairro, rua, vila, praça ou mesmo a internet. • Existência de relações econômicas, políticas e sociais regulares. Essas relações contribuem para a reiteração dos seus valores comuns. Por exemplo: quando a comunidade se reúne para realizar uma quermesse no bairro, para plantar árvores ou ainda solicitar melhorias para a região. • Existência de uma entidade legal ou unidade de governança comum. Por exemplo: governos, associações, conselhos. • Compartilhamento de um senso de interdependência mútua: as pessoas se sentem unidas em torno de valores compartilhados mutuamente e que as fazem querer permanecer na comunidade. • Compartilhamento de uma identidade do grupo, em que os valores daquela comunidade representam a identidade do grupo. Por exemplo: moradores de condomínios fechados certamente valorizam o fato de terem mais espaço do que em outros tipos de moradia, como apartamentos. • Existência de processos de inclusão e exclusão da comunidade, assim como formas de transmissão dos valores. Ou seja, são formas de reiterar ou rejeitar comportamentos, de acordo com os valores daquela comunidade. Comunidade Área geográfica/ espaços Entidade legal Processos de inclusão Interações sociais Processos de exclusão Valores Cultura compartilhada Formas de transmissão Sentimento de interdependência mútua 25 1.2 Sobre diferentes comunidades Leia a citação a seguir. “Se na comunidade os homens permanecem unidos apesar de todas as separações, na sociedade permaneceriam separados não obstante todas as uniões” (TONNIES, 1957; p.65). Observe que a citação apresentada confere centralidade à existência de diferenças entre comunidades no contexto social. Mais do que isso, enseja a discussão sobre a diversidade de pontos de vistas das pessoas num mesmo grupo. Apesar de existir um sentido comum que une as pessoas, ainda assim elas mantêm diferenças entre si, sobre as formas como percebem e se relacionam com o mundo ao seu redor. Inclusive, as pessoas podem fazer parte de diferentes comunidades ao mesmo tempo, o que tem sido incentivado por meio do avanço das tecnologias de comunicação e das redes sociais. Para a polícia comunitária, o conhecimento da comunidade é tão central quanto possuir dados criminais para o planejamento das atividades a serem desenvolvidas. Independentemente das características locais, o desígnio da polícia comunitária está em resgatar a ideia de que a comunidade possui interesses comuns, e, assim, induzir a melhoria da qualidade de vida naquele local. Nesse sentido, é importante conhecer: • As características socioeconômicas e demográficas do local: população existente, renda, raça/etnia, faixa etária, etc.; • A oferta de serviços públicos, como escolas, hospitais, equipamentos da assistência social, de inclusão produtiva, trabalho e renda, dentre outros; • A existência e a localização de grupos ou organizações comerciais; • A existência e a localização de organizações religiosas, associações comunitárias ou centros comunitários; • A existência de movimentos ou coletivos da sociedade civil com interesses específicos. Por exemplo: movimentos de defesa dos direitos das mulheres, dos jovens,dos negros, de liberdade religiosa, de livre orientação sexual etc. Saiba Mais... Em nível nacional, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reúne informações de todo o país. Vários Estados e Municípios possuem órgãos com a finalidade de levantar dados específicos sobre seu território. Procure se informar a respeito da sua cidade! Ao conhecer a comunidade local, a polícia comunitária pressupõe que o trabalho policial seja discutido com os moradores, numa lógica de mútua interação, o que é muito diferente de que a OSP estabeleça formas seletivas de atuação para cada localidade. 26 A existência de comunidades com diferentes características faz parte da paisagem da grande maioria das sociedades, o que não implica dizer que os serviços policiais devem privilegiar ou discriminar quaisquer dessas comunidades. Importante! A polícia representa toda a sociedade e tem como objetivo principal a proteção dos direitos de todos, independentemente de classe social, cor, idade ou sexo. Um profissional de segurança pública que não protege os direitos de todos os cidadãos, depõe contra si, contra a sua organização e contra a própria sociedade. Seria o mesmo que a comunidade reivindicar para si a manutenção da ordem, por não confiar ou aceitar a forma como a polícia faz o seu trabalho ou mesmo não ver sentido nas leis e nas regras da sociedade. Se vivenciaria fenômenos como o vigilantismo. A polícia comunitária exige o contato direto com os moradores, não apenas com os “chamados” líderes comunitários. Pelo contrário, é no contato frequente que os vínculos com a comunidade serão criados e fortalecidos. Ora, se a formação da comunidade passa pelas interações sociais, é por meio dessas interações que a polícia comunitária deve exercer suas atividades cotidianas. Mais do que isso, a polícia deve ser parte da comunidade a que serve, conhecer suas necessidades, seus valores e suas expectativas, para com isso poder oferecer serviços de qualidade e efetivos. Importante! É importante discernir de onde advém a legitimidade das diferentes lideranças que se apresentam na comunidade. Por vezes, as chamadas lideranças não são representativas da comunidade, mas apenas de um número reduzido de pessoas ou mesmo de um grupo influente, por exemplo, grupos com poder econômico. Por isso, fique atento e conheça, pessoalmente e sem distinções, os integrantes da comunidade. Aula 2 – Mobilização social 2.1 Histórico de participação social no Brasil O conceito de participação social possui diferentes sentidos e normalmente está associado à noção de participação cidadã ou popular e à democracia participativa (Brasil, 2015). Segundo a Política Nacional de Participação Social, é possível compreender a participação social como um direito humano, uma política de Estado e um método de governo. Ou seja, a organização da comunidade para influenciar e acompanhar as políticas públicas, por meio de mecanismos e processos específicos, faz parte da noção de participação social. Comumente, a participação social está associada à medidas de mobilização da comunidade envolvida em torno de questões ou problemas identificados. No caso da segurança pública, a mobilização tende a ser 27 mais bem sucedida quando envolve as organizações de segurança pública existentes no local. Isso não quer dizer que o Estado deve ter como propósito organizar a comunidade, mas antes disso se engajar de forma participativa com a comunidade mobilizada. Mobilizar... A ideia de mobilizar, por sua vez, está associada ao movimento, à ação de conferir movimento a alguém ou a algo. Para Toro (1996), “mobilizar é convocar vontades para um propósito determinado, para uma mudança da realidade”. Ainda mais, Henriques et al (2007) afirmam que para a mobilização é necessário “mostrar o problema, compartilhá-lo, distribuí-lo, para que assim as pessoas se sintam corresponsáveis por ele e passem a agir na tentativa de solucioná-lo”. A necessidade de mobilização local na busca de melhorias para as comunidades tem se fortalecido como discurso e diretriz de ação em todo o mundo. São raros programas, ações e projetos da iniciativa privada ou da gestão pública que, tendo o território como referência, não pressuponham a participação dos atores locais na construção dos resultados esperados e na manutenção destes. Essa lógica vale para diferentes setores da vida social e dos serviços públicos. No Brasil, o contexto que envolveu a promulgação da Constituição de 1988 foi marcado pelo fortalecimento da sociedade civil no cenário político. Diferentes grupos, como conselhos e associações, foram fortalecidas nos últimos momentos do período militar, havendo uma tendência à participação social de parceria com o Estado (MORAES, 2011). A população foi chamada a se envolver com as ações do poder público, compartilhando responsabilidades. Dessa forma, os conselhos, os fóruns e outras formas de participação que reúnem governo e a população se tornaram fortes expressões da participação social no Brasil. Contudo, isso não equivale a dizer que uma maior participação social representou mais cidadania para a população. Esse movimento foi amplo e envolveu vários temas, como saúde, assistência social, educação, políticas para juventude, para mulheres, de promoção da igualdade racial, dentre outros, e também segurança pública. Assim, o Estado passa a promover a participação social através da criação dos chamados conselhos de políticas públicas, geralmente com representação paritária entre poder público e sociedade civil. Representação paritária A representação paritária indica que o número de representantes da sociedade civil é igual ao número de representantes do governo. No Brasil, existem inúmeros conselhos de políticas públicas com participação social. Em relação à segurança pública, em nível nacional, existe o Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP), que possui natureza consultiva e deliberativa sobre a formulação e a proposição de diretrizes para as políticas públicas voltadas à promoção da segurança pública, prevenção e repressão à violência e à criminalidade, e atuar na sua articulação e controle democrático. 28 Investigando... E na sua cidade, existem conselhos de segurança pública? Qual a sua composição? Eles possuem mecanismos de participação social? O foco principal da mobilização social é que a comunidade seja empoderada* a participar desse processo, ou seja, a comunidade deve ter consciência de que pode participar do estabelecimento de prioridades para a sociedade, em especial na discussão de políticas públicas. Sabe-se, todavia, que essa realidade ainda é incipiente no Brasil, sendo dificultada pela histórica desigualdade social e econômica do país. * Empoderar a comunidade significa reconhecer seu poder e autonomia para que ela possa tornar-se protagonista na identificação de problemas, no estabelecimento de prioridades e na discussão de alternativas de solução.) 2.2 Características gerais da mobilização social • A mobilização social é um processo próprio das comunidades, que exige, principalmente, o envolvimento participativo e voluntário das pessoas. Não existe mobilização forçada, é ainda pior que não haver mobilização. • A mobilização social não é desinteressada. Pelo contrário! Os interesses representam um ponto de vista que, às vezes, envolve mais de uma comunidade. No modelo de polícia comunitária, contudo, não são priorizados os interesses de um grupo social em particular, mas aqueles que contemplem, nos limites da lei, as necessidades da comunidade como um todo. • A mobilização social é, necessariamente, um processo em constante desenvolvimento. Mesmo em ambientes institucionais, a mobilização depende da adesão voluntária das pessoas, o que exige mecanismos que envolvam as pessoas e gerem vontade em participare em continuar participando. De uma forma geral, o Brasil possui pouca tradição associativa e participativa, o que exige ainda mais esforço na mobilização social em busca de cidadania. • A mobilização social é, necessariamente, um processo em constante desenvolvimento. Mesmo em ambientes institucionais, a mobilização depende da adesão voluntária das pessoas, o que exige mecanismos que envolvam as pessoas e gerem vontade em participar e em continuar participando. De uma forma geral, o Brasil possui pouca tradição associativa e participativa, o que exige ainda mais esforço na mobilização social em busca de cidadania. • No processo de conhecimento da comunidade, você deve se informar sobre diferentes características que compõem o diagnóstico dos problemas locais. Por isso, você deverá conhecer realidades de outros temas, como saúde, assistência social, educação, trabalho e renda, dentre outros. • Também exige engajamento e preparação dos próprios agentes do Estado. Primeiramente, você deve ter a consciência de que a participação social é voluntária, envolve diversos interesses e está em constante desenvolvimento. Em seguida, você deve lembrar que ela independe do Estado, ou seja, se o Estado decidir induzi-la, deve fazê-lo sem a intenção de controlar o processo ou mesmo os seus resultados. Em outras palavras, ao mobilizar a comunidade para participar das questões de segurança pública, a OSP não pode pensar que vai controlar os temas e as formas de participação, tampouco que as demandas recebidas são 29 ofensas. Antes disso, as demandas representam necessidades da comunidade que devem ser consideradas pela OSP como uma prioridade parte de um processo de construção de relações de confiança. • A mobilização comunitária é um pacto. A comunidade se aproxima, traz informações relevantes para o planejamento e espera respeito e eficiência dos representantes do poder público. Quais as implicações disso? Os policiais que atuam na mobilização da população local precisam ser claros quanto aos limites para o atendimento de demandas comunitárias. A partir do momento em que um compromisso for assumido com a população, ele não poderá ser descumprido, sob pena de que a relação de confiança estabelecida fique fragilizada. Refletindo sobre a questão... Leia o seguinte trecho: “(...) A democracia tem necessidade da polícia: uma sociedade livre não pode dispensar um certo nível de ordem, ou ainda, de previsibilidade nas trocas sociais cotidianas. Quer se trate de limitar a extensão dos comportamentos predadores sem retroceder à autodefesa dos séculos passados, de facilitar os deslocamentos em sociedades marcadas pela mobilidades, (...) a força do elo social e a qualidade de vida de que se beneficia a maioria dos cidadãos das sociedades ocidentais dependem, em boa parte, da maneira como a polícia cumpre as tarefas para as quais ela é solicitada ou que ela própria se atribui. (...) Dizer isso é atribuir à polícia um papel eminentemente político, no sentido nobre do termo. Melhor, é reconhecer a natureza política da função policial. (MONET, 2003, p. 29). Durante muito tempo, organizações policiais buscaram limitar influências políticas em suas ações por meio da adoção de critérios técnicos de aplicação da lei. Como discutido no módulo anterior, essa estratégia de profissionalização marcou o modelo tradicional de policiamento. Em sua opinião, como a polícia pode ser considerada uma instituição política? Como o modelo de polícia comunitária pode contribuir com a função política da polícia? 2.3 Como mobilizar? Durante as atividades de mobilização, como reuniões ou visitas comunitárias, é comum que os profissionais de segurança pública presenciem e vivenciem situações pouco convencionais e desafiadoras. Por isso, alguns comportamentos devem ser incentivados. Veja alguns exemplos: • Considere, com atenção, todos os que quiserem falar. Tão importante quanto ouvir é como ouvir. Por isso, não faça distinções, todos devem ser ouvidos, principalmente aqueles mais críticos. • Identifique os principais movimentos, organizações e lideranças comunitárias do estado ou município e procure estabelecer mecanismos de interlocução entre esses temas e a segurança pública. Os grupos organizados podem servir, inclusive, de inspiração para a adoção de instrumentos já existentes de participação, como redes de contatos, formas de organizar e mobilizar reuniões etc. • Elabore uma lista de contatos, com telefones, endereços e e-mails. Não se esqueça de que ao conhecer a comunidade, é importante explicar como será o seu trabalho e porque trabalhará assim. Nesse momento, será inevitável explicar o que é a polícia comunitária. Aproveite a oportunidade! 30 • Evite demonstrar preferências por manifestações ou grupos específicos. O trabalho policial é dirigido a todos e não pode ser visto como um privilégio de poucos; Importante! As pessoas se mobilizam para mudar realidades ou resolver problemas. A realização do seu trabalho de forma correta e diligente, com interesse real na realidade e nos problemas das pessoas, é uma atitude imprescindível à mobilização social no seu contexto de trabalho. Por isso, a mobilização começa com você, em suas atividades diárias. Faça o teste, seja diligente e prestativo e veja a mudança no comportamento das pessoas ao seu redor! • Compartilhe as informações e os dados disponíveis sobre os problemas apresentados. Lembre-se de que a sua opinião sobre as questões de segurança do local deve ser embasada em dados, não apenas em impressões pessoais! • Preste contas do trabalho desenvolvido: apresente e discuta as ações que estão sendo adotadas naquela região. É importante demonstrar claramente como e porque determinada atividade foi desempenhada. Caso exista sigilo em alguma atividade, não deixe a pergunta sem resposta e indique a necessidade de discrição. • Procure se aproximar dos diferentes grupos na comunidade, independentemente de faixa etária, sexo, renda, cor ou raça ou outras categorizações. Todos possuem necessidades específicas e devem receber atenção e serviços adequados! • Conheça o território e as pessoas da região em que o policiamento comunitário será implantado. Para tanto, comece mapeando os equipamentos públicos existentes, como escolas, hospitais, equipamentos da assistência social, de inclusão produtiva, trabalho e renda, dentre outros. Não se esqueça de incluir as OSP nas suas visitas, em que pese a necessidade de articulação também entre essas organizações. A importância do diagnóstico O diagnóstico da região deve identificar as potencialidades e os pontos críticos para a mobilização daquela comunidade. Essas informações contemplam diferentes áreas da vida social daquela comunidade, como educação, saúde, assistência social, trabalho e renda, dentre outras. Os demais equipamentos públicos (postos de saúde e escolas, por exemplo) são excelentes pontos de partida para se conhecer a realidade local. Em relação à segurança, além dos dados criminais, os dados de pesquisas de vitimização são extremamente importantes para a composição desse diagnóstico. Como você estudou no módulo anterior, os dados da 1ª Pesquisa Nacional de Vitimização estão disponíveis em relação a todas as Unidades da Federação. Antes de prosseguir, verifique os dados referentes à sua Unidade Federativa. Investigando... Existem outros dados sobre avaliação do trabalho e confiança nas OSP na sua cidade? E sobre percepção de segurança? Informe-se! 31 Aula 3 - Conselhos Comunitários de Segurança Pública (CONSEGs) 3.1 Dados introdutórios Os CONSEGs representam o mecanismo mais comumente associado à participação social em segurança pública no Brasil. Apesar de não serem a única forma de fazê-lo, os CONSEGs tornaram-se populares desde os anos 2000, num movimento que acompanhou a gestão de políticas públicas no país de uma formageral. Segundo dados do ano de 2006, existiam 445 municípios com conselhos na área de segurança pública (SENASP, 2009). Em 2008, com metodologia diferente, uma nova pesquisa identificou pelo menos 534 conselhos (1998, p.28). Não há, desde então, motivos para acreditar que esse número tenha reduzido, provavelmente aconteceu o contrário. Em grande medida, o fundamento que permeia o estímulo à presença da sociedade civil em instâncias participativas como fóruns e conselhos é a aproximação e a apropriação por parte da população das esferas de tomada de decisão. É pela mobilização, por meio da ocupação de espaços antes reservados exclusivamente aos gestores e técnicos ligados à administração pública, que a comunidade pode pautar as próprias necessidades locais, direcionando as discussões e contribuindo com a tomada de decisão em temas do seu próprio interesse. Exemplo Em algumas áreas, como a saúde e a assistência social, a criação de esferas de participação popular e controle social tornaram-se exigências e requisitos para o repasse de recursos provenientes do governo federal. 3.2 Histórico dos CONSEGs Década de 80 – Surgimento dos CONSEGs Os primeiros CONSEGs surgiram ainda na década de 80 e representaram um impulso de inovação democrática na segurança pública no Brasil (GALDEANO, 2007). Esse surgimento foi influenciado por valores defendidos pelo modelo de polícia comunitária, particularmente pela necessidade de maior participação da comunidade na definição da agenda de segurança pública. Com isso, essas questões deixam, gradativamente, de ser tratadas como assuntos de polícia, passando a ser discutidas e apropriadas pela sociedade. Década de 90 – Ampliação da ideia Em razão de experiências em outros países, como Japão e Estados Unidos, os CONSEGs começaram a surgir em estados como São Paulo, Espírito Santo e Paraná já na segunda metade da década de 1980 e início da década de 1990. Anos 2000 – Popularização dos CONSEGs Tendo sido incorporada pelo poder público a ideia de coprodução de participação na segurança pública, os CONSEGs se popularizaram no país a partir dos anos 2000. 32 Importante! A edição do Plano Nacional de Segurança Pública, em 2001, também trouxe incentivos ao fortalecimento de ações de segurança pública sob uma perspectiva comunitária. Por meio da criação de requisitos para o repasse de recursos aos Estados por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública, a SENASP/MJ incentivou a adoção do policiamento comunitário como estratégia de trabalho policial. Nessa esteira, a difusão da participação social na segurança pública por meio dos Conselhos Comunitários de Segurança passou a integrar algumas ações de instituições policiais e políticas de governos estaduais (BRASIL, 2014). 3.3 Características gerais do CONSEGs Os Conselhos Comunitários de Segurança Pública diferenciam-se de outras associações locais em razão de seu foco voltado para a discussão e resolução de problemas de segurança pública. Como conselho, é um órgão consultivo, mas não é incomum serem identificadas características de instância deliberativa em seu funcionamento. Comumente, cada Unidade da Federação possui legislações específicas que regulam os CONSEGs, como definições diferentes sobre a criação, funcionamento, critérios de participação e validação do Estado. Não existe, portanto, um modelo único de CONSEG no país, tampouco alguma lei que estabeleça, em nível nacional, como eles devem funcionar. Contudo, enquanto mecanismo de participação social, os CONSEGs devem atender às diretrizes gerais da Política Nacional de Participação Social, dentre as quais destacam-se: • o reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia; • a solidariedade, a cooperação e o respeito à diversidade de etnia, raça, cultura, geração, origem, sexo, orientação sexual, religião e condição social, econômica ou de deficiência, para a construção de valores de cidadania e de inclusão social; • o direito à informação, à transparência e ao controle social nas ações públicas, com uso de linguagem simples e objetiva, consideradas as características e o idioma da população a que se dirige. Saiba Mais... O Governo do Rio Grande do Sul desenvolve ações de participação social no âmbito de um canal chamado Gabinete Digital. Numa das oportunidades, foi tratado do tema: Paz no Trânsito. Investigando... Em sua região, existe alguma iniciativa semelhante? De toda forma, é possível definir o CONSEG como sendo: Um mecanismo de participação social em segurança pública que, comumente, reúne representantes das organizações de segurança pública locais e a comunidade com o objetivo de formular, acompanhar e estabelecer prioridades para problemas relacionados a crimes, violências, desordens, medo do crime e incivilidades na região. 33 Conforme Brasil (2014), suas principais funções são: • Aprimorar a relação entre polícia e comunidade, promovendo uma aproximação maior e produtiva entre ambos; • Identificar prioridades locais na área de segurança pública e construção de parcerias e estratégias de ação para buscar a resolução compartilhada dos problemas; • Auxiliar na prevenção dos delitos e das violências, por meio de campanhas educativas e outras iniciativas em parceria com diferentes atores; • Encorajar a participação social na construção da segurança pública; • Propiciar espaços de prestação de contas e de avaliação das atividades realizadas pelas OSP naquelas regiões, reconhecendo a necessidade de referenciar os serviços aos problemas locais. Importante! Apesar da proximidade entre o CONSEG e as OSP, isso não deve implicar na confusão de papéis entre ambos. Os voluntários engajados nos CONSEGs não assumirão a função de policiar e nem de realizar investigações! 3.4 Criação de CONSEGs No modelo brasileiro, os CONSEGs são, normalmente, organizados pelos estados. Tendo em vista a sua maior frequência, você estudará a seguir os aspectos relacionados à atuação do estado na formação dos CONSEGs, mas é importante que você saiba que podem existir CONSEGs organizados e mantidos pela própria sociedade civil. Discussões iniciais É fundamental que as normas que regulamentam os CONSEGs sejam discutidas ampla e continuamente com a comunidade e com os profissionais de segurança pública. Afinal, trata-se de um espaço que será utilizado pelos envolvidos para estabelecerem prioridades na agenda de segurança pública. Além disso, o diagnóstico sobre a realidade local será essencial para a identificação dos problemas locais e, consequentemente, para a mobilização das pessoas que são impactadas por esses problemas. Caso a iniciativa em torno da criação do CONSEG surja da própria comunidade e seja levada à OSP, considere que as ações de mobilização já começaram! Reuniões de sensibilização As reuniões de sensibilização são essenciais para mobilizar a comunidade. Devem ser realizadas em diferentes momentos e para diferentes grupos na comunidade, como forma de espalhar a notícia e gerar adesão à proposta. Elas buscam: • Apresentar o modelo de gestão da segurança pública do qual podem fazer parte os CONSEGs, ou seja, a segurança pública compartilhada, dando ênfase ao papel da comunidade na coprodução de resultados; 34 • Identificar os possíveis conselheiros comunitários de segurança pública interessados em levar adiante a estruturação do CONSEG. • Destacar a importância do envolvimento legítimo com as ações do conselho para que ele funcione cumprindo seu principal objetivo: ampliar a participação popular na definição de estratégias de segurança pública. • Informar o alcance e os limites da atuação do CONSEG na gestão da segurança pública daquela Unidade da Federação e mais especificamente daquela comunidade. Informar sobre o modelo de atuação dos CONSEGs, os ganhos e os
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