Buscar

A ESTÉTICA COMO PORTA DE ENTRADA PARA O ENSINO DE FILOSOFIA

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A ESTÉTICA 
COMO PORTA DE ENTRADA 
PARA O ENSINO DE FILOSOFIA
João Virgílio Tagliavini
A estética, proposta neste trabalho como pórtico para o ensino de filosofia, é a reflexão
sobre as diversas formas do belo. O vocábulo grego aisthetiké refere-se a tudo aquilo que
pode ser percebido pelos sentidos. Significa experiência, conhecimento sensorial,
sensibilidade.
A arte precede as doutrinas, os sistemas e as teorias elaborados sobre ela. A estética
supõe a arte, e como parte da filosofia, torna-se realidade apenas no século XVIII. Quem
utilizou o termo estética pela primeira vez foi o alemão Alexander Baumgarten (1714-1762)
por volta de 1750. Ele o utilizou no sentido de teoria do belo e das suas manifestações
através da arte. 
Mas, o que é estética? Croce, no início do século XX, define a estética como
A ciência da arte que... não tem por função, como se pensa em algumas
concepções escolares, definir a arte uma vez por todas e tecer sua trama
conceitual de forma a cobrir todo o campo dessa ciência; ela é apenas a
reorganização permanente, sempre renovada e cada vez mais rigorosa dos
problemas aos quais, segundo as diferentes épocas, dá lugar à reflexão sobre
a arte, e ela coincide perfeitamente com a solução das dificuldades e dos
erros que estimulam e enriquecem o progresso incessante do pensamento.1
A história da estética é a da sua busca incessante pela autonomia. A arte parece ter
existido em todos os tempos e em todos os lugares, desde as mais remotas eras conhecidas
pelo homem. Então, indaga-se por que a estética, como reflexão autônoma sobre a arte, só
aparece no século XVIII? Como explicar o seu surgimento tão tardio? É importante observar
1 Croce citado por Marc Jimenez, 294-295.
1
que uma das causas dessa autonomia tardia pode ser porque econômica e politicamente os
artistas só se libertaram das tutelas religiosas, monárquicas e aristocráticas também
tardiamente. O próprio artista liberta-se também tardiamente da sua condição de artesão
dependente, ora do príncipe, ora do religioso ou mesmo de sua corporação. Por muito tempo o
ofício do artista é considerado apenas uma atividade prática, manual, em oposição às
atividades intelectuais. É longo o caminho e a luta dos artistas para se libertarem das artes
mecânicas para que sua atividade seja reconhecida como arte liberal. Só por volta do século
XV é que os artistas, na sua maioria, passam a assinar suas obras. Em compensação conta-se
que quando um pincel escapa das mãos de Tiziano, é o imperador Carlos V que se abaixa para
pegá-lo. A estética só pode nascer depois de o sujeito, a partir de Descartes, afirmar-se como
dono de suas representações, fazendo a passagem da fé para a razão. Na verdade, trata-se de
uma nova profissão de fé, a fé na razão. Essa passagem da tutela para a liberdade e do
anonimato para o reconhecimento não se dá como por milagre, e nem acontece de forma
absoluta. É preciso lembrar que a partir do renascimento, se o artista começa a se libertar dos
seus patrocinadores, ele passa a depender do mercado e do marchand, quando o valor de
troca, pelo comércio, começa a prevalecer sobre o valor de uso da obra de arte, e a crítica
passa a exercer o controle. Estabelece-se, portanto, mais a autonomia da crítica que, por sua
vez, realiza-se na dependência das condições materiais dadas historicamente. O cliente passa
a exercer o papel que era dos empregadores, pela mediação do marchand2. A estética, por sua
vez, como reflexão, pode auxiliar o homem na luta pela emancipação em relação às tutelas da
teologia, da metafísica e da moral, assim como das tutelas social e política. Pode-se dizer,
portanto, que há uma relação dialética em direção à emancipação por parte da arte e da
sociedade. 
A arte pode ser também “catequese”. O papa Gregório Magno, na segunda metade do
século VI, afirmou que a pintura podia servir ao analfabeto tanto quanto a Escritura servia a
aqueles que sabiam ler3. Portanto as pinturas deveriam apresentar as mensagens bíblicas e
teológicas da maneira mais simples e clara possível. 
A arte tão condicionada pela magia, pela religião ou pela política, trilha um longo
caminho em direção a sua emancipação, assim como a estética faz o mesmo caminho. No
2 O primeiro marchand de belas artes de que se tem notícia é o florentino Giovanni Battista della Palla, no 
começo do século XVI.
3 Estrabão já dissera: Pictura est quaedam litteratura illiterato... Pictura et ornamenta in ecclesia sunt laicorum 
lectiones et scripturae. Cfr. Hauser, 129.
2
século XVI os vínculos que uniam a ciência e a arte num conhecimento homogêneo
diminuem. A idéia de autonomia da arte começa a sugerir que ela é também independente da
ciência e do saber. Para Jimenez, várias condições são necessárias para que a estética se
imponha como um domínio de reflexão específica. Nenhuma “estética filosófica” poderia ter
nascido sem a constituição das idéias de criação autônoma e de sujeito criador. Era preciso
também definir as relações entre a razão e a sensibilidade, meditar sobre o gosto, sobre a
experiência individual e esforçar-se por determinar o papel da razão no domínio específico da
arte, distinto da ciência e da moral. No interior desta esfera estética autônoma, o julgamento
do gosto, individual, subjetivo, pode ser exercido livremente sem ter de justificar-se junto a
instâncias “superiores”, como a teologia, a metafísica, a ciência ou a ética. Pelo menos, em
princípio.
Michelangelo Buonarroti, cognominado “O Divino”, é o primeiro exemplo do artista
moderno, solitário, dominado por um impulso próprio que não admite interferências na sua
produção artística, nem mesmo de seus contratantes, sejam eles, príncipes ou papas.
A conquista da autonomia da estética que começa a se consolidar no século XVIII,
inscreve-se no movimento mais geral de libertação em relação à ordem antiga. O século
XVIII é o século da afirmação do indivíduo como sujeito, das declarações e da consciência
dos seus direitos. A autonomia plena, real e completa nunca se realizou nem se realizará
porque a arte, além de ser um produto datado e, portanto, histórico, acabará sempre “servindo
a outros senhores”, como o rei, o cardeal, o revolucionário ou o mercado. E, principalmente,
porque a autonomia do sujeito também nunca se realizou. Mesmo assim, a modernidade
conhece alguma autonomia que torna possível, inclusive, Art pour l’art. É importante
observar que a autonomia da estética caminha junto e reforça também a autonomia de uma
reflexão crítica, seja em relação à arte, à sociedade e à política. Estética, ética e política fazem
parte da mesma formação filosófica. A educação pela beleza, que permite ultrapassar o estado
sensível e subir ao estado estético permite chegar ao estado político, questionando até mesmo
a dominação, num impulso para a autonomia do cidadão. A experiência do belo é
fundamental por desenvolver a capacidade de relativizar as estruturas e dinâmicas de
dominação econômica, social e política. O acesso às obras de arte e à crítica da estética
permitem, por exemplo, na sociedade contemporânea o olhar crítico e o questionamento da
metástase do mesmo, tanto nas imposições comerciais da cultura mediatizada, quanto na
“repetição” das mesmas formas de dominação de micro ou macro poderes. Diante dos
3
horários gratuitos de propaganda política no rádio e na televisão, aquele que teve uma sólida
formação estética, pode sentir-se, talvez, o personagem da litografia O Grito de Edvard
Munch (1895), que manifesta uma emoção que transforma toda a fisionomia, demonstrando
que algo de terrível está acontecendo ou para acontecer.
As obras de arte servem à filosofia por se constituírem, segundo Benjamin, em
condensações de experiências passadas capazes de iluminar o futuro se conseguirmosdecifrar
sua significação simbólica e alegórica4.
Para Adorno, a arte somente pode revestir-se de um sentido na negação do mundo
presente: é a sua estética negativa. Para ele, Auschwitz demonstra que a cultura ocidental não
conseguiu impedir a barbárie, prevenir o inominável. Será possível compor um poema após
tamanha decadência do ser humano? Mas, o que resta de bom no ser humano não pode
abdicar facilmente diante da barbárie. Nos dias em que escrevo estas linhas, a barbárie age nas
ruas do centro de São Paulo, eliminando mendigos, “limpando” as ruas de todo o diferente
que as enfeia. Ao pensar na reação de Munch diante da decadência e das misérias humanas,
ao dar o seu Grito, mais surpreso ainda fico ao ler no jornal do dia que uma das versões de sua
obra O Grito acaba de ser roubada do museu Munch, em Oslo, na Noruega.
A filosofia que não abdica diante da barbárie, faz coro com a arte para combatê-la e, se
possível, destruí-la. A filosofia pode exumar as obras de arte e, em especial, a pintura das
salas e corredores frios de museus e galerias para torná-las instrumentos de provocação do
pensamento crítico sobre o homem e o seu mundo.
De Bruegel a Sêneca: arte e ensino de filosofia
Após uma leitura da história da arte e um estudo sobre alguns artistas, pareceu-nos que
a obra de Pieter Bruegel poderia servir como um exemplo do potencial pedagógico da pintura
para o ensino e a aprendizagem da filosofia. Algumas obras desse artista dos Países Baixos,
do século XVI, levam à reflexão sobre os princípios da filosofia estóica. Para fazer um
diálogo com Bruegel, optamos pelos textos de Sêneca, por ser um dos grandes representantes
do estoicismo, e pela maior facilidade de acesso à sua obra.
Podemos nos perguntar: qual é a visão correta de uma obra do passado? Somente
mergulhando nas propostas do artista e aceitando o seu convite para viver intensamente a sua
experiência é que podemos captar os temas que ele provoca. Para conhecê-lo e para que sua
obra leve a novos saberes e questionamentos, será necessário, portanto, vivenciar um pouco as
4 In Marc Jimenez, O que é estética?, 335.
4
relações com seu tempo, seu lugar, enfim, com a sua história. Tal visita à sua obra pode
chocar, intrigar, desorientar, irritar e, às vezes, conquistar e deslumbrar. Desse modo, ao
compreender suas obras consegue-se transmitir aos outros o conceito de belo a elas inerentes
e, pela porta da estética, entrar na filosofia.
Não se sabe exatamente o ano nem o lugar onde Pieter Bruegel nasceu. Situa-se seu
nascimento entre 1525 e 1530, num local também incerto, possivelmente Breda. O local do
seu nascimento e da sua vida é aquele que era conhecido por Países Baixos dos quais hoje
fazem parte Holanda e Bélgica. Até 1550, Bruegel torna-se, provavelmente, aprendiz de
Pieter Coeck van Aelst, em Antuérpia, onde, em 1551 é recebido como mestre na Guilda de
São Lucas. No ano seguinte faz uma viagem à Itália, passando por Lyon na ida e pelos Alpes
Suíços na volta. Essa viagem que durou alguns anos exerceu forte influência em seu trabalho.
Em 1556, Bruegel pinta Os peixes grandes comem os pequenos e O burro na escola. Em 1959
ele pinta O combate do carnaval e da quaresma. É nesse mesmo ano que o rei Felipe II da
Espanha, sucessor de Carlos V, deixa definitivamente os Países Baixos depois de lá ter
residido durante alguns anos. Para seu lugar nomeia a sua meia-irmã Margarida de Parma,
como governadora-geral dos Países Baixos. Os flamengos exigem a retirada das tropas
espanholas. Essa disputa fará o rei Felipe II enviar aos Países Baixos, em 1567, o Duque de
Alba acompanhado de um exército. O “conselho dos distúrbios” instituído pelo Duque de
Alba condena à morte oitocentos “agitadores” flamengos. Tal situação política terá muitos
reflexos na obra de Bruegel. Em 1558 ele pinta A queda de Ícaro e, em 1562, A queda dos
anjos rebeldes, O suicídio de Saul, Dois macacos. Em 1564 nasce seu primeiro filho e, em
1568 nasce o segundo, frutos do seu casamento com Mayken Coeck, filha de seu mestre. Em
1568, exatamente um ano após a chegada do Duque de Alba nos Países Baixos, Bruegel pinta
A queda dos cegos, A pega sobre a forca, A perfídia do mundo, O provérbio do ladrão de
ninhos, Os mendigos, A tempestade. Pieter Bruegel morre em 1569, provavelmente, aos 5 de
setembro, por volta dos quarenta anos. É sepultado em Notre-Dame de la Chapelle, em
Bruxelas.
Antuérpia, em grande expansão, tornara-se o novo centro econômico e financeiro do
mundo ocidental, lugar de reunião de comerciantes dos diversos países. Os artistas e artesãos
aproveitavam-se também desse movimento e dessa circulação monetária. Por volta de 1560,
teriam trabalhado em Antuérpia trezentos e sessenta pintores. Tal florescimento das artes faz
aumentar a concorrência entre os artistas e artesãos. Depois de sua viagem a Itália, foi em
Antuérpia que Bruegel viveu de 1554 até 1562. Antuérpia, cidade comercial que em cinqüenta
5
anos quase dobrou a sua população, contava com muitos estrangeiros que, evidentemente
falavam outra língua e tinham costumes diferentes. A sua mudança para Bruxelas, em 1563 se
dá em razão de seu casamento com Myken, que lá morava com a mãe viúva, muito talentosa
pintora de aquarelas. Quando se casou, Bruegel já era famoso e recebia encomendas de ricos e
poderosos de Antuérpia, Bruxelas e outras localidades dos Países Baixos. 
A região em que ele vivia estava sob o domínio da Espanha e sofria com as lutas das
novas religiões protestantes tentando ganhar espaço nos Países Baixos. Esses conflitos estão
presentes na sua obra.
Uma de suas obras que oferece bastante material para filosofia estoica é a Paisagem
com a queda de Ícaro (1558). 
Conforme conta o mito que os europeus conheciam por meio de um famoso livro de Ovídio,
chamado Metamorfoses, Dédalo homem habilidoso, construira o labirinto para Minos, rei de
Creta esconder para sempre o Minotauro, vergonha da união da sua mulher com um dos
deuses e símbolo do seu poder tirânico. O labirinto deveria ser inexpugnável. Mas Teseu, com
ajuda de Ariadne, filha de Minos, consegue matar o Minotauro. Dédalo, com isso, cai na
desgraça do rei Minos que o manda prender numa torre. Tendo conseguido fugir da prisão,
Dédalo sabia que teria que inventar alguma forma de fugir da ilha, cujas embarcações eram
rigorosamente revistadas. Segundo o mito, Dédalo, pai de Ícaro, descobriu uma maneira de
voar construindo asas de pena e de cera. Prontas as asas, Dédalo ensinou seu filho a voar,
6
recomendando-lhe que permanecesse numa altura moderada, pois, voando muito baixo, a
umidade emperraria suas asas e voando muito alto, o calor do sol as derreteria. Entusiasmado
com o vôo que estava dando certo, Ícaro começou a elevar-se cada vez mais para alcançar o
céu. A proximidade com o sol forte amoleceu a cera que prendia as penas e estas se
desprenderam. Lançando gritos em direção ao pai, Ícaro mergulhou para sempre nas águas
profundas do mar que receberia o seu nome. Ovídio fala de um lavrador, um pastor e um
pescador que presenciaram tal cena.
Num de seus mais belos quadros, A queda de Ícaro, Bruegel deixa o espectador num
ponto alto para contemplar a paisagem e a cena narrada por Ovídio. No centro do quadro com
cores em destaque, está o lavrador que cuidadosamente ara a terra. Na direção dele à beira do
mar, está o pastor tranqüilamente apoiado em seu cajado, a cuidar de suas ovelhas. Na parte
inferior do quadro à direita está o pescador concentrado na tentativa de pegar o seu peixe.
Próximas ao pescador notam-se as pernas de Ícaro que mergulha no mar e as penas que o
acompanham. Ícaro que queria ser tão grande, para Bruegel reduz-se a um par de pernas
prestes a sumir nas águas do mar. No alto do quadro há a luz forte do sol que foi a causa de
sua queda. Embora alguns pudessem interpretar que Bruegel estivesse querendo criticara
cegueira dos três personagens para a novidade que está acontecendo, fica mais evidente o seu
propósito de mostrar como, estoicamente, o lavrador, o pastor e o pescador estão conformados
com a sua situação. Eles não fizeram como Ícaro que, não tendo aceitado viver e voar no meio
termo, pretendera ser mais do que era, sonhando e buscando as alturas. Todo aquele que se
conforma e aceita a sua condição e a sua missão, pode não alcançar as alturas, mas também
não será precipitado nas profundezas. Bruegel parece demonstrar também que o homem,
como querem os estóicos, só é feliz numa perfeita integração com a natureza que o alimenta e
lhe dá a vida. Toda a natureza parece estar representada neste quadro: a terra, o mar, as
montanhas, o sol, o céu, as plantas e os animais. Como que a contradizer a sua tese principal,
Bruegel, ao mostrar a queda do herói, aponta para o homem que, com o auxílio de uma nova
ciência e uma nova técnica, no início do século XVI, seu tempo, conquista um novo mundo:
são as caravelas que, com suas velas infladas, ganham o mar para as grandes navegações.
O quadro de Bruegel é a pintura de uma página de Sêneca, numa de suas Cartas a
Lucílio: 
Mostro aos outros o caminho reto que conheci tarde, depois de tanto
vaguear. Assim proclamo: “evitai tudo o que agrada ao vulgo, o que o acaso
proporciona. Detende-vos suspeitosos e temerosos diante de todo bem
fortuito. Tanto as feras como os peixes deixam-se enganar por uma
7
esperança que os deleite. Entendeis como dádivas essas ofertas da Fortuna?
Ao contrário, são armadilhas. Quem quiser viver uma vida segura, evite, o
mais que puder, essas iscas pelas quais somos enganados, e por isso
infelicíssimos; pensando apanhá-las, por elas somos apanhados. Essa corrida
nos impele para o precipício. O fim desta vida, que deseja sobressair, é a
queda.5
O estoicismo de Bruegel também se faz muito presente na sua Torre de Babel (1563). 
Ele teria buscado inspiração no capítulo 11 do livro do Gênesis, que narra a pretensão do rei
Nimrod de construir uma torre que alcançasse os céus, talvez para fugir de um possível novo
dilúvio. Conta a Bíblia que, diante da arrogância e da pretensão dos homens, Deus confundiu
suas línguas para que não se entendessem mais. Foram dispersos pela face da terra e a torre
restou inacabada. A torre de Bruegel, pintada à beira de um rio para que fosse possível o
transporte de materiais pesados é construída com as técnicas conhecidas na época do pintor. O
5 Sêneca, Aprendendo a viver, 5. A moral estóica e, em especial a de Sêneca, é muito parecida com a moral 
cristã. Sêneca teria aprendido com os primeiros cristãos ou, como parece mais óbvio, os cristãos aprenderam 
com os estóicos? Em todo caso, esta página de Sêneca é muito conhecida daqueles que viveram em conventos ou
internatos religiosos, onde se formava para as lutas contra as ciladas do demônio. Tertuliano, no século II, 
escreve “Seneca saepe noster” (Sêneca geralmente dos nossos); São Jerônimo, no século IV, diz: “O nosso 
Sêneca”. Há inclusive uma lenda, segundo a qual São Paulo, que estava em Roma em 61-62 teria se encontrado 
com Sêneca. É mais fácil afirmar que “Sêneca não é cristão”, mas que todos os cristãos sejam “Senequianos”. 
Embora exista um abismo entre a filosofia de Sêneca e o cristianismo: para este o homem só pode ser remido por
Deus, por obra da fé; para Sêneca, o homem pode remir a si mesmo, com a força da razão, praticando a virtude.
8
rei que se faz cortejar pelos humildes operários que se ajoelham aos seus pés será confundido
devido a sua presunção. Ao fundo existe uma cidade que é própria da época de Bruegel,
representando talvez a cidade de Antuérpia habitada por povos de muitas línguas. É
interessante notar que a torre parece não levar a lugar algum, nem servir para nada. Nessa
obra estão presentes mais alguns princípios estóicos: a presunção e o orgulho não levam ao
céu, como também queria Ícaro, mas à confusão e dispersão dos homens. Seu maior castigo é
construir uma grande obra sem sentido.
Em O regresso dos rebanhos (1565), 
Bruegel não mostra os homens como senhores da natureza, mas como partes integrantes dela.
Ele pinta os homens com as mesmas cores da paisagem e do rebanho. Na filosofia estóica, o
homem é chamado a não revoltar-se contra a natureza, diante das dificuldades e dos
sofrimentos da vida, mas a curvar-se e aceitar o seu destino, pois o universo é uma construção
bela e sabiamente ordenada.
O homem deve integrar-se, pois, a essa natureza, seja no trabalho do campo, seja nos
sofrimentos e tempestades da vida.
9
Como diz a música tão cara aos cristãos: “Se as águas do mar da vida quiserem te
afogar, segura na mão de Deus e vai!”
10
Essa conformidade com o destino e a integração na natureza também estão presentes
na obra A perfídia do mundo (1568), 
em que ele pinta um personagem em trajes de mendigo envolto num globo de vidro
que corta a bolsa de um velho vestido com uma capa escura. Na parte inferior do quadro há
uma epígrafe que diz: O mundo é tão pérfido que me visto de luto. Mas afinal de contas, é o
mundo que engana o homem ou é o homem que engana o mundo? À frente do homem de
capa escura estão alguns espinhos prontos para castigá-lo. No último plano, totalmente
despreocupado em relação a essas questões, está o pastor a cuidar de seu rebanho, numa
perfeita integração com a natureza.
Em A queda dos anjos rebeldes (1562), 
11
Bruegel mais uma vez usa sua arte para denunciar as conseqüências do orgulho, da
desobediência e da ganância. Expulsos da grande luz que ocupa a parte superior do quadro, os
anjos rebeldes são transformados em monstros, corpos nus, híbridos e deformados. Próximos
da luz estão os anjos bons, que expulsam os rebeldes que se amontoam na escuridão. É uma
pintura que simboliza a passagem bíblica da expulsão dos anjos desobedientes do paraíso.
Todo aquele que não se conformar com a sua condição e quiser ser igual a Deus cairá como
Ícaro na desgraça total. É um princípio estóico, mas é também um ensinamento da tradição
judaico-cristã.
Além da conformação com o próprio destino, por entendê-lo integrado na sábia
construção do universo, o homem deve estar sempre pronto também para não ter medo do
sofrimento e da morte. Bruegel dá vida a esse princípio estóico pintando os ditados populares
do seu tempo: Cagar e dançar sob a forca. 
12
Nos Países Baixos, sob o domínio despótico do Duque de Alba, que já executara
tantos conterrâneos seus, ao pintar personagens dançando alegremente sob a forca, Bruegel
quer demonstrar a ausência do medo; outro personagem, no canto inferior esquerdo do
quadro, dá vida ao ditado “cagar sob a forca”, que significa não temer as autoridades nem
ligar para a morte. Estas cenas são envolvidas mais uma vez pelas paisagens de Bruegel. Há
um vale com um rio e terras férteis, uma aldeia onde as pessoas levam as suas vidas
naturalmente, parecendo também totalmente conformadas com o seu destino. 
Motivado pela arte de Bruegel, por estes e por tantos outros quadros saídos do seu
genial pincel, o estudante poderá ser convidado a entrar no mundo da filosofia: mundo de
idéias, de provocações e questionamentos, que quase nunca encontram respostas, mas servem
para auxiliar na elaboração de novas perguntas. O nosso olhar sobre Bruegel e sua obra levou-
nos aos princípios da filosofia do Pórtico, o estoicismo de Zenão de Cício, que chegou a
13
Atenas no final do século IV a.C., e de seus seguidores Crisipo, na Grécia e os romanos
Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio. Na obra de Bruegel estão muito presentes as idéias estóicas
de finalismo e providência, fado ou destino: se todas as coisas sem exceção são produzidas
por um princípio divino imanente, que é o Logos, então tudo passa a ser rigorosa e
profundamente racional. Tudo é bom e acontececomo deve ser, se tudo for entendido como
parte de um universo que lhe dá sentido. Se o todo, em si, é perfeito, as coisas singulares,
consideradas em si imperfeitas, encontram a sua perfeição no quadro do todo. No mesmo
sentido, a Providência imanente dos estóicos é vista como “Fado” e como “Destino”. Se tudo
está integrado num mesmo universo, e esse universo é racional, então tudo acontece por
necessidade, mesmo o menor dos acontecimentos. Mergulhado nessa idéia, o estóico Cleanto
escrevia: 
Guia-me, ó Júpiter, e tu, Destino, ao fim, seja qual for, que vos agrada
assinalar-me. Seguirei imediatamente, pois se me atraso, por ser vil, mesmo
assim deverei alcançar-vos.
É muito conhecido o exemplo dado pelos estóicos: um cão, amarrado a um carro, se o
seguir correndo atrás, chegará ao destino com menor sofrimento; se não correr atrás, será
arrastado pelo carro, chegando ao destino do mesmo modo, só que com mais sofrimento. O
mesmo ocorre com os homens: aqueles que não quiserem seguir o Destino, de qualquer forma
serão obrigados a chegar ao que lhes foi estabelecido pelo Fado. Sêneca, traduzindo um verso
de Cleanto diz: “Ducunt volentem fata, nolentem trahunt”. Traduzindo, “o Destino conduz
quem o aceita, e arrasta quem o rejeita”.
Lúcio Aneu Sêneca, nascido em Córdoba, na Espanha, no ano 4 a.C., entre o fim da
era pagã e início da era cristã, foi um dos grandes representantes do estoicismo da Roma
Imperial. Seu pai era Sêneca, o Retor, escritor de prestígio e que pode levar os seus filhos
Novato, Mela e Lúcio Aneu, ainda crianças, para serem educados em Roma, nos tempos de
Augusto. A vida cultural de Roma era muito intensa e Lúcio Aneu Sêneca, que daqui por
diante será chamado apenas de Sêneca, iniciou-se logo cedo na filosofia estudando com os
mestres do estoicismo. Diferente da filosofia grega, a filosofia romana estava mais ligada às
questões práticas da vida, à moral, à política, aos ensinamentos sobre o “como viver e como
morrer bem”. Sêneca, tendo vivido alguns anos em Alexandria, para cuidar de sua frágil saúde
na casa de seu tio que era o governador, aproveitou a oportunidade para conhecer a maior
capital intelectual da época. Em 31 d.C., volta a Roma restabelecido e retoma a carreira
política, chegando ao Senado no ano de 33, obtendo rápida notoriedade, o que lhe causou a
14
inveja do próprio imperador Calígula. Este, planejando assassiná-lo, foi, no entanto,
assassinado antes. Provavelmente vítima das intrigas da corte de Cláudio, novo imperador, e
da imperatriz Messalina, foi exilado na Córsega, onde experimenta o sofrimento do
desconforto e da distância dos seus amigos e familiares durante quase uma década,
aproveitando o tempo para dedicar-se intensamente ao estudo da filosofia estóica. Essa
experiência legou-nos uma emocionante obra: Consolação à minha mãe Hélvia. Em 48, ele é
beneficiado pelas reviravoltas na política romana e passa ser protegido da nova imperatriz
Agripina. Sêneca tem aí o início da parte mais brilhante da sua carreira política e filosófica,
chegando a ser, no ano 50, o preceptor do filho de Agripina, o jovem Domício que se tornará
o imperador Nero, logo após o assassinato de Cláudio pela própria imperatriz. Para Sêneca
chegou a ser criado um título especial, Amicus principis, sendo logo feito cônsul. Em 62,
descontente com os rumos que tomava a política de Nero, Sêneca pede a permissão para se
afastar da vida pública, dedicando-se, definitivamente à filosofia. Em 65, é acusado de estar
implicado numa conspiração contra Nero que lhe ordena que se suicide. Termina aí, de forma
bastante estóica, a vida de um homem de atitudes polêmicas, mas que nos deixou um grande
legado na filosofia.
 As pinturas de Bruegel parecem-se com as páginas de Sêneca. Contemplar um, ler o
outro e com ambos aprender os princípios da escola do Pórtico, este é o objetivo principal
deste trabalho.
A filosofia de Sêneca tem por objetivo conduzir à vida virtuosa. A virtude, para ele,
consiste em viver de acordo com a razão universal. A filosofia é a ars vitae, a arte da vida
centrada na moral, servindo como guia para a ação, refúgio e consolação, força no sofrimento
e arte de morrer. Sêneca, ao tentar consolar sua mãe Hélvia, quando ele estava exilado na
Córsega, deixa claro, o seu desprezo pela prisão e pela morte quando diz que o cárcere não é
cárcere quando nele está um Sócrates6.
Em Sobre a brevidade da vida, Sêneca propõe a Paulino, ocupante de um alto cargo
no império, abandonar seu posto para dedicar-se inteiramente à filosofia. Talvez essa obra
tenha sido escrita quando Sêneca já vivia no seu último retiro. Convencido de que a vida é
breve, Sêneca escreve uma das páginas importantes do estoicismo:
Por que nos queixamos da Natureza? Ela mostrou-se benevolente: a vida, se
souberes utilizá-la, é longa. Mas uma avareza insaciável apossa-se de um, de
outro, uma laboriosa dedicação a atividades inúteis, um embriaga-se de
6 Sêneca, Obras, 44.
15
vinho, outro entorpece-se na inatividade; a este uma ambição sempre
dependente das opiniões alheias o esgota, um incontido desejo de comerciar
leva aquele a percorrer todas as terras e todos os mares, na esperança de
lucro; a paixão pelos assuntos militares atormenta alguns, sempre
preocupados com os perigos alheios ou inquietos com os seus próprios; há os
que, por servidão voluntária, se desgastam numa ingrata solicitude a seus
superiores; a busca da beleza de um outro ou o cuidado com sua própria
ocupa a muitos; a maioria, que não persegue nenhum objetivo fixo, é atirada
a novos desígnios por uma vaga e inconstante leviandade, desgostando-se
com isso... Vê aqueles cuja fortuna faz acorrer a multidão: são sufocados
pelos seus bens. A quantos as riquezas não são um peso?... todos consomem
mutuamente suas vidas.7
Na mesma obra, Sêneca ainda diz que é preciso aprender a viver por toda a vida, e, por
mais que cause espanto, a vida toda é um aprender a morrer. Sêneca ensina a Paulino que o
verdadeiro ócio só existe para aqueles que são disponíveis para a sabedoria. Sêneca critica
aqueles que desgastam a sua vida por um bom epitáfio.
Em Cartas a Lucílio, o último escrito conhecido de Sêneca, redigido entre os anos 63
e 64, ele produz um verdadeiro manual prático do estoicismo, uma espécie de “curso de
sabedoria aplicada”. Sêneca aconselha a Lucílio que, para viver bem e chegar tranqüilo na
morte, é preciso despojar-se de todos os vícios que o impedem, como faz o capitão do navio,
ao livrar-se da bagagem para evitar o naufrágio. Semelhante ao Sermão da Montanha, em que
os pobres são exaltados, Sêneca convida Lucílio a perder o medo da pobreza, que não é um
mal. Segundo ele, basta comparar a fisionomia do pobre e do rico: o pobre ri com mais
freqüência e de maneira mais espontânea. Sua tese fica mais forte quando diz: 
Não é o dinheiro que te faz igual a um deus, pois deus nada tem. Nem a toga
pretexta; ele não a usa. Nem a fama, nem a ostentação, nem a difusão do teu
nome através dos povos; ninguém conhece a deus, muitos fazem dele um
mau juízo, e impunemente. O séqüito de escravos que conduz a tua liteira
pelas ruas das cidades pátrias ou estrangeiras não te ajudará; pois é aquele
deus supremo e poderosíssimo que carrega todas as coisas. Nem mesmo a
beleza e a força poderão te fazer feliz; nada disso resiste à velhice. Deve-se
procurar o que não se muda de um dia para o outro naquele ao qual não se
pode impedir. O que é afinal? É a alma, mas quando é reta, boa, nobre.8
O homem conquista a liberdade em vida tirando a canga do próprio pescoço,
desprezando os prazeres, deixando de lado a riqueza, abandonando o ouro e a prata, salários
da nossa servidão voluntária. Mas a grande liberdade, para Sêneca, é conseguida com a morte,
saída e solução final para todo sofrimento. Todos vivem e todos morrem, inclusive os
animais: o verdadeiramentegrande é morrer nobremente, sabiamente, fortemente. A vida é
como um drama: não importa o quanto durou, mas como se representou e como dela se saiu.
7 Sêneca, Sobre a brevidade da vida, 26-27.
8 Sêneca, Aprendendo a viver, 33.
16
Sêneca, embora não estando muito certo em relação à transcendência, propõe que se viva em
conformidade com aquilo que o Destino reservou, numa harmonia com o universo:
“E agora”, diz o sábio, “a esperança de um caminho que me está aberto em
direção aos deuses não me faz partir com mais coragem. Mereci, sem
dúvida, ser introduzido em sua morada e de fato já estive na companhia
deles; para cima é que se eleva meu pensamento e seus pensamentos
chegaram a mim. Mas suponha que eu estivesse aniquilado, suponha que
nada resta após a morte; minha coragem continua igual, mesmo se ao
abandonar o mundo eu não for para lugar nenhum”.9
Coerente com os princípios do estoicismo em relação ao destino, o que importa para
Sêneca é o viver bem, na virtude. Virtude aqui significa a conformidade com aquilo que a
vida lhe deu: um pobre ou um rico conformados serão felizes, um pobre ou um rico
inconformados, serão ambos infelizes.
Tu te indignas e te queixas! Não percebes que todo mal provém não daquilo
que te acontece, mas de tua indignação e queixas; se queres que te diga, a
meus olhos não há miséria para um homem a não ser a de considerar que
algo que está na natureza das coisas possa ser miserável. Não suportarei nem
a mim mesmo no dia em que eu achar algo insuportável... sempre que a vida
me parece adversa e cruel, eis a regra que eu me fiz: em vez de obedecer a
Deus, estou com ele. Sigo-o porque quero, e não porque devo segui-lo...
Dize, a cada vez que acontece algo contrário do que esperavas: “os deuses
julgaram melhor que eu”.10
Para Sêneca a parte principal do homem é a virtude. A ela acrescentamos uma carne
inútil e fraca, que só sabe devorar a comida. A busca do prazer leva à infelicidade.
O prazer é uma espécie de dissolvente; esmorece todas as forças... o bem não
reside nem na comida, nem no passeio, nem na roupa, mas na maneira pela
qual me proponho servir-me deles, respeitando em cada ocasião a medida
racional.11
Em De vita beata, escrito por volta de 57, dedicado a seu irmão mais velho Novatus,
aqui chamado Gálio, Sêneca faz um resumo da vida feliz sob os princípios do estoicismo:
Verei a morte com o mesmo semblante com que ouço falar dela. Eu me
sujeitarei aos trabalhos de qualquer espécie, sustentando o corpo com a alma.
Desprezarei igualmente as riquezas presentes e ausentes, nem serei mais
triste se estiverem em outra parte, nem mais altivo se elas me cercarem com
o seu brilho. Não serei sensível à sorte quando se aproxima ou se afasta.
Considerarei todas as terras como sendo minhas e as minhas como de todos.
Viverei como se tivesse nascido para os outros e agradecerei por isso à
9 Sêneca, Aprendendo a viver, 139.
10 Sêneca, Aprendendo a viver, 177, 178 e 182.
11 Sêneca, As relações humanas, 184-185.
17
natureza... Não guardarei avaramente nem desperdiçarei com prodigalidade
tudo o que eu tiver... Agirei sozinho como se todos me olhassem. O limite
que porei à comida e à bebida será a satisfação dos desejos naturais, e não
encher e esvaziar o ventre... E quando a natureza me pedir de volta o meu
espírito ou a razão o lançar para fora de mim, partirei dando-me o
testemunho de ter amado a boa consciência, as boas tendências, que a
liberdade de ninguém foi diminuída por mim e muito menos a minha; quem
se propuser fazer essas coisas, ou quiser ou tentar, empreenderá o caminho
para os deuses...12
No dia em que termino este artigo, o técnico da seleção brasileira feminina de futebol,
ao comentar a derrota pela medalha de ouro olímpico diz: Deus quis assim, precisamos nos
conformar, ter paciência...
Então, ao final desta apresentação, poderíamos nos perguntar: “Falar de Bruegel e de
Sêneca não significa difundir o conformismo com nossa situação, seja ela na integração
perfeita com a natureza, seja na paciência para agüentar as tempestades que a vida nos
apresenta?”. Penso que não. Exatamente pelo fato de se tomar consciência de que o discurso
conformista foi burilado historicamente e que o estoicismo aliado ao cristianismo foram os
seus arautos, é que podemos questionar todo o discurso da fatalidade ou da providência e
assumir a vida nas próprias mãos, acreditando que a utopia é fruto de construção humana.
A recuperação da estética no ensino e na aprendizagem da filosofia tem como um dos
seus objetivos resgatá-la da condição de apêndice dos tratados filosóficos e dos programas de
ensino da filosofia. Espero que a iniciativa deste trabalho e desta conferência tenha alcançado
algum objetivo nessa direção. 
12 Sêneca, Da vida feliz, 52-54.
18
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMBRICH, Ernest H. La storia dell’arte. Milano, Itália: Leonardo Arte, 1997.
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
JIMENEZ, Marc. O que é estética. Trad. Fulvia M. L. Moretto. São Leopoldo, RS: Unisinos,
1999.
HAGEN, Rose-Marie e Rainer. Bruegel: a obra de pintura. Trad. Lucília Felipe. Köln,
Germany: Taschen, 2004.
MÜHLBERGER, Richard. O que faz de um Bruegel um Bruegel? Trad. Valentina Fraíz-
Grijalba. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
SEIPEL, Wilfried. Pieter Bruegel the Elder: at the Kunsthistoriches Museum in Vienna.
Milan, Italy: Skira editore, 1998.
SÊNECA. Aprendendo a viver. Trad. Carlos Nougué e outros. São Paulo: Martins Fontes,
2002.
_______. As relações humanas. Trad. Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Landy,
2002.
_______. Da vida feliz. Trad. João Carlos Cabral Mendonça. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
_______. Obras: Medeia, Hélvia, Tranqüilidade da Alma e Apokolokyntosis. Trad. G.D.
Leoni. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d.
_______. Sobre a brevidade da vida. Trad. William Li. São Paulo: Nova Alexandria, 1993.
_______. Sobre a providência divina; Sobre a firmeza do homem sábio. Trad. Ricardo da
Cunha Lima. São Paulo: Nova Alexandria, 2000.
_______. Sobre a tranqüilidade da alma; Sobre o ócio. Trad. José Rodrigues Seabra Filho.
São Paulo: Nova Alexandria, 1994.
portal@portaldafilosofia.com.br Acesso em: 12.02.2009
19
mailto:portal@portaldafilosofia.com.br
	A ESTÉTICA
	COMO PORTA DE ENTRADA
	PARA O ENSINO DE FILOSOFIA
	De Bruegel a Sêneca: arte e ensino de filosofia

Continue navegando