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lllTURAS
~@~~~==
"A Escola e a Cornpreensao da Realidade - Maria Teresa
Nidelcoff
.. A Questao Politica da Educaçao Popular - Carlos R. Brandffo
.. Corno Lidar corn as Crianças - G. Della Piana
" Cuidado! Escola - Paulo Freire e outras
.. Descarninhos da Educaçao P6s-68 - Cad. Debate 8 - Varias
autores
" Desregulagens - Educaçao, planejarnento e tecnologia corno
ferrarnenta social - Laymert G. dos Santos
" Educaçao ou Desconversa? - Alrnanaque 11 - Varias autores
" Escola e Trabalho - Claudio Salm
" Fundarnentos da Escola do Trabalho - Pistrak
" ldeologia e Curriculo - Michel W. Apple
'" Liberdade para as Crianças - Allen Graubard
" Os Anos Magicos - A prirneira infância - Selma H. Fraiberg
" Uma Escola para o Povo - Maria Teresa Nide/coff
" Vivendo e Aprendendo - Paulo Freire e outras
Coleçao Primeiros Passos
" 0 que é Método Paulo Freire - Carlos R. Brandiio
Coieçao Primeiros Vôos
" Pedagogia: Reproduçao ou Transforrnaçao - Laura de O. Lima
Carlos Rodrigues Brandâo
OQUEÉ
EDUCAÇÂO
1~ ediçào 14"1
7~ ediçao
40 anos de bons livres
Cop ·. ·
'Yn,gnt © Carlos Ro .
dngues Brandao
Capa:
123 (antigo 27)
Artistas Graficos
Caricaturas.
Emûio Damiani
Revtsao:
1 osé B. Andrade
Lucia S. Nicolai
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editora bras T
01223 - i 1ense s.a.
sao n.q, ,,,.... r. Q:ner~/ iardim, 160
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1
ÎNDICE
· / - Educaçâ'o? Educaçoes: aprender corn o
lndio.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2 - Ouando a escola é a aldeia. . . . . . . . . . . . . . 13
> - Entâ'o, surge a escola. . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
1
1 - Pedagogos, mestres-escola e sofistas. . . . . . . 36
5 - A educaçao que Roma fez, e o que ~la
ensina ............................ .
" - Educaçâ'o: isto e aquilo, e o contrario
de tu do ........................... .
1 - Pessoas versus sociedade: um dilema que
ocu lta outras ....................... .
<b_ Sociedade contra Estado: classe e educaçâ'o
'I - A esperança na educaçao .............. .
1.) - lndicaçoes para leitura ................ .
••
- ... 11111 -
48
54
et
73\
98 i
111
r
EDUCAÇÂO? EDUCAÇÔES:
APRENDER COM 0 ÎNDIO
Pergunto coisas ao buriti; e o que ele rfsponde é:
a coragem minha. Buriti quer todo o azul, e nâo se
aparta de sua agua - carece de espelho. Mestre nâo
é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.
Joâo Guimarâes Rosa/Grande Sertao: Veredas
Ninguém escapa da educaçâ'o. Em casa, na rua,
na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos
todos n6s envolvemos pedaços da vida corn ela:
para aprender, para enstnar, para aprender-e-
-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para
conviver, todos os dias misturamos a vida corn
a educaçâ'o. Corn uma ou corn varias: educaçâ'o?
Educaçoes. E ja que pelo menos por isso sernpre
achamos que temos alguma coisa a dizer sobre
a educaçâ'o que nos invade a vida, por que nâ'o
8
r
Carlos Rodrigues Brandiio
começar a pensar sobre ela corn o que uns lndios
uma vez escreveram?
Ha muitos anos nos Estados Unidos, Virginia
e Maryland assinaram um tratado de paz corn
os f ndios das Seis Naçoes. Ora, como as promes-
sas e os slmbolos da educaçâ'o sempre foram
muito adequados a momentos solenes como
aquele, logo depois os seus governantes mandaram
cartas aos (ndios para que enviassem alguns de
seus jovens às escolas dos brancos. Os chefes
responderam agradecendo e recusando. A carta
acabou conhecida porque alguns anos mais tarde
Benjamin Franklin adotou o costume de divulga-la
aqui e ali. Eis o trecho que nos interessa:
" .. . N6s estamos convencidos, portanto, que
os senhores desejam o bem para n6s e agrade-
cemos de todo o coraçao.
Mas aqueles que siio sabios reconhecem que dife-
rentes naçoes têm concepçoes diferentes das coisas
e, sendo assim, os senhores n§o ficar§o ofendidos
ao saber que a vossa idéia de educaçao n§o é
a mesma que a nossa.
.. . Muitos dos nossos bravos guerreiros forarn
formados nas esco/as do Norte e aprenderam toda
a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para
n6s, eles eram maus corredores, ignorantes da
vida da floresta e incapazes de suportarem o trio
e a tome. Niio sabiam coma caçar o veado, matar
o inimigo e construir uma cabana, e falavam a
O que é Educaçâo
nossa l/ngua muito mal. Eles eram, portar:to,
tata/mente inuteis. Nao serviam coma guerre1ros,
coma caçadores ou coma conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa
oferta e, embora niio possamos aceita-la, para
mostrar a nossa gratidiio oferecemos aos nobres
senhores de Virginia que nos enviem alguns dos
seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que
sabemos e faremos, de/es, homens."
De tudo o que se discute hoje sobre a educaçâ'o,
algumas das questoes entre ~s ~ais i~po~antes
estâ'o escritas nesta carta de 1 nd1os. Nao ha uma
forma (mica nem um (mico modela de educaçâ'o;
a escola nâ'o é o unico lugar onde ela acontece
e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar nâ'o
é a sua unica pratica e o professor profissional
nâ'o é o seu uriico praticante.
Em mundos diversos a educaçâ'o existe dife-
rente: em pequenas sociedades tribais d:i povos
cacadores agricultores ou pastores nomades;
e~ sociedades camponesas, em pa lses desenvol-
vidos e industrializados; em mundos sociais sem
classes, de classes, corn este ou aquele tipo ?e
conflito entre as suas classes; em tipos de soc1e-
dades e culturas sem Estado, corn um Estado
em formaçâ'o ou corn ele consolidado entre e
sobre as pessoas. . . .
Existe a educaçâ'o de cada categoria de suie1tos
de um povo; ela existe em cada povo, ou entre
9
10
/
Carlos Rodrigues Brandâo
povos que se encontram. Existe entre povos
que submetem e dominam outras povos, usando
a educaçâ'o como um recurso a mais de sua domi-
nância. Dac famllia à comunidade, a educacâ'o
existe difusa em todos os mundos sociais, en.tre
as incontâveis prâticas dos mistérios do aprender·
primeiro, sem classes de alunas, sem livros ~
sem professores especialistas; mais adiante corn
escolas, salas, professores e métodos pedag6gicos.
A educaçâ'o pode existir livre e, entre todos,
pode ser uma das maneiras que as pessoas criam
para tornar comum, como saber, como idéia,
como crença, aquilo que é comunitârio como
be~'. c?mo trabalho ou como vida. Ela pode
ex1st1r 1mposta por um sistema centralizado de
poder, que usa o saber e o controle sobre o saber
como armas que reforçam a desigualdade entre
os homens, na divisâ'o dos bens, do trabalho
dos direitos e dos sf mbolos. '
A educaçâ'o é, como outras, uma fracâ'o do
modo de vida dos grupos sociais que a· criam
e recriam, entre tantas outras invençoes de sua
cultura, em sua sociedade. Formas de educaçâ'o
que produzem e praticam, para que elas reprodu-
zam, entre todos os que ensinam-e-aprendem,
o saber que atravessa as palavras da tribo, os
c6digos sociais de conduta, as regras do trabalho,
os segredos da arte ou da religiâ'o, do artesanato
o~ da tecnologia que qualquer povo precisa para
re1nventar, todos os dias, a vida do grupo e a
0 que é Educaçâo
/
de cada um de seus sujeitos, através de trocas
sem fim corn a natureza e entre os homens, trocas
que existem dentro do mundo social onde a
pr6pria educaçâ'o habita, e desde onde ajuda a
explicar - às vezes a ocultar, às vezes a inculcar -
de geraçâ'o em geraçâ'o, a necessidade da exis-
tência de sua ordem.
Por isso mesmo - e os lndios sabiam - a edu-
caçâ'o do colonizador, que contém o saber de
seu modo de vida e ajuda a conf irmar a aparente
legalidade de seus atos de domlnio, na verdade
nâ'o serve para ser a educaçâ'o do colonizado.
Nâ'o serve e existe contra uma educaçâ'o que ele,
nâ'o obstante dominado, tambérn possui coma
um dos seus recursos, em seu mundo, dentro de
sua cultura.
Assim, quando sâ'o necessârios guerreiros ou
burocratas, a educaçâ'o é um dos n;ieios de que
os homens lançam mâ'o para criar guerreiros
ou burocratas. Ela ajuda a pensar tipos de homens.
Mais do que isso, ela ajudaa cria-los, através
de passar de uns para os outros o saber que os
constitui e legitima. Mais ainda, a educaçâ'o parti-
cipa do processo de produçâ'o de crenças e idéias,
de qualificaçoes e especialidades que envolvem
as trocas de slmbolos, bens e poderes que, em
conjunto, constroem tipos de sociedades. E esta
é a sua força.
No entanto, pensando às vezes que age por
si proprio, livre e em nome de todos, o educador
11
12 Carlos Rodrigues Brandiio
imagina que serve ao saber e a quem ensina mas,
na verdade, ele pode estar servindo a quem o
constituiu professor, a fim de usa-Io, e ao seu
trabalho, para os usos escusos que ocultam também
na educaçâ'o - nas suas agências, suas praticas
e nas idéias que ela professa - interesses pol 1-
ticos impostos sobre ela e, através de seu exerc(cio,
à sociedade que habita. E esta é a sua fraqueza.
Aqui e ali sera preciso voltar a estas idéias,
e elas podem ser como que um roteiro daqui
para a trente. A educaçâ'o existe no imaginario
das pessoas e na ideologia dos grupos sociais e,
ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se
diz para fora, que a sua missâ'o é transformar
sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de
acordo corn as imagens que se tem de uns e outros:
" ... e deles faremos homens". Mas, na pratica,
a mesma educaçâ'o que ensina pode deseducar,
e pode correr o risco de fazer o contrario do que
pensa que faz, ou do que inventa que pode fazer:
" ... eles eram, portanto, totalmente inûteis".
... ·- ..
QUANDO A ESCOLA É A ALDEIA
A educaçâ'o existe onde nâ'o ha a escola e por
toda parte podem haver redes e estruturas sociais
de transferência de saber de uma geraçâ'o a outra,
onde ainda nâ'o foi sequer criada a sombra de
algum modelo de ensino formai e centralizado.
Porque a educaçâ'o aprende corn o homem a
continuar o trabalho da vida. A vida que trans-
porta de uma espécie para a outra, dentro da
histéria da natureza, e de uma geraçâ'o a outra de
viventes, dentro da historia da espécie, os princf-
pios através dos quais a prépria vida aprende
e ensina a sobreviver e a evoluir em cada tipo
de ser.
Os bichos do mundo aprendem de dentro para
fora corn as armas naturais do instinto. Mas a
isto eles acrescentam maneiras de aprender de
fora para dentro, convivendo corn a espécie,
14 Carlos Rodrigues Brandâo 0 que é Educaçâo
observando a conduta de outras iguais de seu
mundo e experimentando repetir muitas vezes
essas condutas da espécie, por conta pr6pria.
Entre os que nos rodeiam de perto ou de longe,
nao sâ'o raros os bichas cujos pais da proie criam
e recriam situaçoes, para que o treino dos filhotes.
faça e repita os atos da aprendizagem que garante
a vida, coma a mâ'e que um dia expulsa corn
amor o filho do ninho, para que ele aprenda
a arte e a coragem do primeiro vôo.
0 homem que transforma, corn o trabalho
e a consciência, partes da natureza em invençoes
de sua cultura, aprendeu corn o tempo a trans-
formar partes das tracas feitas no interior desta
cultura em situaçoes sociais de aprender-ensinar-
-e-aprender: em educaçâ'o. Na espécie humana
a educaçâ'o nâ'o continua apenas o trabalho da
vida. Ela se instala dentro de um dom(nio propria-
mente humano de tracas: de s(mbolos, de inten-
çoes, de padroes de cultura e de relaçoes de poder.
Mas, a seu modo, ela continua no homem o traba·
!ho da natureza de fazê-lo evoluir, de toma-Io
mais humano. E esta a idéia que Werner Jaeger
tem na cabeça quando, num estudo sobre a edu-
caçâ'o do homem grego, procura explicar o que
ela é, afinal:
"A natureza do homem, na sua dupla estrutura
corp6rea e espiritua/, cria condiçoes especiais
para a manutençao e tran~missao da sua forma
c:
0 ....
'ë z
<i
....;
Na aldeia a/ricana o "velho" ensina às crianças o saber
da tribo.
particular e exige organizaçêies f/sicas e espirituais,
ao conjunto das quais damas o nome de educaçao.
Na educaçao, coma o homem a pratica, atua
a mesma força vital, criadora e plastica, que espon-
taneamente impele todas as espécies vivas à conser-
vaç§o e à propagaç§o de seu tipo. E ne/a, porém,
que essa força atinge o seu mais alto grau de inten-
sidade, através do esforço consciente do conheci-
mento e da vontade, dirigida para a consecuç§o
de um fim."
15
16 Carlos Rodrigues Brandiïo
Quando um povo alcança um estagio complexo
de organizaçao da sua sociedade e de sua cultura;
quando ele enfrenta, por exemplo, a questao
da divisao social do trabalho e, portanto, do
poder, é que ele começa a viver e a pensar como
problema as formas e os processos de transmissao
do saber. É a partir de entao que a questao da
educaçao emerge à consciência e o trabalho de
educar acrescenta à sociedade, passo a passo, os
espaças, sistemas, tempos, regras de pratica,
tipos de profissionais e categorias de educandos
envolvidos nos exerc(cios de maneiras cada vez
menos corriqueiras e menos comunitarias do
ato, afinal tao simples, de ensinar-e-aprender.
No entanto, muito antes que isso aconteça,
em qualquer lugar e a qualquer tempo - entre
dez Indics remanescentes de alguma tribo do
Brasil Central, no centro da cidade de Sao Paulo -
a educaçao existe sob tantas formas e é praticada
em situaçoes 'tao diferentes, que algumas vezes
parece ser invislvel, a nao ser nos lugares onde
pendura alguma placa na porta corn o seu nome.
Quando os antrop61ogos do começo do século
safram pelo mundo pesquisando "culturas primi-
tivas" de sociedades tribais das Américas, da Âsia,
da Âfrica e da Oceania, eles aprenderam a descre-
ver corn rigor praticamente todos os recantos
da vida destas sociedades e culturas. No entanto,
qua se nenhum del es usa a palavra educaçfio,
embora quase todos, de uma forma ou de outra,
,
0 que é Educaçiïo
descrevam relaçoes cotidianas ou cerimônias
rituais em que crianças aprendem e jovens sao
solenemente admitidos no mundo dos adultos.
De vez em quando, aparece, perdido num
mar de outras conceitos, o de educaçiio, como
quando Radcliffe-Brown - um antrop61ogo ingl~s
que participa da criaçâ'o da moderna Antropolog1a
Social - lembra que, entre os andamaneses, um
grupo tribal de ilhéus entre Burma e Sumatra,
para se ajustar a criança à sua comunidade "é
preciso que ela seja educada ". Parte deste pro-
. cesse consiste em a criança e o adolescente apren-
derem aos poucos a caçar, a fabricar o arco e
flecha e assim por diante. Outra parte envolve
a aquisiçao de "sentimentos e disposiçoes emocio-
nais" que regulam a conduta dos membros da
tribo e constituem o corpo de suas regras sociais
de moralidade. ,
Quando os antrop61ogos pouco falam em
educaçiio, eles pouco querem falar de processos
formalizados de ensino. Porque, onde os andama-
neses, os maori, os apaches ou os xavantes pra-
ticam, e os antrop61ogos identificam processos
sociais de aprendizagem, nao existe ainda nenhuma
situaçao propriamente escolar de transferência
do saber tribal que vai do fabrico do arco e flecha
à recitaçao das rezas sagradas aos deuses da tribo.
Ali, a sabedoria acumulada do grupo social nâ'o
"da aulas" e os alunos, que sao todos os que
aprendem, "nâ'o aprendem na escola". Tudo
17
,
1 l ;
18
Carlos Rodrlgues Brandiïo
o que se sabe aos poucos se adquire por viver
muitas e diferentes situaçoes de trocas entre
pessoas, corn o corpo, corn a consciência, corn
o corpo-e-a-consciência. As pessoas convivem
umas corn as outras e o saber flui, pelos atos
de quem sabe-e-faz, para quem nao-sabe-e-aprende.
Mesmo quando · os adultos encorajam e guiam
os momentos e situaçoes de aprender de crianças
e adolescentes, sao raros os tempos especialmente
reservados apenas para o ato de ensinar.
Nas aldeias dos grupos tribais mais simples,
todas as relaçoes entre a criança e a natureza, guia-
das de mais longe ou mais perto pela presença de
adu ltos conhecedores, sao situaçoes de apren-
dizagem. A criança vê, entende, imita e aprende
corn a sabedoria que · existe no proprio gesto
de fazer a coisa. Sao também situaçoesde aprendi-
zagem aquelas em que as pessoas do grupo trocam
~ens materiais entre si ou trocam serviços e signi-
f1cados: na turma de caçada, no barco de pesca,
no canto da cqzinha da palhoça, na lavoura fami-
liar ou comunitaria de mandioca, nos grupos de
brincadeiras de meninos e meninas, nas cerimônias
religiosas.
Emile Durkheim, um dos principais soci61ogos
da educaçâ'o, explica isto da seguinte maneira:
"Sob regime tribal, a caracterlstica essencial da
educaçao reside no fato de ser difusa e adminis-
trada indistintamente par todos os elementos
0 que é Educaçiïo
do cla. Nao ha mestres determinados, nem inspe-
tores especiais para a formaçao da juventude:
esses papéis s§o desempenhados par todos os
anciaos e pela conjunto das geraçoes anteriores."
As meninas aprendem corn as cornpanheiras
de idade, corn as maes, as av6s, as irrnas mais
velhas, as velhas sabias da tribo, corn esta ou ·
aquela especialista ern algurn tipo de magia ou
artesanato. Os rneninos aprendern entre os jogos
e brincadeiras de seus grupos de idade, aprendern
corn os pais, os irrnaos-da-rnâ'e, os av6s, os guer-
reiros, corn algurn xarnâ' (rnago, feiticeiro), corn
os velhos ern volta das fogueiras. Todos os agentes
desta educaçâ'o de aldeia criarn de parte a parte
as situaçôes que, direta ou indiretarnente, forçarn
iniciativas de aprendizagern e treinarnento. Elas
existern rnisturadas corn a vida e.rn rnornentos
de trabalho, de lazer, de carnaradagern ou de
arnor. Ouase sernpre nao sâ'o irnpostas e nao é
raro que sejarn os aprendizes os que t:Drnarn a seu
cargo procurar pessoas e situaçoes de troca que
lhes possarn trazer algurn aprendizado. Assirn,
entre os Wogeo, da Nova Guiné, de acordo corn
o depoirnento de urn antrop61ogo:
"Onde é necessério aprender habilidades especiais
as criancas estao em regra geral, ansiosas par
saber a· que os ;eus pais conhecem. 0 orgulho
do trabalhador e o prestlgio do bom artesao
19
20 Carlos Rodrigues Brandiïo
dominam sua vida e e/as necessitam de muito
pouco est/mu Io para procura-los par si mesmas."
0 saber da comunidade, aquilo que todos conhe-
cem de algum modo; o saber proprio dos homens
e das mulheres, de crianças, adolescentes, jovens,
adultos e velhos; o saber de guerreiros e esposas;
o saber que faz o artesao, o sacerdote, o feiticeiro,
o navegador e outras tantos especialistas, envolve
portanto situaçoes pedag6gicas interpessoais, fami-
liares e comunitarias, onde ainda nao surgiram
técnicas pedag6gicas escolares, acompanhadas
de seus profissionais de aplicaçao exclusiva. Os
que sabem: fazem, ensinam, vigiam, incentivam,
demonstram, corrigem, punem e premiam. Os que
nao sabem espiam, na vida que ha no cotidiano
o saber que ali existe, vêem fazer e imitam sa~
instru i'dos corn o exemplo, incentivados, trein~dos,
corrigidos, punidos, premiados e, enfim, aos
poucos aceitos entre os que sabem fazer e ensinar,
corn o proprio exercfcio vivo do fazer. Esparra-
madas pelos cantos do cotidiano, todas as situaçoes
entre pessoas, e entre pessoas e a natureza -
situaçoes sempre mediadas pelas regras, slmbolos
e valores da cultura do grupo - têm, em menor
ou maior escala a sua dimensâ"o pedagôgica. Ali,
todos os que convivem aprendem, aprendem,
da sabedoria do grupo social e da força da norma
dos costumes da tribo, o saber que torna todos
e cada um pessoalmente aptos e socialmente
0 que é Educaçiïo
21
reconhecidos e legitimados para a convivência
social, o trabalho, as artes da guerra e os oflcios
do amor.
"Os meninos observam os homens quando fazem
arcos e f!echas; o homem os chama para perto
de si e eles se vêem obrigados a observa-Io. As
mulheres, par outra fado, levam as meninas para
fora de casa, ensinando-as a conhecer as plantas
boas para confeccionar cestos e a argila que serve
para fazer potes. E, em casa, as mulheres tecem
os cestos, costuram os mocassins e curtem a
pele de cabrito diante das meninas, dizendo-!hes,
enquanto estao trabalhando, que observem cuida-
dosamente, para que, quando forem grandes,
ninguém as passa chamar de preguiçosas e igno-
rantes. Ensinam-nas a cozinhar e aconselham-
-nas sobre a busca de bagas e outras frutos, assim
coma sobre a colheita de alimentas." '
Em todos os grupos humanos mais simples,
os diversos tipos de treinamento através das tracas
sociais, que socializam crianças e adolescentes,
incluem, entre outras, estas situaçoes pedagégicas:
e o treinamento direto de habilidades corporais,
par meio da pratica direta dos atos que condu-
zem o corpo ao habita;
• a estimulaçao dirigida, para que o aprendiz
faça e repita, até o acerto, os atos de saber
. '\
22
'
Carlos Rodrigues Brandiio 0 que é Educaçiio
e habilidade que ignora;
• a observaçao livre e dirigida, do educandfJ,
dos procedimentos daque/es que sabem;
• a correçao interpessoal, familiar ou comuni-
taria, das praticas ou das condutas erradas,
por meio do castigo, do rid(cu/o ou da admoes-
taçao ·
• a assistência convocada para cerimônias rituais
e, aos poucos (ou depois de uma iniciaçao),
o direito à participaçao nestas cerimônias
(solenidades re/igiosas, danças, rituais de pas-
sagem);
• a incu/caçao dirigida em situaçoes de quase-ensi-
no, com o uso da pa/avra e turmas de ouvintes,
dos va/ores marais, dos mitas hist6rico-religiosos
da tribo, das regras dos c6digos de conduta.
Assim, tudo o que é importante para a comuni-
dade, e existe corne algum tipo de saber, existe
também corne algum modo de ensinar. Mesme
onde ainda nâ'o criaram a escola, ou nos intervalos
dos lugares onde ela existe, cada tipo de grupo
humano cria e desenvolve situaçoes, recursos
e métodos empregados para ensinar às crianças,
aos adolescentes, e também aos jovens e mesmo
aos adultes, o saber, a crença e os gestes que os
tornarâ'o um dia o modelo de homem ou de mulher
que o imaginario de cada sociedade - ou mesmo
de cada grupo mais especlfico, dentro dela -
idealiza, projeta e procura realizar. De duas tribos
'
vizinhas de pastores do deserto, é posslvel que
se dê franca importância a um artiflcio pedag6gico,
em uma delas, corne o castigo corporal, por exem-
ple, ou a atemorizaçâ'o de crianças, e ele seja
simplesmente rejeitado na outra. Mas em uma e
na outra, corne em todas do mundo, nunca as
pessoas crescem a esmo e aprendem ao acaso.
O que vimos acontecer até aqui, formas vivas
e comunitarias de ensinar-e-aprender, tem si do
chamade corn varies nomes. Ao processo global
que tudo envolve, é comum que se dê o nome
de socializacao. Através dela, ao longe da vida,
cada um d~ n6s passa por etapas sucessivas de
inculcaçao de tipos de categorias gerais, parciais
ou especializadas de saber-e-habilidade. Elas fazem,
em conjunto, o contorno da identidade, da ideo-
logia e do modo de vida de um grupo social.
Elas fazem, também, do ponte de vis.ta de cada
um de n6s, aquilo que aos pouces somos, sabemos,
fazemos e amamos. A socializaçâ'o realiza em sua
esfera as necessidades e projetas da sociedade,
e realiza, em cada um de seus membres, grande
parte daquilo que eles precisam para serem reco-
nhecidos corne "seus" e para existirem dentro dela.
Ora no interior de todos os contextes sociais
coleti:os de formaçao do adulte, o processo
de aquisiçâ'o pessoal de saber-crença-e-habito
de uma cultura, que funciona sobre educandos
corne uma situaçâ'o pedag6gica total, pode ser
chamade (corn algum susto) de endoculturaçao.
23
24 Carlos Rodrigues Brandiïo
Dentro d~ sua c~ltura, em sua sociedade, aprender
d~ _ ma?,e1ra. mais ou menas intencional (alguns
dirao: mais ou menas consciente") através do
envolvimento direto do corpo, da ~ente e da
afetividade, entre as incontaveis situaçôes de
relaçâ'o corn a natureza e de tracas entre os ho-
mens, é parte do processo pessoal de endocul-
turaçâ'o, e é também parte da aventura humana
do "tornar-se pessoa".
Vista em seu vôo mais livre, a educaçâ'o é uma
fraçào da experiência endoculturativa. Ela apa-
~ece s_:mpreque. ha relaçôes entre pessoas e
intençoes de ensmar-e-aprender. lntenç5es, por
exemplo, d~ aos poucos "modelar" a criança,
para conduz1-la a ser o "modela" social de adoles-
cente e, ao adolescente, para toma-Io mais adiante
um jovem e, depois, um adulto. Todos os povos
sempre traduzem de alguma maneira esta !enta
transformaçâ'o que a aquisiçâ'o do saber deve
operar. Ajudar a crescer, orientar a maturaçâ'o,
transformar em, tornar capaz, trabalhar sobre
domar, polir, criar, coma um suJ·eito social a obra'
d
, '
e que o homem natural é a matéria-prima.
Nâ'o é nada raro que tanto na cabeça de um
lndio quanta na de um de nossos educadores
oci~enta.is, a r:nelhor imagem de coma a educaçâ'o
se 1deal1za se1a a do oleiro que toma o barra
e faz o pote. 0 trabalho cuidadoso do artesâ'o
q.ue age c?m tempo e sabedoria sobre a argila
v1va que e o educando. A argila que resiste às
J
0 que é Educaçao
mâ'os do oleiro, mas que se deixa conduzir por
elas a se transformar na obra feita: o adulto edu-
cado. Ouando o educador pensa a educaçâ'o,
ele acredita que, entre homens, ela é o que da
a forma e o polimento. Mas ao fazer isso na pratica,
tanto pode ser a mào do artista que guia e ajuda
o barro a que se transforme, quanta a forma que
iguala e deforma.
E bom separar agora algumas palavras usactas
até aqui e que serâ'o ainda trabalhadas mais adiante.
Tudo o que existe transformado da natureza pelo
trabalho do homem e significado pela sua cons-
ciência é u ma parte de sua cultura: o pote de barra,
as palavras da tribo, a tecnologia da agricultura,
da caça ou da pesca, o estilo dos gestos do corpo
nos atos do amer, o sistema de crenças religiosas,
as est6rias da historia que explica quem aquela
gente é e de onde veio, as técnicas e situaçëes
de transmissâ'o do saber. Tudo o que existe dispo-
nlvel e criado em uma cultura como conhecimento
que se adquire através da experiência pessoal
com o mundo ou com o outra; tudo o que se
aprende de um modo ou de outro faz parte do
processo de endocu/turaçiio, através do quai
u m grupo social aos pouces socia/iza, em sua
cultura, os seus membres, como tipos de sujeitos
sociais.
Ora, a educaçiio é o territ6rio mais motivado
deste mapa. Ela existe quando a mâ'e corrige o
filho para que ele fale direito a 1 lngua do grupo,
25
. -.,
26 Carlos Rodrigu.es Brandiio
ou quando fala à filha sobre as normas soc1a1s
do modo de "ser mulher" ali. Existe também
quando o pai ensina ao filho a polir a ponta da
flecha, ou quando os guerreiros saem corn os
jovens para ensina-los a caçi:ir. A educaçâ'o aparece
sempre que surgem formas sociais de conducâ'o
e controle da aventura de ensinar-e-aprender.
0 ensino formai é o momento em que a educaçâ'o
se sujeita à pedagogia (a teoria da educaçâ'o),
cria situaçoes pr6prias para o seu exerclcio, produz
os seus métodos, estabelece suas regras e tempos,
e constitui executores especializados. E quando
aparecem a escola, o aluno e o professor de quem
começo a falar daqui para frente.
•• ••••
r
ENTÂO, SURGE A ESCOLA
Mesmo em algumas sociedades pnm1t1vas,
quando o trabalho que porduz os bens e quando o
poder que reproduz a ordem sâ'o divididos e
começam a gerar hierarquias sociais, também
o saber comum da tribo se divide, começa a se
distribuir desigualmente e pode passar a servir
ao uso pol ltico de reforçar a diferença, no lugar
de um sa ber anterior, que afirmava a comunidade.
Entâ'o é o começo de quando a sociedade
separa e aos poucos opoe: o que faz, o que se
sabe corn o que se faz e o que se faz corn o que
se sabe. Entâ'o é quando, entre outras categorias
de especialidades sociais, aparecem as de saber
e de ensinar a saber. Este é o começo do momento
em que a educaçâ'o vira o ensino, que inventa
a pedagogia, reduz a aldeia à escola e transforma
"todos" no educador .
' ,
28
r
Carlos Rodrigues Brandiio 0 que e Educaçiïo
0 que é que isto significa? Significa que, para
além das fronteiras do saber comum de tàdas as
pessoas do grupo e transmitido entre todos livre
e pessoalmente, para além do saber dividido
dentra do grupo entre categorias naturais de
pessoas (homens e mulheres, crianças, jovens,
adultos e velhos) e transferido de uns aos outras
segundo suas linhas de sexo ou dè idade, por
exemplo, emergem tipos e graus de saber que
correspondem desigualmente a diferentes cate-
gorias de sujeitos (o rei, o sacerdote, o guerreira,
o professor, o lavrador), de acordo corn a sua
posiçâ'o social no sistema politico de relaçëes
do grupo. Onde todos aprendem para serem
"gente", "adulto", "um dos nossos" e, meio a
meio, alguns aprendem para serem "homem"
e outras para serem "mulher", outras ainda come-
çam a aprender para serem "chefe", "feiticeiro",
"artista", "professor", "escravo". A diferença
que o grupo reconhece neles por vocaçâ'o ou por
origem, a diferença do que espera de cada um deles
coma trabalho social qualificado por um saber,
gera o começo da desigualdade da educaçâ'o de
"homem comum" ou de "iniciado", que cada
um deles diferentemente começa a receber.
Uma divisao social do saber e dos agentes e
usuarios do saber coma essa existe mesmo em
sociedades muito simples. Em seu primeira piano
de separaçâ'o - o mais universal - numa idade
sempre pr6xima à da adolescência, meninos e
r
meninas sao isolados do resta da tribo. Em alguns
casas convivem entre iguais e corn adultos por
perlodos de reclusâ'o e aprendizagem que envolvem
situaçëes de ensino forçado e duras provas de
iniciaçâ'o. Todo o trabalho pedag6gico da forma-
çâo destes jovens é conduzido por categorias de
educadores escolhidos entre todos para este tipo
de offcio, de que os meninos saem jovens-adultos
e guerreiras, por exemplo, e as meninas, moças
prantas para a passe de um homem, uma casa
e alguns filhos.
Nas suas formas mais simples, estas situaçoes
pedag6gicas de ensino especializado que apressa
o adulto que ha no jov~m podem ser muito breves.
Padern envolver pouco mais do que momentos
pravocados de convivência intensificada entre
grupos de adolescentes e grupos de adultos.
Depressa eles sao devolvidos ao grupo social
e, quase sempre, depois de cerimôni~s publicas
de iniciaçâ'o (os ritos de passagem), sâ'o reconhe-
cidos, pela posiçâ'o que o grupo lhes atribui e
pelo saber que lhes reconhece, coma homens
e mulheres aptos e legltimos para a vida do adulto
da tribo.
Outras vezes este perlodo de aprendizagem sepa-
rada é muito mais longo, muito mais diversificado
e, por certo, muito mais pr6ximo dos modelas
de agências e procedimentos de ensino que temos
na cabeça quando pensamos em educaçao. Em
sociedades tribais da Libéria e de Serra Leoa,
29
....
30
/
il
Carlos Rodrigues Brandiio
na Africa, ha tipos de escolas para os menines
(as escolas "Pore") e para as meninas (as escolas
"Sande"). De tribo para tribo os meninos estudam
por perlodos que vao de ano e meio a oito anos.
Estudam, convivem entre si e corn seus mestres
e treinam. Divididos de acordo corn seus grupo~
de idade (como etn nossas "séries"), eles aprendem
as crenças, as tradiçêies e os costumes culturais
da tribo, além do sa ber dos of Ici os de guerra e
paz. A escola Pore leva em conta diferenças indivi-
duais e, corn o trabalho docente de diferentes
professores-especialistas, forma novos especialistas.
Se um menino demonstra talentos para o trabalho
do fabrico de tecidos, de coure, para o exerclcio
da dança, ou para os off cios da medicina tribal
ele acrescenta estes treinos e estudos ao corp~
comum do programa por que passa corn todos
os outres companheiros de idade.
Entre grupos de pescadores da Nova Zelândia
e do Arquipélago da Sociedade, existem "casas
de ensino", verdadeiras universidades em escala
indlgena, onde toda a sabedoria da cultura é
ensinada aos jovens de ambos os sexos por prefes-
sores-sacerdotes. Durante a metade do ano estas
"casas" permanecem abertas e, por todo o dia,
oferecem cursos corn alguma teoriae muita pra-
tica sobre pelo menas os seguintes assuntos:
genealogia, tradiçoes e historia, princlpios de
crença e cultos religiosos, magia, artes da nave-
gaçao, agricultura, dança, literatura. O pregrama
U que ê Educaçiïo
de ensino divide a "Mandlbula Superior", onde
os jovens aprendem corn os sacerdotes os segredos
do sagrado, da "Mandlbula lnferior", relacionada
corn os assuntos terrenos.
Em um segundo piano, mais restrito e mais
marcadamente polltico, diferentes categorias de
menines e meninas recebem o saber especializado
que ha em uma "educaçao de minorias privile-
giadas", destinadas por herança aos cargos de
chefia. Assim acontece, por exemple, entre quase
todos os grupos originais do Havai, onde os nobres
e ·outres jovens selecionados de antemao ·para
postas futures de poder sobre os outres passavam
por verdadeiros cursos superiores de estudos
que lhes tomavam quase todo o tempo da adoles-
cência e da juventude. A tribo que mais adiante
submetera a eles a chefia comunitaria - o trabalho
social de dirigir - atribuira a eles como um direito,
e exigira deles como um dever, o sal:ier especia-
lizado do chefe. E o proprio tempo prelongado
de estudo, treino e teste, muito mais do que o
de todos os outros meninos, vale coma um ates-
tado social de diferenças entre o chefe e os outres,
dado pela educaçâ'o.
Mesmo os grupos que, como os nossos, dividem
e hierarquizam tipos de saber, de alunos e de usos
do saber, nao podem abandonar por inteiro as
formas livres, familiares e/ou comunitarias de
educaçao. Em todos os cantos do mundo, primeire
a educaçfio existe como um inventario amplo
31
' 'I
32 Carlos Rodrigues Brandâo
de relaçoes interpessoais diretas no âmbito fami-
liar: mae-filha, pai-filho, sobrinho-irmâ'o-da-mae,
irmâ'o-mais-velho-irmâ'o-caçula e assim por diante.
Esta é a rede de trocas de saber mais universal
e mais persistente na sociedade humana. Depois,
a educaçâ'o pode existir entre educadores-edu-
candos nâ'o parentes - mas habitantes de uma
mesma aldeia, de uma mesma cidade, gente de
uma mesma linguagem - semi-especializados
ou especialistas do saber de algum oflcio mais
ample ou mais restrito: artesâ'o-aprendiz, sacer-
dote-iniciado, cavaleire-escudeire, e tantes outres.
Até aqui o espaça educacional nâ'o é escolar.
Ele é o lugar Ja vida e do trabalho: a casa, o
templo, a oficina, o barco, o mato, o quintal.
Espaça que apenas reune pessoas e tipos de ativi-
dade e onde viver o fazer faz o saber.
Em todo o tipo de comunidade humana onde
ainda nâ'o ha uma rigorosa divisâ'o social do tra-
balho entre classes desiguais, e onde o exerclcio
social do poder ainda nao foi centralizado por
uma classe como um Estado, existe a educaçâ'o
sem haver a escola e existe a aprendizagem sem
haver o ensino especializado e formai, corne um
tipo de pratica social separada das outras. E
da vida.
Mesme nas grandes sociedades civilizadas do
passade - corne na Grécia e em Roma, corn que
vamos nos encontrar um pouce mais adiante -
um sistema pedag6gico controlado por um poder
0 que é Educaçâo
externe a ele, atribui'do de fora para dentre a uma
hierarquia de especialistas do ensino, e destinado
a reproduzir a desigualdade através da oferta
desigual do saber, é uma conquista tardia na
historia da cultura.
Em nome de quem os constitui educadores
estes especialistas do ensino aos pol.Jcos toma~
a seu cargo a tarefa de assumir, controlar e recodi-
ficar domi'nios, sistemas, modes e usos do saber
e das situaçoes coletivas de distribuiçâ'o do saber.
Onde quer que apareça e em nome de quem venha,
todo o corpo profissional de especialistas do
ensino tende a dividir e a legitimar divisoes do
conhecimento comunitario, reservando para o seu
proprio domlnio tanto alguns tipos e graus do
saber da cultura, quanto algumas formas e recursos
proprios de sua difusâ'o.
Assim, aos pouces acontece corn a, educaçâ'o
o que acontece corn todas as outras praticas
sociais (a medicina, a religiâ'o, o bem-estar, o
lazer) sobre as quais um dia surge um interesse
pol ltico de contrele. Também no seu interior
sistemas antes comunitarios de trocas de bens
1
de serviços e de significados sâ'o em parte contre:
lados por contrarias de especialistas, mediadores
entre o poder e o saber.
Os estudos mais recentes da Historia têm indi-
cado que a palavra escrita parece ter surgido em
sociedades-estado enriquecidas e corn um poder
muito centralizado, corne entre os eglpcios ou
33
34
r
Carlos Rodrigues Hrandiio 0 que é Educaçiio
entre os astecas. Ela teria aparecido primeiro
sendo usada pelos escribas, para fazer a contabi-
lidade dos bens dos reis e faraos. So mais tarde
é que foi usada também pelos poetas para cantarem
as coisas da aldeia e de sua gente. Assim também
a educaÇâ'o. Por toda a parte onde ela deixa de
ser totalmente livre e comunitaria (nâ'o escrita)
e é presa na escola, entre as mâ'os de educadores
a serviço de senhores, ela tende a inverter as
uti 1 izaçoes dos seus frutos: o sa ber e a repartiçâ'o
do saber. A educaçâ'o da comunidade de iguais
que reproduzia em um momento anterior a igual-
dade, ou a complementariedade social, por sobre
diferenças naturais, começa a reproduzir desigual-
dades socia is por sobre igualdades naturais, começa
desde quando aos poucos usa a escola, os sistemas
' r
pedagogicos e as "leis do ensino" para servir ao 1
poder de uns poucos sobre o trabalho e a vida 1
de muitos. Onde um tipo de educaçâ'o pode tomar
homens e mulheres, crianças e velhos, para torna-
-los todos sujeitos livres que por igual repartem
uma mesma vida comunitaria; um outra tipo
de educaçâ'o pode tomar os mesmos homens,
das mesmas idades, para ensinar uns a serem
senhores e outras, escravos, ensinando-os a pensa-
rem, dentra das mesmas idéias e corn as mesmas
palavras, uns como senhores e outras, como
escravos.
Nas sociedades primitivas que nos acompa-
nharam até aqui, a educacâ"o escolar que ajuda
( '
a separar o nobre do plebeu parece ser um ponto
terminal na escala de invençâ'o dos recursos huma-
nos de transferência do saber de uma geraçâ'o a
outra. Também nas sociedades ocidentais con:io a
nossa - sociedades complexas, sociedades de clas-
ses, sociedades capital istas - a educaçâ'o escolar é
uma invençâ'o recente na historia de cada uma. Da
maneira como existe entre nos, a educaçâ'o surge
na Grécia e vai para Roma, ao longe de muitos
séculos da historia de espartanos, atenienses
e romanos. Deles deriva todo o nosso sistema
de ensino e, sobre a educaçâ'o que havia em Atenas,
até mesmo as sociedades capitalistas mais tecnolo-
gicamente avançadas têm feito poucas inovaçoes.
Talvez estejam, portante, entre os seus inven-
tas e escolas, algumas das respostas às nossas
perguntas.
•• ·- ..
35
PEDAGOGOS, MESTRES-ESCOLA
E SOFISTAS
Todas as grandes sociedades ocidentais que,
coma Atenas e Roma, emergiram de seus bandas
errantes, de suas primeiras tribos de clâ's de pasto-
res ou camponeses, aprenderam a lidar corn a
educaçâ'o do mesmo modo coma qualquer outra
grupo humano, em qualquer outra tempo. Tal
coma entre os f ndios das Seis Naçôes, os primei-
ros assuntos e problemas da educaçâ'o grega foram
os dos oflcios simples dos tempos de paz e de
guerra. 0 que se ensina e aprende entre os primei-
ros pastores, mesmo quando eles começaram
rusticamente a enobrecer, envolve o saber da
agricultura e do pastoreio, do artesanato de subsis-
tência cotidiana e da arte. Tudo isso misturado,
sem muitos mistérios, corn os princlpios de honra,
de solidariedade e, mais do que tudo, de fideli-
dade à polis, a cidade grega onde começa e acaba
0 que é Educaçâo
' I'
••
;
i
a vida do cidadâ'o livre e educado. Esta educaçâ'o
grega é, portanto, dupla, e carrega dentro dela
a oposiçâ'o que até hoje a nossa educaçâ'o nâ'o
resolveu. Ali estâ'o normas de trabalho que, quando
reproduzidas coma um saber que se ensina para
que se faça, os gregos acabaram chamando de
tecne eque, nas suas formas mais rusticas e menas
enobrecidas, ficam relegadas aos trabalhadores
manuais, livres ou escravos. Ali estâ'o norméls
de vida que, quando reproduzidas coma um
saber que se ensina para que se viva e seja um
tipo de homem livre e, se posslvel, nobre, os
gregos acabaram chamando de teoria. Este saber
· que busca no homem livre o seu mais pleno desen-
volvimento e uma plena participaçâ'o na vida da
polis é o proprio ideal da cultura grega e é o
que ali se tinha em mente quando se pensava
na educacâ'o.
De tudo o que pode ser feito e transformado,
nada é para o grego uma obra de arte tao perfeita
quanta o homem educado. A primeira educaçâ'o
que houve em Atenas e Esparta foi praticada
entre todos, nos exerclcios coletivos da vida,
em todos os cantos onde as pessoas conviviam
na comunidade. Ouando a riqueza da polis grega
criou na sociedade estruturas de oposiçâ'o entre
livres e escravos, entre nobres e plebeus, aos
meninos nobres da elite guerreira e, mais tarde,
da elite togada é que a educaçâ'o foi dirigida.
Por alguns séculos, mesmo para eles, ainda nâ'o
37
38 Carlos Rodrigues Brandiio . 0 que é Educaçiio
havia a escola.
Das relaçoes familiares diretas até a convivência
entre jovens, segundo os seus grupos de idade,
ou entre ·grupos de menines educandos e um
velho educador, entre os gregos sempre se conser-
vou a idéia de que todo o saber que se transfere
pela educaçâ'o circula através de trocas interpes-
soais, de relaçoes Hsica e simbolicamente afetivas
entre as pessoas. Assim, a pederastia acaba sendo
considerada em Esparta como a forma mais pura
e mais completa de educaçâ'o entre homens livres
e iguais. Em toda a Grécia a formaçâ'o do nobre
guerreiro apenas desenrola ao longo dos anos
uma seqüência de trocas entre um mestre e seus
discîpulos.
Aquilo que a cultura grega chama corn pleno
efeito de educaçâ"o - paideia - dando à palavra
o sentido de formaçâ'o harmônica do homem
para a vida da polis, através do desenvolvimento
de todo o corpo e toda a consciência, começa
de fato fora de casa, depois dos sete anas. Até
la a criança convive corn a sua criaçao, convi-
vendo corn a mâ'e e escravos domésticos.
Para além ainda do que entre os sete e os catorze
anas aprende corn o mestre-escola, a verdadeira
educaçâ'o do jovem aristocrata é o fruto do lento
trabalho de um ou de poucos mestres que acom-
panham o educando par muitos anas.
Em Atenas, par volta do VI século A.C., a edu-
caçâ'o deixa de ser uma prâtica coletiva, de estilo
militar, desti~ada apenas à formaçâ'o do cidadâ'o
nobre. Até entâ'o, mesmo no apogeu da demo-
cracia grega, a propriedade é restritamente
comunal; pertence aos cidadâ'os ativos do Estado.
0 poder pertence aos estratos mais nobres destes
cidadâ'os ativos, e a vida e o trabalho colocam
de um lado os homens livres, senhores e, de outro,
os escravos ou outras tipos de trabalhadores
manuais expulsas do direito do saber que existe
na paideia.
Durante muitos séculos os "pobres" da Grécia
aprenderam desde criança fora das escolas: nas
oficinas e nos campos de lavoura e pastoreio.
Os meninos "ricos" inicialmente aprenderam
também fora da escola, em acampamentos ou
ao redor de velhos mestres. Além das agências
estatais de educaçâ'o, coma a Efebia de Esparta,
que educava o jovem nobre-guerreiro, toda a
educaçao fora do lar e da oficina é u'ma empresa
particular, mesmo quando nâ'o é paga. Particular
e restrita a muito pouca gente.
Apenas quando a democratizaçâ'o da cultura
e da participaçâ'o na vida publica colocam a neces-
sidade da democratizaçâ'o do saber, é que surge
a escola aberta a qualquer menino livre da cidade-
-estado. A escola primâria surge em Atenas par
volta do ano 600 A.C. Antes dela havia locais
de ensino de metecos e rapsodistas que aos inte-
ressados ensinavam "a fixar em s(mbolos os neg6-
cios e os cantos". S6 depois da invençâ'o da escola
39
40 Carlos Rodrigues Brandiio
de primeiras letras é que o seu estudo é pouco
a pouco incorporado à educaçâ'o dos meninos
nobres. Assim, surgem em Atenas escolas de
bairro, nâ'o raro "lojas de ensinar", abertas entre
as outras no mercado. Ali um humilde mestre-
-escola, "reduzido pela miséria a ensinar", leciona
as primeiras letras e contas. 0 menino escravo,
que aprende corn o trabalho a que o obrigam,
nâ'o chega sequer a esta escola. 0 menino livre
e plebeu em geral para nela. 0 menino livre e
nobre passa por ela depressa em direçâ'o aos lugares
e aos graus onde a educaçâ'o grega forma de fato
o seu modela de "adulto educado". Citaçâ'o
de Solon, legislador grego:
"As crianças devem, antes de tudo, aprender a
nadar e a Ier; em seguida, os pobres devem exer-
citar-se na agricultura ou em uma industria qual-
quer, ao passa que os ricos devem se preocupar
com a musica e a equitaçao, e entregar-se à fi/o-
sofia, à caça e à freqüência aos ginasios."
Esta concepçâ'o Xenofonte, historiador, poeta,
fil6sofo e militar grego, criticaria quase dois
séculos depois:
"S6 os que podem criar os seus filhos para nao
fazerem nada é que os enviam à escola; os que nao
podem, nao enviam.,,
0 que é Educaçiio 41
Pequenas imagens gregas de terracota retratam o escravo
pedagogo conduzindo para a escola a criança.
42
Carlos Rodrigues Brandâo
A educaçâ'o do jovem livre vai em direcâ'o à
teoria, que é o saber do nobre para compre~nder
e comandar, nâ'o para fazer, curar ou construir.
~ur~nte toda a antigüidade a (mica disciplina
tecn1ca (entendida como a de uma formacâ'o
que. ~ponta para um oflcio determinado) é a
me?1cma., ~ao ha outras escolas . coletivas de
ens1no ~ecn1co para o preparo de arquitetos,
engenhe1ros. ou agrimensores, por exemple. Tai
como. fer~e1ros ou tecelêies, eles aprendem de
mane1ra simples e direta, na oficina e no tra-
bai~?, através do convlvio corn algum velho
art1f1ce.
Diferenças de saber de classe dos educandos
produziram diferenças curiosas entre os tipos
de educadores da Grécia antiga. De um lado
desprez lveis mestres-escola e artesâ'os-professores '.
de outro, escravos pedagogos e educadores nobres'
ou de nobres. De um lado, a pratica de instrui;
P.ara o trabalho; de outra, a de educar para a
vida e o poder que determina a vida social.
De todos estes adultos transmissores de saber
va!e a pena falar do pedagogo. Pequenas estatuetas
de terracota guardam a mem6ria dele. Artistas
gregos representaram esses velhos escravos _
q~ase sempre cativos estrangeiros - conduzindo
cnanças a caminho da escola de primeiras letras.
E ~or que eles e nâ'o os mestres que nas escolas
ensinavam? Porque os escravos pedagogos -
condutores de - eram afinal seus educa-
0 que é Educaçiio
dores muito mais do que os mestres-escola. Eles
convi~iam corn a criança e o adolescente e, mais
do que os pais, faziam a educaçâo dos preceitos
e das crenças da cultura da polis. 0 pedagogo
era o educador por cujas mâ'os a criança grega
atravessava os anos a caminho da escola, por
caminhos da vida.
Nos primeiros tempos, mais do que fil6s?fos
ou matematicos, os gregos foram guerreiros,
musicos e ginastas. Assim, mais do que jurf dica
ou cientffica, a educaçâ'o do cidadâ'o livre era
ética e artlstica (no pleno sentido que estas duas
palavras possufam na paideia grega), dentro de
uma cultura pouco acostumada a separar a verdade
da beleza. Mais tarde, sob a influência de S6crates
e Epicure (um sujeito feio e outra doentio) é que
a educaçâ'o começa a ser pensada como formadora
do esplrito. Por muitos e muitos séculos ela aponta
para a harmonia que existe na bele!Za dC? corpo
( e a destreza para a luta) ao lado da clareza da
mente (e a fidelidade à polis dos cidadâ'os livres).
Mesmo no n(vel da cultura letrada dos nobres,
a civilizaçâo classica nao conservou sempre ~m
unico modela ou estilo de saber, logo, de educaçao.
Ela oscilou entre duas formas de algum modo
antagônicas: a filos6fica, cujo ~i~o do~ina~te
pode ser Platâ'o, e a orat6ria (retorica), CUJO t1po
dominantepode ser ls6crates.
Depois de constitu 1 das as classes de ho mens
livres que regem a democracia dos gregos sobre
43
44
/
Carlos Rodrigues Brandâo 0 que é Educaçâo
45
a divisa? do trabalho e a instituiçâ'o do regime
escravag1sta, para os seus adolescentes a educacâ'o
coletiva nâ'o é uma atividade voluntaria ou ~m
direi~o de berça. É um dever imposte pela polis
ao livre. Porque o seu exerclcio modela nâ'o um
homem abstrato, sonho de poetas, mas o cidadâ'o
madur~ . para ? serviço à comunid9de, projeta
do pol1t1co. A 'obra de arte" da paideia é a pessoa
plenamente madura - coma cidadâ'o, coma militar
coma pol îtico - posta a servico dos interesse~
da cidade-comunidade. Assim, o ideal da educacâ'o
é reproduzir uma ordem social idealmente co~ce
bida como perfeita e necessaria, através da trans-
missâ'o, de geraçâ'o a geraçâ'o, das crencas valores
e habilidades que tornavam um home~ tao mais
perfeito quanta mais preparado para viver a cidade
a que servia. E nada poderia haver de mais precio-
so, a um homem livre e educado, do que o proprio
saber e a identidade de sabio que ele atribui ao
homem.
Depois de haver conquistado a cidade onde
vivia o fil6sofo Estilpâ'o, Demétrio Poliorceto
pretendeu indeniza-lo pelos preju lzos materiais
que sofrera por causa da pilhagem. Ouando pediu
que fizesse o inventârio do que lhe pertencera
e fora destru fdo, Estilpao respondeu que nada
havia perdido do que era seu, porque nao lhe
haviam roubado a sua cul tu ra - 1rnlo ew - dado
que ainda conservava a eloqüência e o saber.
0 formador de jovens, o educador, o fil6sofo-
-mestre como S6crates, Platâ'o e Arist6teles,
reunem à sua volta os seus alunas, em suas escolas
superiores. A escola filos6fico-iniciatica de
Pitagoras, que interna educandos, cria regras
pr6prias de conduta e lhes absorve boa par~e
do tempo da juventude, antecede a Academ1a
de Platâ'o, o Uceu de Arist6teles e a Escala de
Epicuro. Mas sâ'o os fil6sofos sofistas os ql:'e
democratizam o ensino superior, tornando-o
remunerado e, portanto, aberto a todos os que
podem pagar. Ap6s a longa crise de tirania por
volta do VI século A.C., a vida social de Atenas
possibilita a participaçâ'o de todos os cidadâ'os
livres e isto recoloca a questâ'o do preparo do
hom~m para o exerclcio da cidadania, a questâ'o
de aprender para legislar e para estar de algu.,:n
modo presente nas assembléias de representaç~o
pol ltica. Os sofistas transformam a educaçao
superior em um tempo de formaçâ'o do orador,
onde a qualidade da ret6rica tem mais valor do que
a busca desinteressada da verdade, exercîcio
dos nobres dos perlodos anteriores.
Aos poucos até Arist6teles e Alexandre Magno,
muito depressa durante a Civilizaçâ'o Helenlstica,
a educaçâ'o classica passa por algumas mudanças:
1) ela vai do cultiva aristocratico do corpo e
da mente, corn vistas à formaçâ"o do nobre guer-
reiro e dirigente, à habilitaçâ'o do cidadâ"o livre,
comum, para a carreira polftica; 2) ela vai de um
domînio do "saber desinteressado", de fundo
46 Carlos Rodrigues Brandiio
artfstico-musical, para o literario, daî para o
ret6rico, o livresco e o escolar (de aprender a
sabedoria para aprender a informaçfio); 3) ela
vai das agências de reproduçâ'o restrita do saber
de nobres, entre nobres, para o sa ber dispon îvel,
à venda em escolas pagas que educam da criança
ao adulto.
Corn o tempo a educaçâ'o classica deixa de ser
um assunto privado, passe e questâ'o da comuni-
dade dos nobres dirigentes, e passa a ser questâ'o
de Estado, publica. Arist6teles exige do 1 mperador
leis que regulem direitos e controlem o exerclcio
da educaçâ'o. Atras das tropas de conquista de
Alexandre Magno, os gregos levam as suas escolas
por todo o mundo. Elas sâ'o, mais do que tudo,
o rneio de impedir que a distância da Patria de
origem ameace perder-se a cultura do vencedor
entre os costumes e o sa ber dos vencidos.
Corno seria possîvel fazer uma sîntese dos
princîpios que orientaram toda a educaçâ'o classica
criada pelas gregos? Ela foi sempre entendida
coma um longo processo pela quai a cultura
da cidade é incorporada à pessoa do cidadâ'o.
Uma trajet6ria de amadurecimento e formaçâ'o
(coma a obra de arte que aos poucos se modela),
cujo produto final é o adulto educado, um sujeito
perfeito segundo um modela idealizado de homem
livre e sabio. mas ainda sempre aperfeiçoavel.
Assim, a educaçâ'o grega nâ'o é dirigida à criança
no sentido cada vez mais dada a ela hoje em
0 que é Educaçiio
dia. De algum modo, é uma educacâ'o contra a
criança, que nâ'o leva em conta o q~e ela é, mas
olha para o modela do que pode ser, e que anseia
torna-la depressa o jovem perfeito (o guerreiro,
o atleta, o artista de seu proprio corpo-e-mente)
e o adulto educado (o cidadâ'o pol ltico a serviço
da polis).
Esta educaçâ'o humanista de uma sociedade
que deixa ao escravo e ao artesâ'o livre o trabalho
de fazer, desdenha a técnica e olha para "o homem
todo", formado de aprender a teoria e praticar
o gesto que constroem o saber e o habita do
homem livre. Em seu pleno sentido, é uma edu-
caçâ'o ética cujo saber conduz o sabio a viver,
corn a sua pr6pria vida, o modela de um modo
de ser idealizado, tradicional, que é missâ'o da
paideia conservar e transmitir.
Finalmente, os gregos ensinam o que hoje esque-
cemos. A educaçâ'o do homem existe por toda
parte e, rnuito mais do que a escola, é o resultado
da açâ'o de todo o meio sociocultural sobre os
seus participantes. É o exercîcio de viver e convi-
ver o que educa. E a escola de qualquer tipo
é apenas um lugar e um momento provisérios
onde isto pode acontecer. Portanto, é a comu-
nidade quem responde pela trabalho de fazer
corn que tudo o que pode ser vivido-e-aprendido
da cultura seja ensinado corn a vida - e também
corn a aula - ao educando.
• .,-
47
r
A EDUCAÇÂO QUE ROMA FEZ,
E 0 QUE ELA ENSINA
Os primeiros latinos foram camponeses aos
poucos enriquecidos e, alguns, tornados nobres
na Penînsula ltalica. Ali aconteceu coma em
tantas outras partes do mundo. Classes sociais
que corn o tempo chegaram a ser "privilegiadas"
e separaram a direçiio do traba/ho do proprio
exerc!cio do trabalho, separando corn isso as
forças produtivas mentais das flsicas, desem-
penharam antes funç5es ûteis. Primeiro, entre
os romanos, o trabalho é entre todos e o saber
é de todos. Os primeiros reis de Roma punham
corn os sûditos as mâ'os no arado e lavravam
a terra.
Corno entre os lndios, coma nos tempos de
origem dos povos gregos, a educaçâ'o dos campo-
neses latinos é comunitaria e existe difusa em
todo o meio social. Muito mais do que na Grécia,
t
0 que é Educaçâo
a educaçâ'o da criança é uma tarefa doméstica.
Na aurora da historia do poder de Roma, ela foi
uma !enta iniciaçâ'o da criança e do adolescente
nas tradiçoes consagradas da cultura, e servia à
consagraçâ'o da tradicionalidade quase venerada
de um modo camponês de vida, simples e austero.
A criança começava a aprender em casa, corn
os mais velhos, e quase tudo o que aprendia era
para saber e preservar os valores do mundo dos
"mais velhos", dos seus antepassados.
Essa educaçâ'o doméstica busca a formaçâ'o
da consciência moral. 0 adulto educado que ela
quer criar é o homem capaz de renûncia de si
proprio, de devotamento de sua pessoa à comu-
n idade. Sâ'o as virtudes do campesinato de todos
os tempos e lugares, o que dirige a primitiva
educaçâ'o de Roma, que exalta em verso e prosa
a austeridade, a vida simples, o amor ao trabalho
coma supremo bem do homem, e '0 horror ao
luxo e à ociosidade. Ao contrario do que aconteceu
cedo em Atenas, em Roma nâ'o ha de in lcio
qualquer tipo de cuidado corn a pura formaçâ'o
flsica e intelectual do cidadâ'o ocioso, ocupado
corn pensar, governar e guerrear. A educaçâ'o
de uma comunidade dedicada ao trabalho corn
a terra foi durante séculos uma formaçâ'o do
homem para o trabalho e a vida, para a cidadania
da comunidade igualada pelo trabalho.
Ouandoo mundo romano de camponeses enri-
quece corn os excedentes da terra e das pilhagens
49
50 Carlos Rodrigues Brandfio
de outros povos, quando op5e classes sociais
e inventa o Estado, ele ainda defende a criança
de ser entregue cedo a alguma forma de educaçâ'o
estatal, militarizada, fora do lar. Entre os romanos
os primeiros educadores de pobres e nobres sâ'o
0 pai e a mae. Mesmo os mais ricos, senhores
de escravos, nao entregam· a um servo-pedagogo
ou a uma governanta o cuidado dos filhos. Ouando
o menino completa, aos 7 anos, o aprendizado
cheio de afeiçà'o que recebe da mà'e, ele passa
para o pai, que nà'o divide sequer corn o mestre-
-escola o direito de educa-lo, ou seja, de formar
a sua consciência segundo os preceitos das crenças
e valores da classe e da sociedade.
Em Roma, portanto, ao contrario do que vimos
acontecer em Atenas e principalmente em Esparta,
a famllia prolonga o poder de socializar o cidadao
e, através dela, a sociedade civil estende o alcance
do seu modela em toda uma primeira educaçà'o
da crianca. A partir de Homero, no alvorecer
da hist6~ia grega, o ideal da paideia é o her6i
da polis. Na educaçâ'o romana o modela ideal
é o ancestral da famîlia, depois o da comunidade.
Quando uma nobreza romana enriquecida
corn a agricultura e o saque abandona o trabalho
da terra peio da pol ltica, e cria as reg ras do 1 mpério
de que se serve, aquele primitivo saber comu-
nitârio divide-se e força a separaçao de tipos,
nlveis e agências de educaçâ'o. Quando hâ livres
e escravos, senhores e servos, começa a haver
0 que é Educaçfio
um modela de educaçâ'o para cada um, e limites
entre um modela e outra.
Aos poucos a educaçâ'o deixa de ser o ensino
que forma o pastor, o artifice ou o lavrador e
nas suas formas mais elaboradas, prepara o futur~
guerreiro, o funcionario imperial e os dirigentes
do 1 mpério. 0 sistema comunitârio de base peda-
g6gica familiar compete corn outras. Aos poucos
aparece a oposicà'o entre o ensino de educar
dos pais, dos ~estres-pedagogos que convive~
corn os educandos e os acompanham, prolon-
gando corn eles o saber que forma a consciência
e que é a sabedoria; e o ensino de instruir, do
mestre-escola que monta no mercado a /oja de
ensino e vende o saber de ler-e-contar coma uma
mercadoria.
0 ensino elementar das primeiras letras apareceu
em Roma antes do IV século A.C. Um tipo de
ensino que podemos identificar corn' o secundario
surgiu na metade do século 111 A.C. e o ensino
que hoje em dia chamar(amos de superior, univer-
sitario, apareceu pelo século 1 A.C. Mas, durante
quase toda a sua historia, o Estado Romano
nâ'o toma a seu cargo a tarefa de educar, que ficou
deixada à iniciativa particular, mas ja nao mais
comunitaria, coma ao tempo em que os reis
aravam a terra. S6 depois do advento do Cristia-
nismo, por volta do século IV D.C., é que surge
e se espalha par todo o 1 mpério a schola pubfica,
mantida pelas cafres dos munic(pios.
51
52 Carlos Rodrigues Brandiio
Nos tempos do domlnio de Augusto e de Tibé-
rio, a criança, educada em casa pelos pais, aprendia
depois dos 7 anos as primeiras letras na escola
(loja de ensino) do /udimagister. Aos 12 anos ela
esta va pronta para freqüentar a escola do gramma-
ticus e, a partir dos 16, a do lector. Na sua forma
mais simples esta é a estrutura de educaçâ'o que
herdamos e conservamos até hoje.
Do lado de fora das portas do lar, a (!ducaçâ'o
latina enfim separa em duas vertentes o que se
pode aprender. Uma é a da of ici na de trabalho,
para onde vâ'o os f ilhos dos escravos, dos servos
e dos trabalhadores artesâ'os. Outra é a e$co!a
livresca, para onde vâ'o o futuro senhor (o diri-
gente livre do trabalho e do Estado) e o seu media-
dor, o funcionario burocrata do Estado ou de
neg6cios particu lares.
Esta educaçao de escola, que os romanos criam
em Roma copiando a forma e alguma coisa do
espîrito dos gregos, espalham primeiro pela Penin-
sula ltalica e depois por todo o mundo que con-
quistam na Europa, na Asia e no Norte da Africa.
Do mesmo modo coma o sacerdote, o educador
caminha atras dos passas do general. A educaçâ'o
do conquistador invade, corn armas mais pode-
rosas do que a espada, a vida e a cultura dos
conquistados. A educaçâ'o que serve, longe da
Patria, aos filhos dos soldados e funcionarios
romanos sediados entre os povos vencidos; serve
também para impor sobre eles a vontade e a
0 que é Educaçiio
visâ'o de mundo do dominador.
Plutarco descreveu como Roma usou a educaçâ'o
para "domar" os espanh6is dominados:
"As armas nao tinham conseguido submetê-los
a nao ser parcialmente; foi a educaçfio que os
domou."
L._ ... ·- ·-
53
EDUCAÇÂO: ISTO E AQUILO,
E 0 CONTRÂRIO DE TUDO
Ora, uma outra mane+ra de se compreender
o que a educaçao é, ou poderia ser, é procurar
ver o que dizem sobre ela pessoas coma legisla-
dores, pedagogos, professores, estudantes e outros
sujeitos um tanto mais tradicionalmente diflceis
de entender, como fil6sofos e cientistas sociais.
Nos dois dicionarios brasileiros mais conhecidos
a educaçâ'o aparece definida assim:
"Açiio e efeito de educar, de desenvolver as facul-
dades f{sicas, intelectuais e marais da criança e,
em geral, do ser humano; disciplinamento, instru-
çfio, ensino." (Dicionario Contemporâneo da
L(ngua Portuguesa, Caldas Aulete)
"Açfio exercida pelas geraçoes adultas sobre as
geraçoes /avens para adapta-las à vida social;
traba!ho sistematizado, sefetivo, orientador, pela
0 que é Educaçâo
/
quai nos ajustamos à vida, de acordo corn as
necessidades ideais e prop6sitos dominantes·
ato ou efeito de educar; aperfeiçoamento integraf
de todas as facu/dades humanas, po/idez, cortesia."
(Pequeno Dicionario Brasileiro de L/ngua Portu-
guesa, Aurélia Buarque de Hollanda)
Um pouco mais adiante vamos ver que o miolo
de cada uma destas definiçoes de dicionario pende
para um dos lados em que se recortam as maneîras
de explicar o que a educaçâ'o é e a que serve.
Na "letra da Lei" a coisa nao muda muito.
Ao pretenderem estabelecer quais os fins da
educaçiio no pals, os nossos legisladores, pelo
menas em teoria, garantem para todos o melhor
a seu respeito. Eles falam sobre o que deve deter-
minar e controlar o trabalho pedag6gico em
todos os seus graus e modalidades. De certo modo
falam a respeito de uma educacao
1
idealizada
ou falam da educaçao através de, uma ideologî~
(ver 0 que é ldeologia, nesta mesma colecâ'o):
"Art. 10. - A d ~ · ! r-1 e ucaçao nactana , inspirada nos
prindpios de liberdade e nos ideais de solidarie-
dade humana, tem por fim:
a) a compreensao dos direitos e deveres da
pessoa humana, do cidadiio do Estado
da fam//ia e dos demais gru~os que corn:
poem a comunidade;
55
56 Carlos Rodrigues Brandiio
b) o respeito à dignidade e às liberdades funda-
mentais do homem;
c) o fortalecimento da unidade nacional e da
solidariedade internacional;
d) o desenvo/vimento integra/ da personalidade
humana e a sua participaçâ'o na obra do
bem comum;
e) o preparo do indiv(c/uo e da socïedade para
o dom/nia dos recursos cient/ficos e tecno-
16gicos que lhes permitam utilizar as possibi-
lidades e vencer as dificuldades do meio;
f) a preservaçao do patrimônio cultural;
g) a condenaçao a qua/quer tratamento desigual
par motiva de convicçâ'o filos6fica, polt'tica
ou religiosa, bem coma a quaisquer precon-
ceitos de classe ou raça." (Lei 4024, de 20
de dezembro de 1961)
Mas, do outra lado do palco, intelectuais, educa-
dores e estudantes fazem e refazem todos os dias
a cr(tica da pratica da educaçâ'o no Brasil. Eles
levantam questoes e afirmam que, do Ministério
à escolinha, a educaçao nega no cotidiano o que
afirma na Lei. Nâ'o ha liberdade no pals e a edu-
caçao nao tem tido pape! algum nos ûltimos
anos para a sua conquista; nâ'o ha igualdade entre
os brasileiros e a educaçâ'o consolida a estrutura
classista que pesa sobre n6s; nao ha nela nem
a consciência nem o fortalecimento dos nossosverdadeiros valores culturais.
0 que é Educaçiio
Um grupo de estudantes candidatos à direçao
da UNE resume parte desta crltica e reclama
para a luta estudantil itens que, co.m alguma
variaçao de linguagem, quase poderiam caber
nas "leis do ensino".
"Os homens discriminados coma negros, velhos,
criancas, homossexuais, mulheres. . . descobre.m
que, · nestes anas todos de dominaçâ'o, a força
imensa que mexeu e transformou a face do planeta
nasce de cada oprimido, de cada explorado~ de
cada homem de cada mulher. Descobrem a ongem
e o fim de 'toda a atividade humana: o proprio
homem.
"Coraçoes e mentes se abrem para uma nova
vida. lrrompe uma nova consciência.
"A percepçao ampla e profunda das aç_oes .a r~ia
coes entre os homens é inerente e mseparavel
de qualquer trabalho de produçâ'o~ veiculaçâ'o
ou discuss!io cultural.
"E buscar todos os meios para que todo esse
trabalho floresca, para que toda essa força con-
tida venha à t~na, é funçâ'o nossa, das entidades
estudantis.
"Criar condiçêfes para que, através da mantfes-
taçao de todos, possamos perceber os anseios,
as contradiçoes de cada um, do homem e de toda
a sociedade.
"Ampliar as idéias sobre o trabalho cultural.
Abranger o homem, as suas relaçoes, as discri-
57
58 Carlos Rodrigues Brandiio
minaçoes raciais, sexuais, etârias, a moral opoder
a dominaçâ'o. ' '
"Ramper os limites, soltar a cabeca as mâ'os
os pés, o corpo para a realidade inq~ie~a, questio~
nadora.
"Destruir as regras do jogo.
"Subir no palco e invadir os camarins do mundo
Assumir ? P,~pel de agentes da Historia. Repre~
sentar a vida. (Vaz Ativa - Cultural)
Sem rodeios as "leis do ensino" no pa(s garan-
tem que:
"A educaçâ'o é direito de todos e serâ dada no
far e na escola. . . . A famt'lia cabe escolher o
gênera de educaçâ'o que deve dar a seus filhos.
... <,? d ireito à educaçâ'o é assegurado: pela obri-
gaçao do poder publico e pela liberdade de inicia-
tiva particular de ministrarem o ensino em todos
os graus, na forma da lei em vigor; pela obrigaçâ'o
do Estado de fornecer recursos indispensâveis
para que a fam/lia e, na fa/ta desta, os demais
membros da comunidade se desobriguem dos
encargos da educaçâ'o, quando provàda a insufi-
~iên~ia de meios, de modo que sejam asseguradas
1gi.:a1s oportunidades a todos." (Artigas 29 e 39 da
let 4024)
Mas, se entre o pensado e o vivido ha diferencas
as pesso~s do pals protestam e cobram, de q~e~
fa~ a .1e1, que pela menas ela seja cumprida: que
ha1a l1berdade na educaçao e, através dela, que a
0 que é Educaçâo
escola exista para todos e seja distribulda por
igual entre todos. Assim, os docentes universitarios
reunidos num Encontro Nacional de Associaçoes
escreveram o seguinte no documenta final:
"O regime pol/tico e o modela socioeconômico
impostos nos ultimos anas à Naçâ'o Brasileira
produziram danos marcantes na qualidade do
ensino de nossas escolas, seja pela repressâ'o pol/-
tico-ideol6gica que se abateu sobre toda a comu-
nidade, seja pela carater flagrantemente antidemo-
crâtico de suas leis e decretos, que se reflete
na elaboraçao e modificaçâ'o i!eg/timas de regi-
mentos e estatutos das Universidades.
"A po//tica educaciona/ imp!antada Jevou à
progressiva desobrigaçâ'o do Estado com o custeio
da Educaçâ'o, e à expansâ'o do ensino privado.
Assim, a educaçao estâ aberta à açâ'o dos e.7:;:.-e-
sarios do ensino, sujeita às leis da inicùativa privada,
sendo negociada coma mercadoria entre as partes
interessadas em vender e comprar, o que reve/a
0 carater e/itista do atua/ processo educaciona!
no Brasil." ( Bofetim Nacional das Associaçoes
de Docentes, nC? 3)
A fala do poder que constitui a educaçâ'o no
pals propôe o exerclcio de uma prâtica idealizada.
A fala dos praticantes da educaçâ'o, os educadores,
faz entâ'o a cr(tica da distância que hâ entre a
promessa e a realidade. Faz mais, denuncia a alte-
59
60 Carlos Rodrigues Brandâo
raçâ'o para pior das pr6prias leis que dizem o que
é e coma deve ser a Educaçâ'o no Bras!/.
Nâ'o ha apenas idéias apostas ou idéias diferentes
a respeito da Educaçâ'o, sua essência e seus fins.
Ha interesses econômicos, pal lticos que se proje-
tam também sobre a Educaçâ'o. Nâ'o é raro que
aqui, coma em toda parte, a fala que idealiza
a educaçâ'o esconda, no silêncio do que nâ'o diz,
os interesses que pessoas e grupos têm para os
seus usas. Pois, do ponta de vista de quem a
controla, muitas vezes definir a educaçâ'o e legislar
sobre ela implica justamente ocultar a parcialidade
destes interesses, ou seja, a realidade de que eles
servem a grupos, a classes sociais determinadas,
e nâ'o tanto "a todos", "à Naçâ'o", "aos brasi-
leiros". Do ponta de vista de quem responde
par fazer a educaçâ'o funcionar, parte do trabalho
de pensa-la implica justamente em desvendar
o que faz corn que a educaçâ'o, na realidade,
negue e renegue o que oficialmente se afirma
dela na lei e na teoria.
Mas a razâ'o de desavenças é anterior e, mesmo
entre educadores, ela tem alguns fundamentos
na diferença entre modos de compreender o que
o ato de ensinar afinal é, o que o determina e,
finalmente, a que e a quem ele serve.
... •• ••
PESSOAS "VERSUS"
SOCIEDADE: UM DILEMA
QUE OCULTA OUTROS
Quando alguém tenta explicar o que sao estes
nomes e o que eles misturam: educaçfio, escola,
ensino a fala que explica pode pender para um
lado ~u para o outra de uma velh.a d~sc~s~a?.
Uma discussao ontem quente, hoje em dia 1nut1I,
a nao ser quando serve para revelar o ~que se
esconde par detras de pensar a educaçao desta
maneira ou daquela.
De acordo corn as idéias de alguns fil6sofos
e educadores a educaçao é um meio pela quai
0 homem (a' pessoa, o ser humano, o indivlduo,
a crianca etc.) desenvolve potenCialidades biopsl-
quicas in~tas, mas que nâ'o atingiriam a sua perfe!-
câ'o (o seu amadurecimento, o seu desenvolv1-
~ento, etc.) sem a aprendizagem realizada a~ra~és
da educaçao. Pode até ser que haja formas proprias
62
Carlos Rodrigues Brandiio
/
de auto-educaçâ'o, mas é de suas praticas interativas
( interpessoais), coletivas, que se estâ falando
quando se escreve um livra sobre "Filosofia da
Ed~caçâ'o", par exemplo. Assim coma a prôpria
soc1edade e um corpo coletivo formado da indi-
vidualidade das pessoas que a compêiem, e assim
coma o seu fim é a felicidade de seus membros
a quem todas as suas instituiçêies devem servir
a~si,:n também a educaçâ'o, coma idéia (a defi~
niçao, a "f ilosofia "), deve ser pensa da em nome
da pe~s~a e, coma instituiçao (a escola, o sistema
pedagog1co) ?LI como pratica (o ato de educar),
deve ser real1zada coma um serviço coletivo que
se presta a cada indivlduo, para que ele obtenha
?el~ . tudo o que precisa para se desenvolver
1nd1v1dualmente.
. Muitas vezes, entre os que pensam assim a
d1me_:isâ'o subjetiva da educaçâ'o é ressalt~da
e, nao raro, toma conta de todo o espaça em
~ue o seu processo esta sendo pensado. Nâ"o
importa considerar sob que condicêies sociais
e através de que recursos e procedim.entos exter-
nos a pessoa aprende, mas apenas a pensar 0
ato de aprender do ponta de vista do que acontece
do educando para dentro.
"A Educaçao nao é mais do que o desenvolvimento
consciente e livre das faculdades inatas do ho-
mem." (Sciacca);
"A Educaçao é o processr; externo de adaptaçao
0 que é Educaçiio
r
superior do ser humano, f/sica e mentalmente
desenvolvido, livre e consciente, a Deus, ta! coma
se manifesta no meio intelectual, emocional e
volitivo do homem". (Herman Horse);
"O fim da Educaçao é desenvolver em cada indi-
v(c/uo toda a perfeiçao de que ele seja capaz."
(Kant);
"É toda a espécie de formaçao que surge da
inf!uência espiritual." (Krieck).
Quando a Enciclopédia Brasileira de Moral e
Civismo, editada pela Ministério de Educaçâ"o
e Cultura, define educaçâ'o, pensando talvez
expressar uma idéia consensual, ela de fato repete
o ponta de vista das definiçêies anteriores. Ve-
jamos:
"Educaçâ"o. Do !atirn'educere', que significa
extrair, tirar, desenvolver. Consiste~ essencial-
mente, na formaçao do homem de carater. A
educaçao é um processo vital, para o quai con-
correm forças naturais e espirituais, conjugadas
pela açao consciente do educador e pela vontade
livre do educando. Niio pode, pois, ser confundida
com o simples desenvolvirnento ou crescimento
dos seres vivos, nem com a mera adaptaçao do
indiv(cfuo ao meio. É atividade criadora, que visa
a levar o ser humano a realizar as suas potencia-
lidades f/sicas, marais, espirituais e inte/ectuais.
Nao se reduz à preparaçao para fins exclusiva-
63
64 Carlos Rodrigues Brandéio
mente utilité/rios, coma uma profissao, nem para
desenvolvimento de caracter/sticas parciais da
personalidade, coma um dom art/stico, mas
abrange o homem integral, em todos os aspectas
de seu corpo e de sua alma, ou seja, em toda a
extensao de sua vida sens/vel, espiritual, inte-
lectual, moral, individual, doméstica e social,
para eleva-/a, regu/éi-la e aperfeiçoa-la. E processo
cont/nuo, que começa nas origens do ser humano
e se estende até à morte."
Se voltarmos às duas definiçôes de dicionârios
brasileiros de algumas pâginas atrâs, veremos que
a da Enciclopédia concorda mais corn a primeira
do que corn a segunda. Uma enfatiza o que. acon-
tece da pessoa para dentro; a outra o que acontece
dela para fora, em direçâ'o à sociedade onde vive
e de que aprende.
A meio caminho entre um lado e outra, algumas
propostas lembram que aquela formaçâ'o do
ser humano, segundo as suas proprias potencia-
lidades e através de seu proprio esforço, é o resul-
tado de um trabalho intencional, deliberado -
aquilo que faz da educaçao a parte mais motivada
da endoculturaçao, coma eu disse vârias pâginas
atrâs. Esta açâ'o dirigida ao educando procede
de um educador, de uma agência de educaçâ'o, ou
do que existe de educativo no meio sociocultural.
"Educaçao é um sentido de va!orizaçâ'o individual
0 que é Educaçéio
e organizado, variavel em extensâo e profundidade
para cada indivkiuo e processado pelas riquezas
culturais." (Kerschensteiner);
"f a influência deliberada e consciente exercida
sobre o ser maleavel e inculto, com o prop6sito
de forma-Io." (Cohn).
Um pouco mais perto dos que nos esperam
do outra lado desta aparente historia de "ovo-e-
-galinha", estâ'o alguns estudiosos da educaçâ'o
que consideram que nâ'o so a pessoa, individual-
mente, mas alguma coisa indicada coma "a civili-
zaçâ'o", "o meio social" ou "a sociedade" deve
ser o destina do homem educado:
"Podemos agora definir de modo mais precioso
o objeto da educaçao: é guiar o homem no desen-
volvimento dinâmico, no curso do quai se consti-
tuirâ coma pessoa humana - dotada 'das armas
do conhecimento, do poder de julgar e das virtudes
marais - transmitindo-lhe ao mesmo tempo
o patrimônio espiritual da naçâ'o e da civilizaçâ'o
às quais pertence e conservando a herança secular
das geraçoes." (Maritain);
"A Educaçiio é a organizaçiio dos recursos biol6-
gicos individuais, e das capacidades de compor-
tamento que tornam o indivkiuo adaptavel ao
seu meio f/sico ou social." (William James).
Procuremos refletir um pouco sobre tudo
65
'
66 Carlos Rodrigues Brandiio
isto. Ao discutir os ideais da educacao entre os
gregos, Werner Jaeger lembra uma 'coisa muito
importante. Nao é sempre e nâ'o sâ'o todos os
pavas e homens que consideram a educaçao
apenas coma o que vimos até aqui. Na verdade
esta é uma maneira de "imaginar" caracterlstica
da nobreza de todos ?S pavas em que ela existiu,
em todos os tempos. E proprio de elites separadas
do trabalho produtivo - ou dos intelectuais
que pensam o mundo par elas, e para elas -
propor coma educaçao a formaçao da persona-
lidade humana através do conselho sistematico
e da direçao espiritual.
Esta crftica, do mesmo modo coma algumas
feitas nos primeiros cap(tulos, aqui, procura
separar o que a educaçao é, de fato, do que as
pessoas dizem dela. Jaeger nâ'o entra no mérita
da veracidade de algumas idéias sobre a educacao.
Afinal, quem poderia negar que a educacao deve
servir ao homem, deve servir para educa-10; torna-lo
melhor, desenvolver nele tudo o que tem, e tudo
a que tem direito? Ouero insistir em que muitas
vezes o que se critica em quem apresenta a edu-
caçao, tal coma ela apareceu até aqui, nao é 0
que foi dito, maso que ficou oculto: a) ou porque
quem disse nao sabe de onde vem a educacao
o que ela é em cada mundo real e o que faz; bl o~
porque quem disse sabe, mas explica a educacao
justamente para negar a sua origem, os seus m~ca
n ismos e os se us usas. Corno é posslvel compreen-
0 que é Educaçiio
der aigu ma coisa que se passa entre relacoes sociais
de categorias de homens, que educa tr~nsmitindo
de uns a outras crenças e valores sociais, que serve
tanto a igualar quanta a diferenciar as pessoas
de acordo corn projetas de usas do saber situados
fora dos sonhos do educador, sem pensa-la dentro
dos mundos reais onde acontecem as tracas tam-
bém reais entre os homens, verdadeiros homens
de carne e osso, situados de um lado e do outra
da educaçao?
Na verdade, quem descobriu que na prat1ca
0 "fim da educaçao" sao os interesses da socie-
dade, ou de grupos sociais determinados através
do saber que forma a consciência que 'pensa o
mundo e qualifica o trabalho do homem educado
nâ'o foram fil6sofos do passado ou cientista~
sociais de hoje. Esta é a maneira natural dos
povos primitivos, corn quem estivemos até ha
pouco, tratarem a educaçao de suas1 crianças,
mesmo quando eles nâ'o sabem explicar isto corn
teorias corn pl icadas.
Os lndios e os camponeses realizam, no modo
coma ensinam o que é importante para alguém
aprender, a consciência de que o saber que se
transmite de um ao outro deve servir de algum
modo a todos. Mas o que Werner Jaeger diz é que
justamente nas formaçoes sociais mais desenvol-
vidas, onde par sobre o tr.abalho de muitos aparece
a elite dominahte de uns poucos, surge corn o
tempo a idéia de uma educaçao que deve servir
67
68 Carlos Rodrigues Brandâo
a alguns ho mens individualmente, desvinculada
da idéia de que eles existem dentro de grupos
ou mundos sociais, e a seu serviço. Esta maneira
de compreender para que serve a educaçao é
decorrência de um "esquecimento", ou de um
ocultamento de que, afinal, par mais louvavel
que seja, a educaçao é uma pratica social entre
outras.
Entre os gregos, vimos que a educaçao dos
jovens nobres, que viviam do trabalho de escravos
estrangeiros e que, quando adultos, participavam
da direçâ'o da cidade, procurava desenvolver
o corpo e a inteligência para formar homens
fortes e sabios destinados à defesa e à pal (tica
da comunidade. 0 que à distância poderia parecer
a formaçâ'o do ocioso era, na verdade, uma apren-
dizagem feita durante um longo perlodo de ôcio
nobre (separaçâ'o do trabalho braçal), para a
formaçâ'o do homem polltico. A educaçao grega
e, depois, a de Roma preocupavam-se em formar
o cidadfio e eram, portanto, educaçoes da e para
a comunidade.
No mundo ocidental, é depois do advento
e da difusao do Cristianismo que aparecem idéias
sobre a educaçâ'o que isolam o saber da sociedade
e o submetem ao destina individual do cristao.
0 homem que aprende busca na sabedoria a
perfeiçâ'o que ajuda à salvaçâ'o da alma. Mas nao
é o Cristianismo Primitivo quem sugere a "edu-
caçâ'o humanista", de que os cursos de "humani-
0 que é Educaçâo
dades" que houve no Brasil até ha pouco tempo
sâ'o o melhor exemplo. Foi necessario que, a partir
de Roma, o Estado cristianizado e as elites de
sua sociedade tomassem passe da mensagem
cristâ' de militância e salvaçâ'o, fazenda dela parte
de sua ideologia. Tornando-a o repertôrio de slm-
bolos e valores pelas quais representavam.o mundo,
representavam-se nele e, assim, legitimavam,
corn as palavras originalmente dirigidas a pobres
e deserdados, a sua posiçâ'o de domlnio econômico
e de hegemonia pal îtica sobre eles.
Foi entâ'opreciso o advento de uma nobreza
plenamente separada do trabalho produtivo e,
cada vez mais, até mesmo do trabalho polltico -
entregue nas maos de intelectuais mediadores
de seus interesses - para que surgisse uma classe
de gente capaz de representar o mundo quase
fora dele. Esta elite ociosa e seus intelectuais
sacerdotes, filôsofos e artistas puderam imaginar
coma "puras" a vida, a arte, a ciência e até mesmo
a educaçâ'o.
Ela começa a representar rea!mente alguma
coisa (pensa, faz pensar, constrôi sistemas de
pensamento) sem representar coisa alguma de real;
sem conseguir explicar mais, para si prôpria e para
as outras classes, 0 que sao de fato os homens,
o mundo e as relaçoes concretas entre o mundo
e os homens. Ora, é a partir deste universo de
idéias puras que a educaçâ'o afinal é pensada coma
o exercîcio do educador sobre a alma do educando,
69
70 Carlos Rodrigues Brandâo
corn o prop6sito de purifica-la do mal que existe
na ignorância do saber que conduz à salvaçifo.
Da Antigüidade decadente à ldade Média, da
ldade Média ao Renascimento (um tempo da
Historia rico em redefiniç6es da idéia de edu-
cacâ'o) e do Renascimento à ldade Maderna,
toi preciso esperar muitos séculos para que de
nova os brancos civilizados aprendessem a repen-
sar a educaçâ'o coma os (ndios. E uma nova
maneira de definir a educaçâ'o coma uma pratica
social cuja origem e destina sâ'o a sociedade e a
cultura, foi formulada corn muita clareza pela
soci61ogo francês Emile Durkheim.
Ele sacode a poeira de um assunto que s6
aos poucos foi recolocado na Europa de seu tempo,
nos ultimos anas do século passado. Se o fim
da educacâ'o é desenvolver no homem toda a
perfeiçâ'o ·de que ele é capaz, que "perfeiçâ'o"
é esta? De onde é que ela procede? Guern a define
e a quem serve? Par que, afinal, ideais de perfeiçao
sâ'o tao diversos de uma cultura para outra? É
falso imaginar uma educaçâ'o que nâ'o parte da
vida real: da vida tal coma existe e do homem
tal coma ele é. Ë falso pretender que a educaçâ'o
trabalhe o corpo e a inteligência de sujeitos soltos,
desancorados de seu contexto social na cabeça
do fil6sofo e do educador, e que os aperfeiçoe
para "si proprios", desenvolvendo ne les o saber
de valores e qualidades humanas tao idealmente
universais que apenas exjstem coma imaginaçâ'o
0 que é Educaçâo
em toda parte e nâ'o existem coma realidade (coma
vida concreta, coma trabalho produtivo, coma
compromisso, coma relaç6es sociais) em parte
aigu ma.
0 que existe de fato sâ'o exigências sociais de
formaçâ'o de tipos concretos de pessoas na e para
a sociedade. Sâ'o, portanto, modos proprios de
educar - par isso, diferentes de uma cultura
para outra - necessarios à vida e à reproduçâ'o
da ordem de cada tipo de sociedade, em cada
momento de sua historia. Nâ'o se trata de dizer
que a educaçâ'o tem, também, de modo abstrato
e muito amplo, um compromisso corn a "cultura",
corn a "civilizaçâ'o", ou que ela tem um vago
"fim social". 0 que ocorre é que ela é inevita-
velmente uma pratica social que, par meio da
inculcaçâ'o de tipos de saber, reproduz tipos de
sujeitos sociais.
"A educaçâ'o é a açiio exercida pelas geraçoes
adultas sobre as geraçoes que niio se encontram
ainda preparadas para a vida social; tem par objeto
suscitar e desenvolver na criança certo nûmero
de estados f/sicos, intelectuais e marais recla-
mados pela sociedade polt'tica no seu conjunto
e pela meio especial a que a criança, particular-
mente, se destina." (Durkheim)
Entre muitas outras, esta é uma maneira socio-
16gica de compreender a educaçâ'o. Depois de
71
72
/
Carlos Rodrigues Brandiio
Durkheim (que, por· sua vez, aprendeu isso corn
outras cientistas anteriores e, quem sabe?, corn
alguns lndios) inûmeros soci61ogos, antrop61ogos,
fil6sofos e educadores começaram a formular
pontas de vista semelhantes. Nao é que eles tives-
sem a proposta de uma "nova educacâ'o" menas
abstrata e desancorada do que a "Edu~açâ'~ Huma-
nista" que criticavam. 0 que eles buscaram fazer
foi esclarecer mais e mais coma a sociedade e a
cultura sao e funcionam, na realidade. Corno,
portanto, a educaçâ'o existe dentro delas e funciona
sob a determinaçao de exigências, princlpios e
controles sociais.
'/
SOCIEDADE CONTRA ESTADO:
CLASSE E EDUCAÇÂO
A idéia de que nâ'o existe coisa alguma de social
na educaçâ'o; de que, coma a arte, ela é "pura"
e nâ'o deve ser corrompida por interesses e contro-
les sociais, pode ocultar o interesse polftico de
usar a educaçâ'o coma uma arma de controle, e
dizer que ela nao tem nada a ver corh isso. Mas
o desvendamento de que a educaçao é uma pratica
social pode ser também feito numa direçao ou
noutra e, tal coma vimos antes, pode se dividir
em idéias apostas, situadas de um lado ou do
outra da questâ'o.
Vamos por partes, portanto. Até aqui chegamos:
a educaçao é uma pratica social (coma a saude
publica, a comunicaçao social, o serviço militar)
cujo fim é o desenvolvirnento do que na pessoa
humana pode ser aprendido entre os tipos de
saber existentes em uma cultura, para a formaçao
74
/
\.
Carlos Rodrigues Brandao
de tipos de sujeitos, de acordo corn as necessi-
dades e exigências de sua sociedade, em um
momento da historia de seu proprio desenvol-
vimento. Nao procurei inventar uma nova defi-
niçâ'o, porque delas acho que ja ha demais.
Procurei reunir as idéias correntes entre os que
concebem a educaçao coma Durkheim.
Assim, dos dois historiadores da educaçao de
cujos livras aprendi quase tudo o que disse sobre
Grécia e Roma, um deles dira o seguinte:
"Primeiro que tudo, a educaçao nao é uma proprie-
dade individual, mas pertence par essência à comu-
nidade. 0 carater da comunidade imprime-se
em cada um dos seus membros e é no homem ...
muito mais que nos animais, fonte de toda a
açao e de todo o comportamento. Em nenhuma
parte o inf/uxo da comunidade nos seus membros
tem maior força que no esforço constante de
educar, em conformidade corn o seu proprio
sentir, cada nova geraçao. ",(Werner Jaeger).
Toda a estrutura da sociedade esta fundada
sobre codigos sociais de inter-relaçâ'o entre os
seus membros e entre eles e os de outras socie-
dades. Sao costumes, princ(pios, regras de modos
de ser às vezes fixa dos em leis escritas ou nâ'o. "A
educaçao é, assim, o resultado da consciência
viva duma norma que rege uma comunidade
humana, quer se trate da famllia, duma classe
,
0 que é Educaçao 75
/
ou duma profissâo, quer se trate dum agregado
mais vasto, coma um grupo étnico ou um Es-
tado." Corno outras praticas sociais constitu-
tivas, a educaçao atua sobre a vida e o crescimento
da sociedade .em dois sentidos: 1) no desenvol-
vimento de suas forças produtivas; 2) no desen-
volvimento de seus valores culturais. Par outra
lado, o surgimento de tipos de educaçao e a sua
evoluçâ'o dependem da presença de fatores sociais
determinantes e do desenvolvimento deles, de
suas transformaçëes. A maneira coma os homens
se organizam para produzir os bens corn que
reproduzem a vida, a forma de ordem social
que constroem para conviver, o modo coma
tipos diferentes de sujeitos ocupam diferentes
posiçëes sociais, tudo isso determina o repertorio
de idéias e o conjunto de normas corn que uma
sociedade rege a sua vida. Determina também
coma e para quê este ou aquele tipo de educaçao
é pensado, criado e posta a funcionar.
Quando sao transformados a "maneira", a
"forma" e o "modo" de que falei acima, tanto
as idéias quanta as normas, os sistemas e os méto-
dos de um tipo de educaçao sao modificados.
Ao fazer a sua cr(tica, Émile Durkheim pergun-
tava a pensadores da educaçao que considerava 1
ilustres, mas ingênuos: que "perfeiçao" é essa?
"Mas, que se deve entender pela termo perfeiçao?"
Ele quer perguntar o seguinte: quem afinal esta-
belece os ideais e os princlpios da educaçao?
76 Carlos Rodrigues Brandiio
Uns e outros sao universais? Existiram para todos
os povos, em todos os tempos,de u ma mesma
maneira, pelo fato de que é sempre a mesma
a "essência do homem"? Pode ou deve existir
uma espécie de "educaçâ"o universal"? Durkheim
conclui que nâ"o. E conclui que o ponto fraco
das idéias pedag6gicas que avaliou esta na crença
ilus6ria (ilus6ria sempre, ou algumas vezes mal-
-intensîonada?) de que ha, ou deveria haver,
uma "educaçâ'o ideal, perfeita, apropriada a todos
os homens, indistintamente".
Até al tudo bem. Assino embaixo. Mas sera
que nâ'o poderlamos fazer a Durkheim leitor
a pergunta que ele fez aos outros? Oua~do fal~
de sociedade e, mesmo, de sociedades concretas,
do que esta falando? Que tipo de sociedades
regidas por que modos e mecanismos interna~
de produçâ'o de bens, de serviços, de poder e
de . idéias entre os seus integrantes? Ele respon-
der.1a corn segurança: "cada uma"; cada tipo de
soc1edade real, hist6rica, cria e impoe o tipo de
educaçâ'o de que necessita. E arremataria:
"Na verdade, porém, cada sociedade, considerada
em momento determinado de seu desenvolvi-
mento, possui um sistema de educaçiio que se
impoe ~os indiv/duos de modo geralmente irresis-
t/vel. E uma ilusfio acreditar que podemos educar
nossos filhos coma queremos . .. Hâ, pois, a cada
momento, um tipo regulador de educaçiio do quai
0 que é Educaçiio 77
niio nos podemos separar sem vivas resistências,
e que restringem as velocidades dos dissidentes."
No entanto, o que é "cada sociedade consi-
derada em um momento determinado de seu
desenvolvimento"? Ë preciso reforçar algumas
perguntas e fazer outras. Afinal, "eada socie-
dade" existe e funciona como um todo orgânico
e harmônico, fundado sobre a igualdade entre
todos e o consenso de todos? Dentro dela, em
posiçoes especiais de privilégia, de hegemonia
e de controle sobre outros, nâ'o existirâ'o classes
sociais capazes de impor uma educaçfio que fazem
criar e existir? Para seu uso proprio e por sobre
outras classes e grupos sociais (mais do que "em
nome deles"), nâ'o ha, em determinadas socie-
dades concretas, classes e grupos, às vezes muito
minoritarios, que resolvem por sua conta como
sera e para quê servira a "educaçâ'ID oficial"?
Ou, perguntando de outra maneira, ja que cada
tipo de sociedade - a "tribal" de lndios Gê,
do Brasil Central; a chinesa ap6s a revoluçâ'o
socialista; a indiana do V século A.C.; a da
Alemanha medieval ou mesmo a de uma aldeia
de camponeses, dentro dela; a portuguesa colonia-
l ista do sécu Io XV! 1; a do Brasi 1 "p6s-64" -
inventa e faz a sua educaçâ'o ou as suas educaçoes,
nos sistemas mais oficiais, mais organizados em
projetas e programas pedag6gicos, sâ'o pensados
a partir das idéias fu ndamenta is de todos os tipos
78 Carlos Rodrigues Brandâo
de pessoas?_ As mesmas escolas servem ao operario,
ao engenhe1ro e ao capitalista imobiliario do mes-
mo modo. (como as leis brasileiras de ensino garan-
te_m que s1m e os professores crfticos garantem que
nao)? Uma educaçâ'o ensina o saber da "comuni-
d~~e nacional" a todos, para os mesmos usos so-
c1a1s, e segundo os mesmos direitos individuais de
todas as categorias de seus "adu ltos educados"?
Ora, entre os que colocam "sociedade e cultura"
no meio da questâ'o da educaçâ'o, alguns pesquisam
e ~~enas r~conhecem que ela é, na cultura, uma
prat1ca social de reproduçâ"o de categorias de saber
através da f?rmaçâ'o de tipos de sujeitos educados.
Outros profetam e defendem a necessidade deste
o_u daquele tipo de educaçâ"o para este ou aquele
t1po de sociedade.
Entre estes ultimes, um pensamento muito
corrente hoje em dia é o de que a educacâ'o é um
dos_ principais meios de realizaçâ'o de 'mudanca
so_c1al ou, pela menos, um dos recursos de adapta-
çao das pessoas a um "mundo em mudanca".
Este modo de imaginar tende a ser domin~nte
atualmente. Mas ele nâ"o fazia sentido para gregos
e r?~an~s. e nem mesmo para os portugueses
e m1ss1onanos que tentaram educar nossos antepas-
sados durante a Colônia.
A idéia de que a educacâ"o nâ"o serve apenas
à sociedade, ou à pessoa ~a sociedade, mas à
mudança social e à formaçâ"o conseqüente de
sujeitos e agentes na/da mudança social, pode
0 que é Educaçiio
nâ'o estar escrita de maneira direta nas "leis do
ensino". A final, as leis quase sempre sao escritas
por quem pensa que nem elas nem o mundo
vao mudar um dia. Mas as suas conseqüências
podem aparecer indiretamente. Por exemplo,
na "Lei de Diretrizes e Bases da Educaçâ'o Brasi-
leira" (também conhecida como "5692", neste
mundo onde tudo é numerado), os fins da edu-
caçâ'o acrescentam a formaçao para o trabalho,
ou enfatizam este objetivo do ato de ensinar,
mais do que as leis anteriores.
"O ensino de 1C! e 2<? graus tem par objetivo
geral proporcionar ao educando a formaçao neces-
sâria ao desenvolvimento de suas potencialidades
coma e/emento de auto-realizaçao, qualificaçao
para o trabalho e preparo para o exerc/cio cons-
ciente da cidadania."
79
Quando a idéia de educaçao vem associada
à de adaptaçiio para alguma coisa externa à pessoa,
e que se transforma, a proposta pode ser formu-
lada assim: "Educaçâ'o é preparaçao da criança
para uma civilizacâ'o em mudança." (Kilpatrik)
ou assim:
"Em uma sociedade dinâmica coma a nossa, s6
pode ser eficaz uma educaçao para a mudança.
Esta (educaçao) consiste na formaçao do espkito
isento de todo dogmatismo, que capacite a pes-
80 Carlos Rodrigues Brandiïo
soa para elevar-se acima da corrente dos acon-
tecimentos, ao invés de arrastar-se por e!es."
(Mannheim)
Um outro nome para a educaçâ'o pode ser até
mesmo sugerido, quando se constata, por exemplo,
que o rumo e a velocidade das transformaçoes
do mundo moderno exigem cada vez mais, de
todos os homens, uma constante reciclagem
de conhecimentos e uma continua readaptaçâ'o
a um mundo que, afinal, ainda é sempre o mesmo
e ja é sempre um outra.
"A Educaçao Permanente é uma concepçâ'o dialé-
tica da educaçao, coma um dup!o processo de
aprofundamento, tanto da experiência pessoal
quanta da vida social, que se traduz pela parti-
cipaçâ'o efetiva, ativa e responsâvel de cada sujeito
envolvido, qualquer que seja a etapa de existência
que esteja vivendoo ... 0 primeiro imperativo
que deve preencher a Educaçâ'o Permanente
é a necessidade que todos nos temos de sempre
aperfeiçoar a nossa formaçao profissiona!. Num
mundo coma o nosso, em que progridem ciência
e suas aplicaçoes tecno/6gicas cada dia mais, nao
se pode admitir que o homem se satisfaça durante
toda a vida corn o que aprendeu durante uns
poucos anas, numa época em que estava profun-
damente imaturo. Deve informar-se, documen-
tar-se, aperfeiçoar a sua destreza, de maneira a
0 que é Educaçiïo 81
82 Carlos Rodrigues Brandiio 0 que é Educaçiio
/
se tornar mestre da sua praxis. 0 dom(nio de
uma profissao nao exclui o seu aperfeiçoamento.
Ao contrario, sera mestre quem continuar apren-
dendo." (Pierre Furter)
Nao sera estranho que, aqui e ali, a proposta
de uma educaçao apareça armada do poder de
realizar, ela pr6pria, o trabalho de transformar
a sociedade. Ouando este tipo de proposta consi-
dera a educaçao como uma entre outras praticas
sociais cujo efeito sobre as pessoas cria condicé5es
necessarias para a realizaçao de transformaÇoes
indispensaveis, a sugestao é aceitavel e realista.
Nada se faz entre os homens sem a consciência
e o trabalho dos homens, e tudo o que tem o
poder de alterar a qualidade da consciência e
do trabalho, tem o poder de participar de sua
praxis e de ser parte dela. No entanto, quando a
educaçao é imaginada - agora pelo utopista
social - como o unico ou principal instrumente
de qualquer tipo de transformaçao de estruturas
pollticas, econômicas ou culturais, sem que haja
a lembrança de que ela pr6pria é determinada
por estas estruturas, estamos diante de pequeno
acesso de "utopismo pedag6gico".
"Se educaçao é transformaçao de uma realidade
de acordo com uma idéia me/hor que possut'mos:
e se a educaçao s6 pode ser de carater social
resultara que pedagogiaé a ciência de trans:
formar a sociedade." (Ortega y Gasset)
Associar "educaçao" a "mudança" nao é novi-
dade. Tem sido um costume desde pelo menos
as primeiras décadas do século. Mas s6 um pouco
mais tarde, quando pollticos e cientistas come-
çaram a chamar a "mudança" de "desenvolvi-
mento" (desenvolvimento social, socioeconômico,
nacional, regional, de comunidades, etc.), é que foi
lembrado que a educaçao deveria associar-se a
ele também. Este foi o momento de uma transiçao
importante. Antes de se difundirem pelo mundo
idéias de mudança e de necessidade de mudança
social, a educaçao era pensada como alguma coisa
que preserva, que conserva, que resguarda justa-
mente de se mudarem, de se perderem, as tradi-
cé5es os costumes e os val ores de "um povo",
;,um~ cultura" ou "uma civilizaçao". Antes de se
inventa rem pof(ticas de desenvolvimento, a edu-
caçao era prescrita como um direito pa pessoa,
ou como uma exigência da sociedade, mas nunca
como um investimento. Um investimento como
outros, como os de saude, transporte e agricultura.
A educacâ'o deixa finalmente de ser vista como
um privilégie, um direito apenas, e deixa também
de ser percebida como um meio apenas de adapta-
çâ'o da pessoa à mudança que se faz sem ela, e
que apenas a afeta depois de feita.
Pessoas educadas (qualificadas como "mao-de-
-obra" e motivadas enquanto "sujeitos do proces-
so") sao agentes de mudança, promotores do
83
'
84 Carlos Rodrigues Brandiio O que é Educaçiio
85
desenvolvimento, e é para toma-los, mais do que
cuitas, agentes, que a educaçao deve ser pensada
e programada. Nao é raro que em alguns palses
se defenda entâ'o que as propostas basicas da
educaçao venham quase prontas do Ministério
do Planejamento para o da Educaçâ'o.
"A Educaçao é hoje considerada coma um fator de
mudanças: um dos principais instrumentas de inter-
vençao na rea!idade social corn vistas a garantir a
evoluçào econômica e a evoluç!Jo sociale dar conti-
nuidade à mudança no sentido desejado . ..
"Salienta-se, no entanto, um aspecta em que
a educaç!Jo representa investimento a curto prazo:
é quando ela desempenha funç!Jo de forma-
çao de mao-de-obra. Ao fado da formaçao da
personalidade, da preparaçao necessâria de cada
cidadao para assumir as obrigaçoes sociais e pal/-
a educaçao desempenha a tarefa de preparar
para o trabalho, e influi substancialmente na
de novas quadros de mao-de-obra corn
capacidades técnicas adequadas aos novas proces-
sos produtivos que o desenvo!vimento introduz
criando novas mercados de traba!ho." (SAGMACS
- educaçao e planejamento)
"I nvestimento",
para o trabalho",
quadas". . . sao os
momento em . que
"mao-de-obra", "preparaçâ'o
"capacidades técnicas ade-
nomes que denunciam o
os interesses pol lticos de
l
emprego de uma força de trabalho "adequa-
damente qualificada" misturam a educaçâ'o antiga
da of ici na corn a da escola, reduzem o seu compro-
misso aristocrata corn a "pura" formaçao da
personalidade e inscrevem o ato de educar entre
as praticas pol ltico-econômicas das "arrancadas
para o desenvolvimento". Arrancadas que, nas
sociedades capitalistas sao de modo geral estra-
tégias de reorganizaçâ'o de toda a vida soci~I,
de acordo corn projetas e interesses de reproduçao
do capital. De multiplicaçâ'o dos ganhos das em-
presas capitalistas.
Esta é a crftica que tem sida feita por cientistas
e educadores que, sem deixarem de reconhecer
corn Durkheim que a educaçao existe·· na socie-
dade, dentro da cultura, procuram compreender
coma ela existe al e sob que condiçoes é prati-
cada contra o homem ou a seu favor.
Ora às veses mais util do que comprar e discu-
tir o ~onteudo de estilos diferentes de definiçoes
ou propostas de tipos de educaçâ'o, é procurar
ver de onde eles vêm. Quem diz, em nome de
quem e para quê?
A variaçâ'o da maneira coma o triângulo edu-
caçâ'o-ensino-escola tem sido formulado no Brasil
pelas pessoas que possuam o poder direto ou
indireto de determinar como ele vai existir, da
o que pensar. Até ha alguns anos atras o universo
da educacâ'o estava dividido por aqui tal como
na Gréci~ e em Roma, ha muitos séculos. As
86
/
Carlos Rodrigues Brandâo
crianças filhas de pais "das boas famllias" iam
às escolas, mesmo que por poucos anos. As escolas
eram particulares, "abertas" por professores
avulsos ou pelas ordens religiosas. Eram pagas,
aigu mas custavam caro e as poucas crianças pobres
que aprendiam "de graça" aprendiam nos orfa-
natos ou nos anexos dos colégios religiosos.
Os escravos e os filhos dos deserdados da for-
tuna - lavradores livres, artistas pobres, artesâos -
aprendiam "no offcio". Rara vez um deles alisava
corn o traseiro magro o banco de madeira de
alguma escola, razâ'o por que o pals tinha, até ha
poucos anas, um dos maiores Indices de analfa-
betismo em todo o mundo.
Havia, portanto, duas educaçoes em curso.
Uma era a da escola, destinada aos filhos das
"gentes de bem". Ali, fora o ensino de primeiras
letras, havia cursos sempre nâ'o profissional izantes,
que ensinavam Latim, Grego, Literatura e Mûsica
para os que chegavam até depois dos estudos
primarios. Mesmo nas três primeiras décadas
deste século, até entre os mais ricos eram raras
as pessoas que faziam algum curso superior. Havia
poucas faculdades isoladas e a nossa universidade
mais antiga, a de Sâo Paulo, nâ'o tem ainda 50 anas.
Outra era a da oficina, misturada corn a da
vida, destinada pelas ossos do off cio aos f ilhos
"da pobreza". Analfabetos "de pai e mâ'e", mas
excelentes lavradores, mi neradores, pedreiros,
carapinas, ourives, ferreiro.s, estes homens "rudes",
0 que é Educaçiio
r
porque "sem cultura", de acordo corn a visâo
das elites, mas sabios do saber que faz o trabalho
prodÙtivo, fizeram a riqueza e as obras do pals
e de cada uma de suas cidades.
"'Mestre carapina, conhecido na historia da cidade,
queria dizer carpinteiro, mas sua atividade nao
se circunscrevia apenas a este of/cio. Eram enge-
nheiros praticos: estes escravos calculavam ·a
construçao de um sobrado e o constru/am. lsto
ocorreu até a metade do século passado corn
sobrados que chegam até nossos dias e foram
constru /dos por estes engenheiros (toda a parte
de taipa, armaçao do telhado de grande dimen-
sao), sendo que os engenheiros graduados s6
chegavam na fase final para terminar a construçiio.
A velha lgreja do Carma foi feita s6 por 'mestres
carapinas', coma muitos outras prédios cujos
construtores podem ser identificados ainda hoje."
(Celso Maria de Mello Pupo, sobre a cidade de
Campinas, em Sao Paulo)
Nas prime iras décadas deste século, pol lticos
e educadores liberais trouxeram idéias novas para
a educaçâ'o no pals. Entre outras coisas eles come-
çaram a falar de uma escola mais dirigida à vida
de todo dia e mais estendida a todas as pessoas,
ricas ou pobres. A "luta pela democratizaçâ'o
do ensino" resultou na escola pûblica. Resultou
no reconhecimento pol ltico do direito de estudar
87
'
89
88 Carlos Rodrigues Brandfi~ 0 que é Educaçâo
(
para todas as pessoas atravé
de ensino leigo oferecid 1 s de escolas gratuitas,
H, '. 0 pe o governo
a quem d1ga que isto foi o .
confronta entre "l"b . resultado de um
1 era1s" e "
na polltica, um confronta . co~servadores"
da educaçâ'o. De um lado f~ue invad1u a questao
em nome das elites a , l?aram o~ ~ue falavam
acostumadas a padr- grarias trad1c1onalistas e
pol ftico. De outra ~ae~o u rapassados de domînio
em nome das novas elit~~aram. os. que falavam
a novas tempos e p bl cap1tal1stas, atentas
portas do mundo e d r~ er:ias que batiam nas
eu quero ressaltar , o ras1I. No entanto, o que
dores liberais - ale qued esses polîticos e educa-
b
. guns eles sem du .d I' . !
e em-intencionados _ VI a uc1dos .
uma educacâ'o voltad ao pregarem idéias de
· a para a vida d
o progressa, a democracia . , a mu ança, i
tempo o imaginario dem~c~~?uz1am ao mesmo r
e, por outra lado o . ico de seu tempo
- , projeta I'·
aos interesses de no d po 1t1co que servia
nomia. E tal coma v~s otnos do poder e da eco-
d . ' con eceu em out
a soc1edade brasileira as . - ras setores
para a .educacâ'o prop1· c-' inovaçoes pro postas · 1aram nov t.
pol fticos de todo o os ipos de usos , aparato ped , ·
do-o a realidade de agog1co, adaptan-
1
novas tempos e
os de controle d , . a novas mode-
preparacâ'o de "qo edxerc1c10 da cidadania e de
· ua ros" 1 ·t·
trabalho das f 'b . qua 1 icados para o
. a ricas. lndust i .
o capital brasileiro e d . ras ~ue pr1meiro
comecaram a semear p 1' e~o1s, o internacional
· e o pais. '
\... ______ ___.1.1
Corno tipos de intelectuais (educadores, fil6-
sofos, legisladores, cientistas sociais) const"1tu f dos
e sustentados, direta ou indiretamente, pelas novas
donos do poder, quase todos os militantes de
uma nova educaçao souberam lutar corn entu-
siasmo por toma-la mais aberta e democratica
por dentro e por fora, sem saber muitas vezes
que as suas idéias apenas consolidavam outras
projetas pol f ticos para a educaçâ'o. E les subs-
titu fa m outras intelectuais, aqueles cujas idéias
pedag6gicas serviram aos interesses pol fticos
dominantes de outras tempos, e que nao tinham
mais lugar nem poder, porque eram as idéias
que traduziam os interesses de preservaçâ'o de
um tipo de ordem social inadequada no Brasil
diante das mudanças aos poucos havidas na~
relaç5es de produçâ'o de bens e de poder.
\.
Por uma porta os filhos dos pobres começam
a entrar nas escolas publicas. Por outra o pafs
ingressa enfim em tempos de transferência do
capital da agricultura para a indûstria, e de poder
e pessoas do campo para a cidade. Entâ'o pol (ticos
e educadores começam a chamar a atençao para a
evidência de que, mesmo nas escolas pûblicas, o
ensino escolar era inadequado. Nao servia para
preparar o cidadao para a vida nem para preparar
o trabalhador para o trabalho, em qualquer um
dos seus nfveis. Quando as exigências de ordem
e trabalho do capital redefiniram aos poucos
a vida e o trabalho, a idéia de que, além de uma
90 Carlos Rodrigues Brandâo
vaga "personalidade do educando", a educaçâ'o
tinha compromissos para corn a vida social e o
traba!ho produtivo passou a figurar entre leis
e projetas de escolarizaçâ'o no pals.
Este progressivo ingresso da criança pobre
nas salas das escolas, associado a uma redefiniçâ'o
do ensino escolar em direçâ'o ao trabalho produ-
tivo, nâ'o fez mais do que trazer para dentro
dos muras do colégio a divisâ'o anterior entre o
aprender-na-oficina para o trabalho suba/terno
e o aprender-na-escola para o trabalho dominante.
Algumas pesquisas de soci61ogos americanos,
realizadas desde a década de 50, confirmam que,
mesmo nos Estados Unidos, o filho do operârio
estuda para ser o operario que acaba sendo, e
o filho do médico para ser médico ou engenheiro.
Apesar de ser, também lâ, um projeta te6rico
de reproduçâ'o da igualdade, a educaçâ'o da socie-
dade capitalista avançada reproduz na moita e
consagra a desigualdade social, sem esquecer
de fazer a larde em festa de formatura quando
algum filho de operârio consegue sair formado
da Faculdade de Engenharia.
Em um dos mais importantes estudos recentes
sobre o assunto, dois franceses, Christian Baudelot
e Roger Establet, demonstram que a escola capi-
talista francesa superpôe, sobre o sistema oficial
de ensino - aquele que é proclamado coma demo-
craticamente aberto a todos - uma divisao entre
duas redes "heterogêneas. . . apostas. . . antagô-
0 que é Educaçâo
nicas". E claro que esta oposiçâ'o real, que existe
sob uma unidade proclamada, nâ'o é oficialmente
aceita .. Nâ'o é reconhecida coma existente e deter-
minante do sistema pedag6gico francês pelas seus
ide61ogos. Mas é através do que separa e de coma
separa quem entra e quem sai das escolas que a
educaçâ'o capitalista cumpre a sua funcâ'o de
reproduzir e consagrar a desigualdade, afi~mando
que existe coma um instrumenta democrâtico
de produçâ'o da igualdade social através do acesso
ao saber.
Uma rede é a de tipo PP, primârio-profissiona/
limite dos estudos para os filhos do povo desti~
nados, também par ela, aos padroes do trabalho
operario. Outra rede é a de tipo SS, secundârio-
-superior, destinada aos filhos dos ricos enviados
também par ela, às pontes-de-comando d'o trabalh~
"superior".
Entâ'o, esta educaçâ'o que incorpora o povo
ao ensino oficial, que arranca o menino proletârio
da oficina e o deseja pelo menas par alguns anas
na escola, sera a educaçâ'o que serve a ele? Oue
serve pela menas também a ele?
Este é o momento de voltarmos juntos, leitor,
a algumas pâginas do comeco desta conversa
sobre ensinar-e-aprender. 0 tipo de formacao
social onde n6s vivemos nâ'o é coma o de u'ma
pequena aldeia tribal, embora haja muitas delas
em nosso mundo. Nao é sequer, coma na Grécia,
de onde saiu o modela de nossa educacao o
' '
91
92
r
Carlos Rodrigues Brandfio
lugar da polis, onde pelo menos nos melhores
tempos vigora a democracia de todos os cidadâ'os
livres, mesmo que ela seja sustentada pelo traba-
lho dos escravos. Vivemos aqui, hoje, dentra de
uma ordem social regida por um sistema amplo
e muito complexa de relaçëes de produçâ:o entre
tipos de meios e pradutores, que se costuma
chamar de modo de produçao capitalista. Embora
passa ser fatigante e parecer agressivo, é muito
pouco real pensar, seja a educaçao, seja quase
tudo o mais que acontece por aqui, sem levar
em conta que sâ'o tipos de tracas regidos pela
oposiçâ'o entre o capitale o trabalho.
Ora, por toda parte, em sociedades como a
nossa, grupos nacionais ou estrangeiras, que
repartem entre si a prapriedade e o contrale
direto dos meios de praduçao dos bens de que
se nutrem as pessoas e seu mundo, concentram
entre si o poder de constituîrem, em seu praveito,
o tipo de Estado que, por sua vez, repraduz ser-
vicos e normas de segurança, de propriedade,
d~ direito, de saûde e até de educaçâ'o, serviços
e normas que servem em conjunto para manter
coesa e, se possîvel, em relativa paz a ordem
social de que se nutre o capita 1, ou seja, aqu~la
ordem em que ele se multiplica.
Esta é uma afirmaçao comum hoje em dia entre
os que pensam sobre a educaçâ'o sem se iludirem
corn as condiçëes de sua existência real. E também
uma cr(tica que se confirma a todo momento,
0 que é Educaçfio
r
inclusive por meio de dadas estatlsticos. Ela nao
vale s6 para um pals de economia pobre e depen-
dente como o nosso, situado, como diriam os
economista:., "na periferia do sistema capitalista".
Vale também para os pafses de economia desen-
volvida, os da "metr6pole" do sistema.
Em um estudo sobre "a educaçâ'o como processo
social", o norte-americano Wilbur Braokover
concluiu que em seu pais a educaçâ'o: a) tem o seu
controle situado em mâ'os "de elementos conserva-
dores da sociedade"; b) é dirigida de modo a
impedir mudanças significativas, "exceto nas areas
em que os grupos dominantes desejam a mudança";
c) na melhor das hip6teses, pode atuar como
um agente interna de mudanças sociais, nao como
um agente externo, ou seja, capaz de pravocar
por sua conta mudanças significativas; d) nâ'o é
acreditada como criadora de um possîvel "mundo
melhor", a nâ'o ser quando "outras forças também
operam como agências de mudanças". _
Dentra de um tipo de ordem social assim divi-
dida, a educaçâ'o (como tantas outras coisas da
vida e dos sonhos de todos os homens) perde
a sua dimensâ'o de um bem de usa e ganha a de
um bem de troca. Ela nâ'o vale mais pelo que é
e pelo que representa para as pessoas. Nâ'o é mais
um dom do fazer que existe no ensinar o saber
que é um outra dom de todos e que a todos
serve. A educaçâ'o vale como um bem de mercado,
e por isso é paga e às vezes custa caro. Vale como
93
94 Carlos Rodrigues Brandiio
um instrumenta cujos segredos se programam
nos gabinetes onde estâ'o os emissarios dos interme-
diarios dos interesses pol (ticos postas sobre a edu-caçâ'o. Esta é a sua dupla dimensâ'o de valor
capitalista:a) valer coma alguma coisa cuja passe se
detém para usa prôprio ou de grupos reduzidos,
que se vende e compra; b) valer coma um instru-
menta de controle das pessoas, das classes sociais
subalternas, pela poder de difusâ'o das idéias de
quem controla o seu exerclcio.
Entâ'o, o que parece inacreditavel faz parte
da prôpria lôgica do modo coma a educaçâ'o
existe na sociedade desigual. Ouando pensada
coma uma "filosofia" ou uma "pal (tica de edu-
caçâ'o", ela se apresenta juridicamente coma
um bem de todos, de que o estado assume a
responsabilidade de distribuiçâ'o em nome de
todos. Mas sequer as pessoas a quem a educaçâ'o
serve, em princlpio, sâ'o de algum môdo consul-
tadas sobre coma ela deveria ser. A educaçâ'o
que chega à favela, chega pronta na escola, no
livra e na liçâ'o. Os pais favelados dos alunas
sâ'o convocados a matricular os seus filhos, coma
se aquilo fosse um posta de recrutamento. Nâ'o
sâ'o convocados, par exemplo, a debaterem corn
os professores coma eles pensam que a escola
da favela poderia ser uma verdadeira agência
de serviços à sua gente. Mesmo que fossem, as
suas idéias par certo nâ'o sairiam do caderno
de anotaç5es da diretoria. Mas nâ'o sâ'o sô os
. 0 que é Educaçao 95
A autoridade do mestre na educaçao dita democrdtica
96
/
Carlos Rodrigues Brandâo
pais e as crianças faveladas os que nao têm direitos
de pensar na educaçao da favela. Mesmo os cida-
daos ricos e letrados nao tem poder algum sobre as
idéias que determinam a educaçao de seus filhos,
e a imensa massa dos proprio educadores da linha
de frente do trabalho pedag6gico (professores,
diretores de escola, orientadores, supervisores
educacionais) têm o poder do exerclcio da repro-
duçao das idéias prontas sobre a educaçao e dos
conteudos impostos à educaçao. Mas nao têm nem
o direito nem o poder de participarem das decisoes
pal (tico-pedag6gicas sobre a educaçao que prati-
cam. Elas estao reservadas aos donos do poder
polftico e às pequenas contrarias de intelectuais
constitu îdas coma seus porta-vozes pedag6gicos.
Poucos espaças de trabalho social sao hoje, tao
pouco comunitarios e democratizados entre
os seus diferentes praticantes, coma a educaçao.
E, em qualquer tipo de ordem social, quanta
mais a educaçao autoritaria e classicista é expressao
de um poder autoritario de uma sociedade classista,
tanto mais ela procura apresentar-se coma uma
pratica humanamente leg(tima, exercida em nome
de leis legltimas e "para o bem de todos". A
ideologia que fala através das leis, decretos e
projetas da educaçao autoritaria nega acima de
tudo que ela seja uma pedagogia contra o ho-
mem - contra a verdadeira liberdade do homem
através do saber, liberdade que existe através
da verdadeira igualdade entre os homens.
0 que é Educaçâo
Por isso ha "leis do ensino" que afirmam corn
fé de oHcio os valores de uma suposta democracia
feita através da educaçao, e que é a alma dos
conteudos de seu ensîno. Estas afîrmaçoes te6rîcas
ocultam o fato real de que o exerclcio desta
educacao consagra a desîgualdade que deveria
destru.îr. Afîrmar coma idéia o que nega coma
pratica é o que move o mecanîsmo da educaçao
autorîtaria na socîedade desîgual.
97
A ESPERANÇA NA EDUCAÇÂO
Se a educaçâ'o é determinada fora do poder
de controlè comunitârio dos seus praticantes,
educandos e educadores diretos, par que parti-
cipar dela, da educaçâ'o que existe no sistema
escolar criado e controlado par um sistema pal 1-
tico dominante? Se na sociedade desigual ela
reproduz e consagra a desigualdade social, deixan-
do no limite inferior de seu mundo os que sâ'o para
ficar no limite inferior do mundo do trabalho
(os operarios e filhos de operârios), e permitindo
que minorias reduzidas cheguem ao seu limite
superior, por que acreditar ainda na educaçâ'o?
Se ela pensa e faz pensarem o aposta do que é,
na prâtica do seu dia a dia, par que nâ'o forçar
o poder de pensar e colocar em prâtica uma outra
educaçâ'o?
A resposta mais simple,s é: "porque a educaçâ'o
0 que é Educaçiio
é inevitavel". Uma outra, melhor seria: "porque
a educacâ'o sobrevive aos sistemas e, se em um
ela serve. à reproduçâ'o da desigualdade e à difusâ'o
de idéias que legitimam a opressâ'o, em outra pode
servir à criaçâ'o da igualdade entre os homens
e à pregaçâ'o da liberdade". Uma outra ainda pode-
ria ser: "porque a educaçâ'o existe de mais modos
do que se pensa e, aqui mesmo, alguns deles
podem servir ao trabalho de construir um outra
tipo de mundo".
"Rei<l'éntar a educaçâ'o" é uma expressâ'o cara
a Paulo Freire e aos seus companheiros do lnstituto
de Desenvolvimento e Açâ'o Cultural. De algum
modo eles a aprenderam na Africa, trabalhando
coma educadores junto a educadores de paîses
coma a Guiné-Bissau e as ilhas de Sâ'o Tomé
e Pr(ncipe, que se haviam tornado independentes
de Portugal e tratavam de reinventar, mais do que
sô a educaçâ'o, a sua prôpria vida social. 0 mais
importante nesta palavra, "reinventar", é a idéia
de que a educaçâ'o é uma invençâ'o humana e,
se em algum lugar foi feita um dia de um modo,
pode ser mais adiante refeita de outra, diferente,
diverso, até oposto. Muitas vezes um dos esforços
mais persistentes em Paulo Freire é um dos menos
lembrados. Ao fazer a crltica da educaçâ'o capi-
talista, que ara chamou também de "educaçâ'o
bancâria'', ora de "educaçâ'o do opressor", ele
sempre quis desarmâ-la da idéia de que ela é maior
do que o homem. De que as pessoas sâ'o um pro-
99
100 Carlos Rodrigues Brandiio
duto da educaçao, sem que ela mesma seja uma
invençâ'o das pessoas, em suas culturas, vivendo
as suas vidas. Ele sempre quis livrar a educaçâ'o de
ser um fetiche. De ser pensada como uma reali-
dade supra-humana e, par isso, imutavel
e assirn por diante. Ao contrario do que acontece
corn os deuses, para se crer na é preciso
primeiro dessacraliza-la. É acreditar que,
antes, deterrninados tipos de homens criam deter-
minados tipas de para que,
ela recrie determinados de homens.
os que se interessarn por fazer da
de seu poder autoritario tornam-na
e o educador, "sacerdote". Para que n
levante um gesto de cr(tica contra ela e,
dela, aa poder de onde procede.
Por isso, muitas paginas atras comecei falanda
sobre ensinar-e-aprender como a ma coisa que
começa corn os bichas sabe corn as plantas,
corn os seres niverso?) e que, entre
existe par toda parte. Procurei
r a visao estreita de que a educaçâ'o se
confunde corn a escolarizaçao e se encontra s6
no que é "forma "oficial", "programado",
, Se em algumas pagi-
nas falei dela como um entre outroc: instrumentas
de desigualdade e alienaçao, em outras imaginei-a
como uma aventura humana. 1
A educaçâ'o existe em toda parte e faz parte 1
dela existir entre opostos. 0 que vimos juntos, J
0 que é Educaçiio
Nas "zonas libertadas" durante as lutas contra o colonia-
lismo, uma escola na Guiné-Bissau.
leitor, acontecer na Grécia, repete-se mil vezes
em mil tempos de outras mundos sociais. Entre
101
1
102 Carlos Rodrigues Brandiio
sujeitos igualados pela trabalho comum e o saber
comunitario, também a educaçâ'o pertence do
mesmo modo a todos e, se existe diferente para
alguém, é para especializar, para o usa de todos,
o seu saber e o seu trabalho. Mais do que poder,
portanto, ela atribui compromissos entre as
pessoas.
Ouando o fruto do trabalho acumula os bens
que dividem o trabalho, a sociedade inventa
a passe e o poder que separa os homens entre
categorias de sujeitos socialmente desiguais. A
passe e o poder dividem também o saber entre os
que sabem e os que nao sabem. Dividem o trabalho
de ensinar tipos de saber a tipos de sujeitos e
criam, para o seu usa, categorias de trabalhadores
do saber-e-do-ensino.
É a partir da( que a educaçâ'o aparece coma
propriedade, coma sistema e coma esco!a. O
controle sobre o saber se faz em boa medida
através do controle sobre o quê se ensina e a
quem seensina; de modo que, através da educacao
erudita, da educaçâ'o de elites ou da educa~ao
"oficial", o saber oficialmente transforma-se ~m
instrumenta pol(tico de poder. Ele abandona
a communitas de que fez parte um dia e ingressa
na estrutura dos aparatos de controle. 0 "processo
grego" se repete entâ'o: a educaçâ'o da comu-
nidade, a escola, a oposiçâ'o entre a educaçâ'o-de-
-educar e a educaçao-de-instruir, a passagem da
aprendizagem coletiva para o ensino particular,
0 que é Educaçiïo
r
o controle do Estado. Em primeiro lugar, em
algum tempo ela existe difusa no meio social
de que todos participam e é ativamente exercida
nos diferentes c(rculos naturais da sociedade:
a famîlia, o cla, o grupo de idade, o grupo de
socius. Mais adiante a educaçao especializa-se
sob a égide da escola, rnas a escola particular
do mestre avulso ainda é uma extensao da socie-
dade civil. Mais tarde ainda, a pr6pria educaçao
escolar cai sob o poder de decisao do Estado
que, quando autoritario e classista, exerce a edu-
caçao para o controle da sociedade civil, da comu-
n idade de todos.
Onde surgem interesses desiguais e, depois,
antagônicos, o processo educativo, que era uni-
tario, torna-se partido, depois, imposto. Ha edu-
caç6es desiguais para classes desiguais; ha interesses
divergentes sobre a educaçâ'o, ha contrai adores.
Grupos desiguais nao s6 participam de~igualmente
da educaçâ'o - dos nobres, dos funcionarios,
dos artesaos - coma sao também par ela desti-
nados desigualmente ao trabalho: para dirigir,
para executar, para produzir.
Mas, assim coma a vida é maior que a forma,
a educ.açao é maior que o controle formai sobre
a educaçâ'o. Alguns pesquisadores têm descoberto
hoje o que existe ha milênios. Par toda parte
as classes subalternas aprenderam a criar e recriar
uma cultura de classe - mesmo quando aprovei-
tando muitos elementos dominantes que lhes
103
104 Carlos Rodrigues Brandâo
/
foram impostos como idéias ou como praticas -
e também formas pr6prias de educaçao do povo.
As oficinas de que falei aqui e ali sâ'o um exemplo
que vem da antigüidade até nossos dias. Mas podem
nao ser o melhor exemplo.
0 que existe na verdade nas comunidades de
subalternos é a preservaçâ'o de tipos de saber comu-
nitarios e de meios comunitarios de sua transfe-
rência de uma geraçâ'o para outra. Corno sempre
se faz a historia da educaçâ'o erudita e formai
quando se discute o que é educaçao, sempre se
deixa de lado este seu outra fado. À margem
da vida dos dominantes, dos escravos aos boias-
-frias de hoje, os subalternos souberam criar,
dentro dos limites estreitos em que sempre lhes
foi permitido "criar'' alguma coisa sua, os seus
modos proprios de sa ber, de viver e de sa ber.
Eles inventaram os seus codigos de tracas no
interior da classe e entre classes.
Sempre que posslvel, criaram formas peculiares
de solidariedade para dentro da classe, e de resis-
tência e manipulaçâ'o para fora dela. Elaboraram
as suas crenças e valores de representaçao do
mundo, mesmo quando observando a escrita
da ideologia dos seus senhores. Constru lram estilos
e tecnologias rusticas dirigidos aos seus usas
do cotidiano. lnventaram rituais sagrados e profa-
nas. Tuda isso a que se da o nome de "Cultura
Popular", e que às vezes se vê da academia como
um amontoado de coisas pitorescas, faz parte · .
.
0 que é Educaçâo
/
de sistemas populares de vida e de representaçao
da vida, e tem uma logica e densidade de que
apenas levantamos o primeiro véu, depois de
tantas pesquisas.
Pois todo este trabalho tradicional de classe
que sustenta um modo proprio de vida subalterna
é sustentado por formas proprias e muitas vezes
popularmente muito complexas de saber. Ë susten-
tado também par sistemas proprios de repro-
duçâ'o do sa ber popular, que impl icam nâ'o apenas
em relaçoes simples, como as de um pai lavrador
corn um filho aprendiz, mas também em redes
e estruturas pedagogicas de que desconhecemos
quase tudo. lsto é evidente em muitas situaçoes:
na Capoeira da Bahia, nas confrarias populares
de Folioes de Santos Reis, numa quadrilha de
pivetes ou numa equipe rustica de construtores
de casas.
Estes modos proprios de uma edutaçao dos
subalternos têm um teor polftico de que pouco
se suspeita. Assim coma a educaçao do sistema
dominante possui o valor polftico dos serviços
que presta aos que a controlam, enquanto ensina
desigualmente aos que a recebem, assim também
as formas proprias de educaçâ'o do povo servem
a ele coma redes de resistência a uma plena invasâ'o
da educaçâ'o e do saber "de fora da classe".
A propria maneira como uma populaçâ'o de
favelados se relaciona corn a escola pode ser um
bom exemplo disso. Ouando ha escola publica
105
106
/
Carlos Rodrigues Brandiio
na favela, os pais mandam os filhos para ela.
Ouando nâ'o ha, as "comissoes de bairro" lutam
para que haja. Mas quem envia os filhos nao se
compromete corn a escola. Os esforços de profes-
sores e diretores para que haja um maior inter-
câmbio entre "a escola" e "a comunidade" resul-
tam quase sempre em fracassa. Ouanâo em alguma
favela a coisa da resultado, às vezes 0 secretario
da educaçâ'o vai visitar e, se posslvel, leva a TV
Globo. 0 descompromisso dos adultos para corn
a escola pûblica nâ'o é devido à falta de tempo.
Muitos destes pais gastam o corpo, o tempo e o
dinheiro por meses a fio nos preparos do "bloco
do bairro", ou da "escola de samba". Eles fazem
assim porque tratam a escola "do governo" coma
tratam as suas outras agências: o posto de saûde,
a delegacia, a agência de bem-estar social. Tratam
coma locais para serviços de emergência e, ao
mesmo tempo, como postas invasores de um tipo
de domlnio de classe indesejavel. Se tratam a
educaçâ'o dos seus filhos coma coisa que se passa
"no mundo dos brancos", é porque têm também
as suas formas pr6prias, tradicionais, de repro-
duçâ'o do saber. Por isso tratam o "bloco" e a
"escola de samba" coma coisa sua, de seu mundo.
Sem o saber que existe na fala, mas cheios do
saber que existe na pratica, os subalternos criam
e recriam a sua pr6pria educaçâ'o. E ela nâ'o existe
s6 para difundir o saber, mas para reforçar o
resistir. Alguns estudos de antrop61ogos franceses
,
0 que é Educaçâo 107
na Âfrica, confirmados por outras feitos, por
brasileiros, aqui no Brasil, demonstram coma
existe uma sabia arma de resistência popular
justamente naquilo que nos acostumamos a despre-
zar, por ver coma "tradicîonal", "atrasado",
"primitivo". A aparente "primitividade" do pobre
contra a invasâ'o sobre ele da "modernidade"
do senhor é um meio popular avançado de lutar
por manter e recriar uma identidade P'.6pria
de subalterno (de lndio, de negro, de colon1zado,
de escravo, de camponês), de manter o seu proprio
saber e as suas pr6prias redes de educaçâ'o.
Quando em alguma parte setores populares
da populaçâ'o começam a descobrir formas novas
de luta e resistência, eles redescobrem também
velhas e novas formas de "atualizar" o seu saber,
de torna-lo orgânico. Criam por sua conta e risco,
ou corn a ajuda de agentes-educadores eruditos,
outras formas de associaçao, coma os 'sindicatos,
os movimentos populares, as associaçoes de mora-
dores. Estes grupos, que geram outras tipos de
mestres entre as pessoas do povo, geram também
outras situacoes vivas de aprendizagem popular.
Eu nao tenho dûvidas em afirmar que é entre
as formas novas de particîpaçâ'o popular, nas
brechas da luta polltica, que, hoje em dia, surgem
as experiências mais inovadoras de educaçao no
Brasil. Os professores tradicionais e os tecnocratas
da pedagogia sâ'o cegos para elas, mas é ali que
as propostas mais avançadas de "educaçao e vida",
108 Carlos Rodrigues Brandao 0 que é Educaçâo 109
"educaçâ'o na prâtica", etc., sâ'o criadas e testadas.
Mais. do que isso, em algumas partes do pals
c.omunidades populares tentam inventar agora
ttpos de esco!as comunitéirias que antecipariam,
em uma plena democracia,o exerclcio de uma
"educaçâ'o como prâtica da liberdade". Aquela
que, sendo sustentada economicamente pelo poder
publico, fosse polltica e pedagogicamente contro-
lada pelas comunidades onde se exercesse.
De outra parte, mesmo nos setores eruditos
da educaçâ'o oficial, é preciso compreender que
ela existe em muito mais situaçoes do que dentro
do sistema e na sala de aula. Ao lado das ino-
vaçoes pedag6gicas que provocam a reinvencâ'o
do trabalho escolar, a mesma relaçao de opostos
sobreexiste entre a formalidade da estrutura
e a permanente oposiçao que fazem a ela as inu-
meras pequenas communitas de sujeitos envol-
vidos, de um modo ou de outra, corn o sistema
de educaçâ'o.
De um lado, os proprios professores que traba-
lham coma educadores (coma sujeitos de suas
diversas categorias de especialistas), nas escolas
colégios e universidades, aprendem a se organiza;
também coma categorias pollticas e profissionais
de traba/hadores da educaçao. As associacoes
de tipos de especialistas do ensino e, mais ai~da
as associaçoes de categorias de docentes sâ'o ~
resultado do desenvolvimento da consciência
pol ltica do educador.
De outra lado, os alunas criam e recriam as
unidades de organizaçâ'o, os seus grêmios,
pos de arte e cultura. Ouem poderia esquecer
as experiências de Educaçao Popular e de
Cuttura Popular no Brasil foram iniciadas dentro
primitivos serviços de Extensao Universitaria,
coma o da Universidade Federal de Pernambuco
onde nasceu o Método Io Freire de Alfabeti'.
zaçâ'o, ou coma os Movimentos de Cultura Popular
e os Centras Populares de Cultura, vinculados
ao movimento estudantil e às suas unidades de
podem enxergar
apenas dentro dos sisternas
(que, al até
ao certo se é uma c1encia, uma
lizada ou uma teoria de educaçao, ou, quem
nada disso).
Somente eles poderiam discutir, corna
da educaçâ'o, problemas de método, de 'operacio-
nalidade curricular, de sistemâtica
e assim por diante. Instrumentas sem
mas pequenas algernas de controle quando empre-
gados sem a crltica do lugar e do sentido de tudo
isso. S6 o educador "deseducado" do saber que
existe no homem e na vida poderia ver educaçao
no ensino esco!ar, quando ela existe solta entre
os homens e na vida. Ouando, mesmo ao redor
da escola e da universidade, ela estâ no sistema
e na oposiçao a ele; na sala de aula ordem,
no
Carlos Rodrigues Br::::.:!!Z:;
e no dia de greve estudantil; no trabalho rigoroso
e persistente do professor-e-pesqu isador e, ao
mesmo tempo, no trabalho poli'tico do profes-
sor-militante.
Esta é a esperança que se pode ter na educacâ'o.
Desesperar da ilusâ'o de que todos os seus ava~cos
e melhoras dependem apenas de seu desenvoÎvi-
mento tecnol6gico. Acreditar que o ato humano
de educar existe tanto no trabalho pedag6gico
que ensina na escola quanto no ato polltico que
luta na rua por um outro tipo de escola, para
um outra tipo de mundo.
E é bem possîvel que até mesmo neste "outro
mundo", um reino de liberdade e igualdade busca-
do pelo educador, a educaçâ'o continue sendo
movimento e ordem, sistema e contestaçâ'o. O
saber que existe solto e a tentativa escolar de
prendê-lo num tempo e num lugar. A necessidade
de preservar na consciência dos "imaturos" o
que os "mais velhos" consagraram e, ao mesmo
tempo, o direito de sacudir e questionar tudo
o que estâ consagrado, em nome do que vem
pelo caminho.
•• - - - -
INDICAÇÔES PARA LEITURA
Para quem tiver fôlego e coragem ha do~s livras
importantes a respeito da idéia de ed~caçao entre
os gregos (de onde veio a ~o~~a, atrav~s ~e Roma~
e sobre a educaçâ'o na Ant1gu1dade Class1ca. Um e
0 Paideia - a formaçâ'o do homem greg?, , ~e
Werner Jaeger (Herder) e o outra, a f!tstor~a
da Educadio na Antigüidade, de Henn-!re~~e
Marrou (Herder/EDUSP). Ainda sobre. ht~t~r~a
da educaçao a Editora Pedag6gica e .uni.vers1tari,a
publicou Educaçâ'o e Sociedade na Prtme1ra Rep':!-
blica. Trata-se de um estudo sobre a. educaçao
brasileira escrito por Jorge Nagle. F1~a1,n:ente,
um livra simples e muito ~til é .a Htston~ da
Pedagogia, publicado pela C1a. Ed1tora Nac1onal
e escrito por René Hubert.
* * *
t Quem quiser conhecer o pensamento de um
'
dos principais educadores brasileiros deve Ier
os trabalhos de Fernando de Azevedo, publicados
-·~----·--·
1
1
112 Carlos Rodrirmes n - 0 que é Educaçao o.,.. LJr..,.riuuv
/
pel_a Melh~ramentos e pela Cia. Editora Nacional.
Le1a espec1almente: A Educaçao na Encruzilhada e
Novo~ Caminhos e Novas Fins. Vale a pena Ier
tambem a sua Sociofogia da Educaçâ'o.
* * *
Ainda sobre a abordagem sociol6gica da edu-
caçâ"o, existem alguns livras que sao coletâneas
de varias aut~res. Um deles, publicado ha algum
tempo, mas ainda atual, é Educaçâ'o e Sociedade
organizado por Luis Pereira e Maria Alice Foracchi
e i:ublica_do, pela Cia. Editora Nacional. Alguns
art1gos h1stoncos sobre a educaçâ'o, a sociedade
e a cult~ra, coma um de Durkheim, foram reunidos
n?~te l1~r~. A mesma editora tem uma longa
sene de l_1vros sobre educaçâ'o. Vale a pena Ier
f!emocrac1a _e. Educaçâ'o, de John Dewey, u m dos
livras essenc1a1s para se compreender o movimento
da ~scola Nova no Brasil. De modo geral, todos
os livras de Anîsio Teixeira, outra educador
dos tempos de renovaçâ'o da pedagogia no Brasil
podem ser lidos. Sâ"o também publicados pel~
mesma editora.
* * *
A. Editora Vozes tem uma das melhores coleçoes
de livras sobre educaçâ'o. Trata-se de Educacâ'o
e T~mpo Presente. Destaco dela os três li~ros
de ~1erre Furter~ Educaçâ'o e Reflexâ'o, Educaçiio 1
e Vida e Educaçao Permanente e Desenvo/vimento
Cultural. Na mesma linha de pensamento, existe
o Educaçiio e ldeofogia, de Sinésio Bacchetto.
Dois outras livras de leitura simples e de um bom
poder de explicaçâ'o de questoes basicas da edu-
caçâ'o em nosso tempo sâ"o: Fenomenologia da
Educaçao, do argentino Gustavo Cirigliano e
Pedagogia de nosso Tempo, de Ricardo Nassif.
Outra abordagem sociol6gica da edueaçâ'o brasi-
leira foi realizada por Ângelo Domingos Salvador,
em Cultura e Educaçao Brasileira. Resta ainda
da coleçâ"o o desafiante estudo de Ivan Illich,
Sociedade sem Escolas. Da mesma editora ha
um pequeno livra bastante util, escrito par Suzana
Albornoz Stein: Por uma Educaçiio Libertadora.
* * -;;·
Alguns estudos sobre a universidade brasileira.
A Universidade Tempora, pub1icado Ed. Civili-
zaçâ'o Brasileira, de Luis Antônio Cunha, rie
quem todos os outras livras podern ser lidos
sern susto e corn urn grande praveito,. especial-
mente Educaçao e Desenvolvimento Social no
Bras!/. A Universidade Brasi/eira em Busca de
sua ldentidade, de Maria de Lourdes de A. Favero,
publicado pela mesma coleçao Educaçâ'o e Tempo
Presente, da Vozes. Sobre o movimento estudantil,
além dos seus proprios escritos, ha uma pesquisa
que nâ'o pode deixar de ser lida. Ë o estudo de
José Augusto Guilhon Albuquerque, Movimento
Estudantil e Consciência Social na América Latina,
publicado pela Paz e Terra.
* * *
113
114
Carlos Rodrigues Brandâo 0 que é Educaçiio
I
~obre quest6es re/ativas a - .
log1a, entre os /ivros . educaçao e ideo-
três: Pratica Educati:a1~ r~en.tes quero destacar
Pereira Ramalho da Ed. octedade, de Jether
e Hegemonia de N" A't?ra Zahar, ldeologia
da Editora C~rtez e '~~en;us Junqueira Paoli,
e o Nacionalismo-Dese,nvo1nla _ment:, Paulo Freire
P · v1ment1sta d V · a1va, publicado pela c· .,. - f e an1Jda
1v1 izaçao Brasileira.
* * *
De modo gera/ sao · , .
ampla gama de quest~u1to u~e1s e cobrem uma
· oes os l1vro
publ1cados pela Edit C s recentemente
e Moraes). Esta edito~;a t o~tez (antiga Cortez
estudos recentes sobre em a~çado a cada mês
educaçao brasileira. questoes concretas da
* * *
Dentro da linha em
tida aqui hâ muitos que ~ educaçao foi discu-
f, 1 _ outras livros T A d ac1 sao os escritos por Ped . _res . e acesso
Educaçâ'o _ Modern. _ ro Ben1am1n Garcia:
Clâudio l. Salm· Es~~~~ao ou Dependência, por
T~reza Nidelkoff.:Uma J. Trabalho e por Maria
Pnmeiro é da Livraria F sco!a para o Povo. 0
ûltimos da Brasiliense ~anc1sco Alv:s ~ os dois {
tem vârios livros p bl" aura de Ol1ve1ra Lima t1
introducoes desaf"1adu 1cad?s e todos eles sao
d . oras as qu t- t' a educaçao no Brasil: Ier el es oes quentes
na Educaçao da V P 0 menos 0 Impasse
D ' ozes Tecno/og · rd· · e emocracia da c· T ' - ta, c, ucacao '
, tv1 tzaçao Brasileira e Es~ola i
no Futuro, da Editora Encontro.
Absolutamente essencial é o livra de Demerval
Saviani, Educaçaa Brasileira, Estrutura e Sistema,
da Editora Saraiva.
* * *
A mesma Editora Brasiliense acaba de lançar
talvez o mais inteligente e também o mais moti-
vante {e desafiador) livra sobre educaçao, para
quem queira fazer sobre ela uma leitura de intro-
duçâ'o crltica. Trata-se de Cuidado, Escala!, escrito
pela equipe do lnstituto de Desenvolvimento
e Açâ'o Cultural, fundado por Paulo Freire.
* * *
Ha uma série de livras a respeito de Educaçâ'o
Popular e entre eles é indispensâvel a leitura
de pelo menos alguns livras de Paulo Freire. Os
dois primeiros: Educaçaa coma Préftica da Lwer-
dade, editado pela Paz e Terra, e Pedagogia do
Oprimida, da mesma editora. Entre os mais recen-
tes, nâ'o perder Cartas de Gui né-Bissau. Outras
cartas de Paulo Freire estâ'o em A Ouestao Po/(~
tica da Educaçao Popular, que editei pela Brasi-
liense. Ler ainda o excelente Educaçâ'o Popu/ar
e Conscientizaçâ'a, da Vozes, escrito pela uru-
guaio Julio Barreiro. Nâ'o perqer, ainda, Vivendo
e Aprendendo, da equipe do IDAC e publicado
pela Brasiliense. Sobre a prôpria histôria da edu-
caçâ'o popular no Brasil, é importante Ier: Edu-
caçâ'o Popular e Educaçâ'a de Adultas, de Vanilda
115
116
Carlos Rodrigues Brandiio
Pereira Paiva editado 1 Educaçâ'o Po~ular d tela Loy_ola; Estado e
p· · ' e e so Ru1 Beisiegel, da
p1one1ra; e, finalmente, PoHtica Educaçiio
opu/~r, de Siivia Maria Manfred·
pela S1mbolo. 1, publicado
* * *
Até aqui falei apenas b . . .
e crltica sociol6gica da so ;e ln~;os de historia
questoes de eda . e uca_çao. Mas sobre
à educaçâ'o :Xiste90J~a e ~e _?Slcologia aplicadà
Entre os livras de acess re aç~o ?~stante maior.
os pubJicados pela Cia o E~_a1s facll estâ'o todos
a pena procurar também. itora Nacional. Vale
especializadas como a R ur1:1a entre outras revistas
dos Pedag6gi~os publ" ~v1sta Brasileira de Estu-
Nacional de Est~dos ~~~a a P~10 f NEP O_n~tit,uto
d~ Educaçâ'o e Cultura b°g1c~s),. do M1niste:io
a1nda uma outra revist. . proprio MEC ed1ta
a importante: Educaçiio.
* * *
Revistas sobre educacâ'o . .
abordagem sociol6gica ~stâ ex1stem m~1tas. Uma
dade, do CEDES distribu (d:m Educ~çao e Socie-
Em outra d. .: . . . pela Ed1tora Cortez 1recao d1rigida ·
Sala de Aula, publicada el ao professor, existe
Anlsio Teixeira. P ° Centra de Estudos
- - -·------'
Biografia
Carlos Rodrigues Brandao nasceu no Rio de J aneira
em 14 de Abril de 1940. Desde 1963 trabalha corn grupos
e movimentos de Educaçao Popular, pratica que iniciou
no Movimento de Educaçao de Base e que hoje continua
através do Centra de Estudos de Educaçao e Sociedade
(CEDES) e do Centra Ecumênico de Documentaçao e
Informaçao ( CEDI).
É antrop61ogo e trabalha no Departamento de Ciências
Sociais da Universidade de Campinas (UNICAMP). Lecio-
nou na Faculdade de Educaçao da Universidade de Brasi-
lia, da Universidade Federal de Goias e da Universidade
Cat6lica de Goias.
Tem alguns livras publicados nas areas de cultura popu-
lar e de educaçao popular. Na primeira: Cavalhadas de
Piren6polis; 0 Divino, o Santo e a Senhora; Peoes, Pretos
e Congas, A Folia de Reis de Mossâmedes, Deus te Salve,
Casa Santa; Plantar, Colher, Camer (um estudo sobre o
campesinato goiano). Pela Brasiliense publicou: Os Deuses
do Povo. Na segunda area, editou, também pela Brasiliense,
A Questâo Politica da Educaçâo Popular, e prepara A
Questâo Politica do Saber Popular. Prepara também mais
dois livras para a Coleçâo Primeiras Passos: 0 que é Religiâo
(corn Rubem Alves) e 0 que é Folclore.
Caro leitor:
Se você tiver alguma sugestào de novos titulos para
as nossas coleçôes, por favor nos envie. Novas idéias,
novos titulos ou mesmo uma "segunda visào" de um
jâ publicado serào sempre bem recebidos.
1
COlEÇÂO PRIMEIROS PASSOS
1 - Socialismo Arnaldo Spindel
2 - Comunismo Arnaldo Spindel
3 · Sindicalismo Ricardo C. Antu-
nes 4 - Capitalismo A. Mendes
Catani 5 . Arrarquismo Caio folio
Costa 6 - Liberdade Caio Prado
Jr. 7 - Racismo J. Rufino dos
Santos 8 - lndüstria Cultural Tei-
xeira Coelho 9 - Cinema J. Clau-
de Bernardet 10 - Teatro Fernan-
do Peixoto 11 • Energia Nuclear
J. Goldemberg 12 - Utopia Tei-
xeira Coelho 13 - ldeologia Ma-
rilena Chaui 14 • Subdesenvolvi-
mento H. Gonzalez 15 - Jornalis-
mo Cl6vis Rossi 16 - Arquïtetura
Carlos A. C. Lemos 17 - Histôria
Vavy Pacheco Borges 18 - Ques-
tâo Agrâria Josê G. da Silva 19 -
Comunidade Ec. de Base Frei
Betta 20 - Educaçâo Carlos A.
Brandan 21 Burocracia F. C.
Prestes Motta 22 - Oitaduras
Arnaldo Spindel 23 - Dialética
Leandro Konder 24 - Poder Gé-
rard Lebrun 25 - Revoluçao Flo-
restan Fernandes 26 - Multina-
cionais Bernardo Kucinski 27 ·
Marketing Raimar Richers 28 ·
Empregos e Salélrios P. R. de
ASAIR:
Administraçâo Candida B. Aze-
vedo Alfabetizaçâo Ana Maria
Poppov1c Amor Betty Milan An-
gUsi:ia André Gaiarsa Arqueolo-
gia Ulpiano B. Menezes As-
trologi·a Claudia Hoi!ander Auto-
nomismo Mauricio Tragtenberg
Autoritarismo Carlos Estevan
Martins Banditismo José Ri-
cardo Ramalho Biblioteca Luiz
Milanesî Biologia Warnick Kerr
Candomblé Leni Myra Siverstein
Capital Financeiro M. C. Tavares
Capital Monopolista de Estado
J. M. Cardoso de Mello Capoeira
Almir das Areias Carnaval Ro-
berto da Matta Cibernética Jo-
celyn Bennaton Cidadania Sérgio
Adorno Ciência Rubem Alves
Classes Sociais José A. Moysés
Comunicaçâo Rural - Juan D.
Bordenave Conscientizaçâo Mi-
guel Darcy de Oliveira Contra-
cultura Carlos A. Pereira Corpo
Ana Verônica Mautner Critica
Mariene Bîlinsky Curandeirismo
Zeha Seiblitz Deficiente Joao
Batista Ribas Desobediência
Souza 29 - lntelectuais Horâcio
Gonzalez 30 - Recessâo Paulo
Sandroni 31 - Religiao Rubem
Alves 32 - lgreja P. Evaristo, Car-
deal Arns 33 - Reforma Agrilrla
J. Eli Veiga 34 - Stalinismo J.
Paulo Netto 35 - lmperialismo
A. Mendes Catani 36 · Cultura
Popurar A. Augusto Arantes 37 ·
Filosofia Caio Prado Jr. 38 • Mé-
todo Paulo Freire C. R. Brandao
39 - Psicologia Social S. T. Mau-
rer Lane 40 - Trotskismo J. Ro-
berto Campos 41 - lslamismo
Jamil A. Haddad 42 - Violência
Urbana Regis de Morais 43 • Poe-
sia Marginal Glauco Mattoso 44 -
Feminismo B. M. Alves/J. Pitan-
guy 45 - Astronomra Rodolphe
Caniato 46 - Arte Jorge Coli 47 -
Comissêies de Fâbrica R. Antu-
nes/ A. Nogueira 48 - Geografia
Ruy Moreira 49 - Direitos da
Pessoa Dalma de Abreu Dallari
50 - Familia Danda Prado 51 - Pa-
trimêinio Hist6rico Carlos A. C.
lemos 52 - Psiquiatria Alterna-
tiva Alan lndio Serrano 53 - Lite-
ratura Marisa Lajolo 54 • Polltica
Wolfgang Leo Maar 55 - Espiri-
Civil Evaldo Vieira Ecanomia
Politica L. G. de Mello Belluzzo
Educaçao Ambiental José M. Al-
meida Jr. Educaç8o lndigena Ara-
ci L. Silva Educador Rubem A!-
ves Estados Unidos Paulo Fran-
cis Estudar Paulo Freire Fisica
Ernest Hamburger Forne Ricardo
Abramovay Fotografia Claudio
A. Kubrusly Geopolitica Ruy
Moreira Homossexualismo Peter
Fry/Edward MacRae lnflaçâo J.
B. Amara[ Filho Judaismo Anita
Novinsky Linguagem Carlos Vogt
Maçonaria Arnaldo Mind!in Ma-
temiltica Artibano Micali Metafi-
sica Gerd A. Bornhefn Moradia
Luiz C. O. Ribeiro/Robert M.
Pechmann Museu Mariene Suano
Müsica J. Jota de Morais Nacio-
nalismo Toledo Machado Ordem
Econômica lnternacional Ladislau
Dowbor Parlamentarismo Rubem
Keinert Partidos Pohticos Fran-
cisco Weffort Pape! Otavio Roth
Pedagogia Laura O. Lima Planeja-
mento Empresarial Aogério Ma-
chado Planejamento Familiar R.
tismo Roque J~cintlÎo56 - Po-
der Legislativo Nelson Saldanha
57 - Sociologia Carlos B. Mar-
tins 58 - Dîreito lnternacional J.
Monserrat Filho 59 • Teoria Ota-
viano Pereira 60 - Folclore Car-
los Rodrigues Brandao 61 - Exis-
tencialismo Joâo da Penha 62 ·
Oireito Roberto Lyra Filho 63 ·
Poesia Fernando Paixâo 64 - Ca-
pital Ladislau Dowbor 65 - Mais-
Valia Paulo Sandroni 66 • Recur·
sos Humanos Flâvio de Toledo
67 - Comunicaçëo Juan Diaz Bor-
denave 68 - Rock Paulo Chacon
69 - Pastoral Joâo Batista Liba-
nio 70 - Contabilidade Roque Ja-
cintho 71 - Capital lnternacional
Rabah Benakouche 72 · Positivis·
mo Joâo Ribeiro Jr. 73. Loucura
Joâo A. Frayze-Pereira 74 - Lei-
tura Maria Helena Martins 75 -
Questiio Palestina Helena Salem
76 - Punk Antonio Bivar 77 - Pro-
paganda ldeol6gica Nelson .larh
Garcia 78 - Magia Jo8o Ribeiro
Jr. 79 - Educaçâo Fisica Vitor
Marinho de Oliveira.
Darcy de Oliveira Planejamento
Urbano Candida M. Campos Po-
litica Nuclear Ricardo Arndt
Previdência Social Moyses Qua-
dros Psfcanâlise Fabio Herrmann
Psicologia Arno Enge!man Psi-
comotricidade Eduardo Ravagnî
Psicoterapia leda Porchat Reli-
gîâo Popular Rubem C. Fernan-
des Repressâo Sexual Marilena
Chauf Ret6rica José A. Pessa-
mé Serviço Social Ana Maria Es-
tevâo Silêncio André Gaiarsa Sis-
tema Rogério Machado Socieda-
de Civil M. Sylvia C. Franco
Sociobiologîa José M. Almeida
Jr. Solo Urbano Sérgio Souza
Lima Televisëo Walter Salles Jr.
Teologia Rubem Alves Terroris·
mo José Manoe! Barras Traba-
lho Ernildo Staine Transporte
Urbano Sérgio Souza Lima Um-
banda Patricia Birman Universi-
dade Luiz Wanderley Vinho
Abelardo Blanco Violência Nilo
Od8lia.
TiTULOS PUBUCADOS
JANEIRO DE 83
n.0 (6)
(53)
(73)
(78)
(65)
(27)
(38)
(26)
(69)
(51)
(24)
(56)
(63)
(43)
(54)
Anarquismo
Arquitetura
Arte
Astronomia
Burocracia
Capital
Capital lnternacional
Capitalismo
Cinema
Comissôes de Fabrica
Comunicaçao
Corn. Eclesial de Base
Comunismo
Contabilidade
Cultura Popular
Dialética
Direito
Direito lnternacional
·oireitos da Pessoa
Ditaduras
Educaçao
Educaçao fisica
Empregos e Salarias
Energia Nuclear
Espiritismo
Existencialismo
Familia
feminismo
Filosofia
Fol clore
Geografia
Historia
ldeologia
lgreja
lmperialismo
lndustria Cultural
lntelectuais
lslamismo
Jornalismo
leitura
n.0 (5)
(16)
(46)
(45)
(21}
(64)
(71)
(4)
(9)
(47)
(67)
(19)
(2)
(70)
(36)
(23)
(62)
(58)
(49)
(22)
(20)
(79)
(28)
(11)
(55)
(61)
(50)
(44)
(37)
(60)
(48)
(17)
(13)
(32)
(35)
(8)
(29)
(41)
(15)
(74)
liberdade
literatura
Loucura
Magia
Maîs-Valia
Marketing
Método Paulo Freire
Multinacionais
Pastoral
Patrimônio Histéirico
Poder
Poder Legislativo
Poesia
Poesia Marginal
Politica
Positivismo
Propaganda ideoléigica
Psicologia Social .
Psiquiatria Alternat1va
Punk
auestao Agraria
Questao Palestina
Racismo
Recessao .
Recursos Humànos
Reforma Agraria
Religiao
Revoluçao
Rock
Sindicalismo
Socialismo
Sociologia
Stalinismo
Subdesenvolvimento
Teatro
Teoria
Trotskismo
Utopia
Violência Urbana
(72)
(77)
(39)
(52)
(76)
(18)
(75)
(7)
(30)
(66)
(33)
(31)
(25)
(68)
(3)
(1)
(57)
(34)
(14)
(10)
(59)
(40)
(12)
(42)