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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE 
 
 
 
Faculdade de Ciências Sociais e Políticas 
 
 
 
 
Licenciatura em Tecnologias de Informação 
 
 
 
2o Ano Laboral 
 
 
 
Fundamentos de teologia católica 
 
 
 
 
 
 
 
Discentes: 
Gabriel Boné Suade 
Graciel Ibraimo
 
 
 
 
 
 
 
 
Quelimane, Dezembro de 2020
	
 
 Tema: Prostituição 
	Trabalho de Apresentação da Faculdade 
Ciências Sócias e Políticas e Universidade 
Católica de Moçambique da Cadeira de 
Estrutura de dados e Algoritmo 
 
 
 
 Docente 
 Padre Paulo Alquissone
 
 
 
 Quelimane, Dezembro de 2020 
 
ÍNDICE 
INTRODUÇÃO	4
PROSTITUIÇÃO	5
HISTÓRIA DA PROSTITUIÇÃO	5
CAUSAS DA PROSTITUIÇÃO	6
Outras causas da prostituição	6
PRATICAS DA PROSTITUICAO	7
CONSEQUÊNCIAS DA PROSTITUIÇÃO	9
POSICIONAMENTO DA IGREJA CATÓLICA ACERCA DA PROSTITUIÇÃO	9
CONCLUSÃO	16
BIBLIOGRAFIA	17
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
O presente trabalho realizado no âmbito da cadeira de Fundamentos de Teologia Católica, é acerca da prostituição.
 A permanência e a importância atribuídas à prostituição ao longo da história da humanidade mostram a existência de um discurso que enquadra a prostituição como um “mal necessário” (SIMMEL,2001), sendo vista constantemente de forma degradante e marginalizada. A partir desse discurso, as prostitutas, ainda que sejam consideradas indispensáveis, vêm sendo ignoradas, vitimizadas e subjugadas durante séculos, pela religião, pela mídia, pelos movimentos sociais, pela sociedade da qual também fazem parte e que designam direta ou indiretamente os ambientes nos quais podem circular. Fazendo uma rápida retrospectiva, é possível perceber como o papel social da prostitua modificou-se em diferentes épocas, mas que quase sempre permanece marcado por negativismo e submissão. Segundo Rago e Funari (2008, p.23), “construir masculinamente a identidade da prostituta significou silenciá-la e estigmatizá-la e, ao mesmo tempo, defender-se contra o desconhecido – a sexualidade feminina – recoberta por imagens e metáforas assustadoras”.
A sociedade ocidental, ao longo da história, tem apontado as prostitutas como mulheres que envergonham as suas famílias, frequentemente identificada como “sujas”, “corrompidas” e
“atrevidas”. Rago (1991) cita o médico F. Ferraz de Macedo que se refere à prostituição no Rio de Janeiro (do século XX, anos 20) como fruto da ociosidade, preguiça, desejo desmesurado de prazer, do amor ao luxo, miséria financeira, desprezo pela religião, falta de educação moral e do temperamento erótico da mulher. É justamente esse conteúdo, de cunho valorativo, construído pelo discurso do masculino, a partir da ótica do outro, que contribui para que as prostitutas continuem vivendo marginalizadas e recriminadas pela sociedade, ao mesmo tempo em que seu número aumenta exponencialmente.
Não se pode esquecer que essas mulheres são seres humanos que têm sua própria voz e cuja presença tem adentrado diversos contextos em busca das rédeas do discurso. Prova disso são as manifestações cada vez mais frequentes, nos últimos anos, de prostitutas que decidem falar sobre sua história, brigar por seus direitos e afirmar-se na contramão do discurso objetificador, mostrando uma ruptbbura na representação historicamente negativa dessas mulheres.
O objetivo deste artigo é abordar a representação social da prostituta, descrevendo como ela tem sido categorizada e enunciada ao longo da história da humanidade, bem como evidenciar os efeitos da estigmatização desse sujeito e da sua atividade na sociedade contemporânea. O debate será realizado com base nos pressupostos ideológicos de Michel Foucault (1926-1984), no que tange ao conceito de poder e controle da sexualidade.
PROSTITUIÇÃO 
 É a troca consciente de favores sexuais por dinheiro. Uma pessoa que trabalha neste campo é chamada de prostituta, e é um tipo de profissional do sexo. A prostituição é um dos ramos da indústria do sexo. O estatuto legal da prostituição varia de país para país, a ser permitida, mas não regulamentado, a um crime forçado ou não forçado ou a uma profissão regulamentada.
A prostituição é praticada mais comumente por mulheres, mas há um grande número de casos de prostituição masculina em diversos locais ao redor do mundo. 
HISTÓRIA DA PROSTITUIÇÃO
prostituição nem sempre foi desprezada e criticada como em nossos tempos. Uma prática que existia desde a antiguidade, algo digno e que existia até mesmo dentro dos templos. Lins (2007: 249) salienta que “mulheres respeitáveis faziam sexo com o sacerdote ou com um passante desconhecido, realizando assim um ato de adoração a um deus ou deusa”. Acrescenta ainda que “as prostitutas eram tratadas com respeito, e os homens que usavam seus serviços lhes rendiam homenagens. Acontecia também de as próprias sacerdotisas serem as prostitutas”. Tudo isso para favorecer a fertilidade da terra e uma maneira de louvar os deuses. O meretrício passou a ser comercializado depois que os templos foram fechados com a chegada do Cristianismo. “A prostituição individual, hoje tão comum, era exceção. A maioria das mulheres vivia em bordeis e casas de banho”. As mulheres entravam para a prostituição por causa da pobreza, inclinação natural, perda de status e até mesmo por pressão familiar. Os fregueses eram encontrados nas tavernas, praças, casas de banho e ate mesmo nas igrejas. Mesmo com a condenação da igreja e todo seu rigor, as relações extraconjugais e pré-maritais eram muito usuais. Para os homens, era uma maneira de “afastá-los da homossexualidade” e desestimulá-los da prática do estupro. Os jovens assim tinham assim a oportunidade de “afirmar sua masculinidade e aliviar suas necessidades sexuais”. A importância da prostituição era tamanha na dinâmica da sociedade que o rei Carlos VII da França reconheceu a necessidade dos serviços oferecidos pelos bordéis autorizando a presença destas casas de tolerância. Frequentadores que não eram apenas jovens no auge de suas puberdades, mas também clérigos. Richards, (1993: 123) analogamente diz que “a prostituta na sociedade e como a esgoto no palácio. Se retirar o esgoto, o palácio inteiro será contaminado”. Tentativas existiam para controlar e organizar a prostituição. A igreja incentivava as mulheres a não se prostituírem mais e constituir família. A verdade é que a esta altura, a prostituição já era uma realidade na sociedade, entre as pessoas, algo consentido, à vista para quem quisesse. Esta é uma época marcada pelas chamadas “costureirinhas”, em que mulheres que não querendo fazer parte da classe operária, preferem prostituir-se. Importante ressaltar que neste mesmo período, a sífilis, doença que aterrorizava as pessoas, propagava-se cada vez mais. Lins, (2007) cita ainda Hitler que,” impõe em1935 a lei que torna obrigatório o exame pré-nupcial, proíbe o casamento de homens com doenças venéreas e lhes impõe a esterilização pela castração”. Surge a sifilofobia que é o pavor da sífilis.
CAUSAS DA PROSTITUIÇÃO 
Quando a renda de uma mulher é insuficiente para mantela viva, a venda de favores parece uma possível ocupação subsidiaria. A moral hipócrita da sociedade capitalista encoraja a prostituição pela estrutura de sua economia exploradora, enquanto ao mesmo tempo cobre impiedosamente de desprezo qualquer menina ou mulher que e forcada a tomar este caminho.
A venda da carne de mulher e conduzida abertamente, oque não e surpreendente quando você considera que todo o modo de vida burgues e baseado na compra venda.
Muitas mulheres entram na prostituição muito cedo, as vezes muito cedo, as vezes ainda criança. Essa pratica pode ser incentivada pela própria família que busca recursos financeiros para sobreviver e por isso, explora a criança e a coloca em uma situação de violência.
Para entender a prostituição e preciso analisar a organização social. Ou seja, quais motivos levam as mulheres para essa atividade, para o comercio do corpo. Entre os fatores estão a desigualdades socias no país, ou seja, a existência de um sistema económico falho, onde poucos tem muito dinheiro e muitos mal conseguem sobreviver.
Outro fator que estimula essa pratica e a busca por uma boa condição financeira que permita uma maior possibilidade de consumo, independe pelas regras estipuladas pela sociedade. Ou seja, não importa se a atividade e imoral ou ilegal, o que vale e o dinheiro que vai ser adquirido e que pode ser usado para sustentar uma família. De todas as causas arroladas em cima podem ser resumidas em causas económicas e psicológicas. 
Outras causas da prostituição 
· O pauperismo;
· A excessiva concentração urbana;
· Os empecilhos económicos que dificultam o casamento;
· A situação especial da inferioridade em que ainda se encontra a mulher na sociedade atual;
· O baixo salario feminino;
· Os preconceitos socias, afastado de uma vida normal a mulher que e vitima de atentados sexuais;
· O desamparo em que fica frequentemente a mãe solteira, transformando a em prostituta em potencial; 
· A falta de uma educação sadia na juventude;
PRATICAS DA PROSTITUICAO 
Ceccarelli, (2008) Diz que a representação social da prostituta varia segundo época e cultura; nem sempre foi acompanhada do estigma que o Ocidente lhe atribui. Nas sociedades em que a propriedade privada inexistia e a família não era monogâmica, por exemplo, o sexo era encarado de forma bem diferente que a nossa, e ao que tudo indica, não havia prostituição. Já em algumas civilizações tratava-se de um ritual de passagem praticado pelas meninas ao atingirem a puberdade; em outras, os homens iniciavam sexualmente as jovens em troca de presentes. 
Além disso, a percepção dessa prática muda enormemente segundo a moral vigente. A posição social que a prostituta ocupa hoje na sociedade ocidental é tributária da visão que temos da sexualidade, algo bem diverso da Antiguidade, em que não havia a noção de pecado ligado ao sexo. 
Wenger (1991) propõem uma análise descentrada da aprendizagem, que tire o foco da relação aprendiz-mestre e das noções de destreza e de pedagogia, e atente para a circulação de informações, assim como para as relações de aprendizagem entre participantes de determinada prática social. Os autores entendem que a aprendizagem é “ela mesma uma prática improvisada” (Lave; Wenger, 1991, p. 93, tradução minha),6 organizada pelas práticas de trabalho e pelas possibilidades de engajamento dos participantes na atividade.
Na prostituição, a problemática da aprendizagem leva à reflexão sobre a iniciação e sobre o aprimoramento de técnicas e habilidades. Muitas vezes, não há uma etapa específica voltada para a aprendizagem ou uma relação sistemática de aprendiz-mestre com alguém mais experiente. As que trabalham para uma agência tem espécie de preparação antes do primeiro programa. Por vezes, alguns gerentes dão explicações básicas quando sabem que a mulher está iniciando ou percebem que não está agindo de acordo com o script das outras profissionais. Mas eles não sabem necessariamente se a mulher que chega ao hotel pela primeira vez já realizou programas e não fazem muitas perguntas, procurando não ser invasivos.
As interlocutoras de José Miguel Olivar (2013) em Porto Alegre que entraram na “quadra” pelos ou com seus gigolôs, aprenderam com eles o que fazer – técnicas, saberes, como “transar mesmo” – e sobretudo o que não fazer – o sexo oral e práticas consideradas por eles além do “normal”. Na zona boêmia, não é presente a figura do gigolô. Mais comum é que novatas recebam indicações sobre as regras, as técnicas e a negociação de conhecidas ou parentes que já trabalharam na prostituição. Várias chegam sabendo qual hotel escolher, como é o funcionamento, como se prevenir, ganhar dinheiro e o que não deixar o cliente fazer. Fabiana de Sousa e Maria Waldenez de Oliveira (2012), em estudo sobre casas noturnas de São Carlos, também relatam que as prostitutas pouco sabiam sobre a prática quando iniciaram e que aprenderam principalmente com clientes e colegas. Uma participante de sua pesquisa também menciona que não sabia que deveria usar preservativo no sexo oral e que aprendeu a se prevenir com prostitutas mais experientes e visitas a ginecologistas.
É em grande parte através da oralidade que as prostitutas aprendem e aprimoram suas práticas, mesmo se algumas mulheres encenam técnicas e posições para orientar as iniciantes. Como os programas são realizados maioritariamente de maneira isolada, não há acesso direto às interações sexuais de outras prostitutas. Além disso, as práticas sexuais têm certa invisibilidade social, sendo visualizadas principalmente em meios audiovisuais, que têm cortes e scripts padronizados. 
Grande parte da aprendizagem acontece através da imersão na prática. Uma vez no quarto, as iniciantes se engajam na atividade, orientando-se principalmente por suas experiências afetivo-sexuais pessoais anteriores. Algumas prostitutas dizem ter ficado intimidadas nos primeiros programas e utilizado bebidas alcoólicas para enfrentarem a situação. Pelas suas narrativas, percebe-se que deixaram os clientes guiar as interações. É comum que assinalem também que se comportavam “como namoradas”, sendo mais afetivas e permitindo maior diversidade de atos no programa.
As atividades sexuais heterossexuais estão inscritas em uma ordem cultural e social que prescreve como deve ser a interação entre os parceiros (Giami, 2008). De acordo com Gagnon (2008), os scripts sexuais estão ligados aos scripts de gênero. Tradicionalmente, no sexo, os homens devem adotar um comportamento expressivo, tomar as iniciativas e conduzir às etapas seguintes e ter maestria sobre as práticas sexuais. Espera-se das mulheres que sejam mais passivas, mas que expressem prazer e reações ao longo da interação.
As prostitutas devem então, aos poucos, aprender a fazer sexo de outra maneira. Com a “repetição” (Gomes et al., 2012) do programa, elas distanciam seu modelo de atuação de uma relação romântica para enquadrá-lo de maneira comercial. A quantidade de homens que recebem, a percepção de suas próprias ações e os retornos dos clientes ajudam a adequar a prática. Aprendem a colocar limites corporais, temporais e afetivos na interação. A narrativa então muda; habilitando-se no ofício e em suas técnicas, são as prostitutas que guiam o programa, administram as demandas dos clientes e negam práticas incômodas. Como aparece no livro Devir puta: políticas da prostituição de rua na experiência de quatro mulheres militantes, de Olivar (2013), a diferença entre prostituta e mulher é que a primeira sai do lugar de passividade/ “comida” / “presa” e controla a situação, estabelece regras, desconfia, pensa adiante. A prostituta corporifica a “caçadora”, impõe sua perspetiva e realiza uma de subjetivação do cliente. Assim, as relações de poder hegemônicas na heterossexualidade sãoafetadas.
CONSEQUÊNCIAS DA PROSTITUIÇÃO 
A prostituição de qualquer das formas, só traz consequências negativas tal como é o caso de pegar uma doença que não tem cura e acabar morrendo. Além disso, a prostituição traz consigo a degradação espiritual e moral, tanto individualmente, quanto socialmente contribui de uma forma direta para o aumento de casos de exploração sexual de menores, inclusive pelos próprios pais, disseminação de doenças sexualmente transmissíveis e aumento dos casos de aborto. 
POSICIONAMENTO DA IGREJA CATÓLICA ACERCA DA PROSTITUIÇÃO 
Os tópicos discutidos anteriormente forneceram elementos para identificar a relação intrínseca entre a construção dos discursos sobre mulheres e a definição da prostituição pela Igreja Católica e pelos membros da batalha discursiva no século XIX, são estes: medicina, ciência, justiça, polícia e sociedade civil aglomerada no movimento abolicionista. A prostituição foi deliberada pela Igreja Católica como um pecado sexual feminino, isentando quase por completo o homem da tentação, além do que a prática foi, e ainda é, exercida maioritariamente por mulheres e, por fim, a partir da definição da sexualidade permitida às mulheres é que se define a proibida. Sendo assim, a prostituição só foi entendida como atividade imoral e doentia ao se constituir o papel sexual feminino como privado, reprodutor e responsável pela criação da prole. 
Por consequência, a partir da análise do discurso sobre mulheres da Igreja Católica durante a época debatida, percebe-se nuances de fundamentos do discurso abolicionista da mesma instituição em meados do século XX no Brasil, começando por questionar a possibilidade dessa instituição isentar a mulher do pecado sexual da qual outrora foi considerada culpada. Gradativamente, o discurso oficial sobre mulheres, construído e divulgado pela Igreja também se transforma, acompanhando a divulgação e a adesão ao abolicionismo, principalmente ao abolicionismo feminista, na medida em que o movimento feminista dinamizou-se. 
A transformação gradativa do discurso da Igreja acompanha um movimento construído também paulatinamente, ramificado em várias vertentes, com objetivo unificado e central de questionamento e luta pelo fim das desigualdades instituídas historicamente para homens e mulheres. O movimento feminista questionou discursos diversos negativos sobre o feminino, assim sendo, é importante questionar em que medida o discurso abolicionista em questão se apropriou ou renegou elementos desse movimento e, como construção de caminho, se estaria envolvido com a reconfiguração do discurso sobre mulheres da Igreja. 
Considerando a reestruturação científica no modelo de mulher divulgado pela Igreja Católica, instituindo um papel social e político dentro da vida privada - não necessariamente negativo -, a referência contraproducente dos protótipos religiosos – Eva e Madalena – eram a essência de mulher. Dito isso, ainda que a construção de “Maria, mãe de Jesus” tenha possibilitado a diminuição dos pronunciamentos de mulher enquanto Eva, uma vez que o modelo a ser seguido produzia mais subjetividades que o modelo a ser condenado, este primeiro não resolveu a questão hierárquica da relação entre gênero feminino e masculino, tampouco minimizou a perspetiva de mulheres como servidoras dos homens ou os papéis sexuais colocados para ambos os sexos. 
A inexistência da igualdade faz com que a prostituição, bem como o estigma que recai sobre a mulher em situação de prostituição, persista na sociedade, cujos elementos socioculturais consideram que a prática sexual feminina pode ser mercadoria comprada por homens. Em algum momento de sua história, conforme abordagem realizada em momento seguinte nesta dissertação, a própria Pastoral identifica a relação entre patriarcado e prostituição, passando a condenar tal organização sociocultural. 
Acompanhando sua referência histórica, no final do século XIX, quando as mulheres passaram a conquistar gradativamente espaço público através do trabalho, ao mesmo tempo em que se consolidava os discursos instituidores da família nuclear burguesa e a produção de conhecimentos e práticas estatais com finalidade de disciplinar as mulheres e as mulheres públicas, em especial, a Igreja Católica persistia numa ideia de realidade dividida entre os gêneros, sendo o papel feminino ser mãe. Na encíclica de Leão XIII de 1891 (apud SAFFIOTI, 2013, p. 143) 
Oficialmente a Igreja Católica continuava assumindo uma posição de discriminação entre os sexos, ainda que a mulher pobre, desde o início do que nomeamos modernidade assumisse um papel fundamental na economia do lar e, aos poucos, também na industrialização ou na fábrica, o comércio e outros setores da vida econômica. Outro elemento presente nos discursos de médicos e juristas era a honestidade, pois a natureza da mulher incitava a condenação prévia para todas que não se adequassem ao modelo familiar esperado. Como dito, estes elementos explicam a relação entre definição de papel social esperado para mulheres e prostituição. 
Ainda no mesmo sentido que as declarações oficiais de Leão XIII 40 anos antes, a historiadora Heleieth Saffioti (2013) chama atenção para a declaração de Pio XI, em 15 de maio de 1931, um ano depois de ter declarado a sujeira do sexo não utilizado para a procriação. Nela, o chefe da Igreja Católica reafirmava o lugar das mulheres na vida doméstica, cuidando da educação dos filhos. Segundo a autora, 
 Para Pio XI, a mulher não conta enquanto personalidade autônoma com direito à busca de satisfação no trabalho e à realização pessoal através dele. Pode contribuir para a manutenção do lar desde que centre seus interesses nos afazeres que a mulher domesticamente impõe. A independência econômica da mulher, como necessidade imposta pelas condições da vida moderna, está, pois, fora do nível de percepção da Igreja. (SAFFIOTI, 2013). 
 
No mesmo sentido, discursando para a juventude feminina em 1943, Pio XII lembrava das faculdades peculiares do sexo feminino, reafirmando seu destino enquanto sujeito da maternidade e, inclusive, chamando atenção para o fato da juventude da década de 1940 estar se voltando contra a missão terrena de ser mãe. O Papa “estabelece completa cisão entre a família e a sociedade na vida da mulher. Esta se destina ao grupo familial, no qual, para o qual e pelo qual leva à existência” (SAFFIOTI, 2013, p. 151). Considerava, ainda, que as políticas e os regimes que prometiam às mulheres igualdade de direitos para com os homens constituíam desprestígios à verdadeira função da mulher. O líder percebia ideologias igualitárias como as primeiras a lançarem a mulher no mercado de trabalho moderno, sem, no entanto, apontar questões como a necessidade econômica e, posteriormente, o capitalismo. 
Em contraponto a tais pronunciamentos, chama atenção a declaração não oficial do Cardeal Rampolla em finais do século XIX, secretário do papa Leão XIII citado anteriormente, que, através de um texto não oficial sobre prostituição, aprovado pelo então papa e mais 22 cardeais e 186 bispos, afirmava em um dos tópicos sobre os motivos da prostituição que a desmoralização, se referindo a atividade, era causada, na maioria das vezes pelos miseráveis salários recebidos pelas mulheres, impossibilitando assim, uma vida honesta com o que ganhavam (CNBB, 1976). A referência às questões socioeconômicas, que mobilizava as abolicionistas, parece estar em consonância com a perspetiva do Cardeal, assim como o moralismo inferido pela palavra “honesta”, presente também no pronunciamento do papa. 
Os pronunciamentos dos clérigos citados podem ser considerados perspetivas conservadoras e progressistas que coexistem entre si. Assim se caracterizam porque, em dois dos pronunciamentos, separados por cerca de 50 anos, os clérigos não abandonam a perspetiva de que a mulher não deve atuar em público tal qual o homem, considerando, portanto, seu lugar no lar, exercendo a função materna. Ao fazer tal escolha não consideram a nova configuração do ocidente, ao contráriodo pronunciamento do Cardeal Rampolla, por não apenas ponderar o cenário de famílias pobres, como também, sem o condenar, denuncia os salários baixos recebidos por mulheres em função de seu gênero. 
A consideração da prostituição como um problema de ordem econômica por parte de membros da Igreja Católica vinculava-se às questões colocadas pelas/os abolicionistas, mas também com a ligação do abolicionismo ao discurso feminista emergente e com o espaço de circulação de saber que a Igreja Católica dividia/disputava com outros propositores em oposição a ela. Neste sentido, os/as militantes abolicionistas denunciavam a violência intrínseca relativa a aplicabilidade do sistema regulamentarista e/ou proibicionista, e por meio dessas constatações viam o espaço e a possibilidade de cobrar a alta hierarquia da Igreja, por isso a necessidade de pronunciamentos oficiais e não oficiais. 
Mas, independentemente do progresso ou do conservadorismo no conteúdo do pronunciamento, tanto o manifesto quanto seu teor se relacionavam também ao espaço que o discurso feminista galgou na sociedade ocidental gradativamente e, independente de outros saberes e instituições. Este foi capaz de fomentar a revisão de saberes oficiais ou a ênfase na negação de saberes contrários – como é o caso do papa Pio XII que condenou “ideologias” questionadoras da “verdadeira função da mulher”, fazendo referência ao movimento feminista. 
As nuances do movimento já apareciam na Igreja como negação e também através das primeiras proposições abolicionistas, não à-toa essas mulheres se identificarem como feministas, capazes de convencer grupos religiosos formados também por homens a se tornarem abolicionistas. Ainda que cristãs, o que explica o fato de considerarem a liberdade sexual ou a prática sexual fora do casamento como imoral, as feministas abolicionistas visualizavam as mulheres “praticando a imoralidade” como vítimas e não como pecadoras ou desertoras da moralidade ideal cristã. Esta não é uma elaboração cristã oficial, mas resultado do crescente movimento feminista, como sugere-se aqui. 
Apesar de ser possível encontrar movimento de mulheres desde o século XVIII (PINTO, 2003) de manifestação coletiva ou individual, como as mulheres que escreviam ou tricotavam (GONÇALVES, 2005), ou com intervenções de enfrentamento, como as mulheres que organizavam os motins por alimentos (PERROT, 2007), entendo, a partir da perspetiva de Andreia Gonçalves (2005), que a organização de um movimento social com pauta e ação política ocorreu apenas a partir da segunda metade do século XIX. Desde então, mulheres, fundamentalmente na Europa e nos Estados Unidos, começaram a militar por questões sociais, civis e religiosas, originando assim, a primeira fase do feminismo que, em meio a tantas outras pautas e lutas, simbolicamente se voltou para a questão do sufrágio, fomentado por resinificação e retratação de discursos que iam na contramão da cada vez mais intensa luta por igualdade. 
No Brasil, no século XIX, algumas feministas como Nísia Floresta galgaram notoriedade, mas, conforme apontado anteriormente, o movimento feminista ganhou força no início do século XX, formando o que ficou conhecido como “primeira onda”41, tendo elementos gerais em comum com os Estados Unidos e a Europa. Ainda que seja difícil qualificar e quantificar as temáticas e as organizações, Céli Pinto (2003) identifica neste início de século três vertentes do feminismo. A primeira, liderada por Bertha Lutz – importante bióloga, educadora e feminista brasileira –, bem organizada, tinha como enfrentamento a luta pelos direitos políticos das mulheres. Mas, apesar do que Pinto chama de institucionalização surpreendente, esta vertente “nunca define a posição de exclusão da mulher como decorrência da posição de poder do homem” (PINTO, 2003, p. 14). Classificando como um feminismo “bem-comportado”, Pinto chama atenção para o fato de que as mulheres lutavam para serem incluídas como cidadãs, sem alterar as relações de gênero, para o bom andamento da sociedade. Dessa forma, questões como a sexualidade e a apropriação histórico-social da sexualidade feminina por parte dos homens, não estavam em debate. 
A segunda “onda”, classificada por Pinto (2003) como difusa, se manifestava na imprensa feminista alternativa, tendo como militantes profissionais, na maioria das vezes, professoras, escritoras e jornalistas. Segundo a autora, “defendem a educação da mulher e falam em dominação dos homens e no interesse deles em deixar a mulher fora do mundo público” (PINTO, 2003, p. 15). Por abranger questões como a subjugação das mulheres, Pinto considera essa vertente menos comportada, inclusive em seus textos, pois essas militantes tratavam de temáticas como sexualidade e divórcio, diferentemente da corrente anterior. 
Na terceira vertente, Pinto identifica a manifestação de um feminismo anarquista que antecederia o comunista. Com o perfil de trabalhadoras e também intelectuais, essas mulheres defendiam a libertação da mulher de forma mais ousada do que as outras duas vertentes, apontando a exploração do trabalho como questão central. Um dos grandes expoentes desse movimento no Brasil foi Maria Lacerda de Moura. Internacionalmente, feministas anarquistas como Emma Goldman, comparavam o casamento com a prostituição, não como oposição ou complemento, mas como instituições parecidas ao se tratar do papel da mulher e do homem dentro de ambas. Afirmava que esta última era “resultado de um sistema econômico que oferecia para as mulheres raras opções mais vantajosas que tal empreendimento” (VENSON & PEDRO, 2014, p. 66). 
O movimento feminista brasileiro, descrito por Pinto (2003), especificamente para compreender a organização primeira do movimento no Brasil, conta, portanto, com a institucionalização do discurso feminista por busca de direitos civis que já circulavam na Europa e passavam também a circundar a América. A referência à cidadania das mulheres estava em pauta nos dois continentes pelo fato de ambos serem estruturados pelo patriarcado. Dessa forma, o discurso feminista seria facilmente apropriado por mulheres imersas na vida pública brasileira que circulassem (ou desejassem circular) em espaços que as diminuíssem ou tratassem diferentemente por serem mulheres. A assimilação e/ou adesão de perspetivas que afrontavam mais especificamente o patriarcado, como a segunda e fundamentalmente a terceira vertente, não enfrentariam tal aceitabilidade. 
Nas três perspetivas, todas as mulheres, inclusive as mulheres prostitutas, devem ser entendidas dentro do aspeto da diferenciação entre os sexos, que atinge o trabalho, a família e o indivíduo. Por isso, apesar de considerado para o universo ocidental geral como um feminismo burguês, as primeiras mulheres declaradas militantes feministas estavam também envolvidas na luta contra a escravidão negra (GONÇALVEZ, 2005). Dessa forma, as reflexões possibilitadas pela circulação dos discursos solicitavam, aos poucos, que a instituições embasadas no machismo/patriarcado, e/ou responsáveis pela divulgação da diferença, passassem a responder às proposições feministas, assim como abrissem espaço para que os/as cidadãos/ãs conhecessem tais noções. 
O abolicionismo do início do século relacionava-se intrinsecamente com a religião e, 
diferentemente da primeira “onda”, Rodrigues (2010) afirma que, em uma perspetiva ocidental geral, pautada na discussão de economia sexual, já fazia relação com a exploração económico-social da prostituição e de outros trabalhos. Mesmo que tal perceção fugisse dos pronunciamentos do abolicionismo cristão, a importância do apontamento da cientista social se estende para a circulação do discurso. 
Dito isso, quanto às conquistas efetivas proporcionadas pelo feminismo brasileiro e ocidental em geral, a primeira vertente abordada por Pinto (2003) se sobressai fundamentalmente por ter alcançado o principal objetivo material: a extensão do sufrágio para as mulheres. O espaço dado a este feminismo comportado é maior, de forma que dentro da própria esquerdaas questões de gênero, inicialmente colocadas pelas anarquistas e posteriormente pelas feministas comunistas e socialistas, são inferiores às outras vertentes, entendidas como questões menos importante e não necessariamente ligadas ao antagonismo de classes. Ainda assim, foi disputado um espaço político de divulgação de saberes que se referiam a diferenças entre homens e mulheres, não fosse assim, o sufrágio não seria estendido às mulheres e/ou as abolicionistas não usariam referências teóricas discutidas pelo movimento, além de possibilitar mudanças mais estruturais, como por exemplo, no discurso católico. 
Pio XII, responsável pelo dogma da Assunção de Maria, estava pontificado quando Simone de Beauvoir lançou “O Segundo Sexo” (1949). Não é possível mensurar a recepção do livro no âmbito católico ou de qualquer outra religião, mas na academia o livro foi prestigiado imensamente, responsável pela formação de uma geração de mulheres feministas, cujo foco era a própria contestação do sujeito universal e a subjugação da mulher (GONÇALVES, 2005). De acordo com Andreia Skackauskas (2014), esta filósofa francesa teria ajudado o feminismo abolicionista a perder o moralismo presente em suas proposições do final do século XIX e início do XX. 
À vista disso, apenas com o papa João XXIII, em 1963, a Igreja discursa sobre a mulher enquanto ser dotado de direitos e como ser pleno de dignidade, apesar de em 1961 aconselhar que, quando possível, economicamente a mulher deva ser reclusa ao lar para dar conta de suas tarefas maternais. Afirmava, em 1963, na Carta-Encíclica intitulada Pacem in Terris (Paz na Terra) (apud SAFFIOTI, 2013, p. 157) que:
No mesmo ano em que o papa João XXIII acompanhou a movimentação de mulheres em função de seus direitos, no Brasil, de acordo com a história contada pela PMM, Dom Fragoso deu os primeiros passos para a formação do que seria a Pastoral da Mulher Marginalizada, com a solicitação da visita das militantes do Ninho da França. Assim sendo, a mudança no discurso papal sobre a essência feminina, que à remetia a situação de objeto e instrumento fora ou dentro do casamento, tem como condição de possibilidade o acontecimento que ganhava força e adeptas o suficiente para questionar a ordem sociocultural do ocidente, transformando a sociedade: o feminismo. A existência desse saber se relaciona com a proveniência também do discurso Pastoral. 
Já foi dito que a Igreja não necessariamente se adequa às proposições de seu tempo (SAFFIOTI, 2013), fundamentalmente porque seu livro orientador foi produzido em outro tempo. No entanto, como instituição produtora de realidade, esta compõe o jogo de produção de conhecimento. A perda de status de enunciadora das questões da sexualidade solicitava que seu discurso construísse sentido dentro de uma batalha discursiva que, mesmo transferindo o animal do útero para o clitóris, se inseria nos paradigmas do verdadeiro da época (FOUCAULT, 2014). 
Dessa forma, a mudança concretizou-se por motivos que perpassam contextualização, (ré)conquista social ou mesmo resistência. O fato é que, ainda que não se perca de vista o longo e estrutural patriarcado e a (ré)formulação de discursos localizando as mulheres no lugar de serventes dos homens, esses elementos modificados, citados ao longo desse tópico, permitem um discurso que reformule a perspetiva da prostituição e transfira a culpa da prática para a estrutura ou a sociedade e não mais para o indivíduo. Deste modo, foi possível que a Igreja passasse a considerar assustador o fato de a sociedade se calar perante a existência da prostituição e não o fato de mulheres a praticarem, como afirmou Maria Roselly, uma das fundadoras da PMM em Rondonópolis. 
A referência histórica do abolicionismo cristão e sua ligação com o movimento feminista foram analisadas ao longo deste subcapítulo. No entanto, sozinhas não explicam os elementos constitutivos do discurso da PMM ou de sua metodologia de trabalho. Neste sentido, fazendo referência à configuração da Igreja no país, especificamente a alguns posicionamentos em vigência na década de fundação da Pastoral e, de novo, a elementos do feminismo, podemos analisar seu discurso de forma minuciosa.
 
CONCLUSÃO 
Neste presente trabalho abordamos acerca da prostituição para a feita deste trabalho. Consideramos que a prostituição assenta num sistema secular de domínio sexual dos homens sobre as mulheres e que perpetua as desigualdades de género. Embora o fenómeno da prostituição seja hoje muito mais complexo, pela diversidade de pessoas que exercem esta atividade, não podendo deixar de ser analisada a prostituição masculina, esta continua a existir, contudo, na esmagadora maioria das situações para “uso” dos homens. Todavia, as posições abolicionistas que tiveram o seu percurso histórico, estão hoje desajustadas da realidade. Ao colocarem a tónica na vitimação das mulheres, apontando-lhes apenas o “caminho” da saída da prostituição, quando muitas delas podem querer optar por esse modo de vida, leva a que não sejam consignados direitos para as mulheres que exercem esta atividade. Trata-se, assim, de aceitar que existam mulheres marginalizadas, estigmatizadas, sem direitos, o que não condiz com uma perspetiva feminista de defesa dos direitos de todas as mulheres. Assumir posições moralistas de indicar o “caminho” às pessoas também não condiz com a liberdade individual, embora se saiba que a chamada “livre escolha” está condicionada por muitos fatores, nestas circunstâncias. Nosso posicionamento, entretanto, pela necessidade de medidas que confiram direitos a quem vive da prostituição, mas de modo a que o negócio não seja fomentado pela legalização de bordéis ou acantonamento em zonas específicas, que causem ainda maior estigmatização, ou, ainda, através de um controlo estatal sobre as prostitutas. As qu e optem por exercer esta atividade devem ter direitos que lhes permita maior autonomia, evitar o proxenetismo e estabelecer regras sobre os clientes. As que optem por sair da prostituição devem ter condições para tal. Ao mesmo tempo, o combate ao tráfico e à prostituição “forçada” deve ser reforçado pelos governos, desmontando as organizações criminosas que atuam nesta área.
BIBLIOGRAFIA
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