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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP ANÁLISE COMPARATIVA DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS NOS GOVERNOS FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA LEDA MARA DE SOUZA Orientador: Dr. Carlos Eduardo Sell Itajaí - 2005 1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP ANÁLISE COMPARATIVA DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS NOS GOVERNOS FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA LEDA MARA DE SOUZA Dissertação apresentada à Banca Examinadora no Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Publicas da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, sob a orientação do Professor Dr. Carlos Eduardo Sell, como exigência para obtenção do titulo de Mestre em Gestão de Políticas Públicas / Profissionalizante. Itajaí - 2005 2 LEDA MARA DE SOUZA ANÁLISE COMPARATIVA DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS NOS GOVERNOS FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Esta Dissertação foi julgada APTA para a obtenção do título de Mestre em Gestão de Políticas Públicas/Profissionalizante e aprovada, em sua forma final, pela Coordenação do Programa de Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas – PMGPP da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professor Dr. Carlos Eduardo Sell Orientador e Presidente da Banca Professora Dra. Adriana Rossetto Membro Titular da Banca Professora Dra. Rosa Maria Membro Titular da Banca Itajaí (SC), 28 de Novembro de 2005. 3 DEDICATÓRIA Dedico este estudo aos meus amados filhos Adel e Alan, e a meu querido companheiro Sérgio, a quem privei por muitos momentos de minha companhia, e que sempre me apoiaram e compreenderam. 4 AGRADECIMENTOS A Deus, por me dar força, fé e coragem. Ao meu orientador, professor Dr. Carlos Eduardo Sell, pela paciência e humildade em saber me conduzir. Aos professores do Programa de Mestrado. Aos meus pais Hélio e Erica que começaram tudo isso. Aos meus filhos que de uma forma ou outra irão prosseguir nesse caminho do estudo, da dedicação aos ideais e da busca constante por aperfeiçoamento. Ao meu amado Sérgio, companheiro de todas as horas, que soube perdoar o tempo que lhe retirei para a conclusão deste estudo. Ao meu chefe Nei Antonio Cristofolini, que me apoiou e permitiu minhas necessárias ausências para que eu pudesse freqüentar e concluir o Programa de Mestrado. Aos amigos Soiara e Vilmar que dividiram comigo as conquistas do aprendizado e a alegria das viagens, motivando os meus esforços e fazendo com que tudo valha a pena. Ao Denilson, que com sua humildade e conhecimento, me lembrou que quando tudo parece pronto ainda há muito ser feito. E, por fim, a todos aqueles que, mesmo não citados, de alguma forma me incentivaram e colaboraram para a conclusão deste estudo. 5 A humildade é a chave da libertação. (autor desconhecido) 6 DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito e sob as penas da lei, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o Programa de Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas – PMGPP, a Banca Examinadora, o Professor Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Por ser verdade, firmo a presente. Itajaí (SC), 28 de Novembro de 2005. LEDA MARA DE SOUZA Mestranda 7 SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................... 13 ABSTRACT ............................................................................................................... 14 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15 CAPÍTULO I – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL ..................................................................................................................... 20 1.1O ESTADO E AS POLÍTICAS HABITACIONAIS ................................................. 20 1.2PRIMÓRDIOS ...................................................................................................... 25 1.3PERÍODO AUTORITÁRIO ................................................................................... 32 1.3.1 O Banco Nacional da Habitação (BNH)............................................................ 34 1.3.2 Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ......................................... 42 1.3.3 Caixa Econômica Federal ................................................................................ 44 1.4 PERÍODO DA DEMOCRATIZAÇÃO ................................................................... 47 1.4.1Reforma Urbana no Brasil ................................................................................. 49 1.4.2 O Estatuto da Cidade ....................................................................................... 52 CAPÍTULO II – ANÁLISE DAS DIRETRIZES DAS POLÍTICAS HABITACIONAIS DOS GOVERNOS FHC E LULA ............................................................................... 56 2.1 IDEOLOGIAS POLÍTICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS NOS GOVERNOS FHC E LULA. ........................................................................................................................ 56 2.1.1 Ideologias políticas........................................................................................... 57 2.1.1.1 Liberalismo e Neoliberalismo ........................................................................ 58 2.1.1.2 Social-Democracia ........................................................................................ 61 2.1.1.3 Socialismo ..................................................................................................... 62 2.2 GOVERNOS E IDEOLOGIAS NO BRASIL: DE FHC A LULA............................. 64 2.2.1 Pressupostos Ideológicos do Governo FHC..................................................... 64 2.2.2 Pressupostos Ideológicos do Governo LULA ................................................... 68 2.3 DIRETRIZES DA POLÍTICA HABITACIONAL NO GOVERNO FHC.................. 70 2.4 DIRETRIZES DA POLÍTICA HABITACIONAL NO GOVERNO LULA ................. 79 2.4.1 Ministério das Cidades ..................................................................................... 80 2.5 PROGRAMAS HABITACIONAIS FINANCIADOS COM RECURSOS FGTS: CARACTERÍSTICAS................................................................................................. 86 2.5.1 Financiamentos Individuais .............................................................................. 88 2.5.2 Financiamentos Associativos .......................................................................... 94 CAPÍTULO III ANÁLISE DOS PADRÕES DE FINANCIAMENTO COM RECURSOS FGTS DOS GOVERNOS FHC E LULA................................................................... 100 3.1 O DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL ........................................................ 100 3.1.1 Déficit Habitacional no Governo FHC............................................................. 106 3.1.2 O déficit habitacional no Brasil no governo LULA .......................................... 109 3.2 NÚMERO DE UNIDADES HABITACIONAIS PRODUZIDAS............................ 116 3.2.1 Antecedentes ................................................................................................. 117 3.2.2 Número de unidades habitacionais produzidas no governo FHC................... 123 3.2.3 Números de unidades habitacionais produzidas no governo LULA ............... 130 8 3.3 DESTINAÇÃO DOS RECURSOSPOR FAIXA DE RENDA.............................. 132 3.3.1 Destinação dos recursos por faixa de renda no governo FHC....................... 140 3.3.2 Destinação dos recursos por faixa de renda no governo LULA ..................... 142 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 147 REFERÊNCIAS....................................................................................................... 155 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Parâmetros das Modalidades.................................................................... 92 Tabela 2: Parâmetros das Modalidades Operações Especiais ................................. 93 Tabela 3: Taxas de Juros.......................................................................................... 93 Tabela 4: Prazos ....................................................................................................... 94 Tabela 5: Limites Operacionais ................................................................................. 96 Tabela 6: Limites Operações Especiais .................................................................... 97 Tabela 7: Condições de Aplicações .......................................................................... 98 Tabela 8: Prazos de Amortização ............................................................................. 98 Tabela 9: Componentes do Déficit Habitacional...................................................... 104 Tabela 10: Déficit habitacional no Brasil e grandes regiões - 1995......................... 107 Tabela 11: Faixas de Tamanho da População........................................................ 108 Tabela 12: Déficit Habitacional............................................................................... 110 Tabela 13: Distribuição Percentual do Déficit Habitacional Urbano por Renda....... 115 Tabela 14: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas – Total............ 118 Tabela 15: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas........................ 121 Tabela 16: Contratação Programa Carta de Crédito 1996 ...................................... 125 Tabela 17: Contratação Programa Carta de Crédito 1997 ...................................... 125 Tabela 18: Contratação Programa Carta de Crédito 1998 ...................................... 126 Tabela 19: Contratação Programa Carta de Crédito 1999 ...................................... 127 Tabela 20: Contratação Programa Carta de Crédito 2000 ...................................... 127 Tabela 21: Contratação Programa Carta de Crédito 2001 ...................................... 127 Tabela 22: Contratação Programa Carta de Crédito 2002 ...................................... 128 Tabela 23: Contratação Programa Carta de Crédito FGTS Imóvel na Planta......... 129 Tabela 24: Contratação Programa Carta de Crédito 2003 ...................................... 131 Tabela 25: Contratação Programa Carta de Crédito 2004 ...................................... 132 Tabela 26: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas – Total............ 133 Tabela 27: Total por Faixa de Renda – Imóvel na Planta ....................................... 134 Tabela 28: Total por Faixa de Renda – Material de Construção / Construção........ 135 Tabela 29: Total por Faixa de Renda – Material de Construção / Melhoria ............ 135 Tabela 30: Total por Faixa de Renda – Lote ........................................................... 136 Tabela 31: Total por Faixa de Renda – Construção................................................ 136 Tabela 32: Total por Faixa de Renda –Construção / Reforma ................................ 137 Tabela 33: Total por Faixa de Renda – Imóvel Novo .............................................. 137 Tabela 34: Total por Faixa de Renda – Imóvel Usado ............................................ 138 Tabela 35: Distribuição Regional de Contratações – 1995-2003/ RES 289/98 / Déficit Quantitativo / Carência de Infra-Estrutura. ................................................... 139 Tabela 36- Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo FHC 2001 .... 140 Tabela 37- Distribuição dos recursos por faixa de renda - Governo FHC 2002 .... 141 Tabela 38-Total por Faixa de Renda –Total Geral– Governo FHC ......................... 141 Tabela 39-Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo Lula – Total 2003...................................................................................... 142 Tabela 40-Distribuição dos recursos por faixa de renda – Governo Lula – 2004... 143 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Necessidades Habitacionais ................................................................... 107 Gráfico 1: Déficit Habitacional ................................................................................. 111 Gráfico 2: Rendimento por Faixa de Renda ............................................................ 114 Gráfico 3: Unidades Habitacionais Produzidas de 1974 a 1994.............................. 119 Gráfico 4: Unidades Produzidas Governo FHC....................................................... 124 Gráfico 5: Unidades Habitacionais Produzidas no Governo Lula ............................ 131 Gráfico 6: SFH - Número de Unidades Habitacionais Financiadas ......................... 133 11 ABREVIATURAS UTILIZADAS ABECIP - Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança AF - Agente Financeiro BACEN - Banco Central do Brasil BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNH – Banco Nacional de Habitação CAIXA - Caixa Econômica Federal CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano CMN – Conselho Monetário Nacional DER - Depósitos Especiais Remunerados FCVS - Fundo de Compensação de Variações Salariais FDS - Fundo de Desenvolvimento Social FGTS - Fundo de Garantia por Tempo De Serviço FHC - Presidente Fernando Henrique Cardoso FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FJP – Fundação João Pinheiro FUNDHAB - Fundo de Assistência Habitacional LULA – Presidente Luiz Inácio Lula da Silva PAR – Programa de Arrendamento Residencial da CAIXA 12 PSH – Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social SBPE - Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo SEDU/PR – Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República SFH - Sistema Financeiro da Habitação SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário SISBACEN - Sistema de Informações do Banco Central UPF - Unidade Padrão de Financiamento 13 RESUMO Este trabalho objetiva estudar o desenvolvimento das políticas habitacionais desenvolvidas durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. A motivação para a pesquisa surgiu da consideração da habitação digna ser uma necessidade humana básica. Buscou-se, nesse aspecto, analisar o histórico da habitação no Brasil, que, inegavelmente, enfrenta distorções das mais diversas, principalmente devido ao desenvolvimento da política habitacional nacional, que ao longo de sua história mostrou-se fragmentada e pouco focada na resolução dos principais problemas voltados ao tema. Como introdução ao tema foi apresentada a questão do Estado e as políticas habitacionais, focando suas origens históricas e contextualizando seus objetivos no decorrer dos anos. Abordou-se o déficit habitacional no país, utilizando-se da metodologia criada pela Fundação João Pinheiro de Belo Horizonte e questões ligadas ao tema, como a criação e o trabalho desenvolvido pelo BNH, que se tratou da primeira grande ação do governo em prol da política habitacional, o papel da Caixa Econômica Federal no desenvolvimento das políticas públicas da habitação e aplicação dos recursos oriundos do FGTS na habitação popular. Culminando com uma análise sobre a política desenvolvida para o setor habitacional durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. É uma tentativa de se conhecer a situação habitacional do Brasil através da análise dos resultadosproduzidos pelo principal programa do governo federal, o “Carta de crédito” com recursos do FGTS, no período de 1996 a 2004 em comparação com as necessidades habitacionais espelhadas pelo Déficit habitacional. 14 ABSTRACT This essay aims to study the development of habitation policies carried out during the Government of Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.The motivation for the research came up based on the consideration of dignifying housing being a basic human need. The attempt on this matter was to analyse the history of habitation in Brazil, which has undoubtedly been facing various distortions, mainly due to the development of the habitation policy, which has throughout the years shown itself fragmented and little focused on the resolution of the main problems regarding the theme. As an introduction to the theme, the matters of the State and the habitation policies were presented focusing in their historical origins and contextualizing their goals throughout the years. The deficit in habitation in the country has also been approached in the essay, makinguse of the methodology created by Fundação João Pinheiro de Belo Horizonte and the issues linked with the theme, such as the creation and the work developed by BNH, which was the first great action of the government in favour of the habitation policy. Also, the role of Caixa Econômica Federal in the development of public policies of habitation and the application of resources arising from FGTS on popular housing. Culminating with an analysis of the policy which was developed for the habitation sector during the government period of Fernando Henrique Cardoso and Luiz Inácio Lula da Silva. It is an attempt to get to know the habitation situation in Brazil through the analysis of results produced by the main Federal program , called “Carta de Crédito”, with the resources of FGTS in the period between 1996 and 2004 in comparison with the habitation needs reflected by the habitation deficit. 15 INTRODUÇÃO O propósito deste estudo acadêmico é analisar a evolução das linhas gerais das políticas públicas na área de habitação no Brasil, com recorte específico para o período de 1996 a 2004. A escolha do período em questão, naturalmente, não se deu por acaso. O ano de 1996 marcou o lançamento oficial da política nacional de habitação do governo Fernando Henrique Cardoso que prosseguiu até 2002. E a análise até 2004 permite o estudo das políticas habitacionais implantadas nos dois primeiros anos do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Tomando como base as supostas diferenças de orientação político- ideológicas destes governos (o neoliberalismo, no caso de Fernando Henrique Cardoso e o socialismo e/ou social-democracia no caso do governo do PT), nossa intenção será verificar em que medida a política de habitação de ambos refletem estas concepções. Neste sentido, buscamos analisar dois conjuntos de fatores. Em primeiro lugar, na ordem do discurso, as diretrizes da política habitacional, tentando captar no discurso destes governos suas diferentes orientações quanto a habitação e sua relação com o perfil político do governo. Em segundo lugar, na ordem da prática, a destinação de recursos do FGTS efetuados por estes governos na destinação de casa própria. Tomando como indicadores principais o número (em termos absolutos) de unidades habitacionais financiadas com recursos do FGTS e sua respectiva destinação de acordo com a faixa de renda dos usuários, procuramos verificar em que medida a política pública de habitação está relacionada com a orientação e o padrão de política pública de cada um destes governos. Em outros termos, a política habitacional do governo FHC confirma a idéia de se trata de um governo "neoliberal", como afirma boa 16 parte da literatura? E, no caso do governo LULA, a política habitacional é claramente de "esquerda" (seja socialista ou social-democrata) como esperam os analistas políticos. É dentro desta problemática sociológica - com ênfase nas políticas públicas - que se move este trabalho. As condições habitacionais são elementos fundamentais para a análise da qualidade de vida da população. A escassez de habitação, tanto em termos de qualidade, quanto quantidade, é um dos mais graves problemas sociais do Brasil, não só nos aglomerados urbanos como nas áreas rurais. A ausência de moradias com condições mínimas de habitabilidade é um dos principais agravantes da pobreza, e forte indutor da precariedade das condições de saúde e higiene, o que se reflete nos baixos níveis de escolaridade e induz à criminalidade. O direito à moradia é um direito constitucional que deve ser reconhecido, protegido e efetivado por meio de políticas públicas específicas. Para a conquista da moradia digna, e conseqüente redução do déficit habitacional, o desenvolvimento de políticas públicas que apóiem a produção habitacional mostra-se como medida necessária e obrigatória no sentido de se caminhar rumo a soluções que impactem positivamente na vida dos cidadãos carentes. Esta dissertação está organizada em três capítulos que abordam a questão habitacional no Brasil, especialmente as políticas habitacionais desenvolvidas no período selecionado para estudo (1996/2004), período que compreende parte do primeiro e todo o segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), bem como os dois primeiros anos do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva (LULA), e a análise dos dados referente ao resultado obtido com a utilização dos recursos do FGTS para produção habitacional. Para tanto, será estudado o principal programa desenvolvido com recursos FGTS, pelo Governo Federal, a Carta de Crédito, nas 17 modalidades individual e associativo, programa esse que se apresenta como principal ferramenta das políticas públicas do Governo Federal para redução do déficit habitacional. O estudo foi desenvolvido com base em pesquisas quantitativas de documentação indireta, concentrando-se na pesquisa documental e pesquisa bibliográfica. Dessa forma esses assuntos estão organizados como se descreve a seguir: No capítulo I desenvolveu-se a revisão da literatura que versou sobre os antecedentes históricos da política habitacional no Brasil e a questão da política habitacional desenvolvida até o período recente, relatando-se a importância da participação do Banco Nacional da Habitação (BNH) no desenvolvimento das ações governamentais no âmbito da habitação ao longo na história, a participação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e da Caixa Econômica Federal, como gestor do FGTS e atualmente principal agente do governo federal na implementação das políticas públicas habitacionais. Ainda na contextualização da questão habitacional foram abordadas as questões da reforma urbana e o Estatuto das Cidades. No capítulo II discorreu-se sobre as diretrizes das políticas habitacionais dos governos em estudo neste trabalho. Primeiro, sobre as ideologias políticas, especificamente liberalismo, social-democrata e socialismo. O estudo das ideologias políticas permite compreender o modo como os governos de FHC e Lula se organizaram para atingir seus objetivos. . Em seguida, aborda-se a política habitacional desenvolvida durante o governo Fernando Henrique Cardoso com seus dois programas de governo que orientaram, respectivamente, o primeiro e segundo mandato bem como a política habitacional no governo Luiz Inácio Lula da Silva, que representa a chegada ao poder dos movimentos de esquerda, que mantiveram durante anos, críticas à política 18 habitacional desenvolvida pelos governos anteriores. A criação do Ministério das Cidades e a nova Política Nacional de habitação são objetos de estudo, bem como a síntese do Programa habitacional Carta de Crédito, operacionalizado com recursos FGTS, que se apresentou para melhor compreensão do panorama geral da política habitacional. O capítulo III é destinado a apresentação dos dados empíricos de nossa pesquisa. Dois conjuntos de variáveisde pesquisa são especialmente analisados: 1) o número de unidades habitacionais disponibilizadas pelos governos FHC e LULA e, 2) a correlação entre recursos do FGTS e a faixa de renda dos usuários dos programas de habitação popular. O capítulo discute primeiramente a questão do Déficit Habitacional no Brasil sendo adotada a metodologia utilizada pela Fundação João Pinheiro (FJP) de acordo com a proposta de quantificação das necessidades habitacionais. Para fins dessa quantificação, adotou-se a publicação Déficit Habitacional no Brasil Municípios Selecionados e Microrregiões Geográficas (2005) da Fundação João Pinheiro. Trata-se do trabalho mais recente publicado sobre o assunto, e que foi desenvolvido para o Ministério das Cidades, em convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O objetivo geral era calcular o déficit e a inadequação habitacional para municípios brasileiros selecionados, microrregiões geográficas e a totalidade das regiões metropolitanas existentes em 2000, data de referência do cálculo. São apresentados os números referentes ao déficit habitacional no período estudado, bem como o déficit por faixa de renda e por região brasileira. O estudo da aplicação de recursos nos programas habitacionais operacionalizados com recursos FGTS no período de 1996 a 2002 foi feito com base 19 em relatórios colhidos junto ao Banco Central do Brasil e Caixa Econômica Federal, com números que traduzem a realidade de todo o Brasil. Analisaram-se os valores aplicados anualmente nas duas modalidades do programa Carta de Crédito, individual e coletivo, comparando graficamente o resultado obtido. Além da análise dos valores aplicados no período, analisou-se a aplicação por faixa de renda efetuando-se a comparação com as faixas de renda do déficit. Ao final do estudo, após analise dos números resultantes das intervenções pelas políticas públicas, identificou-se os resultados obtidos pela política habitacional dos governos FHC e LULA. O desejo de realizar esta investigação está intimamente associado à trajetória profissional desta pesquisadora, representada pela participação em diversas atividades que buscam levar a conquista da casa própria se tornar realidade para tantos brasileiros que acalentam esse sonho, tendo em vista que não assegurar o acesso às condições dignas de morar pode também significar uma violação dos direitos sociais e humanos fundamentais. 20 Capítulo I – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL O objetivo deste capítulo é apresentar as correlações do Estado com as políticas habitacionais. Inicialmente aborda-se o papel do Estado no desenvolvimento das políticas públicas de habitação, seguindo pela dissertação dos antecedentes históricos da política habitacional brasileira. Neste capítulo, a intenção será situar a problemática da política habitacional no contexto histórico brasileiro, ressaltando especialmente a relação desta política com o papel do Estado na conjuntura atual. Desta forma, o capítulo busca um marco analítico que busque situar a pesquisa em seu contexto amplo, a saber, a história social brasileira e a ação do Estado, executor maior das políticas públicas. 1.1 O ESTADO E AS POLÍTICAS HABITACIONAIS Ao longo da história, o Estado assume as mais variadas feições, num processo de transformação constante, para que possa se conformar à dinâmica social. Nesse contexto de permanente mudança, o Estado Moderno, ao longo de sua evolução, foi levado a rever, por mais de uma vez, sua forma de intervenção na sociedade. Um dos grandes temas do pensamento social atual é o debate em torno da necessidade de um novo desenho para o Estado moderno. Intensamente discutido, 21 o debate inicia-se a partir da crise econômica internacional na década de 70, quando começa a ser colocada a crítica ao Estado de Bem-Estar Social, o qual entra em crise após um período de prosperidade econômica pós Segunda Guerra, permitindo a expansão de políticas sociais. (DRAIBE & HENRIQUE, 1988). Mesmo diante da diversidade de interpretações teóricas a respeito da Reforma do Estado pode-se apontar que o seu ponto central está no fato de que além dos ajustes necessários no papel do Estado, a superação da crise passa pela construção de um novo perfil da agenda das políticas públicas. Perfil esse que vem se constituindo dentro de um processo, que tem como ponto central o debate sobre a necessidade de serem estabelecidos novos arranjos de adequação, ou de construção, de novas fronteiras nas relações entre Estado - Sociedade. O Estado revela-se necessário, porém insuficiente para a promoção ou a indução do desenvolvimento. Para que a sociedade possa se desenvolver como um todo, são necessários três mecanismos de coordenação: o Estado, o mercado, e a própria sociedade - o Estado através das leis e das políticas públicas; o mercado, através da troca e da competição regulada pelo Estado; e a sociedade ou a comunidade, através dos valores morais e das crenças tradicionais ou consuetudinárias que regem essa sociedade independentemente do Estado. (OFFE, 1999). Nas sociedades democráticas, o regime político democrático e as políticas públicas são, em última análise, fruto de um contrato social, onde existem coisas que precisam ser feitas pelo Estado e existem coisas que não podem ser feitas pelo Estado, em alguns casos, devem ser feitas pelo mercado e, em outros, pela sociedade civil ou, ainda, por parcerias intersetoriais entre Estado e mercado, Estado e 22 sociedade civil, mercado, sociedade civil e Estado, mercado e sociedade civil. Ou seja, existem coisas que devem ser feitas pelo Estado, pelo mercado e pela comunidade ou por combinações desses três fundamentos da ordem social, e em uma mistura que consiga evitar que cada um deles se sobreponha aos outros e os elimine. (OFFE ,1994). De maneira geral, políticas sociais são medidas de melhoria do bem estar de determinados grupos sociais, que podem ser concebidas de modos diferentes; de um ponto de vista de quem admite a existência de três esferas da realidade social relativamente autônomas distinguíveis entre si por apresentarem lógicas e racionalidades próprias: o Estado, o mercado e a sociedade civil (ou a comunidade). A ênfase excessiva no papel de um desses tipos de agenciamento em detrimento dos demais gera ideologias que Offe (1999), qualificou como “doutrinas puras da ordem social”. Assim, como exemplos dessas “doutrinas puras”, tem-se o ‘estatismo social- democrata’, o ‘liberalismo de mercado’ e o ‘comunitarianismo conservador’ que constituíam os três tipos de filosofia pública que estavam presentes e em competição no final do século 20. A combinação adequada dessas doutrinas é o desafio que se deve buscar, pois a mistura inadequada das três esferas cria seis abordagens patológicas para a construção de instituições sociais e políticas, ou ao que se denomina seis falácias. Três delas resultam da permanência de uma abordagem “bitolada” em um dos blocos, e as outras três advêm da premissa de que algum dos três ingredientes pode ser inteiramente deixado de fora na arquitetura da ordem social. Essas falácias, conforme Offe, (1999) são: 1) a do estatismo excessivo; 2) a da capacidade de governo “pequena demais”; 3) a da excessiva confiança nos mecanismos de mercado; 4) a de 23 uma limitação excessiva das forças de mercado; 5) a do comunitarianismo excessivo; e 6) a de negligenciar comunidades e identidade. Enveredar por qualquer uma dessas “abordagens patológicas” significaria, para Offe (1999), inviabilizar a possibilidade de encontrar a “mistura correta” dos três setores. O governo sozinho não é capaz de dar conta da tarefa de promover o desenvolvimento social com eqüidade. Ele precisa da cooperação de parceiros como: partidos, empresas, igrejas e organizações da sociedade civil, capazes de assumir a responsabilidade por ações sociais adequadas às necessidadesespecíficas de cada grupo. Só a parceria entre os diversos setores da sociedade é capaz de aumentar a eficiência das iniciativas que ao atender os mais pobres e vulneráveis contribui para o desenvolvimento social. O Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade, está desenvolvendo as políticas públicas. As políticas públicas são, em primeira instância, de responsabilidade do Estado, quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada. Nesse sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais. (OFFE, 1991). Diante da constatação de que os problemas não vão ser resolvidos apenas pela ação do Estado ou do mercado, é preciso um novo pacto, que resolva o dever do Estado de dar condições básicas de cidadania, garanta a liberdade do mercado e da competição econômica, evite o conflito entre esses dois interesses e permita a influência de entidades comunitárias. (OFFE, 1991). 24 A política social surge da dinâmica do próprio Estado e tem suas origens relacionadas a um processo de mediação de interesses conflitantes: (...) defendemos aqui a tese de que para a explicação da trajetória evolutiva da política social, precisam ser levadas em conta como fatores causais concomitantes tanto exigências quanto necessidades, tanto problemas da integração social quanto problemas da integração sistêmica tanto a elaboração política de conflitos de classe quanto a elaboração de crises do processo de acumulação. (OFFE, 1984, pg. 36). As ações desenvolvidas pelo Estado não se definem nem se implementam automaticamente, mas depende em grande parte da relação dinâmica que se estabelece entre as demandas sociais e o campo das políticas. Como assinala Mello (1991, p. 65) em seu estudo sobre o processo de formação de políticas sociais no campo da habitação: “Para analisar a formação de políticas, é necessário que se identifiquem as opções estratégicas dos atores individuais e coletivos e a configuração estrutural da arena política em que operam.” Se a implementação das políticas públicas não for acompanhada e devidamente estruturada pode gerar resultados diferentes dos esperados. As variáveis envolvidas são múltiplas e como se direcionam a grupos diferentes, o impacto pode ser negativo e o efeito diferente do pretendido, pois são resultados de diferenciadas relações sociais. Nesses termos, a habitação é uma política social, pois são desenvolvidas ações voltadas para a redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. No tópico seguinte abordamos os marcos históricos fundamentais da ação do Estado Brasileiro no que tange a política habitacional. Embora não tenhamos a 25 pretensão de sermos exaustivos, procuramos abordar os principais momentos desta trajetória, dividindo-a em três momentos: a) primórdios: que contempla a etapa populista do Estado Desenvolvimentista, particularmente dos anos 30 até meados da década de 60, b) período autoritário: que contempla a re-orientação tecnicista e autoritária do modelo desenvolvimentista, com seus respectivos reflexos no campo da política habitacional e, c) o período da democratização: que compreende tanto os anos 80 (de retomada da democracia), bem como os anos 90 e início do século XXI, em que está em curso a "consolidação" do regime democrático no Brasil. 1.2 PRIMÓRDIOS O surgimento do problema habitacional urbano no Brasil observa-se já no período do II Império, quando em 1876, proíbe-se a construção de novos cortiços na área central do Rio de Janeiro, por se associar aquele tipo de moradia às epidemias surgidas na época. (BONDUKI, 1998). O Estado tratava os problemas de habitação como de saúde pública, pois suas ações se ligavam mais à medidas de cunho sanitarista, objetivadas a diminuir as más condições de higiene das moradias dos trabalhadores urbanos, buscando evitar a propagação de epidemias, que constituíam uma ameaça à saúde da população. Assim, surgiram várias modalidades de moradia para alojar setores sociais de baixa e média renda, todas construídas pela iniciativa privada. Todas essas 26 habitações eram moradias de aluguel, uma forma dominante de morar da população, inclusive da classe média, com porcentagem superior a 80%. (BONDUKI, 1998). As políticas sociais voltadas à habitação começam a surgir no Brasil somente por volta da década de 30, quando se verifica uma pequena interferência estatal no setor habitacional. A solução para a carência habitacional no Brasil foi primeiramente resolvida no mercado, com o predomínio da produção rentista da habitação, em que indivíduos com melhor poder aquisitivo construíram casas para serem alugadas àqueles de renda mais baixa. Como as construções dessas unidades habitacionais seguiam a ordem do barateamento de custos, produziam-se moradias de baixa qualidade e em condições de insalubridade, como a construção de vilas e da conversão de antigos casarões em cortiços, o que facilitava a propagação de doenças epidêmicas e infecto- contagiosas. No início da República, com a intensificação da imigração européia no país e o deslocamento de escravos libertos para as áreas urbanas, o crescimento das cidades começa a exigir medidas concretas no setor habitacional. Vilas operárias são construídas em diversas cidades, como uma resposta à necessidade de moradias. A produção habitacional da época era baseada em diversas formas de moradia, normalmente sob a forma de pequenas moradias unifamiliares construídas em séries. No entanto, somente uma parcela dos operários teve acesso a essas moradias, que em geral foram utilizadas por segmento da classe média. Para as pessoas pobres, especialmente da classe operária, o aluguel da casa absorvia uma grande parte dos ganhos do chefe da família. Não podendo pagar o aluguel de uma casa, o operário de baixa renda, o trabalhador informal e o desempregado, 27 encontravam no cortiço e na casa de cômodos, o alojamento compatível com seus míseros rendimentos.(KOWARICK, 1979). Até a década de 30, era raro que operários e trabalhadores de baixa renda fossem donos de suas moradias. Para o trabalhador urbano, a casa própria simbolizava o progresso material. (BONDUKI, 1998). Com o Estado Novo, o Brasil passa de uma sociedade de base agrária para uma sociedade urbano-industrial. Essa nova organização social marcou a década de 40, quando a pressão por moradias passou a se dirigir para o Estado, ou seja, deixou-se de se discutir somente o aluguel e passou-se a exigir do Estado a responsabilidade pela solução do problema da moradia. Em 1937, o então Presidente Getúlio Vargas cria as Carteiras Prediais, vinculadas ao sistema de previdência. Na reforma das CAPs (Caixas de Aposentadorias e Pensões), admitiu-se o uso do dinheiro previdenciário para a aquisição ou construção de casas para os associados das mesmas. O Estado assumia, pela primeira vez, a responsabilidade pela oferta de habitações a segmentos da população urbana. A intervenção direta do Estado no setor habitacional, com a criação as Carteiras Prediais, deve ser compreendida no contexto do desenvolvimento econômico e político da época, quando se dava o agravamento das condições habitacionais do meio urbano pelo impacto das crescentes taxas de urbanização em decorrência do redimensionamento econômico do setor agrário para industrial. (SILVA E SILVA, 1989). Com a criação do decreto 1.749, em 28 de junho de 1937, foi possível um efetivo desenvolvimento de um programa habitacional por parte dos IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões). Os IAPs, modelos de pensões vinculadas a gênero ou 28 categoria profissional, foram organizados a partir de 1933, de forma a abranger as mesmas categorias em todo o território nacional. MuitasCaixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) foram transformadas em IAPs. Segundo Farah (1983), três fatores devem ser destacados: primeiro, o aumento da proporção da destinação das reservas monetárias dos IAPs à construções habitacionais; segundo, o crescente uso desse crédito pelos associados através da redução da taxa de juros, da dilatação do prazo de pagamentos, elevação do prazo máximo de financiamento e a permissão da construção de casas para associados que já fossem proprietários, desde que não tivessem obtido financiamento do Estado; terceiro, a autorização para a criação das Carteiras Prediais nos Institutos, que significou a definição de como cada Instituição deveria atuar no setor habitacional. O Regulamento, através das medidas adotadas, pode, portanto, ser considerado o marco inicial da atuação dos institutos neste campo, e, por conseqüência, a participação do Estado na solução da questão da moradia. O processo de urbanização brasileiro apresentou um crescimento desordenado das populações urbanas, desencadeado pelo acelerado processo de industrialização o que incentivava uma intensa migração rural-urbana, acentuada pela relativa estagnação da economia agrária em termos de absorção de mão de obra e de salários condizentes, cujo resultado foi a concentração em favelas, de grande parte dos imigrantes rurais. Outros fatores conjugaram-se para agravar o problema habitacional, tais como as crescentes taxas de inflação e a política governamental de congelamento de aluguéis, desestimulando os investimentos em moradia, destinados à locação e gerando uma alta nos novos contratos. 29 A criação de instrumentos legais voltados para o funcionamento de um governo democrático, marcou o período 1946 a 1964, quando o autoritarismo perde espaço, porém o populismo continua sendo o traço fundamental da relação Estado- Sociedade. Para Barcellos (1983), as mudanças na economia e na política nesse período exigiram do Estado a ampliação e a rearticulação de suas funções para suprir as necessidades advindas do aprofundamento da concentração urbana e da modernização do país: Em relação à Previdência Social, os problemas da unificação administrativa, da universalização e da uniformização de benefícios e serviços constituíram-se na tônica do período; na área da saúde, estiveram em evidência as questões ligadas ao combate às doenças de massa e à ampliação da assistência médica; no setor trabalho, as lutas sindicais e a política salarial mobilizaram as atenções dos poderes públicos; no que diz respeito à educação, foram a democratização do ensino e a qualificação profissional os aspectos que assumiram maior relevância; finalmente, a constatação da existência de um expressivo déficit habitacional fez com que a habitação passasse a ser encarada também como uma questão social (BARCELLOS, 1983, p. 89). O governo Dutra (1946-1950) encontrou na habitação popular uma aliada para ajudar a garantir a ordem urbana, e foi explicitamente utilizada, pela primeira vez, como meio de angariar legitimidade e alcançar penetração junto aos trabalhadores urbanos. Nesse sentido a criação da Fundação Casa Popular – FCP, através do Decreto Lei 9.218 de 1° de Maio de 1946, representou o primeiro órgão em âmbito nacional voltado a prover habitações às populações de baixa renda. (SILVA E SILVA, 1989). A Fundação da Casa Popular foi pensada, inicialmente, para enfrentar os problemas habitacionais da população de baixa renda. Em 6 de setembro de 1946, com o Decreto Lei 9.777, passa a ter a possibilidade de atuar também em áreas 30 complementares que fariam dela um verdadeiro órgão de política urbana. Passava ser função da FCP, de acordo com o Decreto: IV – financiar obras urbanísticas, de abastecimento de água, esgotos, suprimento de energia elétrica, assistência social, e outras que visem a melhoria das condições de vida e bem-estar das classes trabalhadoras, de preferência nos municípios de orçamentos reduzidos, sob a garantia de taxas ou contribuições especiais, que para isso forem criadas; VI – proceder a estudos e pesquisas de métodos e processos, que visem o barateamento da construção, quer isolada, quer em série, de habitações de tipo popular, a fim de adotá-los e recomendá-los; VIII – financiar as indústrias de materiais de construção, quando, por deficiência do produto no mercado se tornar indispensável o estimulo do crédito, para o seu desenvolvimento ou aperfeiçoamento, em atenção aos planos ou programas; XI – realizar todas as operações que digam respeito à melhor execução das suas finalidades dentro das atribuições e competência que forem conferidas pela lei.(BRASIL, DECRETO 9777, 1946, disponível em www.soleis.adv.br). A percepção de que não era possível enfrentar o problema de moradias sem atacar os entraves, como a falta de infra-estrutura e saneamento básico motivou essas mudanças. Nos anos que se seguiram, a experiência se encarregou de mostrar que eram irrealistas e pretensiosas as medidas, como atacar, simultaneamente, o problema de moradia e o de infra-estrutura. (BONDUKI, 1998). As dificuldades enfrentadas pela Fundação da Casa Popular não eram apenas constrangimentos de ordem técnica, financeira e administrativa que tornavam inviável a abertura de tantas frentes de trabalho (AZEVEDO E ANDRADE, 1982). No plano político também faltava respaldo, traduzido em recursos financeiros, apoio dos Estados ou legislação que lhe conferisse monopólio de algum recurso crítico, que lhe conferisse posição de vantagem para negociar com os municípios: Com os exíguos recursos financeiros de que dispõe, a Fundação da Casa Popular não está, assim, em condições de, ao menos, atenuar de modo sensível a crise nacional de moradia. Daí as inúmeras sugestões que têm surgido para dar maior elasticidade e amplitude a seus movimentos, de modo a permitir a acumulação de recursos ponderáveis e necessários a uma política social de resultados 31 positivos. Através do Banco Hipotecário as classes menos favorecidas terão asseguradas pelo crédito a longo prazo e juros médios, as oportunidades de adquirir, reparar ou ampliar a moradia própria.(AZEVEDO E ANDRADE, 1982, p.41). Em 1953 houve uma tentativa de transformar a Fundação em banco hipotecário, tornando a política habitacional auto-sustentável. Mas a proposta só foi adiante no período Jânio Quadros, com a proposta de criação do Instituto Brasileiro de Habitação (IBH). Esse apoio adveio do fato da casa própria se constituir, no imaginário passado para o trabalhador urbano, um atrativo que possibilitaria sua ascensão social combinada com a patente intenção do Estado, nesse contexto de turbulência política, de associar a moradia à propriedade. A interface propriedade-moradia foi caracterizada como ferramenta fundamental para alcançar a estabilidade e o controle social, e sempre esteve associada a objetivos econômicos e políticos, visando adquirir, via ideologia da casa própria, o apoio e exercer o controle sobre as massas populares, o que tem condicionado o formato das políticas públicas e limitado seu impacto social (MEDEIROS, 2002). A situação do setor habitacional brasileiro era das mais graves. Em 1956 o Governo reconheceu publicamente através de mensagem enviada ao Congresso que o crescimento demográfico em ritmo superior ao da construção de moradias elevaria a um déficit de mais de 100 mil habitações anualmente o déficit já existente de 2,5 milhões de casas. Esses dados eram estatísticos já que o governo não dispunha de informações baseadas em levantamento de dados à época. O diagnóstico era de que as condições peculiares às diferentes regiões do Brasil, o desnível econômico, e a ação descoordenadora dos vários órgãos com atribuições pertinentes ao problema habitacional, vinham impedido a obtenção da casa. (ARRUDA, 1988). O crescimento explosivo da demanda por habitações urbanas, derivado da intensificação do processo de urbanização do país, em um contexto fortemente 32 inibidor do investimento na área, marcadopor forte aceleração inflacionária, taxas de juros nominais fixas e leis populistas no mercado de aluguéis, acabou por gerar um salto no déficit. Nessa época inexistia qualquer sistema de indexação e controle inflacionário, resultando uma rápida descapitalização e conseqüente quebra das instituições responsáveis pelos financiamentos imobiliários, levando a FCP a paralisar seus investimentos a partir de 1960. (IBMEC, 1974). A ação do Estado, posta em prática no Governo Jânio Quadros para minorar a crise no setor habitacional, alocou recursos e assistência técnica e construiu uma diretriz que poderia ser seguida, não ocorresse a renúncia do Chefe da Nação em 1961. Antes de ser deposto pelo Golpe de 1964, o Presidente João Goulart fez um dos mais completos exames dos problemas habitacionais que o país vinha enfrentando. Baseados em dados estatísticos apurou-se que o Brasil possuía 78 milhões de habitantes, 85% dessa população estava no campo, porém tudo conspirava para que a situação habitacional se tornar cada vez mais crítica, tendo em vista o déficit já existente. (ARRUDA, 1988). 1.3 PERÍODO AUTORITÁRIO Os governos militares iniciados em 1964 inauguram uma fase de profundas alterações na estrutura institucional e financeira das políticas sociais, que ia de meados da década de 1960 a meados da década seguinte. Nesse período, conforme Barcellos (1983), são implementadas políticas de massa de cobertura 33 relativamente ampla, mediante a organização de sistemas nacionais públicos ou estatalmente regulados de provisão de serviços sociais básicos. Baseados em um regime fortemente repressivo, os governos militares restauram muitas das tradições corporativistas do Estado Novo. Conforme Martine, (1989, p. 100): Os recursos que circulavam pela área social passaram a ser estreitamente articulados com a política econômica, sendo subordinados, em várias áreas, ao critério da racionalidade econômica. A iniciativa privada foi, assim, estimulada a assumir importantes fatias dos setores de habitação, educação, saúde, previdência e alimentação. Com essas inovações, a política social passou, inclusive, a ser um dinamizador importante da iniciativa privada. O Presidente Castello Branco (1964-1967) assumiu o governo cônscio da situação caótica que o País experimentava no âmbito habitacional. Enquanto se observava um intenso aumento demográfico, e se verificava em torno das cidades uma expansão em ritmo duas vezes maior que o próprio aumento da população, o governo estava totalmente descapitalizado e, além dos minguados recursos orçamentários do governo, o setor privado também estava estagnado. Além de leis antigas e obsoletas a falta de mecanismos institucionais impediam que o governo dispusesse de uma autêntica Política Habitacional. Diante da necessidade de construir anualmente 290 mil unidades habitacionais, da inexistência de uma política habitacional e da necessidade de estancar o agravamento da crise, o governo cria o Banco Nacional da Habitação - BNH como órgão primordialmente de fomento, financiador da habitação e do saneamento básico, para desenvolver a economia, o emprego e atender às aspirações de melhoria social. (ARRUDA, 1988). 34 1.3.1 O Banco Nacional da Habitação (BNH) O Banco Nacional da Habitação - BNH foi criado com a finalidade de financiar a execução do Plano Nacional de Habitação, destinado a reduzir a escassez de moradia no país. Ele veio corrigir a situação de falta de financiamento, democratizando a obtenção de recursos. Sua função era realizar operações por intermédio de bancos privados e/ou públicos e de agentes promotores, como as companhias habitacionais e as companhias de água e esgoto. (ARRETCHE, 1996; MARICATO, 1996). A criação da LEI Nº 4.380 – de 21 de agosto de 1964, através da qual se Instituiu o BNH - Banco Nacional da Habitação, criou também o Sistema Financeiro da Habitação - SFH, as Sociedades de Crédito Imobiliário e a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social. Essa lei veio estabelecer um marco jurídico e institucional no sistema habitacional do Brasil, pois estabelecia um sistema que concentrava em um único órgão a coordenação dos investimentos públicos e privados e centralizava, no governo federal, a formulação das normas de obediência da política de habitação. (MARICATO, 1987). O objetivo do Banco Nacional da Habitação - BNH era favorecer as classes de baixa renda. Segundo as regras, a casa obtida pelo mutuário era de uso próprio, não podendo ser revendida, alugada, ou usada com fim comercial e por outra pessoa que não o financiado. A lei previa a rescisão do contrato de financiamento em caso de locação ou inadimplência do mutuário.( SACHS, 1999). 35 Relativamente às iniciativas habitacionais até então tentadas pelo poder público, o SFH apresentava características distintas, entre as quais podem ser destacadas: • Fontes de recursos próprias (o FGTS e as cadernetas de poupança), • Instituição da correção monetária no retorno dos financiamentos, • Diversificação dos objetivos dos financiamentos, que abrangiam diferentes itens de desenvolvimento urbano. Com a farta captação de recursos por parte do SFH, o sistema inicialmente, viveu uma fase de abundância em condições extremamente favoráveis para os grupos de renda média e alta, garantindo, ao mesmo tempo, lucros elevados para as construtoras, incorporadoras e agentes financeiros. Em 1969, o BNH chegou a ocupar o segundo lugar no “ranking” bancário brasileiro, só ultrapassado pelo Banco do Brasil. Vê-se assim, que recursos existiam, faltava, contudo, um bom direcionamento dos investimentos captados do FGTS provenientes dos trabalhadores brasileiros, e que foram carreados para beneficiar setores privilegiados como as construtoras e empreiteiras. O BNH financiou a aquisição de 4,4 milhões de unidades residenciais, sendo que apenas cerca de 1,1 milhão de unidades destinou-se à população com renda familiar mensal de até 5 salários mínimos, o que equivaleu a 25%. Inicialmente, observou-se crescimento quase contínuo no número de unidades residenciais financiadas, atingindo o auge em 1980, com 627 mil unidades. Após os anos promissores para o setor da construção civil, impulsionado pela oferta de recursos para a produção e obtenção de imóveis de financiamentos do SFH, que apresentou tendência crescente desde o ano de sua criação até 1982, observou-se o colapso do setor a partir de 1983(CARNEIRO, 2003). 36 A estagnação da renda agregada doméstica, inibidora direta dos investimentos da economia, e a falência dos mecanismos de investimento, inviabilizaram o desenvolvimento sustentado do setor imobiliário: Limitado pelos objetivos políticos de sucessivos governos, o Estado brasileiro mostrou-se incapaz de distribuir competências e utilizar recursos de maneira impessoal e eqüitativa. Disso resultaram várias deficiências do sistema, como ineficiência e ineficácia dos programas sociais; superposições de competências, objetivos e clientela; regressividade dos gastos sociais; altos custos de implementação e administração; distanciamento entre formuladores e executores e os beneficiários das políticas; quase total ausência de avaliação dos programas; instabilidade e descontinuidade das políticas; e peso desproporcional dos interesses burocráticos, corporativos e privados nas definições e na dinâmica de funcionamento da máquina social do Estado. (DRAIBE; HENRIQUE, 1988, p.15). Contudo o BNH, que devia ser um Banco social, terminou assim por aplicar uma política habitacional de efeito perverso, pois com seus recursos construíram-se avenidas, abriram-se canais, asfaltaram-se ruas que em vez de atender as populações de baixa renda atenderam aos especuladores imobiliários, o que terminou por expulsar e jogar as populações urbanas pobres para as periferias da cidade, pois em vez de atenuar as desigualdades sociais, colaborou para o agravamento da concentração de renda no país. O modelo de política habitacional implementadoa partir de 1964, pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), baseava-se em um conjunto de características que deixaram marcas importantes na estrutura institucional e na concepção dominante de política habitacional nos anos que se seguiram. A principal delas, diz respeito as fontes de recursos do SFH: • A arrecadação do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), isto é, o conjunto da captação das letras imobiliárias e cadernetas de poupança; e 37 • A partir de 1967, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), gerado a partir de contribuições compulsórias dos trabalhadores empregados no setor formal da economia. Essas são, ainda hoje, as fontes tradicionais de recursos para financiamento da política habitacional. A poupança voluntária proveniente dos depósitos de poupança do denominado Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), constituído pelas instituições que captam essa modalidade de aplicação financeira, com diretrizes de direcionamento de recursos estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e acompanhados pelo Banco Central do Brasil - BACEN, bem como a poupança compulsória proveniente dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), regidos segundo normas e diretrizes estabelecidas por um Conselho Curador, com gestão da aplicação efetuada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), cabendo à CAIXA o papel de agente operador.(BACEN, 2005). Atualmente, as normas do CMN disciplinam as regras para o direcionamento dos recursos captados em depósitos de poupança pelas instituições integrantes do SBPE, estabelecendo que 65%, no mínimo, devem ser aplicados em operações de financiamentos imobiliários, sendo que 80% do montante anterior em operações de financiamento habitacional no âmbito do SFH e o restante em operações à taxas de mercado, desde que a metade, no mínimo, em operações de financiamento habitacional. (BACEN, 2005). As operações chamadas de faixa de mercado ou livre estão vinculadas às operações do SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário instituído em 1997, com a finalidade de promover o financiamento imobiliário em geral. No SFI, as operações de financiamento imobiliário em geral são livremente pactuadas pelas partes, sendo que a 38 mudança de maior impacto foi a possibilidade da adoção da alienação fiduciária1 como garantia do financiamento do imóvel. Outras medidas como o Patrimônio de afetação2 foram criadas com o objetivo de proteger o comprador do imóvel em construção, e o agente financeiro que concede o crédito ao construtor.(BACEN, 2005). Dentre outras, as principais características do SFI são: • As prestações dos mutuários vão subir conforme o mercado e não podem mais estar atreladas nem aos reajustes do salário nem a um teto de comprometimento da renda familiar (até então de 30%). • No SFI não há limite dos juros, (no SFH é de 12% ao ano). • Os agentes financeiros passaram a ter sua proteção ampliada (com a alienação fiduciária, vai retomar mais rápido o imóvel de quem ficar inadimplente: no sistema antigo, da hipoteca, isso levava cinco anos em média; no SFI, tudo pode ser resolvido em um ano). • Cria instrumentos de captação de novos recursos para o sistema, adicionalmente aos atuais da Caderneta de Poupança e do FGTS. • Deverá ampliar o volume de financiamentos, tanto pela ampliação dos recursos, quanto pela redução dos riscos dos financiadores. • O SFI deverá ser o financiador de imóveis da classe média, ficando o SFH, com os recursos da poupança e do FGTS, restrito ao financiamento para mutuários de renda até R$ 2.000,00 (CAIXA, 2005). O SFH continua como um segmento especializado do Sistema Financeiro Nacional. Já, na montagem do SFH, observou-se que havia necessidade de 1 A alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o comprador / devedor ou fiduciante, contrata a transferência ao financiador / credor ou fiduciário, da propriedade, dando o imóvel como garantia. É necessário o registro do contrato no competente Registro de Imóveis 2 Por este instrumento todos os bens e recursos recebidos para a construção de um determinado empreendimento ficam separados dos demais. Em caso de falência da empresa, o patrimônio de 39 subsídios às famílias de renda mais baixa, o que foi realizado de maneira a não recorrer a recursos do Tesouro Nacional. Foi estabelecido, então, um subsídio cruzado, interno ao sistema, que consistia em cobrar taxas de juros diferenciadas e crescentes, de acordo com o valor do financiamento, formando uma combinação que, mesmo utilizando taxas inferiores ao custo de captação de recursos nos financiamento menores, produzia uma taxa média capaz de remunerar os recursos e os agentes que atuavam no sistema. A partir de 1971, adotou-se um mecanismo de subsídio via imposto de renda. De 1971 até 1981, havia um critério seletivo para concessão de subsídios. Os mutuários de maior renda pagavam integralmente as suas prestações. Conforme fosse decrescendo o salário, o Governo Federal assumia uma parte da prestação, via redução de Imposto de Renda. A partir de 1983, o princípio da identidade de índices foi quebrado. Em 1984, o subsídio foi repetido. Em 1985, houve novamente um subdimensionamento do índice de reajuste das prestações dos contratos. E, atualmente, os subsídios são concedidos somente nos financiamento vinculados ao FGTS. (BACEN, 2005). Em 1986, com a extinção do BNH, o SFH passou por uma profunda reestruturação e as atribuições referentes a habitação são distribuídas entre o então Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), o Conselho Monetário Nacional (CMN), o Banco Central do Brasil (BACEN) e a Caixa Econômica Federal . Ao MDU coube a competência para a formulação de propostas de política habitacional e de desenvolvimento urbano; ao CMN coube exercer as funções de Órgão central do Sistema, orientando, disciplinando e controlando o SFH; ao BACEN foram transferidas as atividades de fiscalização das instituições financeiras que integravam o SFH e a elaboração de normas pertinentes aos depósitos de poupança e a CAIXA à afetação não integra a massa falida. Esta medida tem como objetivo reduzir o risco das operações de compra de imóvel na planta 40 administração do passivo, ativo, do pessoal e dos bens móveis e imóveis do BNH, bem como, a gestão do FGTS. (BACEN, 2005). As atribuições inicialmente transferidas para o então MDU foram posteriormente repassadas ao Ministério do Bem Estar Social, seguindo depois para o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e, finalmente, a partir de 1999 até hoje, alçadas à Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República - SEDU/PR. (BACEN, 2005). Por outro lado, a extinção do BNH foi motivo de surpresa, conforme Azevedo (1995), uma vez que ocorreu de maneira abrupta e sem margem para contrapropostas. Esse procedimento chocava-se com as declarações de intenções e encaminhamentos anteriores feitos pelo próprio governo. A maneira como o governo incorporou o antigo BNH à Caixa Econômica Federal tornava explícita a falta de proposta clara para o setor, ficando evidenciada a desarticulação institucional do banco, agravando assim os problemas existentes. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR-UFRJ, disponível em www.ippur.gov.br), a explosão das favelas se confunde com o colapso do sistema de crédito habitacional. As duas décadas que marcaram a explosão da moradia subnormal – (NRODAPE) classificação do IBGE para residências em áreas irregulares, com imóveis distribuídos desordenadamente e sem acesso a serviços básicos - coincidem com a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH). A combinação de mazelas tem efeitos dramáticos para a populaçãode baixa renda que, sem outra opção de moradia, acabava inflando as favelas. Desde então, o país ficou mergulhado num processo de desarticulação institucional para reger a política habitacional. Mais do que isso, o que houve durante 41 os anos subseqüentes ao regime militar foi uma política habitacional regida por uma aliança de interesses políticos clientelistas dos setores do capital de promoção imobiliária como o da construção. (AZEVEDO, 1996; MARICATO, 1999). Assiste-se, portanto, nos períodos subseqüentes, a uma política habitacional sucateada, uma conjunção de interesses entre Executivos municipais, a burocracia central e grupos privados que atuam na “prestação de serviços” de intermediação. (MELLO, 1990). A pulverização, por vários órgãos federais, das atribuições na área habitacional do governo, antes praticamente concentradas no BNH, e o arranjo institucional configurado passou a atribuir ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a função de orientar, disciplinar e controlar o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o que vem provocando a aplicação inadequada dos recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), isto é, os recursos das Cadernetas de Poupança e dos Fundos Habitacionais de Apoio, bem como dos agentes financeiros e do SFH, pois são aplicados de forma divorciada do órgão detentor da competência de definir e implementar a Política Nacional de Habitação.(MARICATO, 1996). Ao Banco Central do Brasil (BACEN), foi atribuída a competência de fiscalizar o funcionamento e os agentes integrantes do SFH, o que abrange as entidades financeiras e não financeiras. Entretanto, a fiscalização não vem ocorrendo de forma satisfatória, pois tem sido restrita às entidades financeiras, captadoras de recursos. Com a extinção do BNH, os recursos do FGTS passaram a ser administrados pela Caixa Econômica Federal, com planejamento do Ministério do Planejamento e sob supervisão do Conselho Curador do FGTS.(ARRETCHE, 1996). 42 1.3.2 Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi instituído pela Lei nº 5.107, em setembro de 1966. A sua criação decorreu da crescente demanda social por mecanismos mais eficientes de proteção aos trabalhadores do setor privado nos casos de demissão involuntária, bem como da melhor adequação desses mecanismos às necessidades das empresas. A lei que criou o FGTS determinava o recolhimento mensal pelas empresas do equivalente a 8% das remunerações pagas aos empregados. Esses depósitos deveriam integrar um fundo unificado de reservas, com contas individuais cujos titulares seriam os próprios trabalhadores. Mas o grande objetivo da introdução do FGTS era, de fato, a flexibilização da legislação trabalhista.(CAIXA, 2005). O FGTS é um fundo público de poupança compulsória, e tem dupla função: de um lado, é um fundo de indenização para o trabalhador demitido sem motivos. De outro, é o principal instrumento financeiro da política federal de desenvolvimento urbano, que compreende as políticas setoriais de saneamento básico e habitação popular. Nessa função, o FGTS é a principal fonte financeira do Sistema Nacional de Saneamento e parte importante dos recursos do Sistema Financeiro da Habitação. (ARRETCHE, 1996). A gestão do FGTS foi delegada ao Banco Nacional da Habitação (BNH) que passou a ter direito ao uso dos recursos bem como a atribuição de garantir as aplicações dos mesmos. A delegação da administração do FGTS ao BNH explicitava sua vinculação com a política nacional da habitação. 43 A Lei Complementar n°110, de 29 de junho de 2001, instituiu a contribuição social devida pelos empregadores à alíquota de 5% sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei 8.036/90, não sendo, no entanto objeto do presente estudo. Também compõe o saldo das contas vinculadas à correção monetária e os juros – 3%, 4%, 5% e 6% a.a., que são pagos pelo próprio Fundo a título de remuneração, por força de lei. A correção monetária e remuneração dos valores das contas vinculadas visam assegurar a cobertura das obrigações desse Fundo. (CAIXA, 2005). A partir de 1989 a Caixa Econômica Federal passou a ser o agente operador e atende às determinações oriundas do Conselho Curador do FGTS – CCFGTS. Para a regulamentação e o controle da operacionalização desses recursos, foi criado o Conselho Curador do FGTS, cujos integrantes representam alguns dos segmentos da sociedade como: empregadores, governo e trabalhadores. De acordo com a legislação do FGTS, as aplicações dos recursos devem seguir as diretrizes e programas em consonância com a política nacional de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infra- estrutura urbana, estabelecidas pelo Governo Federal, bem como o orçamento aprovado pelo Conselho Curador do FGTS. O Ministério das Cidades – MC exerce a função de Gestor da Aplicação do FGTS, cabendo-lhe, nessa qualidade, a responsabilidade legal pela seleção e hierarquização dos projetos a serem contratados. Com a extinção do BNH – Banco Nacional de Habitação em 1986, a Caixa Econômica Federal passou a administrar o FGTS, transformando-se na maior 44 agência de desenvolvimento social da América Latina e tornando-se o órgão-chave na execução de políticas de desenvolvimento urbano, habitação e saneamento. O papel da Caixa, como agente executor de políticas públicas é examinado a seguir. 1.3.3 Caixa Econômica Federal A Caixa Econômica Federal é uma instituição financeira sob a forma de empresa pública de direito privado, vinculada ao Ministério da Fazenda, Instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional e auxiliar da execução da política de crédito do Governo Federal. Em 145 anos, a CAIXA desenvolveu-se, diversificando sua missão, agregando valores e reorientando o foco dos negócios. A história da CAIXA é marcada por este traço: agregar funções, quase sempre em decorrência de decisões tomadas em instâncias situadas fora de seu alcance.(CAIXA, 2005). A Caixa Econômica foi fundada em 1861, na cidade do Rio de Janeiro, pelo então Imperador do Brasil, Dom Pedro II. Monte de Socorro foi o nome de batismo dado à CAIXA, tendo a missão de realizar empréstimos e fomentar a poupança popular. Já naquela época, tinha como premissa proteger a sociedade, inibindo atividades bancárias praticadas por outras empresas que não ofereciam garantias aos seus depositantes e cobravam juros exorbitantes. A nova empresa atraiu príncipes, barões e escravos, esses últimos, ávidos por comprarem suas alforrias, nela depositavam seus recursos, com o que teve início sua trajetória como banco popular ou de poupança, no qual as pessoas humildes depositavam não só os seus recursos, mas também suas esperanças de um futuro melhor (BUENO, 2002). 45 Em função de a Caixa ser a única entidade financeira sob controle total e completo do poder público federal, a incorporação de novos papéis processou-se, algumas vezes, para contornar dificuldades surgidas em áreas de atuação diversas daquelas destinadas à CAIXA. O seu envolvimento na implementação da política habitacional do governo se deu com maior ênfase com a incorporação do Banco Nacional de Habitação – BNH à CAIXA, em 1986. Até então, a CAIXA, nesse campo, restringia-se a operar a carteira hipotecária, surgida logo após a Revolução de 30, quando foi assinada a primeira hipoteca, em 01 de junho de 1931, destinada à aquisição de bem imóvel.(CAIXA, 2005). Ao longo da história, a CAIXA sedimentou estreitas relações com a população, fundada no atendimento de necessidades imediatas: hábito de poupança, penhor, crédito consignado, operação do FGTS, Programa de Integração Social (PIS), seguro-desemprego, crédito educativo, casa própria, renda mínima, inclusão bancária. Alimentou, também, o sonho da riqueza, por meio das Loterias Federais. Porém, ao herdar parte do espólio e das atribuições do BNH, aCAIXA assumiu de vez a condição determinantemente de maior agente nacional de financiamento da casa própria e de importante financiadora do desenvolvimento urbano, especialmente do saneamento básico. Essa herança continua a produzir efeitos na vida funcional, financeira e operacional da Instituição. Com a transformação do Estado, a CAIXA foi chamada à desempenhar alguns novos papéis. A implementação da política reducionista, nos anos recentes, gerou um vácuo no setor público, o que levou o governo a procurar apoio em estruturas capazes de responder às demandas carentes de executores. O histórico de relacionamento que a CAIXA mantém com o governo, seu controlador, e com a sociedade reforça a condição de parceira do governo na implementação das políticas 46 públicas. Essa ligação com a sociedade baliza um padrão de relacionamento com o Estado em que a CAIXA figura como braço do governo que se estende aos confins do País e se infiltra nas periferias dos grandes centros urbanos, promovendo aproximações geográficas e sociais. (CAIXA, 2005). A história da CAIXA espelha profundo entrelaçamento entre Estado, sociedade e governo. Essa vocação diferenciada numa Instituição Financeira já se faz evidente na descrição de sua missão, onde a intermediação de recursos financeiros aparece em segundo plano, estando o destaque principal em seu mais conhecido mote “Promover a melhoria contínua da qualidade de vida da sociedade”. A posição de agente operador de políticas públicas é confirmada novamente em sua missão quando se define que sua atuação se dará “prioritariamente, no fomento ao desenvolvimento urbano e nos segmentos de habitação, saneamento e infra-estrutura, e na administração de fundos, programas e serviços de caráter social”. (CAIXA, 2005, disponível em www.caixa.gov.br). Nesse sentido, o financiamento à construção de habitações populares constitui o coração das políticas públicas executadas pela Caixa. É uma típica política de crescimento da renda e do emprego com distribuição de maior poder aquisitivo para a população carente de moradias próprias, tendo em vista que o poder de compra que se disponibiliza no orçamento doméstico, quando uma família realiza “o sonho da casa própria” e deixa de pagar aluguel. A aquisição da casa própria abre a possibilidade de uma ascensão social, inclusive porque passa a possuir uma garantia patrimonial para tomar novos empréstimos e até mesmo começar novo empreendimento. É incumbência da Caixa, de acordo com a Lei 8.036/90, manter e controlar as contas vinculadas, participar da rede arrecadadora dos recursos do FGTS, 47 normatizar procedimentos administrativo-operacionais dos bancos arrecadadores, dos agentes financeiros, dos empregadores e dos trabalhadores, integrantes do sistema do FGTS, definir procedimentos operacionais necessários à execução dos programas de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana estabelecidos pelo Conselho Curador do FGTS a partir de normas e diretrizes de aplicação elaboradas pelo Gestor desse Fundo, elaborar as análises jurídicas e econômico-financeiras dos projetos de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana, emitir Certificado de Regularidade do FGTS e elaborar as contas do FGTS e encaminhá-las ao Gestor. 1.4 PERÍODO DA DEMOCRATIZAÇÃO O período que começa nos anos 80 é marcado especialmente por dois grandes fenômenos. Do ponto de vista econômico, entra-se na fase conhecida como "década perdida", tendo em vista a crise que se instaura no modelo de desenvolvimento brasileiro. Mas, trata-se não tanto da crise da economia em si, mas do Estado Desenvolvimentista. A crise do Estado que se manifestou no Brasil nos anos 80, deriva dos processos de acumulação e reestruturação; dos problemas fiscais e redistributivos; das heranças do autoritarismo; das resistências classistas; e dos problemas de exclusão que enfraquecem o potencial regulador do Estado, gerando o colapso das políticas sociais. .(MARICATTO, 1997). 48 O resultado é a fragmentação social, marcada não só pelas desigualdades sociais geradas pelo processo de urbanização espoliativo, mas também pela exclusão social. A questão habitacional no Brasil constitui-se em um dos mais graves problemas sociais da atualidade. A dimensão desse problema é visível, seja nos grandes centros urbanos, com seus contingentes elevados de população favelada, seja nas regiões mais pobres do interior do país, onde a precariedade da estrutura de moradias aparece como um fator agravante para a questão da pobreza em suas inúmeras manifestações. (IPEA, 1998). Por outro lado, os anos 80 são marcados também pela retomada da democracia no plano político. As diretas já (em 1984), a eleição de Tancredo Neves (em 1985), a promulgação da Constituição em 1988 e as eleições diretas de 1989 são alguns marcos importantes deste processo. Este momento de volta da democracia vai marcar profundamente as políticas habitacionais que começam a sofrer o reflexo da pressão da sociedade civil, especialmente dos movimentos sociais, que agora podem manifestar-se no novo regime de liberdades trazida pela democracia. Isto fica particularmente claro se analisamos as duas maiores expressões da política habitacional deste período - o movimento pela reforma urbana (anos 80) e o Estatuto das Cidades (anos 90), que vamos analisar a seguir. 49 1.4.1Reforma Urbana no Brasil O direito à moradia foi incluído como um dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro, juntamente com saúde e educação, somente em 14 de fevereiro de 2000, através de Emenda Constitucional nº 26 (BRASIL, disponível em www.soleis.adv.br). Porém, apenas o reconhecimento formal de direito não resulta em práticas eficazes para solucionar a carência de habitação no país. De qualquer forma, a presença da questão habitacional e mais amplamente, da questão urbana na lei, tem um histórico de mobilização popular. A reforma urbana não é um projeto desta contemporaneidade. Para Souza (2002), o marco histórico desse debate foi o Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, realizado em 1963, no Hotel Quitandinha em Petrópolis. Das discussões travadas principalmente por arquitetos, urbanistas, técnicos e alguns cientistas sociais, surgiram os elementos que culminaram com a criação do Banco Nacional de Habitação – BNH e do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – SERFHAU, os quais, juntos, tinham a finalidade de organizar o chamado espaço habitacional, em face do elevado déficit de moradias existente no país naquela ocasião. Porém, o movimento só ganhou força quando, no final dos anos 70, a CPT - Comissão Pastoral da Terra, setor da igreja católica que se dedicava à assessoria da luta dos trabalhadores no campo, passou, a partir de uma primeira reunião realizada no Rio de Janeiro, a promover encontros destinados a auxiliar a construção de uma entidade que assessorasse os movimentos urbanos. Foi somente a partir de 1986 que os movimentos pela luta da reforma urbana conseguiram se articular e apresentar propostas de iniciativa popular ao texto da 50 Constituição Federal. Apesar da heterogeneidade marcante entre as entidades, foi produzido um texto consensual elaborado na forma de artigos constitucionais denominado "Emenda Popular pela Reforma Urbana", conquistando cerca de 200 mil assinaturas. Desde então vêm implementando esforços no sentido de articular as questões da problemática urbana das cidades no Brasil. (LAVERDI, 1999). Trata-se de um engajamento político pela afirmação de uma concepção do direito à cidade que visa a melhoria das condições de vida urbana, considerando a plataforma que norteia o planejamento territorial, habitação, saneamento ambiental e transporte e mobilidade: No decorrer da década de 80, a questão urbana constituiu-se como um problema nacional, mesmo porque foi visualizada por uma verdadeira teia de movimentos populares que se articularam numa infinidade de entidades por todo o país. Nesse contexto,
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