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1 xxx 2 xxxxx Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI – Curso de Licenciatura em História (FLEX 0490) – Prática Interdisciplinar V – 26/12/20 A REPRESENTAÇÃO DA GUERRA DO PARAGUAI NO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA Acadêmico¹ Tutor Externo² RESUMO O tema A representação da Guerra do Paraguai no livro didático de História é bastante debatido nos meios acadêmicos, mas muito pouco conhecido da população como um todo por não ser um evento tão presente na memória coletiva do brasileiro. Livros didáticos apresentam versões defasadas (tradicional e revisionista) desse evento ocorrido no Brasil do século XIX. A guerra envolveu o Brasil, a Argentina e o Uruguai que se uniram contra o Paraguai em uma luta que ocorreu entre 1864 e 1870 e ceifou a vida de quase meio milhão de pessoas. As versões distintas da guerra chegaram aos livros didáticos em manobras realizadas pelas classes. A escola é um local privilegiado para a formação de cidadãos e a disciplina de História tem um papel relevante como espaço de desenvolvimento de senso crítico. O objetivo geral dessa pesquisa é reconhecer as interpretações dos acontecimentos da Guerra do Paraguai nos livros didáticos. Os brasileiros não conhecem a Guerra do Paraguai, porque dá-se pouca relevância a esse evento. Esse estudo pretendeu realizar uma reflexão sobre as distintas versões sobre a Guerra do Paraguai, mas de certa forma tratou da importância de possibilitar o desenvolvimento de senso crítico nos estudantes por meio da disciplina História. Palavras-chave: América Latina. Guerra do Paraguai. História. Ideologia. Livro Didático. 1 1 – INTRODUÇÃO A produção de livros didáticos no Brasil tem evoluído com relação a conteúdos mais críticos na disciplina de História, acompanhando uma tendência de reflexão sobre os conteúdos menos carregados de ideologias que possibilitem uma leitura mais crítica. Professores e alunos têm mais condições de encetar debates sobre as questões de forma mais livre que possibilita a formação de senso crítico e uma visão mais verossímil dos acontecimentos. A Guerra do Paraguai na segunda metade do século XIX marcou de forma grandiosa a realidade da América Latina, pois dela participaram o Brasil, a Argentina e o Uruguai como países aliados para lutar contra o Paraguai em um combate que durou cerca de seis anos que gerou e ainda gera muitas polêmicas acerca de suas causas, desdobramentos e consequências. As versões desta guerra apresentadas nos livros didáticos merecem reflexão especial para reconhecer na presença, na forma ou na omissão de informações sobre este evento, os interesses de classes hegemônicas que no passado dominaram o pensamento histórico e o maquiaram ao seu bel prazer. A escola como local privilegiado para a formação de cidadãos e a disciplina de História oferece a formação cultural necessária para o sujeito reconhecer-se na história do seu país ou em determinado território mais específico. A história da Guerra do Paraguai será aqui tratada como parte da história brasileira e, mais especificamente dos estados do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso do Sul, que foram envolvidos mais diretamente no confronto. O objetivo desse trabalho é reconhecer as interpretações dos acontecimentos da Guerra do Paraguai nos livros didáticos. Traçar um apanhado histórico da Guerra do Paraguai, identificar as vertentes historiográficas relacionadas à Guerra do Paraguai e mostrar a importância da iconografia para a interpretação dos eventos históricos. A História do Brasil passou por vários registros ideológicos impressos pelas classes dominantes de cada época. No entanto, a história deve espelhar a realidade dos fatos de forma mais neutra possível para gerar reflexões que levem os leitores e estudantes a 2 interpretações verossímeis e não a distorções da realidade com o mero intuito de passar uma versão tendenciosa dos fatos. A Guerra do Paraguai foi o evento bélico de maior relevância ocorrido na América Latina a riqueza de fontes e análises do tema, contribuem para uma robusta percepção das diferentes abordagens e versões dos acontecimentos, favorecendo a compreensão das motivações e intencionalidades nos livros didáticos. Os livros didáticos baseiam-se nos materiais paradidáticos para apresentar seus conteúdos, que vão sendo renovados na medida em que surgem novas pesquisas mais esclarecedoras dos acontecimentos, mas há interesses editoriais que determinam as edições desses livros que geram grandes receitas aos seus produtores. Os dados foram buscados em fontes online em artigos científicos, dissertações e fontes impressas como livros e dissertações disponíveis em bibliotecas de faculdades. A seleção do material foi realizada tendo em conta uma busca de autores mais renomados e sites mais específicos ligados a institutos de pesquisa e universidades de modo a coletar os autores que venham desenvolvendo estudos atuais sobre o assunto. A metodologia da pesquisa bibliográfica é limitada no sentido de coletar apenas obras publicadas em bases online ou bibliotecas físicas, mas por outro lado, possibilita uma pesquisa ampla em autores com distintas visões sobre o tema (JUNG, 2003). Após a escolha do tema, elaboração da pergunta-problema, dos objetivos, das hipóteses, foi realizado um levantamento bibliográfico, utilizando fontes bibliográficas diversas, tais como livros, revistas especializadas nacionais e internacionais, sites institucionais; foi realizada a leitura e a seleção das referências bibliográficas e elaboradas as resenhas para confeccionar o capítulo teórico da pesquisa (GALVÃO, 2009). 2 – FUNDAMENTAÇÃO TÉORICA Segundo Davies (1996), o livro didático atende às classes dominantes e aos seus anseios, pois possibilita que os poderosos ampliem a acumulação de capital e veiculem as visões que atendem aos seus interesses e sufoquem as potenciais oposições. Na metade da década de 1990, o autor mostrava “como os livros didáticos de História procuraram e 3 procuram ainda construir uma memória oficial, onde têm vez os ‘grandes homens’ das classes dominantes, o nacionalismo, e onde os conflitos sociais são omitidos ou atenuados”. Se esta interpretação, inspirada em Althusser e Bourdieu e Passeron, de que os conteúdos dos LD de História refletem a ideologia das classes dominantes teve o mérito de sacudir a ingenuidade dos professores que encaravam e ainda encaram estes conteúdos como a "verdade histórica", definitiva, e não como uma construção efetuada pelos ideólogos das classes dominantes, apresentava e ainda apresenta o equívoco de não perceber a contradição presente, em maior ou menor medida, na ideologia e, portanto, nos LD de História. Um exame, ainda que superficial, dos LD de História revelará, por exemplo, que eles contêm, não apenas as visões das classes dominantes, mas também elementos de negação destas visões. Em sociedade de classes, necessariamente contraditória, a ideologia também o será. E é com esta contradição que precisamos trabalhar para enfrentar a questão proposta no título deste trabalho. (DAVIES, 1996, p. 2) A história nos livros didáticos é contada a partir das escolhas realizadas pelos autores em conjunto com os editores, sendo que há muitos aspectos envolvidos na escolha da abordagem. A complexidade da edição e da escolha dos conteúdos de um livro didático é mostrada por Brandt (2001, p. 9): Os livros didáticos de História, no formato em que se apresentam atualmente, na forma de textos acompanhados de uma proposta de atividade escolar, são produtos de uma trajetória paralela com o estabelecimento da educação acessível a toda a população. Segundo Brandt (2001), a produção desses livros é controlada sob diversos aspectos, tais como pela formação dos autores, pela intenção e compromissos das editoras; pelos governos públicos e intenções que o próprio momento e a conjunturahistórica exigem. Assim, os livros didáticos são ferramentas de trabalho para os professores e, especificamente, o livro didático de História contribui para a formação cultural do estudante. Quando o autor escolhe um texto ou uma imagem para inserir no livro, ele está sim fazendo uma escolha, mas esta escolha pode ser de caráter ideológico de acordo com sua visão de mundo; pode ser uma escolha realizada pela linha editorial praticada pela editora responsável; pode ser uma escolha voltada para o mercado consumidor como estratégia de Marketing. Todas estas escolhas ainda têm que respeitar os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) traçados pelo Ministério da Educação e Cultura. Um exemplo da mudança dos parâmetros na disciplina de História ocorreu com a pressão que o movimento negro fez junto aos órgãos públicos e à classe política para inserir uma nova visão do negro na construção da sociedade brasileira. A Lei Nº 10.639, de 9 de Janeiro de 2003 dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional, promovendo a inclusão da temática História e Cultura Afro-Brasileira como obrigatória na Rede oficial de 4 Ensino público e privado. A Lei traz em seu Art. 26-A o seguinte teor: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”. (BRASIL, 2003) Quanto aos § 1º e 2º, estabelece: O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. (BRASIL, 2003) A participação de muitos escravos negros na Guerra do Paraguai, normalmente, não recebeu a devida relevância na literatura oficial. Em 1871 foi decretada a Lei do Ventre Livre, sem produzir os efeitos esperados, mesmo com a participação de escravos na Guerra do Paraguai (1864-1870) ao lado de homens livres, quando aqueles sacrificaram-se em troca da promessa da liberdade. A partir da década de 1880, o movimento abolicionista organizou- se e ganhou força e ao final daquela década, em 1888 foi assinada a Lei da Abolição. A sociedade não abriu espaços aos negros libertos nem oportunidades de trabalho com a entrada imigrantes europeus, que eram contratados para os trabalhos. O preconceito ligado ao escravismo perdurou por muito tempo, excluindo os negros do sistema educacional devido a sua cor e condição econômica (BIGNOTTO, 2005). Assim começamos a perceber alguns 5 Figura 1 – Charge do jornal Vida Fluminense nº 58 de 6.2.1869 Fonte: Toral (2001, p. 184) A Figura 1 é uma charge do Jornal Brasileiro Vida Fluminense que, em forma de crítica cômica, faz referência à situação do exército paraguaio a um ano do término da Guerra do Paraguai: Solano López montado em uma vaca (devido à carência de cavalos) para os combates, conclama o exército formado por cães e gatos para a guerra. A interpretação dessa charge é a de que o presidente paraguaio, a um ano do término da guerra, não possuía meios de reunir homens /combatentes para o seu exército, mas teimava em combater sem estrutura humana e bélica e foi o que ocorreu quando em 1870 foi morto em combate e a vitória foi declarado em favor dos aliados (Brasil, Argentina e Uruguai). Arantes (2011, p. 73) realça que mesmo o nome do conflito já é um bom indício de como é tratada a questão da guerra que durou de 1864 a 1870 na Bacia do Prata. “O próprio nome do conflito, que chamado por nós brasileiros de: A Guerra do Paraguai por nossos vizinhos recebe nomenclatura diferenciada como: La Gran Guerra ou Guerra de La Triplice Alianza”. Há múltiplos olhares presentes na pesquisa histórica, onde multiplicam-se os objetos de investigação para rebuscar o passado e resgatar os fatos sob olhares outros que não o dos envolvidos emocionalmente nas situações. A Guerra do Paraguai possui muitas denominações, tais como: Guerra da Tríplice Aliança, Confronto Guarani Brasileiro, La http://3.bp.blogspot.com/-YSfcuBK2sdA/T1gqRpC-GeI/AAAAAAAADb0/Dx69J7b4naA/s1600/A2.png 6 Gran Guerra (no Paraguai) e muitas interpretações, que pode ser considerada como a questão mais polêmica que ocorreu até hoje na América Latina. Sobre a Guerra do Paraguai, foram realizados e publicados inúmeros trabalhos acadêmicos ou editoriais, citando como exemplo “A Guerra do Paraguai: 130 anos depois”, organizado por Maria Eduarda Castro, que recebeu contribuições de historiadores ilustres como Sérgio Buarque de Holanda e José Honório Rodrigues. Poucos trabalhos, no entanto, ocuparam-se em investigar se os resultados dessas novas pesquisas com suas inúmeras abordagens, onde os discursos político- ideológicos têm sido sistematicamente revistos, chegaram até a historiografia didática utilizada atualmente nas escolas dos diferentes países envolvidos no conflito. (BRANDT, 2001, p. 2-3) Brandt (2001) apresenta uma visão altamente crítica à indústria do livro didático, afirmando que as Editoras, ao reeditarem os que mais vendem e ao divulgarem títulos inéditos, tornaram esse produto como o mais rentável da indústria cultural. Para essas empresas não interessam as polêmicas geradoras de posturas radicais entre os estudantes, professores e pesquisadores das questões educacionais, “pois o livro didático é o primeiro capital cultural, interpretado como conhecimento a ser incorporado e utilizado pelos alunos, de acordo com a vivência de cada um deles, das condições sociais e das relações estabelecidas no espaço escolar”. Cunha Filho et al. (2010) realizaram um estudo com o objetivo de “analisar as ideologias incutidas em cada uma das principais vertentes existentes sobre a temática e com isso problematizar a sua viabilidade acadêmica, assim como meritocracia historiográfica”. A riqueza de debates e de estudos sobre essa temática é tão grande quanto a diversidade de versões existentes sobre a Guerra do Paraguai; há um emaranhado de interesses envolvidos no evento bélico que durou cerca de seis anos e ceifou centenas de milhares de vidas de soldados que lutaram por interesses que não lhes pertenciam diretamente: os escravos negros lutaram em troca de uma liberdade que viria com a sobrevivência ao conflito que consumiu 50 mil soldados brasileiros; os interesses políticos, econômicos, hegemônicos, geopolíticos dos líderes envolvidos, de alguma forma, inundaram as mentes dos soldados, que lutaram com recursos parcos, onde o seu corpo era o escudo frágil frente ao tiro de rifles, baionetas e sabres dos inimigos, que igualmente lutavam por interesses emprestados por uma ideologia que os impelia ao combate mortal. [...] a complexidade da temática em si, as diversas correntes carregam consigo um arsenal ideológico particular de uma época, que visa legitimar preceitos e anseios de classes e instituições existentes. Sendo assim, cada corrente procura legitimar sua visão segundo interesses particulares, seja o nacionalismo conservador do pós- guerra e a construção de seus heróis, seja a visão positivista e sua contestação ao regime monárquico de governo, ou mesmo a simplificada versão populista do 7 revisionismo que coloca sobre o exército nacional brasileiro a alcunha de genocida como forma de combater a ditadura que neste momento prevalecia no país. [...] o revisionismo acadêmico busca a veracidade historiográfica através das fontes. Porém mesmo essa corrente incorre em erros como o de negligenciara participação de parcelas importantes da população que lutaram, sua realidade e motivações. Presa no incessante desejo de descortinar as verdades documentais, renega a análise da realidade na qual lutaram as parcelas mais populares das nações envolvidas, construindo uma história vista de cima. A historiografia respeitante à Guerra da Tríplice Aliança vem sendo alterada como resultado das inúmeras pesquisas realizadas por autores que se consagraram, tais como, o escritor argentino León Pomer, autor da obra La Guerra del Paraguay: gran negócio! que foi publicada em 1968, que inaugurou a historiografia revisionista, seguido do neo- revisionista brasileiro, Júlio José Chiavennato, autor de Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai. O valor da iconografia pode ser percebido através de um estudo desenvolvido por Lavarda (2009) sobre a influência e a força das imagens do passado sobre a sociedade. Defende o autor que “as imagens podem servir tanto para mostrar determinado acontecimento aos homens como, também, para silenciar sobre fatos que não são interessantes serem publicados para não fazerem parte da memória da sociedade”. Durante as guerras, os países beligerantes canalizam as forças para filtrar as imagens que querem veicular para influenciar; as imagens são utilizadas para atender “às motivações dos governos que, em muitos casos, usam e manipulam imagens para mobilização geral da sociedade”. Sobre a Guerra do Paraguai, as várias fotografias de montes de cadáveres amontoados, sobre a falta de assepsia das tropas que contraíram varíola e sobre os problemas de abastecimento tanto de comida quanto de água das tropas acampadas e mesmo a falta de pagamentos às tropas (atraso dos soldos). A documentação dos eventos da Guerra do Paraguai (em pinturas, textos, fotografias), por vezes, fora encomendada pelas autoridades dos Estados beligerantes que enviavam fotógrafos e toda tecnologia disponível para a composição fotográfica e “impunha limites na apreensão de cenas de ação da guerra propriamente”. [...] “destaque de fotografias mais dramáticas do embate militar, como amontoados de cadáveres, em sentido contrário à maioria das imagens fotográficas que circularam nos periódicos do Brasil e do mundo” (LAVARDA, 2009). 8 Um estudo realizado por Arantes (2011) como parte de um projeto de Mestrado denominado “Fronteira e Guerra nos livros didáticos de História do Brasil e Paraguai: a educação no pós-guerra” tem como intuito principal realizar uma análise das diferentes visões desse evento bélico que durou de 1864 a 1870, congregando as forças aliadas de brasileiros, uruguaios e argentinos contra os paraguaios. Há muitas questões complexas envolvidas naquele episódio e, principalmente, porque há versões diferentes sobre as causas que o originaram e sobre as consequências narradas nos textos dos livros didáticos de História, que diferem, inclusive, quando mudam as nacionalidades entre brasileiros e paraguaios (ARANTES, 2011). As imagens são uma maneira importante de analisar o teor das ideias inscritas nos livros didáticos e das sensações que as informações despertam no leitor. O quadro “A Paraguaia” do pintor Juan Manuel Blandes, datado de 1879, portanto nove anos após o encerramento da Guerra do Paraguai, demonstra do lado paraguaio o profundo pesar de uma mulher solitária ao defrontar-se com o campo de batalha com inúmeros combatentes mortos sendo comidos pelos abutres; armas, canhão quebrado e objetos pessoais caídos ao chão. O Paraguai saiu derrotado do embate e chorava suas perdas pelas lágrimas das mulheres que restaram sem maridos, filhos, pais. Nos últimos combates, o exército paraguaio contava com meninos entre os 10 e os 15 anos devido à falta de homens adultos para a guerra. (TORAL, 2001) O Paraguai perdeu quase 60% de sua população total na guerra. 9 Figura 2 – Quadro “A Paraguaia” de Juan Manuel Blandes de 1879 Fonte: Toral (2001) O pintor Pedro Américo, autor da obra Batalha do Avahy em óleo sobre tela datado de 1877, portanto sete anos após o final da guerra, apresenta mais preocupação com a verossimilhança do combate do que as pinturas acadêmicas realizadas a pedido do Estado. A partir da Proclamação da República, o Estado empenhou-se em disseminar os feitos heroicos dos seus soldados e utilizou para tanto, “a pintura como ferramenta mnemônica para cristalizar a ação civilizatória do país ao Paraguai” (LAVARDA, 2009, p. 52). [...] esta memória não escapou ao contexto profundamente conservador da República pós-escravista, social e politicamente excludente, cuja autoimagem dominante se queria branca ou em processo de branqueamento. [...] O fato de tal ação tivesse sido levada a cabo por soldados em sua maioria negros, muitos dos quais libertos, representava uma lembrança incômoda”. (SALLES apud LAVARDA, 2009, p. 52) Apesar da maioria do exército brasileiro ser constituída por escravos negros, as imagens gloriosas do evento bélico pouco expressavam essa participação que o Governo Republicano fazia questão de apagar. (LAVARDA, 2009). Se não fosse a guerra, Quem sabe hoje era, um outro país. Podemos perceber então que a Guerra contra o Paraguai (1864-1870) é um assunto não esquecido por ter sido de tão relevante importância, é algo que permeia o imaginário regional e tem gerado desde o seu término uma imensa discussão, ainda que por limites 10 geográficos ou os reais motivos do bélico acontecimento descritos pormenorizadamente nos livros de história, e esse debate muito interessa, pois é sabido que a elaboração dos livros didáticos deriva, em sua grande maioria, dos paradidáticos já existentes. (ARANTES, 2011, p. 72) Arantes (2011) refere-se à história do Brasil presente nos livros paradidáticos que alicerçaram a confecção dos livros didáticos adotados no Mato Grosso do Sul, onde o conflito é pouco citado mesmo as regiões fronteiriças terem sido palco de algumas batalhas durante a Guerra do Paraguai. [...] fator que chamou a atenção foi o fato de os manuais didáticos de História utilizados no Mato Grosso do Sul, principalmente na rede pública, trazer pouca referência ao conflito, pode-se dizer, que contém apenas breves referências e a própria Guerra em questão é tratada sumariamente em um pouco mais que meia página. (ARANTES, 2011, p. 73) Figura 3 – Pedro Américo. Batalha do Avahy. Óleo sobre tela. 1877. 5x10m. Florença. Fonte: Lavarda (2009, p. 53) Por meio das imagens de guerra, Lavarda (2009) demonstra que o Estado Republicano incutiu no povo brasileiro a visão que pretendia sobre conflito entre os países que compunham a Tríplice Aliança e o Paraguai, cuja empreitada foi impingir ao povo uma ideia/visão/ideologia que, sendo dos vencedores, seria fixada por meio de imagens na memória da nação. A utilização das imagens sob determinados aspectos “anuncia a intenção daquela ‘verdade’ que se impõe, seja na imprensa, passando pelos álbuns comemorativos ou que pretendem documentar a guerra, chegando até mesmo nos livros didáticos”, que é o objeto dessa pesquisa. A guerra, no acervo mítico e histórico do Brasil e Argentina, é um registro “frio”. Para o paraguaio, a guerra explica seu país de hoje. A recorrência ao potencial 11 explicativo da guerra, transformada em parte do mito de origem da nacionalidade, tornou-se referência contemporânea. As reações da guerra determinam, ainda hoje, a relação dos nacionais com a iconografia produzida há mais de um século. (TORAL apud LAVARDA, 2009, p. 69) De acordo com Fertig; Saccol (2010) em estudo sobre a abordagem da Guerra do Paraguai em determinados livros didáticos de história brasileira; os autores procuravam achar respostas à questão de qual o enfoque os livros editados entre 1900 a 1960 apresentavam sobre a guerra. Outro intuito deste estudo foi perceber se havia “diálogo entre a produção didática e a produçãohistoriográfica acadêmica” como narrativas da história. A produção historiográfica apresenta três vertentes de interpretação e análise sobre a Guerra do Paraguai: a primeira denominada tradicional1 (ou oficial, ufanista) iniciou-se por volta de 1900 e perdurou até as décadas de 1960 e 1970. Tal versão centra-se no fato de que o conflito teria surgido devido à megalomania do ditador Solano López e dos seus planos expansionistas. Essa vertente histórica é marcada pela historiografia militar, exaltando a figura de Caxias e Osório como heróis nacionais. (FERTIG; SACCOL, 2010) Figura 4 – Victor Meirelles. Combate Naval de Riachuelo. 8.60 x 4.20m. 1882. Fonte: Lavarda (2009, p. 32) 1 Maestri (Doutor em História pela Bélgica e professor da UFP) refere-se às vertentes sobre a Guerra do Paraguai da seguinte forma: “Historiografia nacional-patriótica”; “Historiografia liberal-patriótica” e “processo de restauração das interpretações nacional-patrióticas brasileiras, apoiada sobretudo nos lapsos da obra de Chiavenatto”. (MAESTRI, 2009, p. 2) 12 Figura 5 – Cándido López. 2ª divisão de Buenos Aires na batalha de Tuiuti (24/maio/1866) Fonte: Lavarda (2009, p. 40) O pintor e combatente Cándido López2 registrou momentos da guerra da qual participou como soldado argentino. Após o término da Guerra do Paraguai, a partir do final do século XIX e, principalmente durante o século XX, este evento bélico foi “alvo de inúmeras manipulações ideológicas, estando sujeito ao sabor das interpretações históricas que, via de regra, atendeu a contextos políticos específicos e interesses oficiais, não só no Brasil, como também na Argentina, no Paraguai e no Uruguai”. (SQUINELO, 2011, p. 20) Os educandos que passaram pelos bancos escolares naquela época aprenderam que a nação brasileira cumpriu “grande e significativa missão” na Guerra do Paraguai, isto é, libertou a população do “tirano” paraguaio – Francisco Solano López – que, de acordo com esses escritos, dominava e governava o Paraguai como uma propriedade particular, mantendo também a população em constante ameaça e opressão. Muitos dos cidadãos brasileiros aprenderam seguindo essa linha de reflexão a idolatrar a Pátria a qual pertenciam como também os heróis que figuravam em seu panteão nacional; no contexto da Guerra aprenderam idolatrar Duque de Caxias, Conde d’Eu, D. Pedro II, entre inúmeros outros que se relacionam ao conflito guarani; em contrapartida foram ensinados a criar certo tipo de rancor em relação aos governantes paraguaios, e o que é mais grave, um determinado tipo de preconceito em relação a tudo que se referia e se refere à nação paraguaia. Cabe 2 Cándido López não era apenas um artista neutro ao conflito e que pintava no alto da colina com a calma que se espera de um trabalho dessa envergadura. Era muito mais que artista porque lutava ao lado de seu país com uniforme militar e tanto o era que perdera a mão num combate. (LAVARDA, 2009, p. 40) 13 ressaltar que parte desse preconceito é mantido até os dias atuais. Como exemplo desse momento histórico, aponto obras conhecidas como as de Dionísio Cerqueira (19--?), Tasso Fragoso (1956) e Rocha Pombo (1960). (SQUINELO, 2011, p. 20) Já Squinelo (2011) exemplifica a visão tradicional com o historiador do Paraná, Rocha Pombo, que editou vários manuais didáticos, dentre os quais, a obra “História do Brasil” de 1960, na qual atribui “a causa do conflito única e exclusivamente a Solano López”, pois para o autor, o ditador paraguaio que pretendia “renovar as pretensões de Rosas, de formar no Prata um grande império, rival do Brasil” e preparava-se de forma dissimulada para encontrar um pretexto e um momento ideal para entrar em cena. Uma segunda vertente da história denominou-se visão revisionista e surgiu durante as décadas de 1960 e 1970. Por esse prisma, atribuído, principalmente ao expoente historiador argentino León Pomer, que encontrou eco junto ao historiador brasileiro Júlio José Chiavenatto. Esta vertente passou a explicar o conflito como resultado do imperialismo inglês na região do Prata. O trono britânico teria utilizado o Império do Brasil e a Argentina para destruir um suposto modelo de desenvolvimento paraguaio, industrializante, autônomo, onde a economia crescia sem a interferência de empréstimos estrangeiros, e que não se submetia aos mandos e desmandos da potência de então. A guerra teria sido, pois, um “crime” cometido a um Paraguai em fase de desenvolvimento. (FERTIG; SACCOL, 2010) Chiavenatto atribui a geração do conflito à tentativa de rompimento à dominação do imperialismo inglês, pois o Paraguai demonstrava autonomia e crescimento que o fazia destacar-se entre os países latino-americanos, tais como Brasil, Argentina e Uruguai que importavam até alfinetes da Inglaterra, o Paraguai formava seus próprios profissionais com a importação de técnicos especializados, que desenvolviam tecnologias no país. Com relação à participação dos aliados Brasil, Argentina e Uruguai no conflito, temos: [...] o Brasil se cobria de vergonha para destruir um país que despontava como única terra livre da América [...] Os aliados guerreavam por um engano, para atender aos interesses de dominação econômicos da Inglaterra, que estavam sendo contestados pelo ditador Solano Lopez. Como afirma Ricardo Salles, o revisionista “superdimensiona a influência inglesa na região e ignora as motivações específicas dos países diretamente envolvidos”. (FERTIG; SACCOL, 2010, p. 169) 14 História Volume 3 Autores: Ricardo; Adhema; Flávio Editora Lê Entre os livros didáticos que incorporaram a vertente revisionista destacamos História: terceiro volume, de Ricardo, Adhemar e Flávio. Na análise referente à Guerra do Paraguai, os autores utilizam textos do historiador Chiavenatto e fazem menção também a Leon Pomer, considerando que este “amplia essa visão” de que a guerra teria sido provocada pelo projeto de expansão territorial paraguaia. Mencionam os autores que, “não se pode esquecer que a América Latina estava inserida em uma nova ordem internacional” (CHIAVENATTO apud FERTIG; SACCOL, 2010, p. 169). Após sua independência em 1811, o Paraguai desenvolveu-se isoladamente sem relacionar-se com outros países; Solano López nascido em 1826 assumiu a presidência em 1862, quando propiciou o desenvolvimento do país sem recorrer a alianças e empréstimos da Inglaterra que dominava os países vizinhos (FERTIG; SACCOL, 2010). Segundo Amayo3 (1995), os países vizinhos do Paraguai tinham todos uma economia aberta e já encontravam-se endividados antes da guerra. A situação econômica deles ficou pior, porque, durante a guerra recorreram a grandes empréstimos, principalmente 3 É importante realçar que Enrique Amayo é um escritor peruano e escreveu esse texto em 1995, portanto em um período de transição entre a teoria revisionista e a historiografia recente. 15 juntos aos ingleses (bancos The Baring Brothers e The Rotschild Bank). A situação do Uruguai e da Argentina é mostrada por Amayo (1995, p. 266). O Uruguai tinha feito um empréstimo que em 1864 chegava a um milhão de libras esterlinas. Assim que terminou a guerra, em 1871, negociou o segundo, por 3.500.000 libras esterlinas (Rippy, 1959:142). A Argentina, até 1864, continuava acumulando seu primeiro empréstimo feito em 1824, no valor de um milhão de libras esterlinas. Mas a partir de 1865 (segundo ano do conflito com o Paraguai) e até 1876, negociou oito empréstimos em um total de 18.747.884 libras esterlinas (POMER apud AMAYO, 1995, p. 266). Segundo Amayo (1995), o Brasil possuía uma situação econômica semelhante à dos seus aliados, pois de 1824 a 1865 já havia contraído empréstimos no valor total de18.138.120 libras esterlinas, sendo que um terço desse montante foi emprestado em 1865 (6.363.613 de libras esterlinas). Mas a dívida foi crescendo como consequência da guerra: Depois da guerra, em 1871, negociou um empréstimo de três milhões de libras esterlinas; em 1875, outro no valor de 5.301.200. Posteriormente, entre 1883 e 1889, endividou-se com mais quatro empréstimos num total de 37.202.900 libras esterlinas. Isso quer dizer que em 18 anos (de 1871 a 1889), o Brasil conseguiu empréstimos de 45.500.000 libras esterlinas, ou seja, quase duas vezes e meia a mais que nos 47 anos precedentes (Pomer, 1968:83 e 355). Foi essa uma das maneiras como o capital participou nessa guerra. Através desses empréstimos, britânicos especialmente, foi possível, em grande parte, manter os exércitos aliados. Simultaneamente, ao Paraguai se negou a possibilidade de conseguir qualquer empréstimo, apesar desse país ter enviado agentes especiais para obtê-lo no Mercado Monetário de Londres (Fornos Peñalba, 1979:116-117). (AMAYO, 1995, p. 266). A historiografia recente, versão produzida a partir das décadas de 1980 e 1990, que justifica a origem do conflito “a partir das relações estabelecidas entre os países da Região do Prata, ao longo do século XIX, durante o processo de formação dos Estados Nacionais”, explicam Fertig; Saccol (2010). Esta versão historiográfica apresenta a Bacia do rio da Prata como uma região estrategicamente pretendida para a manutenção do comércio internacional durante o século XIX, pois a navegabilidade da bacia do Prata, como porta de entrada do mar para a América Latina atraía a atração dos países dominantes que tinham interesse em assegurar a livre circulação de navios pela Bacia do Prata, garantindo o domínio fluvial da região. “Além disso, disputas territoriais em áreas fronteiriças alimentavam os conflitos em uma região importante do ponto de vista geopolítico” (FERTIG; SACCOL, 2010, p. 169). O historiador Francisco Doratioto é a figura central da releitura dos acontecimentos da Guerra do Paraguai com sua obra Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai lançado em 2002 pela Editora Companhia das Letras, afirma Vidigal (2002). Baseado em rica documentação, a obra de Doratioto – Maldita Guerra surge como uma 16 obra clássica que tornou-se referência obrigatória para os estudiosos e estudantes da história latino-americana do século XIX e das relações internacionais que envolveram os países que se confrontaram em um evento bélico “que resultou na morte de cerca de 50 mil brasileiros, 18 mil argentinos e mais de 28 mil paraguaios recebeu um estudo à altura de seu significado” (VIDIGAL, 2002, p. 2). Maldita Guerra - Nova história da Guerra do Paraguai Autoria de Francisco Doratioto Editora Companhia das Letras Ano: 2002 Capa de Ettore Bottini 656 Páginas Doratioto apresenta, com base em ampla pesquisa de fontes primárias e profundo conhecimento da literatura secundária, uma visão muito distinta. Ao mesmo tempo em que se afasta da historiografia mais tradicional – aquela que atribuía a causa da guerra às pretensões descomunais de um ditador megalômano – refuta a argumentação da historiografia dos anos 70 e 80. A historiografia tradicional e o revisionismo simplificaram as causas e o desenrolar da Guerra do Paraguai, ao "ignorar documentos e anestesiar o senso crítico". "Ambos substituíram a metodologia do trabalho histórico pelo emocionalíssimo fácil e pela denúncia indignada" (VIDIGAL, 2002, p. 198). A obra de Doratioto foi o resultado de uma ampla revisão de toda a historiografia da guerra, recorrendo a fontes documentais para elaborar, com provas documentais, uma larga análise da política internacional que rondava a bacia do Prata no período que antecedeu o conflito da Tríplice Aliança e os desdobramentos dele. O autor recorreu a conhecimentos multidisciplinares e abordou questões variadas: “os interesses econômicos nacionais, os conflitos de natureza ‘geopolítica’" e a personalidade dos dirigentes envolvidos no conflito” (VIDIGAL, 2002, p. 199). http://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=01387 http://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=02209 17 Maia; Padoin (2010) realizaram um estudo junto aos professores de História em escolas do Município de Santa Maria no Estado do Rio Grande do Sul como parte de um projeto que integra a Universidade e o ensino básico no sentido de conhecer sob qual visão os acontecimentos da Guerra do Paraguai são trabalhados em sala de aula. Tal estudo integra o PROLICEN/UFSM 2010 (Programa de Licenciaturas) que parte da análise de livros didáticos de História editados e utilizados em escolas do Brasil, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai, pois “trabalhar com o tema história da Guerra do Paraguai justifica-se por este ser marcado em sua produção pela construção tanto da identidade nacional brasileira como da relação histórica do Brasil com os países vizinhos do Prata”. Com relação ao nome que caracteriza a Guerra do Paraguai, que também pode ser chamada de Tríplice Aliança, há certas divergências. Mas o certo é que os impactos da guerra afetam ainda hoje a relação dos países envolvidos por ela. Isso vem de acordo com as ideias de Rosendo Fraga (2004) que explica que os países tratam o episódio de maneiras diferentes. Se nos livros Paraguaios ela tem mais importância que a Independência, é estudada sumariamente na maior parte nos manuais brasileiros e argentinos, enquanto os livros uruguaios a tratam como episódio circunstancial, quase estranho à história do país. (FRAGA apud MAIA; PADOIN, p. 2). A preocupação em compreender como se constrói a identidade nacional a partir do livro didático mostra como a historiografia interpreta os fatos e desenvolve determinadas visões que se alicerçam em omissões, inverdades, interesses políticos ou em outras ideologias. O Quadro 1, em matéria veiculada no Jornal Folha de São Paulo em 2001, de autoria de Antônio Gois, apresenta um trecho referente à Guerra do Paraguai no livro de Gilberto Cotrim para o correspondente ao 6º ano do Ensino Fundamental. 18 Guerra do Paraguai O que está nos livros: Trecho do livro "História e Reflexão", da editora Saraiva, para a 7ª série do ensino fundamental, sobre a guerra do Paraguai: "Desde sua independência, em 1811, o Paraguai começou a se desenvolver de um modo diferente. Para isso, distribuiu terra aos camponeses, combateu a oligarquia rural improdutiva, construiu inúmeras escolas para o povo. Francisco Solano López prosseguiu a obra de seu pai de construir no Paraguai um país forte e soberanos, livre da exploração do capitalismo internacional" Os fatos: O texto coloca os presidentes paraguaios Antônio Carlos Lopez e Solano Lopez como heróis que lutavam contra o imperialismo inglês. Para muitos historiadores, inclusive paraguaios, eles eram caudilhos e ditadores. Quadro 1: Trecho do Livro História & Reflexão de Gilberto Cotrim Fonte: Gois (2001, p. C-9) 19 História & Reflexão Autoria: Gilberto Cotrim Editora Saraiva Volumes 3 e 4 Gilberto Cotrim, autor do livro “História e Reflexão” pela Editora Saraiva afirma não existirem “verdades absolutas, prontas e acabadas quando se trabalha com a história”, pois não é o caso de se falar a verdade, mas sim, apresentar determinadas versões dos fatos. Com relação à Guerra do Paraguai, o autor utilizou a versão do escritor argentino León Poner da linha revisionista, que argumenta que “o conflito foi fomentado pelo capitalismo inglês com o objetivo de destruir um país que buscava o desenvolvimento autônomo” (GOIS, 2001, p. 1). javascript:void(0) http://bimg1.mlstatic.com/livro-historia-e-reflexo-vol-4-gilberto-cotrim_MLB-F-218046979_2345.jpg 20 História: Rio Grande do Sul Autoria: Felipe Piletti Editora:Ática 2010 A estrutura da obra O livro do aluno, com 208 páginas, estruturado em 20 capítulos, comporta as seguintes seções: Para começar; Vivendo a História; O tema é...; Discutindo o capítulo; Contexto histórico; A História não para; Construindo o conhecimento; Almanaque do Rio Grande do Sul; Glossário; Sugestões de leitura; Referências Bibliográficas. A análise apresentada no Guia de Livros Didáticos – Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2010, sobre o livro didático para o 4º e 5º Anos do Ensino Fundamental denominado História: Rio Grande do Sul, autoria de Felipe Piletti, da Editora Ática, publicado em 2010 pela FTD. O Capítulo 9 denominado: Tempos de guerra: o Rio Grande do Sul e os conflitos no Prata trata da questão da Guerra do Paraguai. 21 História do Mato Grosso do Sul – Edição Renovada Autoria: Lori Alice Gressler Luiza Mello Vasconcelos Zelia Peres de Souza Editora: FTD Ano 2010 A análise apresentada no Guia de Livros Didáticos – Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2010, sobre o livro didático para o 5º Ano do Ensino Fundamental denominado História do Mato Grosso do Sul – Edição Renovada, das autoras Lori Alice Gressler, Luiza Mello Vasconcelos, Zelia Peres de Souza publicado em 2010 pela FTD. O Capítulo 8 denominado A Guerra do Paraguai e Mato Grosso do Sul faz a seguinte referência à Guerra do Paraguai: A obra não discute de maneira enfática a questão da cidadania, mas, no desenvolvimento dos capítulos, problematiza algumas questões ao abordar temas como: a colonização espanhola na América, o envolvimento de mulheres na Guerra do Paraguai e o cotidiano da mulher na roça. Confere visibilidade a figuras femininas e à vida da mulher em diferentes contextos, mas essa é menos numerosa quando comparada à presença de personagens masculinos. As questões éticas referentes aos povos indígenas e aos seus descendentes são apresentadas a partir dos capítulos em que esses personagens são tratados como protagonistas importantes. Também há uma intenção de valorizar a construção do sistema escolar no estado, através das memórias da Educação. (GUIA, 2010, p. 99) 22 3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS A elaboração deste paper permitiu, ainda que distante da totalidade e riqueza das possibilidades e perspectivas em se abordar os livros didáticos de história, uma percepção da historicidade do livro didático, foi possível compreender a existência da relação do livro didático com a temporalidade de sua produção e sociedade, da intencionalidade dos autores, editores, de sua materialidade e significação. A Guerra do Paraguai foi um evento de grande relevância na História do Brasil, sua complexidade oferece desafios ainda não ultrapassados quanto a multiplicidade de temas e abordagens que é conhecida nos bancos escolares devido ao tratamento que se dá a esse evento nos livros didáticos de História destinados ao Ensino Fundamental e Médio. Muitos brasileiros não conhecem a Guerra do Paraguai, porque se dá pouca relevância a esse evento bélico que determinou a economia de quatro países envolvidos nos conflitos que duraram mais da metade de uma década no final do século XIX. A bacia do Prata é um território estratégico de navegabilidade em zonas fronteiriças do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai para o escoamento de mercadorias. Há várias explicações para as causas que deflagaram a guerra entre os países da Tríplice Aliança e o Paraguai e nesta pesquisa foram apresentadas três vertentes da historiografia que trata, diferentemente, sobre tais causas. As vertentes são a tradicional, a revisionista e a atual, que marcaram presença nos livros didáticos com versões impostas por ideologias dominantes. A versão tradicional apresentava aspetos de heroísmo dos comandantes do exército brasileiro; a versão revisionista apresentava o Paraguai como vítima de interesses escusos da Inglaterra e a terceira vertente historiográfica mostra a Bacia do rio da Prata como região estratégica para o desenvolvimento do comércio internacional durante o século XIX. O acirramento das tensões entre os quatro países latino americanos levou ao confronto que arrasou com cerca de 60% da população do Paraguai, consumiu 50 mil homens do exército brasileiro e redefiniu as relações entre os países envolvidos. Esse estudo pretendeu realizar uma reflexão sobre as distintas versões sobre a Guerra do Paraguai, mas de certa forma tratou da importância de possibilitar o desenvolvimento de senso crítico nos estudantes por meio da disciplina História. 23 A escolha da abordagem metodológica e o enfoque da temática auxiliam na percepção das dimensões históricas que os livros didáticos podem oferecer e abrem espaços para novos estudos para além das faces de construção dos materiais, mas de suas relações com alunos, professores, escolas e sociedade, na tentativa de confrontar a intencionalidade das ideologias da mediação de conteúdos para os leitores. Se por um lado é possível verificar uma evolução das críticas para com os materiais didáticos é necessária a compreensão da manutenção dessas mesmas críticas para acompanhar as demandas em suas contemporaneidades. 24 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMAYO, Enrique. A Guerra do Paraguai em perspectiva histórica. Estud. av. [online]. 1995, vol.9, n.24, pp. 255-268. ARANTES, C.A. O conflito guarani-brasileiro (1864–1870) sob a ótica educacional: o ensino de história na região fronteiriça. Praxis – Revista Eletrônica de História e Cultura. 2011. pp. 72-79. BATALHA de Tuiuti. 2011. Disponível em: <http://historica.com.br/hoje-na- historia/batalha-de-tuiuti>. Acesso em: 20 Dez. 2020. BIGNOTTO, C.C. Monteiro Lobato e a infância na república velha. São Paulo: UNICAMP, 2005. BRANDT, I.M. A Guerra do Paraguai na historiografia didática do Mercosul. Blumenau: FURB, 2001. pp. 1-11. CUNHA FILHO, M.A.M.V. et al. A Guerra do Paraguai: Historiografia e Debate. XIX CIC/XII ENPOS, 2010. Pelotas-RS: UFP, 2010. pp. 1-4. DAVIES, Nicholas. Livro didático: apoio ao professor ou vilão no ensino de História? In: Anais do 2º encontro Perspectivas do ensino de História. São Paulo: FE-USP. 1996, p. 1- 4. DORATIOTO, F. Maldita Guerra - Nova história da Guerra do Paraguai. Capa de Ettore Bottini. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 656 p. FERTIG, A.A.; SACCOL, T.M.P. A Guerra do Paraguai nos livros didáticos de história do Brasil: uma análise de obras publicadas entre 1900-1960. Revista AEDOS. Num. 6, vol. 3, Janeiro - Junho 2010. Porto Alegre: UFRGS, 2010. p. 166-183. GALVÃO, Maria Cristiane Barbosa. O levantamento bibliográfico e a pesquisa científica. USP. 2009. Disponível em: <http://www2.eerp.usp.br/Nepien/DisponibilizarArquivos/Levantamento_bibliografico_Cr istianeGalv.pdf>. Acesso em: 18 Dez. 2020. GOIS, A. Livros didáticos distorcem história do país. Jornal Folha de São Paulo do dia 5 de setembro de 2001, Caderno Cotidiano, pg. C-9. In: SOBENH – Sociedade Brasileira do Ensino de História. Disponível em: <http://www.sobenh.org.br/artigos.htm>. Acesso em: 20 Dez. 2020. GOIS, A. Não existem verdades absolutas quando se trabalha com história. 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