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1 2 DIREITO ADMINISTRATIVO ATOS ADMIISTRATIVOS 3 SUMÁRIO 1. ATOS ADMINISTRATIVOS .................................................................................. 5 1.1. Conceito............................................................................................................ 5 1.1.1. Fatos Administrativos ou Atos Materiais .......................................................... 5 1.1.2 Atos Administrativos X Atos da Administração ................................................. 6 1.2. Requisitos ou Elementos dos Atos Administrativos ............................................. 6 1.2.1. Competência/Sujeito ...................................................................................... 6 1.2.1.1. Delegação e Avocação .................................................................................. 6 1.2.1.2. Vícios da Competência ................................................................................. 8 1.2.2. Finalidade ....................................................................................................... 9 1.2.3. Forma ........................................................................................................... 11 1.2.4. Motivo ......................................................................................................... 13 1.2.4.1. Motivo e Motivação................................................................................... 13 1.2.4.2. Teoria dos Motivos Determinantes ............................................................. 15 1.2.5. Objeto .......................................................................................................... 17 1.2.6. Síntese dos Vícios Quanto aos Elementos – Lei da Ação Popular ................... 18 1.3. MÉRITO ADMINISTRATIVO .......................................................................... 19 1.3.1. Discricionariedade e Interpretação ................................................................. 19 1.3.2. Discricionariedade e Conceitos Jurídicos Indeterminados............................... 19 1.3.3. Limite do Exercício do Poder Discricionário – Teorias de Controle ............ 20 1.3.4. Controle Judicial do Poder Discricionário ..................................................... 21 1.4. ATRIBUTOS DO ATO ADMINISTRATIVO .................................................. 22 1.4.1. Presunção de Legalidade, Legitimidade e Veracidade ..................................... 23 1.4.2. Imperatividade .............................................................................................. 24 1.4.3. Autoexecutoriedade ...................................................................................... 24 1.4.4. Tipicidade ou Relatividade ........................................................................... 25 1.5. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ..................................... 26 1.5.1. Atos Gerais e Individuais ............................................................................... 26 1.5.2. Atos Internos e Atos Externos ....................................................................... 27 1.5.3. Atos de Império, de Gestão e de Expediente ................................................. 27 1.5.4. Atos Vinculados e Atos Discricionários .......................................................... 27 1.5.4.1. Atos Discricionários ................................................................................... 27 1.5.4.2. Atos Vinculados ......................................................................................... 30 1.5.5. Atos Simples, Complexos e Compostos ......................................................... 31 1.5.6. Ato Válido, Nulo e Inexistente...................................................................... 32 1.5.7. Ato Perfeito, Imperfeito, Pendente, Consumado e Eficaz .............................. 33 1.5.8. Atos Negociais .............................................................................................. 33 1.5.9. Atos de Império e Atos de Gestão ................................................................. 34 1.5.10. Atos Normativos, Ordinatórios e Enunciativos ............................................ 34 1.6. EFEITOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS .................................................... 35 1.7. EXTINÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ............................................... 35 1.7.1. Anulação ....................................................................................................... 35 1.7.2. Revogação .................................................................................................... 38 1.7.2.1. Revogação e Indenização ........................................................................... 38 1.7.2.2. Atos Irrevogáveis ........................................................................................ 38 1.7.2.3. Revogação de Ato Vinculado? ................................................................... 39 1.7.3. Cassação ........................................................................................................ 39 1.7.4. Outras Formas de Extinção ........................................................................... 39 1.8. CONVALIDAÇÃO OU SANATÓRIA .............................................................. 40 4 1.8.1. Conceito e Linhas Gerais .............................................................................. 40 1.8.2. Ato Administrativo Discricionário ou Vinculado? .......................................... 40 1.8.3. Espécies de Convalidação .............................................................................. 41 1.8.4. Prazo, Pressupostos e Efeitos ......................................................................... 42 1.8.5. Elementos Convalidáveis dos Atos Administrativos ........................................ 42 1.8.6. Vedações Legais Expressas à Convalidação ..................................................... 43 5 1. Atos Administrativos Os atos administrativos se inserem dentro do estudo dos atos da administração, ou, como alguns chamam, das formas de manifestação de vontade dela. Existem, essencialmente, três formas pelas quais a Administração Pública se manifesta no mundo jurídico: a) Manifestação bilateral de vontade: trata-se dos contratos da administração, sejam administrativos ou com a administração; b) Manifestação multilateral de vontade: representada pelo ato administrativo complexo, tal como o convênio; c) Manifestação unilateral de vontade: atos administrativos, manifestações unilaterais do Estado no exercício de sua Supremacia Geral. Assim, totalmente errado falar que atos da administração significam a mesma coisa que atos administrativos. 1.1. Conceito Trata-se da manifestação ou declaração da Administração Pública, nesta qualidade, ou de particulares no exercício de prerrogativas públicas, que tenham por fim imediato a produção de efeitos jurídicos em conformidade com o interesse público e sob regime imediatamente de direito público. São atos típicos do Poder Executivo, embora sejam também realizados pelos demais Poderes, principalmente relacionados ao exercício de suas atividades de gestão interna, como atos relativos à contratação de pessoal, à aquisição de material de consumo etc. Pelo conceito exposto, os agentes delegatários, quando estiverem no desempenho do serviço público delegado, estarão atuando na mesma condição de agentes da Administração, estando, desse modo, aptos à produção de atos administrativos. 1.1.1. Fatos Administrativos ou Atos Materiais São comumente conceituados como a materialização da função administrativa; consubstanciam o exercício material da atividade administrativa em si. Decorrem de um ato administrativo, mas com este não se confundem. Os fatos administrativos não têm por fim a produção de efeitos jurídicos;eles apenas consubstanciam a implementação material de atos administrativos, decisões ou determinações administrativas. Não obstante a inexistência da finalidade de produzir efeitos jurídicos, eles podem ter consequências jurídicas, como o dever de indenizar. É exemplo de fato administrativo a demolição de um prédio, resultante do ato administrativo “decreto”. 6 1.1.2 Atos Administrativos X Atos da Administração Nem todo ato da administração constitui ato administrativo. Ato administrativo, segundo José dos Santos Carvalho Filho, é “a exteriorização de vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatário, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”. Há atos que, sem serem considerados atos administrativos, são apenas atos da Administração, eis que não visam ao atendimento de interesses públicos primários. Por exemplo, os contratos firmados sob regime de Direito Privado, nos quais a Administração não atua sob regime de Direito Público. 1.2. Requisitos ou Elementos dos Atos Administrativos A análise dos elementos do ato administrativo tem em vista a verificação sobre seus pressupostos de existência e requisitos de validade. Constitui-se numa apreciação intrínseca do ato, aferindo se presentes condições mínimas para que ele exista e seja juridicamente válido. 1.2.1. Competência/Sujeito Trata-se do poder legal conferido ao agente público para o desempenho específico das atribuições de seu cargo1. Esse poder somente é conferido pelo ordenamento na exata medida em que seja necessário para que o agente consiga atingir os fins que o mesmo ordenamento lhes determina como obrigatórios (Celso Antônio Bandeira de Mello). Para esse autor, a competência possui as seguintes características: a) De exercício obrigatório; b) Irrenunciável: não obstante a possibilidade de delegação parcial; c) Intransferível; d) Imodificável pela vontade do agente: a competência de um órgão não de transfere a outro por acordo entre as partes ou por assentimento do agente da Administração; e) Imprescritível: não se extingue pelo decurso do tempo; f) Improrrogabilidade: a incompetência não se transmuda em competência, ou seja, se um órgão não tem competência para certa função, não poderá vir a tê-la supervenientemente, a menos que a antiga norma definidora seja alterada. 1.2.1.1. Delegação e Avocação Sobre a delegação e avocação de competências, importa, na seara federal, o teor da Lei nº 9.784/99, arts. 11 a 15. 1 Interessante é que a única lei que traz esse conceito, a contrario sensu, é a lei da Ação Popular: Art. 2º [...] Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou 7 Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos. Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial. Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes. Art. 13. Não podem ser objeto de delegação: I - a edição de atos de caráter normativo; II - a decisão de recursos administrativos; III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade. Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial. § 1º O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada. § 2º O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante. § 3º As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado. Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior. Da delegação, apontam-se os seguintes elementos: a) A regra é a possibilidade de delegação, a qual somente não será admitida se houver impedimento legal; b) A delegação pode ser feita para órgãos ou agentes subordinados ou não; c) Somente se pode delegar parte da competência do órgão ou agente; 8 d) Ela deve ser feita por prazo determinado; e) O ato de delegação pode ou não conter ressalva de exercício da atribuição delegada; caso contenha, a atribuição delegada poderá ser praticada também pelo delegante; f) O ato de delegação é revogável a qualquer tempo; g) O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial; h) O ato praticado por delegação deve mencionar expressamente esse fato (deve vir aposto “por delegação”) e é considerado adotado pelo delegado. Não podem ser objeto de delegação: Já a avocação somente será permitida em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados. Trata-se do ato mediante o qual o superior hierárquico traz para si o exercício temporário de parte da competência atribuída originariamente a um subordinado. A avocação não é possível quando se tratar de competência exclusiva do subordinado. 1.2.1.2. Vícios da Competência A competência, quando exercida além dos limites estabelecidos em lei, dá lugar ao excesso de poder, que é um dos tipos de abuso de poder (o outro é o desvio de finalidade). Excesso de poder ocorre quando o agente administrativo, embora competente para praticar o ato, ultrapassa suas atribuições legais, seja agindo flagrantemente além do que a lei permite, seja procurando burlar os limites legais para exorbitar de suas atribuições. Há, ainda, duas outras espécies de vícios relacionados ao elemento competência: a) Usurpação de função: trata-se de crime no qual o usurpador não possui qualquer espécie de relação jurídica funcional com a Administração; b) Função de fato: aqui, a pessoa já foi investida no cargo, emprego ou função, mas há alguma irregularidade em sua investidura ou algum impedimento legal para a prática do ato. Nessa hipótese, em função da teoria da aparência, o ato é considerado válido, ou, pelo menos, são considerados válidos os efeitos por ele produzidos ou dele decorrentes. Na hipótese de usurpação de função, a maioria da doutrina considera o ato inexistente. O vício de competência, dependendo da hipótese, pode ensejar a obrigatória declaração de nulidade do ato ou pode permitir sua convalidação. Se o ato é praticado com vício de competência quanto à matéria ou quando se tratar de competência exclusiva, o ato tem que ser declarado nulo. Se o vício for quanto à pessoa, poderá ser convalidado, desde que não seja competência exclusiva. Decisão de recursos administrativos Atos de caráter normativo Matérias de competência exclusiva 9 1.2.2. Finalidade A finalidade também é requisito sempre vinculado e idêntico para todo e qualquer ato administrativo, vale dizer, o fim almejado por qualquer ato administrativo é o interesse público. Tal finalidade pode estar expressa ou implícita na lei; a busca de qualquer fim diverso deste é forma de abuso de poder na modalidade desvio de finalidade ou desvio de poder. O desvio de finalidade ocorre quando o agente pratica ato com fim diferente do atendimento ao interesse público, ou com finalidade diversa da especificamente prevista em lei. Logo, vê- se que ele se subdivide em duas formas: a) Finalidade geral:é a busca pelo interesse público; b) Finalidade específica: é a que vem prevista na lei, o que alguns doutrinadores denominam de tipicidade, porque a lei estabelece para cada finalidade um ato administrativo respectivo2. O desvio de finalidade viola a Constituição, já que agride os princípios da impessoalidade e da moralidade. A teoria do Desvio de Poder (ou de finalidade) é fruto de construção do Conseil d´Etat francês, contencioso administrativo, tendo origem pretoriana, vez que seus membros atuavam quase como os pretores existentes na antiga Roma. Buscava-se reprimir ou fazer cessar os abusos inerentes à natureza humana e egoísmo dos agentes públicos decorrentes do seu ofício existentes naquele país. Embora não tenha sido o primeiro caso a respeito do tema, a situação apontada pela doutrina como de maior repercussão, ocorreu em 1964 o caso “Lesbats” tendo esse passado a informar o direito administrativo francês como um todo a respeito da teoria em comento. No mencionado “leading-case”, ocorreu que o prefeito da cidade francesa de Fontanebleau proibiu um motorista de estacionar o seu ônibus no pátio interno da Estação daquela cidade. O objetivo da proibição seria assegurar o cumprimento de contrato celebrado entre a empresa ferroviária e outro proprietário de ônibus, por meio do qual só este último teria o direito de estacionar e desembarcar seus passageiros. Texto de lei anterior previa poderes à autoridade pública de regular o estacionamento e a circulação de veículos. Entretanto, o Conselho de Estado anulou a decisão do prefeito, por entender que este não poderia exercer seus poderes de polícia para fins estranhos à manutenção da ordem e a organização do trânsito. 2 Maria Sylvia Di Pietro trata especificamente desse tema: “Foi visto que em dois sentidos se pode considerar a finalidade do ato: em sentido amplo, ela corresponde sempre ao interesse público; em sentido restrito, corresponde ao resultado específico que decorre, explícita ou implicitamente da lei, para cada ato administrativo. No primeiro sentido, pode-se dizer que a finalidade seria discricionária, porque a lei se refere a ela usando noções vagas e imprecisas (...). No segundo sentido, a finalidade é sempre vinculada; para cada ato administrativo previsto na lei, há uma finalidade específica que não pode ser contrariada. 10 Posteriormente, o prefeito editou nova regulamentação ainda restritiva que foi anulada com fundamento no desvio de poder pelo mesmo contencioso administrativo. A respeito do caso, comenta o professor Cretella Júnior : “(...) Cumpre, assim, assinalar com precisão este caso que, levando o Conselho de Estado a manifestar-se, deu como consequência, a acolhida do desvio de poder (détournement de pouvoir) como vício do ato administrativo bastante para permitir fosse invocado o remedium júris anulatório competente – o recurso por excesso de poder (recours por excès de pouvoir) para fulminar, irremediavelmente, o ato viciado (...). No caso citado, o Prefeito a quem o texto legal anterior conferira poderes para regulamentar o estacionamento e a circulação de veículos públicos e particulares, destinados ao transporte de pessoas e mercadorias, nos pátios anexos a estações rodoviárias, com fins de polícia e com finalidades de manter a boa ordem nos lugares destinados a uso público passou a usar abusivamente de tais poderes, a fim de assegurar o monopólio dos transportes de empresa particular. Tal determinação foi anulada pelo Conselho de Estado, por excesso de poder, já que o Prefeito usara da autoridade de que era detentor para fim diverso daquele que a lei tivera em mira (cf. Oreste Ranelletti, Teoria degli Atti Amministrativi Speciali, 7ª ed.1945, p.81)” Já no ordenamento jurídico brasileiro a teoria foi acolhida de maneira diversa, vez que a teoria do desvio de finalidade aqui foi admitida primeiramente pela doutrina pátria sendo que a inserção da mesma nos tribunais ocorreu em momento posterior. De se constar que nunca houve no ordenamento pátrio uma legislação específica que amparasse tão somente o direito de poder, o que não significa que o direito brasileiro não tenha acolhido a teoria do desvio de finalidade. Pelo contrário. Conforme demonstrado alhures, a tendência atual é que a teoria seja aplicada mais frequentemente nos tribunais pátrios. Ela incorporou-se de fato dentro de nossos tribunais a partir de um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, tendo como relator Seabra Fagundes (que a posteriori veio a se tornar Ministro da Justiça) em 1948 ao apreciar a Ap. Cível 1.422 (Autora: Empresa de Transporte Potiguar Ltda. Ré: Inspetoria Estadual de Transito, RDA 14/52) o qual possuiu a seguinte ementa citada por Galba Velloso, verbis: “PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO – ABUSO DESSE PODER – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – No que concerne à competência, à finalidade e à forma, o ato discricionário está tão 11 sujeito aos textos legais como qualquer outro. O ato que, encobrindo fins de interesse público, deixe à mostra finalidades pessoais poderá cair na apreciação do Poder Judiciário, não obstante originário do exercício de competência livre. O “fim legal” dos atos da Administração pode vir expresso ou apenas subentendido na lei. O direito, que resulta não da letra da lei, mas do seu espírito, exsurgindo implicitamente do texto, também pode apresentar a liquidez e certeza que se exigem para concessão do mandado de segurança (...)”. (sic)” Para que se caracterize o desvio de finalidade do ato administrativo é necessário que tenha havido intenção do agente? Temos duas correntes acerca da situação: 1ª corrente → O desvio de finalidade é um vício objetivo, consistindo no distanciamento entre o exercício da competência e a finalidade legal e, por esse motivo, a intenção do agente é irrelevante. Corrente prevalente. 2ª corrente → O fato de a conduta estar distante do fim legal não caracteriza automaticamente o desvio de finalidade, uma que por um simples erro ou ineficiência o agente pode cometer ilegalidade. Por esse motivo é imprescindível que haja intenção deliberada do agente de ofender o objetivo de interesse público para que ocorra o desvio de finalidade. 1.2.3. Forma Todo ato administrativo é, em princípio, formal, e a forma exigida pela lei quase sempre é a escrita. Sempre que a lei expressamente exigir determinada forma para a validade do ato, a inobservância acarretará sua nulidade. Apenas excepcionalmente admitem-se atos não escritos. A doutrina tradicional costumava classificar a forma como elemento vinculado (ex.: HELY LOPES MEIRELLES). Atualmente esse tema é controverso, sendo preferível dizer que este elemento é, em regra, vinculado. Alguns autores consideram que a forma pode ser elemento discricionário ou vinculado, o que é corroborado pelo art. 22, caput da Lei n. 9784/99, segundo o qual “os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir”. Detalhe interessante no direito administrativo é que a forma não é rígida, pode até ter uma lei dando uma forma rígida para agir, mas a regra geral é que não exista, confirmando isso a Lei nº 9.784/99: Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir. Assim, sendo escritos, são em regra válidos os atos. Ao se falar que é exigida a forma prescrita em lei, dá-se a entender que cada ato tem uma forma estabelecida, o que não é verdadeiro. 12 Logo, pode se sistematizar a questão da forma, quanto à vinculação, conforme as seguintes situações: a) Quando a lei não exigir forma determinada para os atos administrativos, cabe à administração adotar aquela que considere mais adequada, conforme seus critérios de conveniência e oportunidade administrativas; a liberdade da administraçãoé, entretanto, estreita, porque a forma adotada deve proporcionar segurança jurídica e, se se tratar de atos restritos de direitos ou sancionatórios, deve possibilitar que os administrados exerçam plenamente o contraditório e ampla defesa; b) Diferentemente, sempre que a lei expressamente exigir determinada forma para a validade do ato, a inobservância acarretará sua nulidade. Em regra, é passível de convalidação, ou seja, é defeito sanável que pode ser corrigido. A convalidação não será possível quando a lei estabelece determinada forma como essencial à validade do ato, caso em que será nulo se não a observar. Essa conclusão já era possível de ser extraída da redação do art. 2, parágrafo único da Lei nº 4.717/65 (ação popular): Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade. Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar- se-ão as seguintes normas: a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou; b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido; 13 e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. Importa destacar que a motivação (declaração escrita dos motivos da pratica do ato), quando obrigatória, integra a forma do ato administrativo: a forma ato com motivação expressa é essencial à validade do ato. Sua ausência acarreta a nulidade do ato por vício de forma. 1.2.4. Motivo Trata-se da situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo, ou, por outras palavras, é o pressuposto fático e jurídico que enseja a prática do ato (situação do mundo empírico que deve ser tomada em conta para consubstanciar o ato). Ele pode vir expresso na lei, como sempre ocorre com os atos vinculados, ou não, como é o caso dos atos discricionários em geral. Motivo não se confunde com móvel de motivação, que é a vontade subjetiva do agente, irrelevante. A doutrina aponta algumas variantes do vício de motivo: a) Motivo inexistente: melhor seria dizer “fato inexistente”. Neste caso, a lei diz que diante de determinado fato, deve ser praticado determinado ato. Se o fato não existe, diz-se que o ato é viciado por inexistência material do motivo. Ex.: servidor é reprovado no estágio probatório por inassiduidade, não sendo demonstrado que o servidor faltava ao serviço; b) Motivo ilegítimo (ou juridicamente inadequado): a administração realiza um enquadramento inadequado do fato à norma. Neste caso, a lei diz que diante de determinado fato, deve ser praticado determinado ato. Ocorre que o fato existente não se enquadra corretamente na norma que determina ou autoriza a prática do ato. Ex.: servidor é reprovado em estágio probatório por “apresentação pessoal imprópria”, mas a lei não prevê esse fato como motivo para tanto. c) Ausência de motivação: o administrador não expressa o motivo, quando a lei exige motivação. Obs.: Todo ato administrativo tem que ter um motivo (a não ocorrência do fato ou a inexistência da norma, levam à nulidade do ato). Apenas podem existir atos em que a declaração dos motivos não seja obrigatória. d) Motivo ilegal. 1.2.4.1. Motivo e Motivação A motivação se insere na forma do ato administrativo, e não no motivo. A motivação vem a ser a exposição dos motivos que determinaram a prática do ato, a declaração escrita desses motivos. Ela exterioriza os motivos, o fundo de direito. Ex.: no caso de sanção disciplinar, motivo é a pratica da infração e motivação é a caracterização, por escrito, dos fatos (conduta), 14 com a demonstração do dolo ou culpa e do enquadramento em dispositivo legal que determina a demissão do servidor. Vê-se, pois, que motivação tem tudo a ver com motivo, são intimamente ligados. Só que a motivação é escrever, é publicar o motivo, nada mais. Alguns atos administrativos exigem motivação expressa (art. 50, Lei nº 9.784/99). São eles os atos que a) Neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; b) Imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; c) Decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; d) Dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; e) Decidam recursos administrativos; f) Decorram de reexame de ofício; g) Deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; h) Importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. Logo, a motivação só é obrigatória quando expressamente determinada, salvo nos atos vinculados, em que se a exige sempre. Apesar de todos os atos administrativos possuírem um motivo, em resumo, nem sempre a lei exige a expressa declaração dos motivos. Alguns administrativistas, como Celso Aantõnio Bandeira de Mello (CABM), defendem que todos os atos deveriam ser motivados. Apesar do peso dessa doutrina, não é o mais correto. Porém, é correto afirmar que, após 1988, todos os atos administrativos decisórios, discricionários ou vinculados, devem ter motivação. O principal artigo da CR/88 que demonstra isso é o seguinte: Art. 5º [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Por que somente pós-88? Pois antes da redemocratização, o processo administrativo, inclusive o disciplinar punitivo, não tinha a necessidade de respeitar a ampla defesa e o contraditório. Era totalmente inquisitorial, sem ampla defesa. Outro importante artigo é o que determina a motivação dos atos judiciais, o qual deve ser interpretado extensivamente para a Administração: 15 Art. 93. [...] X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; Em nível infraconstitucional, consagrou a motivação a Lei nº 9.784/99: Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: [...] VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão; O inciso não se refere a ato discricionário, fala de decisão. Então, os atos de decisão têm motivação obrigatória. Sendo a exteriorização obrigatória, sua não realização implica em vício no elemento forma, já que a motivação integraria o próprio ato; logo, sua ausência é vício insanável, nulo, não passível de convalidação. José dos Santos Carvalho Filho entende que a motivação nos atos vinculados tem pouca relevância, uma vez que a lei já determina todos os elementos do ato, portanto, restará ao agente apenas confrontar o motivo do ato com o motivo legal. O mesmo autor entende que a motivação é indispensável nos atos discricionários, uma vez que podem conter maior subjetivismo, daí a maior importância dada à motivação em nome da transparência. 1.2.4.2. Teoria dos Motivos Determinantes Trata-se de teoria originada na França quetem aplicabilidade nos raros casos em que a lei permite que sejam os atos administrativos praticados sem motivo declarado, mas o administrador os declara mesmo assim. Isso não quer dizer, entretanto, que a teoria não é passível de ser aplicada para os atos vinculados. Aplica-se, porém por serem vinculados, é muito mais fácil aferir a correição do ato, sua conformidade plena à lei, razão pela qual aferir os motivos determinantes se torna tarefa comezinha. Assim: TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES SE APLICA TANTO AOS ATOS VINCULADOS QUANTO AOS DISCRICIONÁRIOS. Importa-nos, entretanto, os discricionários. 16 Pela teoria, quando a Administração Pública declara os motivos que ensejaram a prática de um ato discricionário, os quais eram prescindíveis, ela se vincula à existência e veracidade dos motivos declarados. Assim, a motivação era facultativa, em decorrência do juízo de valor. Porém, uma vez dada, tem de ser verdadeira. Há até uma frase muito utilizada, mas que deve ser vista com reservas: “uma vez dada a motivação a legalidade do ato fica vinculada aos motivos oferecidos”. A reserva recai no seguinte: passa-se a impressão de que o ato discricionário se torna vinculado. Porém, não é isso, sua natureza continua discricionária, tanto que pode ser revogado em decorrência de critérios de conveniência e oportunidade. Melhor então dizer que uma vez dada a motivação a legalidade do ato fica presa à veracidade dos motivos expostos. Havendo desconformidade, o Poder Judiciário poderá declarar a nulidade do ato. O clássico exemplo é o da exoneração de servidor público de cargo comissionado em decorrência de suposto furto por ele realizado. Comprovada sua inocência, o motivo restou falso, devendo ele ser reconduzido ao cargo, ainda que ele seja demissível ad nutum. TREDESTINAÇÃO: é uma exceção ao princípio da TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. É um instituto peculiar da desapropriação, por meio da qual, se autoriza a mudança de destino do bem desapropriado se for no interesse público (DL3365/41) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MILITAR. REMOÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE SERVIÇO. DEFERIMENTO. MORA IMOTIVADA PARA EFETIVAÇÃO DA MOVIMENTAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF.ACÓRDÃO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ENUNCIADO 83, DA SÚMULA DO STJ. 1. A Administração, ao autorizar a transferência ou a remoção de agente público, vincula-se aos termos do próprio ato, portanto, submete-se ao controle judicial a morosidade imotivada para a concretização da movimentação (Teoria dos Motivos Determinantes). 2. Pela Teoria dos Motivos Determinantes, a validade do ato administrativo está vinculada à existência e à veracidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos. 3. No caso, em harmonia com a jurisprudência do STJ, o acórdão recorrido entendeu indevida a desvinculação do procedimento administrativo ao Princípio da Razoabilidade, portanto considerou o ato passível ao crivo do Poder Judiciário, verbis: "a discricionariedade 17 não pode ser confundida com arbitrariedade, devendo, assim, todo ato administrativo, mesmo que discricionário, ser devidamente motivado, conforme os preceitos da Teoria dos Motivos Determinantes, obedecendo ao Princípio da Razoabilidade." (fls. 153). 4. Pretensão e acórdão a quo, na via especial, firmados em preceito constitucional elidem o exame do STJ. 5. Acórdão a quo em consonância com a jurisprudência deste Tribunal (Enunciado 83 da Súmula do STJ). 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no REsp 670.453/RJ, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 18/02/2010, DJe 08/03/2010) 1.2.5. Objeto Trata-se do próprio conteúdo, da alteração no mundo jurídico que o ato provoca; v.g., na concessão de um alvará, o objeto do ato é o próprio alvará. Nos atos vinculados, a um motivo corresponde sempre um único objeto; verificado o motivo, a prática do ato é obrigatória. Nos atos discricionários, o binômio motivo-objeto determina o mérito administrativo. Mérito administrativo é o poder conferido pela lei ao agente público para que ele decida sobre a oportunidade e conveniência de praticar determinado ato discricionário, e escolha o conteúdo desse ato, dentro dos limites estabelecidos na lei. Requisitos do objeto: a) É o resultado prático do ato administrativo, também chamado de efeito imediato do ato administrativo. Para ser lícito, o objeto deve estar previsto na LEI, não basta a não vedação. b) O objeto do ato administrativo precisa ser possível, do ponto de vista fático. c) O objeto deve ser determinado, ou seja, bem definido. → Vício de objeto: É insanável, sempre levará à nulidade do ato. Objeto impossível e objeto proibido pela lei são dois tradicionais vícios do objeto na seara privada que são aplicáveis ao ato administrativo. Mas há ainda duas outras possibilidades de vício de objeto: 18 a) Ato praticado com conteúdo não previsto em lei: ex.: suspensão do servidor por 120 dias, quando a lei prevê um máximo de 90 dias; b) Ato praticado com objeto diferente daquele que a lei prevê para aquela situação: ex.: a lei prevê que para a instalação de banca de jornal na calcada deve ser concedida uma “permissão”, mas a administração concede uma “autorização”. Nem sempre é possível distinguir essa hipótese do vicio de motivo, na variante “incongruência entre o fato e a norma”. A relação entre esses elementos é de causa-efeito, antecedente-consequente. De toda forma, gerará um ato nulo. Nas hipóteses em que a distinção é possível, deve-se observar o seguinte: quando ocorre vicio do objeto, a administração não comete erro na analise do fato nem na interpretação da hipótese legal que descreve o motivo (como ocorre no vicio de motivo). Ela faz o enquadramento correto, mas pratica o ato com objeto que não corresponde, na lei, àquele enquadramento. 1.2.6. Síntese dos Vícios Quanto aos Elementos – Lei da Ação Popular Essa lei, em que pese se tratar de rito especial judicial, traz importantes conceitos sobre quando os elementos dos atos administrativos estarão viciados: Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade. Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar- se-ão as seguintes normas: a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou; b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; 19 d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido; e) o desvio de finalidade se verifica quando o a gente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. 1.3. Mérito Administrativo Nos atos discricionários, como visto, são vinculados os elementos competência, finalidade e forma. Já nos vinculados, todos os elementos o são. O mérito administrativo só incide sobre os atos discricionários, e tão-somente quanto aos elementos motivo e objeto, repita-se. Para Meirelles, o mérito administrativo consubstancia-se na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência,oportunidade e justiça do ato a realizar. O merecimento é aspecto pertinente apenas aos atos administrativos praticados no exercício de competência discricionária. 1.3.1. Discricionariedade e Interpretação Interpretação é uma operação lógica que antecede tanto ao exercício da discricionariedade, quanto à própria prática do ato vinculado, que se revela em um único caminho possível a ser trilhado pelo administrador. Realizada a interpretação, se remanescer ao administrador uma pluralidade de resultados possíveis, estaremos na seara da discricionariedade. Se não remanescer dúvidas sobre a correta providência, não se caracterizará discricionariedade. 1.3.2. Discricionariedade e Conceitos Jurídicos Indeterminados Nem sempre quando o administrador se depara com conceitos imprecisos ou vagos, estará diante do exercício da discricionariedade. Se os conceitos jurídicos indeterminados forem: a) De espécie empírica ou de experiência, determinados objetivamente, não há discricionariedade, mas mera interpretação da norma jurídica, já que fixa critérios práticos e objetivos extraídos da experiência comum. b) De espécie valorativa, determinados subjetivamente, haverá discricionariedade, restando à autoridade administrativa a escolha da providência que lhe pareça mais compatível com o interesse público. c) De espécie que depende da manifestação de órgão especializado (pericia, laudos), não caberá à AP mais de uma solução válida (ex: aposentadoria por invalidez, deve se 20 fundar em pericia do INSS). Trata-se da denominada discricionariedade técnica ou 2º grau de vinculação. A noção de conceito jurídico indeterminado3 surge quando os critérios técnicos estiverem convergindo para uma única manifestação possível do Estado, para a única decisão que a administração poderia tomar, mediante justificativas técnicas objetivas emanadas de perícias, pareceres etc. Qualquer outra decisão contrária a critérios técnicos levaria a uma arbitrariedade. ESSA TEORIA NÃO OBJETIVA QUESTIONAR A ATUAÇÃO DISCRICIONÁRIA, NÃO TENDE A ABORDAR A CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE, SOBRE SE O ATO FOI BEM FEITO OU NÃO. PELO CONTRÁRIO, ELA EVITA A DECISÃO DISCRICIONÁRIA E ADOTA UMA DECISÃO TÉCNICA OBJETIVAMENTE TIDA COMO A MELHOR, o que certamente é mais fácil de controlar. 1.3.3. Limite do Exercício do Poder Discricionário – Teorias de Controle São limites do exercício do Poder discricionário: a) Lei: a discrição deve ser exercida dentro dos limites da lei; b) Competência; c) Finalidade pública: a não observância desses requisitos gera a invalidade do ato praticado; d) Forma; e) Motivos: o motivo é um elemento do ato administrativo que pode ser discricionário. No entanto, em razão da motivação, os fundamentos de fato ou de direito devem ser indicados explicitamente. Uma vez indicados, a autoridade fica vinculada aos tais motivos. É a teoria dos motivos determinantes: se forem falsos, inexistentes ou incorretos, viciam o ato, ensejando sua invalidade; f) Proporcionalidade e razoabilidade. Quanto às teorias de controle temos quatro principais (Maria Silvia faz esse arrolamento): a) Teoria do desvio de finalidade: mais antiga teoria, bastante desenvolvida por Seabra Fagundes e Caio Tácito. Finalidade é consequência do ato como elemento vinculado, sem variação. Se a finalidade é consequência do ato, sem querer inventar uma fórmula matemática, podemos dizer que a finalidade é resultante do somatório: motivo + 3 As normas jurídicas podem trazer, em seu enunciado, conceitos objetivos (idade, sexo, hora etc.), que não geram dúvidas quanto à extensão de seu alcance; conceitos cujo conteúdo é decifrável objetivamente, com recurso à experiência comum ou a conhecimentos científicos (chuva de granizo, morte natural, tráfego lento etc.); e, finalmente, conceitos que requerem do interprete da norma uma valoração (interesse público, urgência, bons antecedentes, notório saber etc.). Esses últimos integram o que se entende por conceitos jurídicos indeterminados, cujo processo de aplicação causa dúvidas e controvérsias, propugnando-se ora por um controle jurisdicional amplo, ora um controle limitado, dependendo de sua associação ou dissociação da discricinariedade. 21 objeto. Finalidade é o fim mediato (interesse público), muito comum essa colocação. Objeto é o fim imediato, é o que eu quero, é o momento do ato, é o que eu desejo, realmente consequência tem sempre e esse é o fim mediato, é a finalidade. O desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. Assim, se a finalidade é elemento vinculado, fácil será o exercício do controle, já que bastará analisar se o motivo e objeto foram adequados. Porém, e se o ato for discricionário? Muito mais difícil verificar se houve o desvio, já que normalmente restará escuso no móvel do administrador. Para isso, mais fácil se valer da teoria dos motivos determinantes, posteriormente desenvolvida. b) Teoria dos motivos determinantes: tratada no item 1.2.4.2. Teoria dos Motivos Determinantes. c) Teoria dos conceitos jurídicos indeterminados (ou conceito legal indeterminado): d) Teoria da razoabilidade: 1.3.4. Controle Judicial do Poder Discricionário É falsa e imprecisa a ideia de que a autoridade judiciária, ao se deparar com um ato baseado em poder discricionário, não poderia revê-lo, sob pena de ferir o princípio da separação de poderes. Na verdade, o Judiciário pode apreciar a legalidade tanto dos atos vinculados, quanto dos atos discricionários. Neste último caso, o exame realizado pelo Poder Judiciário consistirá não na avaliação do critério valorativo/subjetivo utilizado pelo administrador, mas na verificação da adequação aos motivos declinados (teoria dos motivos determinantes), bem como de outros elementos do ato administrativo que são vinculados (sujeito, finalidade e forma). Em síntese, o mérito do ato administrativo pode ser controlado, mas somente em relação à legalidade. Não em relação à discricionariedade. Repito, aqui, trecho transcrito páginas atrás acerca da discricionariedade, do voto do Ministro Fux na ADI das OS: [...] 36. Como não se ignora, conveniência e oportunidade são termos que atribuem ao administrador o exercício da cognominada competência discricionária, conferindo-lhe uma margem de concretização do interesse público à luz das particularidades de cada caso, flexibilizando sua atuação, ao menos em parte, das amarras de uma disciplina legal rigidamente pré-estabelecida (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Ed. Malheiros, 2007, p. 925 e segs., e em especial às pp. 928-9). 37. Discricionariedade, porém, não pode significar arbitrariedade, de modo que o exame da conveniência e da oportunidade na 22 qualificação não deve ser levado a cabo por mero capricho. Conforme a doutrina contemporânea tem salientado, mesmo nos casos em que há competência discricionária deve o administrador público decidir observando a principiologia constitucional, em especial os princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CR, art. 37, caput). Por essa via, informada pela força normativa da Constituição e pelo ideário pós-positivista, o conteúdo dos princípios constitucionais serve de instrumento para o controle da Administração Pública, que, como componente da estrutura do Estado, não pode se furtar à observância do texto constitucional (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo - os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, São Paulo: Ed. Saraiva, 2009, p. 372-6). [...] 25. A constitucionalização do direito ensejou uma incidência direta dos princípios constitucionais sobre os atos administrativos não diretamente vinculados pela lei. Assim, não há espaço decisório da Administraçãoque seja externo ao direito, nem tampouco margem decisória totalmente imune à incidência dos princípios constitucionais. Portanto, não é mais correto se falar de uma dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, senão que NUMA TEORIA DE GRAUS DE VINCULAÇÃO À JURIDICIDADE. Conforme a densidade normativa incidente ao caso, pode-se dizer, assim, que os atos administrativos serão: (I) VINCULADOS POR REGRAS (CONSTITUCIONAIS, LEGAIS OU REGULAMENTARES), EXIBINDO ALTO GRAU DE VINCULAÇÃO À JURIDICIDADE; (II) VINCULADOS POR CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS (CONSTITUCIONAIS, LEGAIS OU REGULAMENTARES), EXIBINDO GRAU INTERMEDIÁRIO DE VINCULAÇÃO À JURIDICIDADE; E (III) VINCULADOS DIRETAMENTE POR PRINCÍPIOS (CONSTITUCIONAIS, LEGAIS OU REGULAMENTARES), EXIBINDO BAIXO GRAU DE VINCULAÇÃO À JURIDICIDADE”). 1.4. Atributos do Ato Administrativo Tratam-se de características inerentes aos atos administrativos, diferentemente dos requisitos, que são condições de validade dos atos. Desde já, ressalta-se que nem todos os atributos que serão apresentados estarão presentes em todos os atos. 23 1.4.1. Presunção de Legalidade, Legitimidade e Veracidade Atributo presente em todos os atos, defluindo de sua própria natureza, estando presente desde seu nascimento e independendo de norma legal que o preveja. O ato administrativo goza de presunção de todos os itens: legalidade (obediência à lei), legitimidade (constituídos em conformidade com o Direito) e veracidade (presunção de que o ato é verdadeiro). Seu objetivo é a necessidade que possui o Poder Público de exercer com agilidade suas atribuições, especialmente na defesa do interesse público, sem que o Poder Judiciário declare sua legalidade. Seria totalmente inviável a atividade administrativa se toda atuação da Administração Pública tivesse de ser precedida de controle prévio pelos demais Poderes. Já seu fundamento reside na circunstancia de que se cuida de atos emanados de agentes detentores de parcela do Poder Público, imbuídos, como é natural, do objetivo de alcançar o interesse público que lhes compete proteger. Esse requisito autoriza a imediata execução de um ato administrativo, mesmo se eivado de vícios ou defeitos aparentes; enquanto não pronunciada sua nulidade ou sustados seus efeitos, deverá ser cumprido. Essa presunção não impede que o particular suste os efeitos de um ato defeituoso pelos meios corretos. Seu principal efeito é a inversão do ônus da prova em desfavor do particular. Além disso, essa presunção não é absoluta, antes é juris tantum. Importante não ignorar a questão da legitimidade. Antigamente, costumava-se falar que legalidade para o administrador era fazer apenas o que a lei permitia, lei tomada no sentido estrito do positivismo. Porém, com a incorporação das teorias do neoconstitucionalismo no Brasil, não mais se pode adotar concepção reducionista positiva do Direito. Isso está bem claro no art. 1º da CR/88, ao se consagrar o Estado Democrático de Direito. Democracia pressupõe pluralidade, participação, garantia dos direitos individuais e, formalmente, a representação. Só é legítimo o ato advindo do Poder Público que atenda ao fim coletivo. Nessa esteira, interessante a lei do processo administrativo federal, Lei nº 9.784/99, que assim dispõe: Art. 2º [...] Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: I - atuação conforme a lei e o Direito; Esse inciso do p. único claramente retrata esse diferencial entre lei e Direito, sendo este algo imensamente mais amplo e superior à lei formal. A atuação conforme o Direito traz para o 24 Direito Administrativo, que nada mais é do que uma repartição para fins epistemológicos da ciência jurídica, a conotação da juridicidade, ou seja, atuação fundada no valor Justiça, valor este que não se contém apenas na esfera deôntica do Poder Judiciário, mas de todos os Poderes. 1.4.2. Imperatividade É a possibilidade que tem a Administração de criar obrigações ou impor restrições unilateralmente aos administrados. O próprio nome já traz seu significado, demonstrando o poder de império, de supremacia. O poder público precisa ter uma força para obrigar o cidadão a cumprir a decisão da Administração porque ela defende o interesse maior, o interesse coletivo. Eis o motivo pelo qual ela goza da imperatividade para impor a sua vontade. Se o ato administrativo não é compatível com a vontade ou com o entendimento do administrado, mesmo assim, ele terá que se submeter ao ato administrativo, que é obrigatório. Se o administrado não quiser cumprir deverá solicitar uma autorização judicial para descumprimento. A imperatividade decorre diretamente do poder extroverso. Poder extroverso, de acordo com a doutrina de Renato Alessi, é o poder que possui o Estado de editar provimentos que interfiram na esfera jurídica de outra pessoa, constituindo obrigações unilateralmente para terceiros. Advém da Teoria da Supremacia Geral. A imperatividade se inicia com a própria existência do ato, mesmo que ele seja ilícito, podendo ser imediatamente imposto aos particulares desde sua edição, salvo se houver impugnação ou recurso administrativo ou decisão judicial com efeito suspensivo. Não é atributo presente em qualquer ato, mas apenas naqueles que são impostos e devem ser obedecidos, como os atos normativos, os atos punitivos e os atos de polícia. Aliás, a doutrina enuncia dois atos que não têm imperatividade, já que não visam a impor nada a ninguém: a) Atos enunciativos: tais como os pareceres não vinculantes; b) Atos negociais: tai como a permissão e autorização de uso. 1.4.3. Autoexecutoriedade Trata-se da possibilidade que certos atos administrativos ensejam de imediata e direta execução pela própria Administração, independentemente de ordem judicial, inclusive mediante o uso da força. Não se trata de atributo presente em todos os atos administrativos. Geralmente ocorre quando a Administração se defronta com situações que exigem medidas urgentes ou quando há lei expressamente prevendo seu cabimento. 25 Exemplo típico de ato não autoexecutório é a cobrança de multas, que deve ser feita perante o Poder Judiciário. Há importante exceção: a Administração Pública pode executar diretamente as multas nos contratos administrativos, quando descumpridos, revertendo para si a caução. Por fim, há que se diferenciar os enfoques da autoexecutoriedade: a) Exigibilidade: é o poder de tomada de decisão sem a necessidade de autorização judicial, trata-se de um meio coercitivo indireto. EXEMPLO: aplicação de multa para cumprimento das exigências sanitárias. Esse poder de decisão é a regra. É natural que os atos administrativos tenham a exigibilidade. A exigibilidade é uma ferramenta muito forte à disposição do Poder Público para fazer cumprir atos não executórios. Por exemplo, não pode determinado Município cobrar diretamente o valor do IPTU não pago pelo particular, ele tem de promover a inscrição em dívida ativa e executar judicialmente. Entretanto, pode ele, por lei municipal, instituir norma que proíba a emissão de alvará de construção para obras cujos imóveis não estejam com o imposto quitado. Imperatividade e exigibilidade se distinguem por estar a primeira relacionada apenas à possibilidade da Administração criar unilateralmente a obrigação para o particular, enquanto a segunda se consubstancia na própria obrigação de cumpri-la. b) Executoriedade: é a efetiva execução do ato, é a atuação material do poder público, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário. EXEMPLO: dissolução de passeata tumultuosa ou fechamento de estabelecimento. É dar cumprimento ao que foi decidido. É um meio coercitivo direto. Nem todos os atos administrativos têm esse atributo, há alguns que não o têm, exemplo: executar o patrimônio do devedor. A executoriedade é a exceção,ela somente aparecerá em duas circunstâncias (segundo Celso Antônio e diPietro): 1. QUANDO HOUVER EXPRESSA PREVISÃO LEGAL; 2. QUANDO HOUVER SITUAÇÃO EMERGENCIAL, URGÊNCIA, PERIGO PÚBLICO. Diogo de Figueiredo Moreira Neto nomina os atos não dotados de executoriedade de atos “heteroexecutórios”, já que dependem da manifestação do Poder Judiciário, via de regra, para se concretizarem. Porém, não é termo consagrado pela doutrina, e, em tempos modernos, de ditaduras das minorias, pode ser considerado homofóbico. Aconselha-se não utilizar do termo em provas. 1.4.4. Tipicidade ou Relatividade Atributo que somente DiPietro insiste em arrolar. Enfim, cabe trazer ao resumo. A tipicidade significa dizer que todo ato administrativo tem uma definição legal de sua legalidade, formalismo. EXEMPLO: nomeação é um ato administrativo que pela definição legal tem a finalidade de colocação no serviço público. Ou seja, trata-se da definição legal de cada ato administrativo, a definição legal é quanto a sua FINALIDADE. 26 O sinônimo “relatividade” significa relativo à lei, Mas, nem sempre a lei esgota a definição, porque em alguns casos o administrador tem um espaço para a conveniência e oportunidade. A tipicidade é uma decorrência do PRINCÍPIO DA LEGALIDADE para a Administração Pública, que só pode fazer o que a lei autoriza e permite. O ato deve estar previamente definido na lei, com a previsão, inclusive, de sua finalidade. ou seja, a lei tipifica o ato e a sua finalidade, isto é, o administrador deve cumprir o tipo previsto na lei. Esqueçam aquela baboseira que te ensinam na faculdade de que o ato vinculado é aquele que está previsto na lei e que ato discricionário é aquele que não está previsto na lei e o administrador está livre para decidir. Isso não é correto e nós já passamos dessa fase do aprendizado. Hoje nós sabemos que pela característica da tipicidade isso está errado, pois tudo está na lei, só que tem hora que a lei dá o poder de decisão ao administrador. Então cuidado que A TIPICIDADE NÃO MATA O ATO DISCRICIONÁRIO, A TIPICIDADE É VOCÊ SÓ FAZER O QUE ESTÁ NA LEI; ORA DE FORMA VINCULADA, ORA DE FORMA DISCRICIONÁRIA, QUANDO A LEI TE DÁ UM JUÍZO DE VALOR PARA VOCÊ AGIR. 1.5. Classificação dos Atos Administrativos 1.5.1. Atos Gerais e Individuais Atos administrativos gerais caracterizam-se por conter comandos gerais e abstratos, atingindo todos os administrados que se encontrem na situação neles descrita. Eles não possuem destinatários determinados; são atos normativos editados pela Administração com o objetivo de assegurar a fiel execução das leis. Em razão de produzirem efeitos externos, precisam ser publicados na imprensa oficial, como condição de eficácia. Segundo diPietro, apresentam as seguintes características: a) Impossibilidade de impugnação judicial diretamente pela pessoa lesada; b) Prevalência sobre o ato administrativo individual; c) Revogabilidade incondicionada; d) Não impugnável por recurso administrativo. Atos administrativos individuais são aqueles que possuem destinatários determinados ou determináveis (um só destinatário: ato unitário; mais de um: plúrimo), constituindo, extinguindo ou declarando situação jurídica particular. Pode abranger um ou vários administrados, contanto que sejam seus destinatários conhecidos. Eles admitem impugnação por meio de recursos administrativos ou de ação judicial, como MS, AP etc. Sua revogação somente é possível se não houver gerado direito adquirido para seu destinatário. 27 1.5.2. Atos Internos e Atos Externos Atos internos são os destinados a produzir efeito somente no âmbito da Administração Pública, atingindo diretamente apenas seus órgãos e agentes. Como não geram efeitos para os administrados, em princípio não precisam ser publicados. Em regra, não geram direito adquiridos e podem ser revogados a qualquer tempo. Atos externos são aqueles que atingem os administrados em geral ou os que, embora não destinados aos administrados, devam produzir efeitos fora da repartição que os editou ou onerem o patrimônio público. A vigência de tais atos somente se inicia com a publicação; 1.5.3. Atos de Império, de Gestão e de Expediente Segundo a doutrina mais moderna essa classificação não mais existe. Ato de império – é aquele em que a Administração pratica valendo-se da supremacia do interesse público, impondo-o aos administrados. Alguns doutrinadores chamam-no de ato do príncipe. Ato de gestão – é o ato praticado pela Administração em patamar de igualdade com o particular, segundo regras do direito privado, sem valer-se de sua supremacia. Mas, há doutrinadores que dizem que, ainda assim, a Administração se valerá de um pouco de imperatividade. Ato de expediente – é aquele que visa impulsionar o processo, mas não tem conteúdo decisório. 1.5.4. Atos Vinculados e Atos Discricionários 1.5.4.1. Atos Discricionários Atos discricionários são aqueles em que o administrador exerce juízo de valor e análise de conveniência e oportunidade, ou seja, com certa liberdade de escolha. Ou seja, é aquele em que o poder de decisão é entregue para o administrador pelo legislador, por intermédio da lei. Assim, o ato discricionário está previsto em lei, pois é aquele que é praticado nos limites da lei; se foge a esses limites, será arbitrário, ilegal. Nele, a doutrina classicamente costuma apontar como vinculados os elementos competência, finalidade e forma. Entretanto, modernamente costuma-se entender que o elemento forma só é vinculado quando a lei o exigir, cabendo à Administração, nos outros casos, adotar aquela que considere mais adequada à segurança jurídica, conforme expressamente consta na Lei do Processo Administrativo Federal (art. 22, caput). Não existe regra própria para se identificar quando um ato será discricionário. Evidentemente que se a lei dispor que determinado ato será praticado conforme a conveniência e oportunidade, não restará dúvidas. Mas há uma série de outros casos em que, a despeito das elementares normativas utilizadas passarem a ideia de discricionariedade, haverá vinculação. Diogo de Figueiredo Moreira Neto diz que no ato discricionário ocorre a integração 28 administrativa. Não se trata de integração nos moldes feitos pelo juiz conforme determinado na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, que somente ocorre quando não existe lei para solver o caso concreto. Trata-se, outrossim, de uma integração no sentido de completar a norma já existente, afastando-se a analogia, afastando-se a equidade e os princípios gerais de direito e entrando em cena o critério político, entregue ao administrador. E o que é o critério político? É exatamente a conveniência e a oportunidade. Conveniência e oportunidade compõem o mérito administrativo, o juízo de valor, a decisão política. O mesmo doutrinador acima citado define o mérito como o USO CORRETO DA DISCRICIONARIEDADE. Discricionariedade = Conveniência e oportunidade Mérito administrativo = Uso correto da discricionariedade Aprofundemos. Se o mérito administrativo é o uso correto da discricionariedade, consequentemente o uso incorreto da discricionariedade não será mérito administrativo, logo, será passível de ser controlado. Assim, importantíssimo ter isso em mente: a) Discricionariedade: totalmente passível de ser controlada pelo Poder Judiciário; b) Mérito administrativo: fora do âmbito de controle do Poder Judiciário. Por quê? Pois, repita-se, o conceito de mérito pressupõe que o administrador agiu corretamente, dentro da legalidade e no legítimo e adequado uso de seu juízo de valor. Assim, se o Poder Judiciário modificar esse ato, estará ferindo diretamente a separação de Poderes prevista no caput da CR/88. O Poder Judiciário irá controlar a discricionariedade para ver se tem mérito. Tendo mérito, cessa a jurisdição. Não tendo, toma-se a decisão cabível no caso, geralmentea declaração de nulidade. Então, o Poder Judiciário vai controlar o ato discricionário? Vai. Para quê? Para ver se tem mérito. E se tiver mérito, improcedência em qualquer ação. Porque ele não existe para trocar a vontade do administrador, não tem legitimidade pra essa troca. O mérito é insindicável. Não se pode controlar o mérito. Isso é um grande problema em concursos públicos, pois como as bancas geralmente não dominam o assunto, colocam na questão que o Poder Judiciário pode controlar o mérito do ato administrativo, dando como correta a assertiva, mas isso está errado! O controle recai sobre a discricionariedade. E ponto. Há doutrinadores mais novos que defendem erroneamente que o mérito administrativo acabou, que tudo agora é vinculado. Porém, em seguida eles passam a falar de “graus de vinculação”. Isso ocorre da seguinte forma: a) Primeiro grau de vinculação: é o ato vinculado tradicional, aquele que amarra toda 29 forma de agir, aquele que o administrador não tem juízo de valor, aquele que o poder de decisão é do legislador, tradicional, ato vinculado. b) Segundo grau de vinculação: a discricionariedade técnica. A discricionariedade técnica se baseia em critérios objetivos, palpáveis e não subjetivos. Trata-se do conceito jurídico indeterminado, discricionariedade técnica, que se baseia na técnica e não na conveniência e oportunidade, motivo pelo qual se eliminam os critérios subjetivos e até é passível de ser engolida como um ato vinculado, pois o tecnicismo pressupõe objetividade. c) Terceiro grau de vinculação: aqui, esses autores novos se embananam todo. Eles escrevem assim: terceiro grau de vinculação = vinculação aos princípios. Ok, brilhante. Só que se pegar qualquer autor que defende essa ideia, ele vai ressalvar que no entanto aqui, o administrador já tem uma certa margem pra decidir. Ué, isso não é discricionário? Não, é vinculação aos princípios. Ah, tudo bem, então tá bom, entendi. Trocou o seis por meia dúzia e não quis falar a palavra discricionário. Inclusive, o Ministro Fux, com ares de inteligência e fugindo à temperança e humildade inerentes à atividade judicante, se deixou ludibriar com essa tese no julgamento da ADIN das OS (ADI 1.923/DF): A constitucionalização do direito ensejou uma incidência direta dos princípios constitucionais sobre os atos administrativos não diretamente vinculados pela lei. Assim, não há espaço decisório da Administração que seja externo ao direito, nem tampouco margem decisória totalmente imune à incidência dos princípios constitucionais. Portanto, não é mais correto se falar de uma dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, senão que numa teoria de graus de vinculação à juridicidade. Conforme a densidade normativa incidente ao caso, pode-se dizer, assim, que os atos administrativos serão: (i) vinculados por regras (constitucionais, legais ou regulamentares), exibindo alto grau de vinculação à juridicidade; (ii) vinculados por conceitos jurídicos indeterminados (constitucionais, legais ou regulamentares), exibindo grau intermediário de vinculação à juridicidade; e (iii) vinculados diretamente por princípios (constitucionais, legais ou regulamentares), exibindo baixo grau de vinculação à juridicidade” ). MSZP desce a lenha nessa ideia. Ela defende o seguinte: aqueles que afirmam que não tem mais ato discricionário não estão corretos. A discricionariedade existe diante de duas impossibilidades, a impossibilidade jurídica e a impossibilidade material. A impossibilidade jurídica é aquela ligada ao artigo 2º da Constituição. Impossibilidade jurídica se baseia no respeito à independência dos Poderes. Pergunta absolutamente simples que a Di Pietro faz: se só existisse ato vinculado qual seria a 30 independência entre o Poder Executivo e Legislativo? Nenhuma. E eu faria o quê com o artigo 2º da Constituição, que fala da independência entre eles? Ignorar ou decotar da Carta. Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Se só existisse ato vinculado, o Executivo iria ser “boy” do Legislativo, uma espécie de parlamentarismo branco. A impossibilidade material se trata daquela em que é humanamente impossível ao legislador amarrar toda forma de agir do administrador. A Administração é dinâmica, o interesse público varia toda hora, enquanto a lei é estática, formal. Se houvesse amarração total, acabaria o critério político. Assim, por óbvio que a discricionariedade permanece. Os princípios são, e sempre foram, parâmetros para a legítima atuação discricionária. Essa repulsa à discricionariedade ganhou força com o movimento neoconstitucionalista, o qual, se não trabalhado com cuidado, tem o efeito de “principializar” tudo. Se for necessário à Administração trocar um bueiro de rua, podem chegar ao absurdo de falar do “princípio da troca dos bueiros”. Enfim... menos. O ato discricionário aparece de quatro formas: a) A própria lei estabelece alternativas; b) Quando a lei for omissa, ou seja, quando a regra não for completa e aí o administrador faz o juízo de valor; c) Quando a lei define a competência, mas não especifica como e quando o ato deve ser realizado; d) Quando a lei traz um conceito jurídico indeterminado, aquele em que há uma zona de certeza e uma de incerteza, na qual não é possível estabelecer uma única atuação juridicamente válida. ex: a Lei nº 8.112 fala em conduta escandalosa, mas não conceitua. Todos os atos administrativos (vinculados ou discricionários) podem ser objeto de controle pelo Poder Judiciário. O Poder Judiciário, repita-se, não pode intervir no mérito do ato administrativo, mas faz controle de legalidade no sentido amplo, ou seja, o ato deve obedecer aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, etc. 1.5.4.2. Atos Vinculados Atos vinculados são aqueles em que a lei estabelece todos os requisitos e condições de sua realização, não cabendo ao administrador apreciar a oportunidade ou a conveniência de sua prática e nem podendo praticá-lo se ausente algum dos seus requisitos legais. Outras definições importantes: 31 a) Ato vinculado é aquele em que o poder de decisão está com o legislador; b) Ato vinculado é aquele em que o administrador não exerce juízo de valor (definição muito utilizada em concursos). Hely Lopes Meirelles costumava chamar os atos vinculados de atos-regra, já que traz todos os seus elementos regrados em lei, pré-determinados. Nem sempre é fácil identificar quando um ato é discricionário ou vinculado, já que nosso legislador tem a mania de ser atécnico no processo legislativo. Muitas vezes são editadas leis trazendo o termo “poderá”, quando, de fato, se impõe um dever ao administrador. Uma das formas de se identificar, e ressalto que isso não é uma regra absoluta, é quando o diploma dispõe que determinada pessoa terá determinado direito mediante o atendimento a determinados requisitos. Nesse caso, atendidos os requisitos, não restaria margem alguma ao administrador de valorar o merecimento ou não do direito ao administrado, devendo ser obedecida a lei. Como exemplo, pode-se citar a legitimação da posse prevista no art. art. 29 da Lei nº 6.383/76: Art. 29 - O ocupante de terras públicas, que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho e o de sua família, fará jus à legitimação da posse de área contínua até 100 (cem) hectares, desde que preencha os seguintes requisitos: I - não seja proprietário de imóvel rural; II - comprove a morada permanente e cultura efetiva, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano. 1.5.5. Atos Simples, Complexos e Compostos Ato simples é aquele que decorre da manifestação de vontade de um único órgão, seja ele unipessoal ou colegiado. Não interessa o número de pessoas que pratica o ato, e sim a expressão de vontade, que deve ser unitária: v.g., RESOLUÇÂO do CONFAZ,do COPOM etc. Ato composto é aquele cujo conteúdo resulta da manifestação de um só órgão, mas a produção de seus efeitos depende de um outro que o aprove. A função desse segundo ato é meramente instrumental, e seu efeito é justamente tornar eficaz o ato principal. Eventual MS deve ser impetrado em face da autoridade que prolatou o ato principal, apesar de a jurisprudência exigir a notificação de todos. Ato complexo é o que necessita, para sua formação, da manifestação de vontade de dois ou mais órgãos diferentes. Isoladamente, nenhum dos órgãos é suficiente para dar existência ao ato. Isso é importante, pois o ato só poderá ser atacado judicial ou administrativamente após sua formação, com a manifestação de todos os órgãos. Ademais, eventual MS contra o ato deve ser impetrado em face da autoridade que se manifestou por último. 32 Enquanto no ato complexo observa-se um único ato, integrado por manifestações homogêneas de vontade de órgãos diversos, sem que se possa falar em principal e secundário ou acessório, no ato composto existem dois atos, um principal e outro acessório. Esse segundo ato tem por conteúdo somente a aprovação do ato principal, visando dar-lhe eficácia. Os atos complexos se formam pela sucessão de manifestações de vontades válidas e legítimas. Se qualquer delas vem a ser inquinada de ilegal, por vícios intrínsecos ou extrínsecos, deve se refazer a ação sucessiva e conjugada dos vários órgãos, para reexame total do ato duvidoso ou manifestamente ilícito.” (grifei) Inquestionável, no entanto, que, se já interveio, nesse processo, o próprio Presidente da República, com ele exaurindo-se o ciclo de formação do ato subjetivamente complexo, justificar-se-ia, então, o reconhecimento da competência originária do Supremo Tribunal Federal, na linha do que esta Corte Suprema tem salientado: “Tratando-se, na impetração, de ato complexo, já aperfeiçoado, tem- se, como autoridade coatora, aquela que atuou na última etapa, formalizando-o” (STF, MS 24.872/DF) Sobre o tema, assim se manifesta Hely Lopes Meirelles, ao definir que ato administrativo composto é o ato que resulta da: "vontade de um órgão, mas depende da verificação por parte de outro, para se tornar exeqüível. (...) O ato composto distingue-se do complexo porque este só se forma com a conjugação de vontades de órgãos diversos, ao passo que aquele é formado pela manifestação de vontade de um único órgão, sendo apenas ratificado por outra autoridade" (Meirelles, 2007, p. 173). Em síntese: o ato complexo é apenas um ato administrativo, formado por duas mais ou mais vontades independentes entre si. Ele somente existe depois da manifestação dessas vontades. O ato composto, ao contrário, é único, pois passa a existir com a realização do ato principal, mas somente adquire exeqüibilidade com a realização do ato acessório, cujo conteúdo é somente a aprovação do primeiro ato. 1.5.6. Ato Válido, Nulo e Inexistente Ato válido é o que provém de autoridade competente e está conforme todas as exigências legais para a sua regular produção de efeitos. Ele observou, em sua formação, todos os requisitos legais; poderá, entretanto, ser ineficaz por pender condição ou termo. Ato nulo é o que nasce com vício insanável, sendo ilegal, não podendo ser convalidado nem produzir efeitos válidos entre as partes. Porém, preservar-se-ão os efeitos já percebidos pelos terceiros de boa fé, em regra. 33 Ato inexistente é aquele que não se origina de um agente da Administração Pública, mas de alguém que se passa por tal condição. 1.5.7. Ato Perfeito, Imperfeito, Pendente, Consumado e Eficaz Ato perfeito é aquele que teve seu ciclo de formação encerrado, dizendo respeito tão-somente ao seu processo de produção, ainda que seja inválido e não gere efeitos. O ato pode ser perfeito e inválido; a perfeição não se confunde com invalidez, já que essa é se refere aos requisitos de validade, enquanto a perfeição, ao ciclo de formação. Ato imperfeito é aquele que não completou seu ciclo de formação, como a minuta de um parecer ainda não assinado ou um ato ainda não publicado, caso a publicação seja exigida por lei, ou a nomeação de um Ministro ainda não publicada. Ato pendente é o ato perfeito que está sujeito a condição ou termo para que comece a produzir efeitos, sendo que nunca será pendente um ato imperfeito. A perfeição, portanto, é pressuposto do ato pendente: o ato pendente é sempre um ato perfeito, que já completou seu ciclo de formação, mas que está sujeito a condição ou termo. Ato consumado ou exaurido é o que já produziu todos os efeitos que estava apto a produzir. Ele é definitivo, imodificável, não podendo ser impugnado em qualquer esfera. Isso porque, v.g., após realizada uma passeata, sua autorização não poderá mais ser revogada. Ato eficaz é o apto a produzir efeitos imediatamente, ainda que seja inválido. Somente poderá ser eficaz o ato perfeito. 1.5.8. Atos Negociais São os atos em que o Poder Público declara uma vontade coincidente com a do particular. Pode ser: a) Autorização: ato unilateral e precário mediante o qual a Administração concede a alguém o uso de bem público em seu próprio interesse; b) Permissão: ato unilateral e precário mediante o qual a Administração concede a alguém o direito da prática de determinada atividade em que prevalece o interesse público, apesar de evidentemente também existir o direito privado; c) Licença: ato vinculado de natureza definitiva concedido pela Administração ao interessado que preencha os requisitos. Por meio dela a administração faculta ao particular o desempenho de determinada atividade. Ex.: licença para abrir restaurante. A autorização e a permissão são revogáveis, já que atos precários. Em regra, não gerará a revogação direito à indenização, salvo se a permissão for condicionada (aquela concedida com prazo estabelecido). Entretanto, na licença não se há falar em revogação, e sim em cassação, já que enquanto há o atendimento a todos os requisitos, a Administração não tem a discricionariedade de revogá-la ante sua conveniência. Entretanto, perdendo-se algum dos requisitos, ela necessariamente 34 deverá cassar a licença, já que o particular não estará gozando do ato negocial na conformidade da lei. Esses atos negociais são materializados em alvarás (nome do documento que trará a manifestação da Administração). Logo, há “alvará de autorização”, “alvará de licença”, “alvará de permissão” etc. Sobre o conceito de alvará: Manifestação positiva da autoridade competente para o exercício de determinadas atividades em um determinado local. É o documento passado a favor de alguém por autoridade administrativa, que contém ordem ou autorização para a prática de um determinado ato ou licença administrativa para o exercício de uma atividade. É o instrumento da licença ou da autorização para a prática de ato, realização de atividade ou exercício de direito dependente de policiamento administrativo. Para o professor Diógenes Gasparini "alvará é a fórmula segundo a qual a administração pública expede autorização e licença para a prática de ato ou o exercício de certa atividade material. No primeiro caso, tem-se como exemplo o alvará de porte de arma e o alvará de construção; no segundo tem-se como exemplo o alvará de funcionamento de um estabelecimento comercial qualquer”. 1.5.9. Atos de Império e Atos de Gestão Atos de império são aqueles praticados mediante o uso da supremacia do interesse público sobre o particular, expressando a vontade estatal e seu poder de coerção. Atos de gestão são aqueles praticados pela Administração em situação de igualdade com o particular. Em regra, não poderão ser revogados. 1.5.10. Atos Normativos, Ordinatórios e Enunciativos Atos normativos são leis em sentido material, contêm um comando geral do Poder Executivo para a correta aplicação da lei. Podem
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