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AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL A 2 Folha de rosto (preenchido pela equipe do NTE/UAB) 3 Dados Institucionais (preenchido pela equipe do NTE/UAB) 4 Apresentação (responsabilidade do autor) Prezados Alunos, Sejam bem-vindos à disciplina “Avaliação em Educação Especial A”, ofertada no 4º semestre do Curso, cujo objetivo visa “proporcionar aos alunos conteúdos teóricos que subsidiem os processos de avaliação escolar dos alunos público-alvo da educação especial”. Procurando atender a intencionalidade da disciplina, as discussões que a constituem foram construídas a partir das seguintes unidades didáticas: Unidade 1 – Avaliação: definições conceituais e teóricas; Unidade 2 – Avaliação como prática produtora dos sujeitos; Unidade 3 – Organização da prática avaliativa e Unidade 4 – Parecer Pedagógico. Orientamos você a se empenhar na leitura do Caderno Didático, estando atento para os materiais complementares sugeridos ao longo do texto. Ressaltamos em especial que os conteúdos trabalhados nas disciplinas de Psicologia da Educação, especialmente a ofertada no 2º semestre, devem ser retomados ao longo do estudo deste conteúdo, pois as discussões já realizadas em muito poderão contribuir para a compreensão das possibilidades de avaliação escolar em educação especial. Para finalizar sugerimos que você participe de maneira significativa das discussões no Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem Moodle para continuidade de sua formação. Bom estudo! 5 Sumário de ícones O professor deve indicar quais elementos pedagógicos (ícones) serão utilizados no decorrer do material didático, para a equipe do NTE|UAB preencher este sumário apenas com ícones que aparecem no conteúdo. Esses elementos do sumário devem ser indicados pelo professor autor através de comentários/anotações. Entenda os Ícones: ATENÇÃO: faz uma chamada ao leitor sobre um assunto, abordado no texto, que merece destaque pela relevância. INTERATIVIDADE: aponta recursos disponíveis na internet (sites, vídeos, jogos, artigos, objetos de aprendizagem) que auxiliam na compreensão do conteúdo da disciplina. SAIBA MAIS: traz sugestões ao aluno de conhecimentos relacionados com o atual que facilitem a sua aprendizagem. TERMO DO GLOSSÁRIO: indica definição mais detalhada de um termo, palavra ou expressão utilizada no texto. Segue o exemplo: Desde as origens discretas de indústrias de rações no Brasil – Pró-pecuária em São Paulo, Moinho da Luz, Fluminense e São Cristóvão no Rio de Janeiro, em anos da 2ª Guerra Mundial – aos mais de 2900 estabelecimentos fabricantes de produtos destinados à alimentação animal registrados no MAPA nos dias de hoje, o setor apresentou aumentos progressivos, chegando ao grande “boom” da indústria, nos anos de 1965 e 1980. [1] Comentário: TERMO DO GLOSSÁRIO: MAPA: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, é o órgão responsável pela gestão das políticas públicas de estímulo à agropecuária, pelo fomento do agronegócio e pela regulação e normatização de serviços vinculados ao setor. 6 Sumário (preenchido pela equipe do NTE/UAB) 7 Unidade 1 – Avaliação: definições conceituais e teóricas 8 Introdução Procuramos, nesta unidade, apresentar pressupostos teóricos e conceituais dos processos avaliativos, produzidos ao longo da história da escolarização obrigatória no país. Centradas em uma concepção de avaliação das aprendizagens dos alunos, partimos dos pressupostos de uma avaliação produzida no contexto da pedagogia tradicional, procurando apontar deslocamentos ocorridos ao longo da história e que culminam na emergência de teorizações que embasam uma possibilidade de avaliação pautada nos preceitos democráticos, dialógicos, participativos, de mediação da aprendizagem e de inclusão escolar e social, com a finalidade de formação de sujeitos autônomos, críticos e reflexivos. Ao discutir o processo formativo dos alunos apresentamos os diferentes tipos e funções avaliativas com fins diagnóstico, somativa e formativa, que podem ser usadas nos diferentes tempos e espaços do percurso escolar a depender dos objetivos educacionais que envolve a ação educativa em cada momento. Afirmamos a necessidade de que essas avaliações considerem o contexto em que o sujeito se desenvolve e as interações sociais que estabelece ao longo de seu desenvolvimento. Ao destacar aspectos do meio e aspectos sociais como elementos determinantes das práticas avaliativas, anunciamos nossa compreensão com relação aos processos avaliativos dos alunos público-alvo da educação especial. Indicamos a necessidade de olharmos para as práticas escolares e seus efeitos na produção dos alunos de forma inquieta e atenta às intencionalidades de homogeneização e padronização que podem estar presentes no espaço da escola. Para finalizar as discussões desta Unidade, apontamos para a importância de compreender as diferentes possibilidades de aprendizagem que constituem todos os alunos e que não podem ser ignoradas quando se pretende efetivar práticas educacionais na perspectiva da inclusão escolar, com vistas a superação de ações de exclusão. 9 Pressupostos teóricos e conceituais dos processos avaliativos... A palavra avaliação refere-se a um termo amplo e complexo. Seu conceito está relacionado com a ação e o efeito de avaliar, o que possibilita apreciar, estimar e/ou calcular o valor de algo. Em nossa vida cotidiana avaliamos constantemente a partir de ações como julgar e comparar, realizadas com base em determinados critérios e princípios estabelecidos socialmente. Esses processos avaliativos ocorrem “seja através das reflexões informais que orientam as frequentes opções do dia-a-dia ou, formalmente, através da reflexão organizada e sistemática que define a tomada de decisões” (DALBEN, 2005, p. 66). Neste sentido, incidem em decisões que envolvem definições acerca do que comer, o que vestir, aonde ir, qual curso realizar, entre outras dimensões da vida humana. Avaliar é uma palavra de origem latina a + valere que significa atribuir valor e mérito ao objeto em estudo. De acordo com o dicionário Aurélio (2001) significa determinar o valor ou a importância de alguma coisa. Constitui-se como uma prática muito antiga, realizada desde os primórdios da civilização. Sobrinho (2002) esclarece que há milênios atrás, chineses e gregos já estabeleciam critérios para selecionar indivíduos visando a realização de determinados trabalhos na organização econômica e produtiva da sociedade. Segundo Luckesi (2011), no ano de 2.205 a.C. a China promovia ou demitia seus oficiais testando-os a cada três anos. Desta forma, é possível perceber que as práticas avaliativas acompanham às formas de organização social desde longa data. No Brasil, o sistema de avaliação da aprendizagem escolar, baseada em provas e exames, tal como concebemos hoje, tem seu início com os Jesuítas, a partir de 1.549, período em que se fundam as primeiras escolas no país. A tradição dos exames escolares, que concebemos hoje, em nossas escolas, foi sistematizada nos séculos XVI e XVII, com as configurações da atividade pedagógica produzidas pelos padres jesuítas (século XVI) e pelo Bispo John Amós Comênio (fim do século XVI e metade do século XVII) (LUCKESI, 2003, p. 16). De acordo com Saviani (2008), a pedagogia que conhecemos hoje como pedagogia tradicional tem suas origens nas práticas pedagógicas da Companhia de Jesus, que compreendia o indivíduo a partir de uma essência universal e imutável. Os objetivos, explícitos ou implícitos, referem-se à formação de um aluno ideal desvinculado com a sua realidade concreta. O professor tende a encaixar o aluno num modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente e futura. A matéria de ensino é tratada separadamente, isto é, desvinculada dos interessesdos alunos e dos problemas reais da sociedade e da vida. (LIBÂNEO, 1994, p. 64). Nesse contexto temos a Educação Jesuítica na Escola – dirigida às crianças, primordialmente aos pequenos indígenas – que objetivava o ensino da leitura, da escrita e do cálculo; e a Educação Jesuítica nos Colégios - destinada aos adolescentes – que tinha por finalidade o aprofundamento do ensino jesuítico (MARIANO, 2012). Durante mais de dois séculos os Jesuítas foram os responsáveis pela educação no nosso país, exercendo forte influência e constituindo as raízes históricas da educação escolar no Brasil. [2] Comentário: SAIBA MAIS: Para saber mais sobre as origens históricas da avaliação sugerimos a leitura: MARIANO, Márcia Regina Curado Pereira. A educação da antiguidade aos nossos dias – em busca de indícios da origem das avaliações. Tempos e espaços em educação, vol 5, nº 9. julho/dezembro 2012, p. 61-75. 10 Influenciados pela Ratio Studiorum, utilizavam-se de um modelo de avaliação classificatório e competitivo. O ensino jesuítico possuía uma metodologia própria baseada em exercícios de fixação por meio de repetição, com objetivo de serem memorizados. Os melhores alunos auxiliavam os professores a tomar lições de cor dos outros, recolhendo exercícios e tomando nota dos erros dos outros e faltas diversas que eram chamadas de decuriões. (ARANHA, 2006, p.51) Ainda no Brasil Colônia, Marquês de Pombal, em 1759, expulsa os Jesuítas e implementa as reformas pombalinas. Neste contexto, institucionaliza as escolas a serviço da Coroa Portuguesa, cria reformas em todos os níveis de ensino como meio de privilegiar os grupos dominantes e manter a estratificação social (SAVIANI, 2008). Em 1822 a educação volta a ser foco de discussão no país com a Proclamação da Independência do Brasil e o início de Período Imperial (1822-1889). Neste período, temos a Constituição Brasileira de 1824 prevendo em seu artigo 32 que “A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos” e no artigo 33 “Colégios, Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Ciências, Belas Letras, e Artes”. Como forma de atender aos preceitos da Constituição Brasileira temos a determinação legal para criação de escolas primárias gratuitas, bem como, ações voltadas à formação de professores para atuarem nessas escolas. O período republicano caracteriza-se assim por uma maior sistematização das práticas escolares destinadas a instrução da população e, consequentemente, dos processos de avaliação da aprendizagem com a utilização, de forma mais constante, de provas orais, escritas e práticas visando atestar a aprendizagem do aluno e decidir sobre sua aprovação ou reprovação. É nesse período que a avaliação ganha uma dimensão quantitativa com a atribuição de notas ao desempenho dos estudantes e que se estabelecem as bases para a constituição daquilo que passamos a nomear como educação tradicional. Ao adentrarmos o século XX, mais especificamente na década de 20, dois movimentos educacionais importantes foram propostos como forma de oposição às concepções de ensino vinculadas à essa escola tradicional: o Movimento Escolanovista e a Pedagogia Libertária. O primeiro deles - o Movimento da Escolanovista - teve seu início na Inglaterra e foi difundido pela Europa e Estados Unidos, tendo sido introduzido em nosso País pelo educador Anísio Teixeira, ex- aluno do filósofo norte-americano John Dewey, principal pensador da Escola Nova. O segundo movimento - a Pedagogia Libertária - reproduz os desejos e necessidades do trabalhador urbano brasileiro. (MESQUITA; COELHO, 2008) Nessa mesma época, em contexto internacional, o psicólogo francês Henri Pierón, vai introduzir o termo “docimologia” para referir-se ao estudo sistemático dos exames, do sistema de atribuição de notas e dos comportamentos dos avaliadores e avaliados. Os instrumentos docimológicos permitem a atribuição de valores aos conhecimentos adquiridos. Este profissional exerce forte influência no campo educacional ao se interessar por temas relacionados à psicologia escolar e educacional e vislumbrar as "aplicações educacionais" da psicologia científica, em continuação ao trabalho iniciado pelo psicólogo francês Alfred Binet vinculados à psicometria. Aqui entendemos ser importante destacar que nesse contexto, a busca de uma cientificidade do campo psicológico produz uma profusão de testes e medições padronizadas da personalidade, da inteligência e do comportamento humano que ganham terreno no campo educacional, exercendo forte influência sobre as práticas escolares desenvolvidas no Brasil, e sendo responsáveis pela produção de concepções de desenvolvimento e aprendizagem que embasam as ações destinadas [U3] Comentário: TERMO DO GLOSSÁRIO: Ratio Studiorum: segundo Negrão (2000) o Plano de Estudos da Companhia de Jesus - o Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu – foi “redigido por comissões de destacados jesuítas, sob a direção do Geral da Ordem, P. Acquaviva, submetido a várias análises e alterações, até adquirir forma definitiva e obrigatoriedade em 1599, após 15 anos de minuciosos estudos. O cerne do ordenamento era garantir a uniformidade de procedimentos, de mente e coração dos educadores jesuítas e dos alunos, para a consecução dos objetivos propostos, opondo-se à turbulência desencadeada pelo movimento reformista do século XVI”. [U4] Comentário: INTERATIVIDA DE: Para conhecer a Ratio Studiorum e análises sobre a mesma, acesse link http://www.scielo.br/scielo.php?script =sci_arttext&pid=S1413- 24782000000200010 . [U5] Comentário: INTERATIVIDA DE: Para conhecer a integra da Constituição Brasileira de 1824 acesse: http://www.monarquia.org.br/PDFs/C ONSTITUICAODOIMPERIO.pdf [U6] Comentário: TERMO DE GLOSSÁRIO: Psicometria: A origem etimológica da psicometria refere a teoria e a técnica de medida dos processos mentais, especialmente aplicada na área da psicologia e da educação (PASQUALI, 2009). PASQUALI, Luiz. Psicometria. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 2009, 43 P. 992-999. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782000000200010 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782000000200010 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782000000200010 http://www.monarquia.org.br/PDFs/CONSTITUICAODOIMPERIO.pdf http://www.monarquia.org.br/PDFs/CONSTITUICAODOIMPERIO.pdf 11 aos sujeitos público-alvo da educação especial até os dias atuais, como discutiremos na continuidade deste conteúdo. Em 1930 Ralph Tyler, educador americano, propõe o termo avaliação da aprendizagem, tendo sido ele responsável pela construção do primeiro método sistemático de avaliação educacional. Ao fazê-lo, Tyler consolida a avaliação como campo teórico e prático da educação a partir das discussões vinculadas à implementação do currículo escolar. [...] em 1930, o educador Ralph Tyler, cunhou a denominação ‘avaliação da aprendizagem’, conceituando, deste modo, a prática que ele propunha, naquele momento, de diagnosticar o andamento do educando na vida escolar, tendo em vista torná-lo mais eficiente. Essa denominação, ao longo dos anos, passou, generalizada e equivocadamente, a indicar toda e qualquer atividade escolar de aferição do aproveitamento escolar. Exame passou a ser denominado de avaliação, seleção passou a ser denominado de avaliação, e avaliação, também ficou sendo denominado de avaliação. (LUCKESI, 2002, p.97) Segundo Luckesi (2002), as preocupações de Ralph Tyler com o currículo impulsionaram suas pesquisas sobre avaliação educacional, contribuindo para a constituição de duas disciplinas - avaliação e currículo - no campo educacional. A partir da compreensão de que a aprendizagem do aluno ocorre por meio da mudança de comportamento, se propôs a mensurar os objetivos comportamentaispara garantir a qualidade do currículo. No que se refere à avaliação e currículo, entendemos que merece destaque as contribuições de Benjamin Bloom que liderou, na década de 50, nos Estados Unidos, uma comissão multidisciplinar de especialistas oriundos de diferentes universidades, com o objetivo de construir um quadro teórico de referência que facilitasse a comunicação entre examinadores e estimulasse a pesquisa sobre avaliação, estabelecendo uma articulação entre os envolvidos no processo de avaliar. Bloom e seus colaboradores propuseram a Taxionomia dos Objetivos Educacionais ou a Taxionomia de Bloom, como ficou mais conhecida. Esta Taxionomia se refere a uma estrutura de organização hierárquica dos objetivos educacionais divididos nos domínios cognitivo, afetivo e psicomotor. Cada um desses domínios apresenta diferentes níveis de aprendizagem o que justifica a característica hierárquica da proposição, considerando que cada nível é mais complexo e específico do que o anterior. É da Taxionomia de Bloom que origina-se os diferentes tipos de avaliação - diagnóstica, formativa e somativa - como veremos mais adiante. A partir da emergência das discussões relativas a organização curricular com vistas à mudanças de comportamentos dos alunos propostas por Tyler, institui-se no Brasil, ao longo da década de 60, o modelo tecnicista de educação, com objetivos de formação de sujeitos competentes e eficientes para atuarem no mercado de trabalho. Tal modelo foi introduzido na educação brasileira durante o regime militar, através da implantação dos programas de desenvolvimento social e econômico “Aliança para o Progresso” e acordo “MEC-USAID”, frutos do convênio de cooperação firmado entre Brasil e Estados Unidos. A implantação do Tecnicismo foi oficializada por meio da promulgação das leis 5.540/68 e 5.692/71, que, respectivamente, reformulou a educação superior e instituiu o ensino de 1º e 2º graus (LUCKESI, 2003). Vinculado ao pensamento liberal, alinhou-se ao sistema capitalista e produtivo ao defender a produção de sujeitos, via práticas de escolarização, aptos a colaborar com o desenvolvimento econômico do país. Apoiado no empirismo, no positivismo e nas contribuições da psicologia behaviorista, a prática pedagógica tecnicista centra-se na aplicação sistemática de princípios científicos comportamentais, sendo de responsabilidade do professor a administração das condições de transmissão de conteúdos, e cabendo ao aluno executar o sistema instrucional previsto. Nesse [7] Comentário: SAIBA MAIS: Para saber mais sobre a pedagogia tecnicista no Brasil, sugerimos a leitura: SILVA, Andréa Villela Mafra da. A pedagogia tecnicista e a organização do sistema de ensino brasileiro. Revista HISTEDBR On- line, Campinas, nº 70, p. 197-209, dez. 2016 SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. Edição Comemorativa. Campinas: Autores. Associados, 2008. 12 aspecto, o processo ensino e aprendizagem decorre do comportamento operante, por meio da utilização de princípios e estratégias próprias da psicologia behaviorista (LUCKESI, 2003). No que se refere a avaliação escolar, Chueiri (2008) tece relações entre a finalidade da avaliação e as concepções as quais subsidiam os processos avaliativos. A autora apresenta as diferentes perspectivas teóricas que sustentam as diferentes práticas avaliativas: o avaliar para examinar vinculada a uma pedagogia tradicional; o avaliar para medir vinculada a uma pedagogia tecnicista; o avaliar visando mecanismos de regulação e classificação do desempenho do aluno; e o avaliar para qualificar vinculada a uma concepção qualitativa da educação. Para Luckesi (1988), a prática da avaliação da aprendizagem no contexto escolar não se dá em separado do projeto pedagógico, mas sim, o retrata. Epistemologicamente, a avaliação não existe por si, mas para a atividade a qual a serve, e ganha as conotações filosóficas, políticas e técnicas da atividade que subsidia. A avaliação atravessa o ato de planejar e de executar, por isso contribui em todo o percurso da ação planificada. A avaliação se faz presente não só na identificação da perspectiva político social, como também na seleção de meios alternativos e na execução do projeto, tendo em vista a sua construção (...). A avaliação é uma ferramenta da qual o ser humano não se livra. Ela faz parte de seu modo de agir e, por isso, é necessário que seja usada da melhor forma possível (LUCKESI, 2002, p. 118) Considerando que todos nós fomos submetidos a práticas avaliativas ao longo de nossa escolarização, cabe o questionamento sobre: Como a avaliação tem sido presente em nossa vida? Como nós a vivenciamos e representamos a partir de nossas experiências? É possível estabelecer um consenso sobre a melhor maneira de avaliar? Qual deve ser o nível de exigência de uma avaliação? Qual a função do professor no processo avaliativo? Qual o papel do erro no processo de aprendizagem? Como avaliar os alunos público-alvo da educação especial? Que caminhos traçar? A avaliação é um processo em que constantemente nos remete às práticas vivenciadas por nós ao longo da vida. investigações sobre avaliação sugerem fortemente que a contradição entre o discurso e a prática de alguns educadores e, principalmente, a ação classificatória e autoritária exercida pela maioria, encontra explicação na concepção em nossa trajetória de alunos e professores. (HOFFMANN, 2003, p.12) Neste sentido, a formação pela qual fomos submetidos está inerente à forma como percebemos e praticamos as metodologias de ensino e estratégias de avaliação, ou seja, ocorrem situações no meio educacional, em que os professores utilizam-se dos mesmos processos e recursos empregados pelos seus professores durante sua formação. Analisando desta forma, entendemos que, em alguns casos, os profissionais permanecem vinculados às metodologias de ensino por eles experienciadas durante sua própria formação. Historicamente e tradicionalmente, temos vivenciado os processos avaliativos a partir de concepções que mensuram a aprendizagem e classificam-nas em “certas” e “erradas”. Tais práticas culminam na separação dos estudantes em, pelo menos, dois grupos: aqueles que aprenderam os conteúdos previstos para o ano escolar em que se encontram e aqueles que não aprenderam. Essa perspectiva de avaliação classificatória e seletiva, caracteriza-se como um dos mecanismos de exclusão escolar. Esses processos de exclusão escolar são identificados nos altos índices de [8] Comentário: SAIBA MAIS: Para saber mais, sugerimos a leitura: CHUEIRI, M. S. F. Concepções sobre avaliação escolar. Estudos em Avaliação Educacional, v.19, p. 49-64, 2008. 13 reprovação e evasão que evidenciam o histórico de fracasso escolar dos alunos nas escolas públicas brasileiras. As prerrogativas da avaliação tradicional baseiam-se essencialmente na necessidade de “aprender que” existem regras gramaticais que não podem ser ignoradas, como por exemplo “aprender que todas as proparoxítonas são acentuadas”; “que usa-se “m” antes de “p” e “b”, sendo dificilmente compreendidas pelo alunos as razões que justificam a existência de tais regras. Nesse sentido, o professor centra sua preocupação na verificação do que o aluno sabe ou não sabe (utilizando prioritariamente os mecanismos de memorização) e em suas condições de aprovação ou reprovação. Hoffmann (2001), problematiza o processo tradicional de avaliação considerando o ritmo dos alunos no desenvolvimento das atividades. Analisa que, a partir dessa perspectiva, avaliar passaria pelo controle de que todos os alunos necessitam realizar a mesma atividade, no mesmo intervalo de tempo, chegando aos mesmos resultados. E os critérios de avaliação dos professores sobre o desenvolvimento do aluno acabam centrando-se no cumprimento ou não das tarefas num determinado tempo previsto. Tal concepção reduzas dimensões do próprio processo avaliativo compreendido como uma ação mais ampla, encadeada ao processo educacional. A avaliação é uma das atividades que ocorre dentro de um processo pedagógico. Este processo inclui outras ações que implicam na própria formulação dos objetivos da ação educativa, na definição de seus conteúdos e métodos, entre outros. A avaliação, portanto, sendo parte de um processo maior, deve ser usada tanto no sentido de um acompanhamento do desenvolvimento do estudante, como no sentido de uma apreciação final sobre o que este estudante pôde obter em um determinado período, sempre com vistas a planejar ações educativas futuras. (FERNANDES; FREITAS, 2007, p.20) Como forma de romper com a lógica excludente produzida no interior do universo escolar, acreditamos e defendemos uma perspectiva de avaliação pautada nos princípios democráticos, de autonomia e de responsabilidade com o coletivo, que prime pelos processos dialógicos, de participação, inclusão e mediação da aprendizagem. Destacamos a importância, a responsabilidade e a dimensão ética necessárias a toda prática pedagógica e avaliativa que se deseje emancipatória, capaz de reordenar a ação educativa, mediar a construção da aprendizagem e possibilitar o desenvolvimento da consciência crítica e reflexiva. A avaliação é, portanto, uma atividade que envolve legitimidade técnica e legitimidade política na sua realização. Ou seja, quem avalia, o avaliador, seja ele o professor, o coordenador, o diretor etc., deve realizar a tarefa com a legitimidade técnica que sua formação profissional lhe confere. Entretanto, o professor deve estabelecer e respeitar princípios e critérios refletidos coletivamente, referenciados no projeto político pedagógico, na proposta curricular e em suas convicções acerca do papel social que desempenha a educação escolar. Este é o lado da legitimação política do processo de avaliação e que envolve também o coletivo da escola (FERNANDES; FREITAS, 2007, p.17). A concepção de uma avaliação do desempenho do aluno é extremamente complexa, exige a necessidade de ajustamento das estratégias pedagógicas aos percursos individuais de 14 aprendizagem, que ocorrem tanto no espaço coletivo, como no individual, bem como em múltiplos e diferenciados sentidos. Para Hoffmann (2001), a avaliação permite que se possa ampliar as oportunidades de aprendizagem, sem uma demarcação de fronteiras acerca das potencialidades dos alunos, possibilitando uma abertura permanente para as disponibilidades dos estudantes. Não entra em sintonia com um planejamento rígido de atividades por um professor, com rotinas inflexíveis, com temas previamente definidos para unidades de estudo, onde os conhecimentos construídos pelas crianças não são levados em conta. Porque nesse caso eles não encontram um espaço encorajador para se manifestar e dá-se um enorme distanciamento entre as necessidades delas e o trabalho desenvolvido pelo professor (HOFFMANN, 1996, p.33). A autora defende a perspectiva de uma avaliação mediadora que pressupõe uma metodologia em que o professor acompanha constantemente o desenvolvimento do aprendizado de seu aluno, sendo entendida como ação de trocas entre os conhecimentos e ideias, entre o professor e seu aluno, num processo dialógico, na qual não se estabelecem as relações hierárquicas e de poder entre o professor e os estudantes. Entretanto, a educação esbarra na dificuldade de acreditar e construir caminhos possíveis para essa prática a partir de significados lógicos. Neste contexto, faz- se necessário considerar: as infindáveis possibilidades de realização de aprendizagens por parte dos estudantes. Essa concepção de avaliação parte do princípio de que todas as pessoas são capazes de aprender e de que as ações educativas, as estratégias de ensino, os conteúdos das disciplinas devem ser planejados a partir dessas infinitas possibilidades de aprender dos estudantes (FERNANDES; FREITAS, 2007, p.20) Nesse sentido, amparadas na compreensão de que todo aluno possui um potencial de aprendizagem a ser estimulado, e preocupadas com a necessidade de efetivação de uma educação visando a formação de um sujeito crítico, reflexivo, consciente e autônomo, destacamos, a partir de Haydt (2008) três concepções de avaliação – com função diagnóstica; formativa; somativa – que ao serem produzidas podem ser pensadas, não a partir da lógica da exclusão, mas da complementação, entre elas. Segundo Haydt (2008), uma avaliação com função diagnóstica se anuncia como uma possibilidade de democratização do sistema de ensino, sendo necessária sua realização em diferentes momentos do processo ensino e aprendizagem. Tal concepção de avaliação é aquela que deverá ser realizada ao início do curso, semestre, ano letivo ou unidade. Esta avaliação contribui para a identificação dos conhecimentos prévios da turma, visando o estabelecimento de objetivos e possíveis modificações no plano de ensino inicial. Desse modo, a avaliação diagnóstica se propõe a verificar a existência, ou ausência, de habilidades e conhecimentos pré‐estabelecidos. É uma ação que inicia o processo avaliativo e verifica se os alunos dominam os conhecimentos e habilidades necessários para novas aprendizagens. A avaliação formativa acontece ao longo de todo o processo educacional, e tem como objetivo reorientá-lo. Para Haydt (2008) esta avaliação é contínua e oferece ao professor parâmetros para verificar se os objetivos foram alcançados, podendo reajustar e interferir no que pode estar comprometendo a aprendizagem dos alunos. [9] Comentário: SAIBA MAIS: para saber mais, sugerimos a leitura: HOFFMANN, J. M. L. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. 26ª ed. Porto Alegre: editora Mediação, 2006. 15 Outro aspecto fundamental de uma avaliação formativa diz respeito à construção da autonomia por parte do estudante, na medida em que lhe é solicitado um papel ativo em seu processo de aprender. Ou seja, a avaliação formativa, tendo como foco o processo de aprendizagem, numa perspectiva de interação e de diálogo, coloca também no estudante, e não apenas no professor, a responsabilidade por seus avanços e suas necessidades. Para tal, é necessário que o estudante conheça os conteúdos que irá aprender, os objetivos que deverá alcançar, bem como os critérios que serão utilizados para verificar e analisar seus avanços de aprendizagem. Nessa perspectiva, a auto-avaliação torna-se uma ferramenta importante, capaz de propiciar maior responsabilidade aos estudantes acerca de seu próprio processo de aprendizagem e de construção da autonomia.(FERNANDES; FREITAS, 2007, p.22) Quando a avaliação ocorre ao final do processo, com a finalidade de verificar seu resultado, é denominada de avaliação somativa. Esta visa identificar os resultados da aprendizagem alcançados pelos alunos ao final do processo tendo como função a classificação do aluno e a quantificação do processo avaliativo (HAYDT, 2008). Cada um dos três tipos de avaliação acima apresentados caracterizam-se por uma função específica e podem ser usados em diferentes momentos do processo avaliativo. Como apontam Fernandes e Freitas (2007) os diferentes tipos de avaliação podem levar a processos de exclusão e classificação, a depender das concepções as quais sustentam o processo educativo. Neste sentido, para os autores, três princípios apresentam-se como fundamentais para a inversão da lógica da exclusão: 1) É Fundamental: transformar a prática avaliativa em prática da aprendizagem; 2) É Necessário: avaliar como condição para a mudança de prática e para o redimensionamento do processo de ensino/aprendizagem; 3) Avaliar: faz parte do processo de ensino e de aprendizagem: não ensinamos sem avaliar, não aprendemos sem avaliar. Dessa forma, rompe-se com afalsa dicotomia entre ensino e avaliação, como se esta fosse apenas o final de um processo. (2007, p. 23) No que se refere aos alunos da Educação Especial, entendemos que as conceituações e formas de significação dos alunos (e suas deficiências) são elementos centrais na proposição de práticas pedagógicas no contexto educacional inclusivo que não se caracterizem como práticas excludentes. Tais conceituações e formas de significação embasam, por sua vez, os processos de avaliação produzidos sob os sujeitos e podem, estimular processos de aprendizagem ou determinar limitações e dificuldades ao sujeito foco da avaliação. Entendemos que o aspecto que será central nos efeitos dos processos de avaliação é a concepção que subsidia os critérios que são elencados como indicativos a serem avaliados. Nesse sentido, Beyer (2005) destaca que as possibilidades de desenvolvimento do sujeito público-alvo da educação especial podem ser condicionadas por quatro concepções de deficiência: a) crítico-materialista ; b) sistêmica; c) clínico-médica; d) sociológica, sendo essas últimas as duas que serão foco das discussões aqui desenvolvidas. Trata-se, no caso da concepção clínico-médica, de uma concepção que impõe uma condição impeditiva de aprendizagem e desenvolvimento e reforça a ideia de que a dificuldade principal do “não aprender” é uma responsabilidade daquele que se encontra na condição de não aprendizagem e, assim, desconsidera outros fatores intervenientes no processo de aprendizagem e [U10] Comentário: SAIBA MAIS: para saber mais sobre as concepções de deficiência elencadas por Beyer (2005) sugerimos a leitura do capítulo “Inclusão e Avaliação do sistema escolar” publicado em: BEYER, Hugo Otto. Inclusão e avaliação na escola de alunos com necessidades educacionais especiais. Porto Alegre: Mediação, 2005. 16 desenvolvimento como, por exemplo, relações familiares, sociais e escolares ou fatores sociais, econômicos e culturais. Nessa perspectiva, Bridi (2010) nos mostra como os manuais internacionais de classificação das doenças, como a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento – CID- 10, publicado pela Organização Mundial da Saúde; o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV publicado pela Associação Psiquiátrica Americana, tem sido utilizados como referências para as avaliações e processos de diagnóstico dos sujeitos. Em se tratando da deficiência mental, por exemplo, em função da compreensão de deficiência que tais manuais utilizam, é comum vermos a produção de discursos limitadores e deterministas com relação às possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem dos sujeitos que possuem tal deficiência. Especialmente a partir do CID-10 e o DSM-IV, é possível verificarmos exemplos de “previsibilidade sobre as possibilidades de existência desses sujeitos” como destaca a autora: Por exemplo, no que tange as habilidades acadêmicas, para um sujeito com diagnóstico de retardo mental leve, o DSM-IV prevê que “ao final da adolescência, podem atingir habilidades acadêmicas equivalentes aproximadamente a sexta série” (DSM-IV, 2002, p.74). Tal previsibilidade varia conforme o grau de deficiência, ou seja, se o sujeito apresenta um quadro de retardo mental moderado “suas habilidades acadêmicas provavelmente não progredirão além do nível da segunda série.” (DSM-IV, 2002, p.75). Os sujeitos pertencentes a um quadro de retardo mental grave “beneficiam-se apenas em um grau limitado de matérias escolares, tais como, familiaridade com o alfabeto e contagem simples” (DSM-IV, 2002, p.75). Para o grupo sob a classificação de retardo mental profundo e retardo mental gravidade inespecificada, as previsibilidades acadêmicas não são mencionadas, como se o processo de escolarização não fosse possível para estes sujeitos (BRIDI, 2010, p. 3). Parece compreensível que todo sujeito que olha para o aluno com deficiência a partir de hipóteses embasadas em uma concepção clínica, que indica (em função de uma classificação) o que esse aluno poderá fazer; que condições terá de aprender; como se comportará diante dos objetos com que irá interagir; etc., acabe, em função de tal concepção, não estimulando que esse ele experimente, explore, vivencie situações de interação com os objetos, com os outros, com o mundo, e tenha suas hipóteses prognósticas comprovadas. No entanto, entendemos ser importante questionar se esse resultado produzido, que confirma a incapacidade e as limitações antecipadamente anunciadas, não é resultante exatamente dessa falta de tentativas, de ofertas, de possibilidades? Nesse sentido entendemos que classificações produzidas discursivamente como capazes de atestar a existência e o nível da deficiência dos sujeitos, ainda que se constituam como critérios legais para a matrícula do aluno na escola regular e no espaço do atendimento educacional especializado, não deve ser foco central de nossa preocupação. O que queremos apontar é que como profissionais da educação, muito mais do que procurarmos pelo diagnóstico de deficiência, precisamos ser capazes de compreender os processos mentais percorridos por nossos alunos na construção da sua aprendizagem. Beyer (2005) indica que essa forma de olhar para os alunos público-alvo da educação especial, que busca compreender os processos mentais percorridos, encontra embasamento em uma concepção sociológica de deficiência, a partir da qual [U11] Comentário: INTERATIVID ADE: Para conhecer os estudos de Bridi (2010) acesse sua tese “Processos de identificação e diagnóstico: os alunos com deficiência mental no contexto do atendimento educacional especializado” pelo link https://lume.ufrgs.br/handle/10183/3 6337 [U12] Comentário: ATENÇÃO: Uma discussão mais aprofundada sobre os manuais diagnóstico e seus efeitos nos produção dos alunos da educação especial será realizada na Unidade 2. [U13] Comentário: ATENÇÃO: Retome as discussões da disciplina de Fundamentos da Educação Especial I para ter acesso aos dispositivos legais sobre a matrícula e frequência dos alunos no atendimento educacional especializado. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/36337 https://lume.ufrgs.br/handle/10183/36337 17 (...) a deficiência é definida por um processo de atribuição social. Desloca-se o olhar do indivíduo (...) para o grupo social. A deficiência é interpretada por meio da reação do grupo social. A forma como o grupo reagir à situação de deficiência poderá implicar o agravamento (pelo preconceito ou incompreensão) ou o alívio (pela empatia ou compreensão) da situação individual (BEYER, 2005, p. 92). Nessa perspectiva, as interações que o indivíduo estabelecer com o meio e com os demais indivíduos é que irão determinar a qualidade das suas aprendizagens e do seu processo de desenvolvimento. Sendo assim, compreender os percursos mentais percorridos pelo aluno para interagir com o ambiente de determinada maneira pode nos auxiliar a ofertar outras interações à esse aluno, o que por sua vez, resultará em outros processos mentais. Nessa lógica não ofertamos simplesmente novas interações, mas sim novas possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento. Ao tomar como centro das práticas de avaliação das aprendizagens as interações estabelecidas entre os alunos, a perspectiva sociológica de deficiência anuncia uma forte vinculação com a teoria de Vygotsky (1987, 1999, 2001) sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem. Conhecido como um autor sociointeracionista, Vygotsky defende a interdependência entre aspectos biológicos e ambientais no desenvolvimento dos sujeitos. Ao defender essa interdependência o autor destaca o papel do meio nos processos de desenvolvimento, tomando como referência o ambiente cultural no qual o indivíduo se desenvolve. Assim, é na troca com os outros e consigo próprio que os conhecimentossão internalizados, assim como os papéis e as funções sociais, o que permite a constituição de conhecimentos e da própria consciência. Trata-se, de um processo que caminha do plano social (relações interpessoais) para o plano individual interno (relações intrapessoais). Conforme Beyer (2005), Vygotsky aponta que a intervenção pedagógica para os alunos público-alvo da educação especial, ao contrário do que se propôs durante muitas décadas na área, deve primar pela ação nas funções psicológicas superiores. Fixados na ideia de incapacidade desses alunos em alcançar um nível de pensamento mais elaborado, vimos as práticas educacionais destinadas à eles reproduzirem o equívoco de limitarem-se aos aspectos concretos e observáveis do mundo. A abordagem vygotskyana anuncia, contrariamente às práticas frequentemente desenvolvidas na educação especial, isto é, voltadas para compensações terapêuticas e reforços primários de comportamento, que as melhores possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem das crianças com necessidades especiais encontram-se justamente na esfera onde menos se acredita que estas possam crescer, ou seja, nas funções mentais superiores. A ‘história didática’ da educação especial ilustra isso muito bem: as escolas especiais sempre primaram por desenvolver práticas baseadas em recursos metodológicos concretos ou manuais, acreditando na debilidade dos alunos em representar abstratamente (BEYER, 2005, p. 104). Trabalhando com a existência de dois níveis de desenvolvimento, um denominado de real (referente às aprendizagens já construídas) e outro de potencial (referente às aprendizagens em processo de construção) Vygostsky apresenta o conceito de zona de desenvolvimento proximal como a distância existe entre a passagem de um nível de desenvolvimento a outro. 18 Conforme discutimos anteriormente, práticas escolares pautadas em uma pedagogia tradicional produzem processos avaliativos preocupados em conhecer o nível de desenvolvimento real do aluno. Nessa lógica, mede-se seu desempenho ao final do processo, procurando identificar erros e acertos, e não se considera o processo vivenciado pelo indivíduo na resolução do problema proposto, o que torna inviável a identificação de aprendizagens potenciais (em construção). Nessa esteira Beyer (2005) nos provoca a refletir se o desempenho de um aluno em dada avaliação pode ser considerado equivalente a demonstração de toda sua possibilidade de aprendizagem? Ao atuarmos dessa forma não estaríamos desconsiderando fatores (metodológicos, didáticos, emocionais, etc.) determinantes da relação pedagógica que podem estar produzindo comportamentos e respostas do aluno diante das ações avaliativas? Moysés (2001) ao falar de avaliação problematiza o fato de que a escola dificilmente olha para as práticas que desenvolve de forma desconfiada, incidindo normalmente no aluno (e ocasionalmente nas suas famílias) os motivos de seus “fracassos”. Pautada em uma pedagogia tradicional e em uma concepção clínica de deficiência, temos centrado nossas práticas avaliativas naquilo que o aluno já sabe fazer, ignorando as habilidades necessariamente já construídas para realizar tal ato. Uma criança que gosta de jogar bolinha de gude tem que ter coordenação visomotora; orientação espacial; integrar noções de espaço, força, velocidade, tempo; sociabilidade, pois não joga sozinha; capacidade de concentração e atenção; noções de quantidade; saber ganhar e perder; aprender e memorizar as regras do jogo, etc. Uma criança que fale ao telefone, tem que ter discriminação auditiva. A criança que gosta de ler, além de obviamente saber ler, tem memória, concentração, discriminação visual, percepção espacial, lateralidade, tempo, etc. [...] Ainda, dominar as regras do jogo com bolinhas de gude não envolve apenas memorização de regras mas a capacidade de abstração necessária para o entendimento de como se joga o jogo. Aliás, [...] quase todas as brincadeiras de criança pressupõe criatividade e abstração, ao contrário do que muitos adultos insistem em negar (MOYSÉS, 2001, p. 43). O que a autora propõe é que nos inquietemos diante das formas tradicionalmente postas para avaliar as aprendizagens dos nossos alunos, e busquemos perceber as habilidades que eles cotidianamente mostram que já desenvolveram e que podem ser elementos de enriquecimento dos nossos planejamentos. Talvez fosse o caso de nos perguntarmos sobre aquilo que acontece entre esses planejamentos, naqueles momentos que não são passíveis de previsão, a partir de um olhar sensível às aprendizagens que não são planejadas. “[...] é preciso aprender a olhar. Olhar o que a criança sabe, o que ela tem, o que ela pode, o que ela gosta” (MOYSÉS, 2001, p. 43). Diante do que foi exposto, é possível concluir que as possibilidades de desenvolvimento que um aluno pode apresentar são determinadas não exclusivamente pelas suas limitações orgânicas, mas principalmente pelas vivências possibilitadas a essas pessoas. Vygotsky (1987, 1999, 2001) mostra que as deficiências orgânicas podem afetar não somente a interação que os indivíduos estabelecem com o meio físico, mas principalmente a qualidade das interações estabelecidas com outros sujeitos sociais, o que, por sua vez, afeta seus processos de desenvolvimento e aprendizagem. Assim, para concluir esta Unidade, entendemos ser importante ressaltar que em um contexto educacional inclusivo, procurando evitar práticas que se constituam como estratégias de exclusão na escola, é indispensável que estejamos atentos às diferentes possibilidades de 19 aprendizagens que os alunos apresentam. Ao assumirmos que cada aluno é único em sua forma de aprender nos mostramos atentas aos diferentes fatores que constituem as práticas escolares, e dispostas a superar formas tradicionais de avaliação em busca de uma avaliação com função diagnóstica; formativa; somativa que ao serem produzidas se complementam e direcionam a construção de planejamentos pedagógicos adequados às necessidades de cada aluno. Não se trata de uma proposta simples. Pressupõe a formação de professores que não se acomodem em prognósticos limitadores, que não se contentam com respostas fechadas produzidas por testes padronizados e, especialmente, que se mostrem inquietos diante de práticas escolares homogeneizantes que consideram um único percurso de aprendizagem como norma. Professores que olham para os alunos público-alvo da educação especial como sujeitos de aprendizagem que precisam ser alvo de estímulos nas trocas sociais e investimentos pedagógicos na escola, e assim resistem a concepção de avaliação como uma prática produtoras de sujeitos, que ao atestar, classificar e diagnosticar impõe formas corretas (e a corrigir) de ser e estar na escola, como discutiremos na próxima unidade. 20 Referências da Unidade ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. 3 ed. São Paulo: Moderna, 2006. BEYER, Hugo Otto. Inclusão e Avaliação na Escola de alunos com necessidades educacionais especiais. Porto Alegre: Mediação, 2005. BRIDI, Fabiane Romano de Souza. Implicações acerca dos processos diagnósticos e de identificação dos alunos da educação especial no contexto escolar . Anais da VIII ANPED SUL - “FORMAÇÃO, ÉTICA E POLÍTICAS: QUAL PESQUISA? QUAL EDUCAÇÃO?”, 2010. CHUEIRI, M. S. F. Concepções sobre avaliação escolar. 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