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1 ESCOLA, CURRÍCULO E EDUCAÇÃO DE SURDOS Professoras conteudistas/pesquisadoras: MÁRCIA LISE LUNARDI e VERA LUCIA MAROSTEGA Acadêmica: PRISCILA DO NASCIMENTO ROCHA Carga Horária: 30h Resumo Esta disciplina tem como objetivo apresentar a estrutura e a organização dos espaços e dos tempos da educação dos sujeitos surdos. Nesse sentido, estabelece uma problematização teórico-prática acerca das modalidades de ensino e da organização curricular envolvida na área da surdez, entendendo o currículo como artefato cultural, como um discurso que é produzido no interior das práticas educativas e que, ao ser produzido, é constituidor de identidades e de subjetividades surdas. Palavras-chave: Currículo, Educação de Surdos, Diferença/Diversidade, Cultura. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 2 Unidade A – ESPAÇOS E TEMPOS DO CURRÍCULO Esta unidade procura articular as noções de cultura, identidade e diferença com a discussão curricular1. Para isso, concebe o currículo como um campo contestado, disputado e conflitivo portanto, um espaço privilegiado com relações de poder. No entanto, cabe ressaltar que essas relações não se processam simplesmente por meio formas homogêneas, repressivas, proibitivas; elas também se dão de formas benéficas, ou seja, heterogêneas, produtivas, provocativas. Analisar o currículo da educação de surdos a partir do jogo das relações de poder significa trazer esta discussão para o espaço da escola, ou seja, para um território rico em experiências culturais. Experiências essas que se estabelecem na negociação diária, que nos permite compreendê-las como uma reconstrução que acontece no dia-a-dia, e não como algo imóvel passado de geração para geração. Nesse sentido, o currículo se relaciona diretamente com as questões de identidade e diferença, pois é visto como um discurso capaz de nos constituir enquanto sujeitos. A.1 – Currículo e cultura A tentativa de relacionar currículo e cultura traz consigo outro elemento que não pode ser visto fora dessa relação: o poder. O poder “se manifesta em todas as relações, como uma ação sobre outras ações possíveis” (VEIGA-NETO, 1995, p. 32). Portanto, identificar a cultura é percebê-la enquanto construída e construidora de relações de poder. 1 (ASSUNTO) – Curricular: Para saber mais sobre a questão do currículo como um espaço de relações de poder leia o livro: Documentos de Identidade: um indrodução às teorias do currículo, de Tomaz Tadeu da Silva. (Belo Horizonte: Ed Autêntica, 1999). PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 3 Figura1: Currículo espaço privilegiado de relações de poder O terreno conceitual da cultura é um terreno muito ambíguo. Segundo Paraíso (1996, p. 130), “diferentes autores/as têm mostrado sua complexidade conceitual (WILLIANS, 1979 e 1992; HEBDIGE, 1988; CHAUÍ, 1986)”. Não pretendemos estabelecer uma definição única e fixa de cultura. Para tanto, compartilhamos da compreensão de Moreira & Silva (1995, p.27), segundo o qual “cultura é o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta e não aquilo que recebemos”. Dessa forma, cultura passa a ser muito mais que patrimônio acumulado pela humanidade durante a sua história: é, antes disso, uma relação que se estabelece na negociação diária. A surdez é um país cuja história é reescrita de geração a geração. Isso ocorre em parte por causa de condições de suas línguas nativas, em parte porque mais de 90% das crianças surdas nascem de pais que ouvem e em parte por causa das opressões curiosas e específicas que constituem a história dos surdos. As culturas dos sinais, bem como o “conhecimento” social da surdez, são necessariamente ressuscitadas e refeitas dentro de cada geração (WRIGLEY, 1996, p.25). PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 4 É a partir desse olhar que se compreende a cultura surda, ou seja, como um processo de significação construído no contexto cotidiano dos surdos. Nesse sentido, o currículo é um espaço privilegiado onde se expressam as novas concepções e também aquilo que entendemos como conhecimento. Para isso, ele pode tanto fazer com que diferentes culturas tenham voz quanto silenciá-las. Através da pesquisa2 realizada por Lunardi (1998), pode-se perceber que a presença do professor surdo no currículo constitui-se num elemento importante para dar “voz” a essas culturas não viabilizadas no contexto escolar surdo. Observa-se isso no depoimento de um dos professores surdos entrevistados durante a pesquisa da autora: Eu acredito que somos representantes da cultura surda, pois tivemos o acesso à cultura surda com apoio de nossas famílias e nossos pais. Também buscamos ajuda e elementos culturais com outros surdos adultos, aprendemos muito rápido a língua de sinais e participamos de forma efetiva na comunidade surda. Porém sabemos que muitos surdos não têm essa base nem esse apoio familiar, portanto, cabe a nós professores surdos ajudarmos no desenvolvimento cultural desses surdos e também na construção desse currículo. Essa construção deverá vir baseada nas idéias e experiência dos próprios surdos, na análise e discussão sobre os elementos que deveriam compor ou não esse currículo. Acredito ser um trabalho lento, até termos um currículo próprio para educação de surdos (Pedro) (LUNARDI, 1998, p.79). No depoimento acima, fica visível que essa relação de possibilitar a cultura surda na escola e no currículo pode se concretizar, ou seja, o entrevistado sendo professor surdo, está autorizado a dar visibilidade, a “falar” dessa cultura surda na escola. No entanto, isso ainda é um trabalho lento, pois não podemos nos esquecer de que todo esse trabalho acontece na instituição escolar, e uma das características da escola é trabalhar o currículo a partir da seleção de um conjunto de 2 (ASSUNTO) – Pesquisa: Para conhecer mais sobre a pesquisa realizada por Lunardi leia a Dissertação de Mestrado da autora: LUNARDI, Márcia L. Educação de Surdos e Currículo: um campo de lutas e conflitos. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Educação, 1998. (Dissertação de Mestrado). PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 5 conhecimentos, comportamentos, valores e práticas daquilo que é considerado como “correto”, como a “verdadeira” cultura. Segundo Santos & Lopes (1997, p.36): Isso significa que a cultura de diversos grupos sociais fica marginalizada do processo de escolarização e, mais do que isso, é vista como algo a ser eliminado pela escola, devendo ser substituída pela cultura hegemônica, que está presente em todas as esferas do sistema de ensino. De fato, a escola assumiu historicamente o papel de homogeneização e assimilação cultural. Esses processos de homogeneização cultural legitimados pela escola se dão por diferentes vias. Na escola de surdos, visualizamos isso através da negação da língua de sinais como língua natural dos surdos. Um dos traços mais significantes da cultura surda é o uso da língua de sinais3,que, antes de ser constituída peças relações entre comunidade surda e comunidade ouvinte, é o que as constitui. O aluno surdo depende do sentido da visão para comunicar-se e para aprender. No entanto, isso fica muito limitado quando uma grande proporção de informações necessárias para o seu desenvolvimento social e cognitivo se materializa por sinais audíveis e não visíveis.A maioria dos educadores ouvintes desconhece ou conhece muito pouco a estrutura da língua de sinais, ignorando, no currículo, artefatos significativos da cultura surda. Nesse contexto, podemos perceber que o que definimos como nosso e o que vislumbramos como culturalmente diferente baseiam-se em distinções hierárquicas constituídas nas relações de poder. “A questão sobre qual cultura é trazida para a escola é uma questão social e política importante; a relação entre cultura e grupos tem de ser entendida como um problema de poder” (POPKEWITZ, 1992, p.92). Assim, no currículo da escola de surdos, onde mundos culturais diferentes se enfrentam, os alunos, juntamente com os professores surdos, reconstroem e contestam as formas hegemônicas de dominação da sociedade em geral, da escola e 3 (ASSUNTO) – Língua de sinais: Para saber mais sobre a estrutura da língua de sinais leia o terceiro capítulo da obra: Linguagem e Surdez, de Eulália Fernandes (Porto Alegre: Artmed, 2003. p. 29-44). E o segundo capítulo da obra: Educação de surdos: a aquisição da linguagem, de Ronice M. Quadros (Porto Alegre, Artes Médicas, 1997. p. 45-66). PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 6 do próprio currículo. Portanto, ao fabricar o currículo, somos não somente interpelados por ele, mas também, produzidos por ele. O currículo, como um espaço de significação, também está vinculado à formação de identidades. É para esse ponto que vamos nos direcionar a seguir. A.2 – Currículo e identidade Abordar o currículo como constituidor de identidades significa vê-lo além de seus aspectos cognitivos, centrados na transmissão de conhecimentos; relacionar currículo e identidades é vê-lo como um discurso capaz de nos constituir enquanto sujeitos. Para Silva (1996, p.165): O currículo não está envolvido num processo de transmissão ou de revelação, mas num processo de constituição e posicionamento: de constituição de sujeito de um determinado tipo e de seu múltiplo posicionamento no interior das diversas divisões sociais. Portanto, os textos que compõem o currículo corporificam explícita ou implicitamente visões particulares de conhecimento, de sociedade e de grupo. Sendo assim, elas legitimam quais conhecimentos e formas de ensinar e aprender são válidas. A expressão de Hall (1997) “definida historicamente e, não biologicamente”, em relação a questão das identidades, vem ao encontro de como as identidades surdas4 estão sendo representadas no interior do currículo da escola de surdos. Nos depoimentos dos professores surdos, percebe-se as questões de identidade emergindo no contexto curricular. No entanto, as identidades aqui reclamadas afastam-se da representação biológica, do déficit, da perda; elas são vistas dentro de uma nova ordem, a comunicação visual, que se constitui no uso da língua de sinais. Nesse sentido, podemos entender a surdez conforme nos explica Wrigley (1996, p.29): “a surdez é uma experiência visual”. 4 (ASSUNTO) - Identidades surdas: Para saber mais sobre a produção das identidades surdas ver: PERLIN, Gládis - Identidades Surdas. In: SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998. p.51-74. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 7 Nesse sentido, é possível ver a relação entre currículo e produção de identidade 5sob múltiplas formas. Isso significa que as identidades que se compõem no grupo são negociadas entre seus componentes e a experiência que cada um possui. Esse conjunto de elementos culturais constitui as identidades e, como afirma Perlin (1998, p.21), “a constituição da identidade dependerá, entre outras coisas, de como o sujeito é interpelado pelo meio em que vive”. Um dos traços mais significativos de identidade surda é a comunicação visual; é ele que constitui a diferença. Portanto, as diferenças precisam ser entendidas a partir dos processos de significação, da mesma forma que ocorre com as identidades, ou seja, tanto as identidades quanto as diferenças não são produzidas “naturalmente”, são produzidas nas relações sociais diárias. Figura 2:Currículo como produtor de identidades 5 (ASSUNTO) - Produção de identidade: Para saber mais sobre a produção das identidades culturais ver HALL,Stuart. A identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, DP&A, 1997. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 8 Ao entender o currículo como constituidor de identidades sociais e culturais, também entendemos que o currículo é um artefato; portanto, é representação, ou seja, é algo feito, elaborado, produzido por determinadas pessoas, circunstâncias, em tempo e lugar determinados, com objetivos específicos. Nas palavras de Silva (1996, p.172): Na medida em que os significados expressos na representação não são fixos, estáveis, definitivamente estabelecidos, mas flutuantes, indetermináveis, o currículo pode se transformar numa luta de representação, na qual eles podem ser refeitos, redefinidos, questionados, contestados. Com base na citação acima, è possível visualizar que o currículo é um campo de contestação, é um espaço onde os professores surdos podem vir a negociar a sua presença, ou seja, onde podem tornar vivas a sua cultura, a sua identidade, a sua representação. O currículo concebido como um campo não-fixo, não-estático, instável permite aos professores surdos pulverizar, o espaço escolar, contestando as políticas educacionais hegemônicas. A representação dos surdos enquanto sujeitos diferentes constitui-se num processo político ancorado nos movimentos sociais dos surdos. Esses movimentos, contribuem para dar visibilidade às diferentes formas pelas quais os grupos sociais e culturais são construídos e representados. O espaço escolar na vida dos surdos é um locus privilegiado de construção de identidades. Talvez isso possa ser justificado pelo fato de aproximadamente 90% das crianças surdas nascerem em famílias ouvintes; com isso, a construção da identidade surda como uma identidade “nativa” é perturbada, ou, na melhor das hipóteses, afastada. Segundo Wrigley (1996, p.84): Perturba as noções do que significa ser nativo, bem como as noções de para que – ou onde – se pode ser nativo. Ser nativo é um produto de soberania. A surdez, o rótulo ligado a uma ampla visão coletiva daquelas formas de ser adotado por povos que são surdos, está profundamente entrelaçado contra a redução maniqueísta da Surdez e a uma patologia pelo modelo soberano. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 9 Portanto, a escola de surdos pode ser considerada essa “aldeia nativa” necessária para que as identidades surdas se tornem visíveis. Para isso, o currículo imbricado nas relações sociais e, com elas, na relação de poder, constitui-se em estratégia de “intervenção cultural”, num processo de transformação. Essa transformação não é entendida no seu sentido utópico, mas como sendo aquela produzida nas relações de poder cotidianas. Nesse sentido, a presença do professor surdo na escola representa muito mais que um modelo de linguagem e identidade: ele é um articulador do senso de cidadania, que se estabelece num processo de relação social. Essa relação acontece entre professores surdos e alunos surdos porque essa troca social de conhecimentos se reproduz por meio da língua de sinais. Falar em currículo surdona escola de surdo é falar em multiculturalismo. Como expressa Silva (1995), trabalhar com a idéia de multiculturalismo significa conviver com diferentes e diversas culturas e suas representações na educação e no currículo. A.3 – Currículo e diferença Pensar um currículo que aborde a questão da diferença é trazer para o centro da discussão a possibilidade de uma educação multicultural para surdos. Este elemento pode ser compreendido pelo debate entre os conceitos de diversidade e diferença. Considera-se essa discussão relevante pela maneira como eles vêm sendo abordados no interior das políticas educacionais e dos currículos. No contexto da escola de surdos, pode-se observar que diferença e diversidade são vistas como sinônimas, como fazendo parte de um mesmo campo conceitual. Porém, esta forma simplista de ver as diferenças dentro da escola mascara outros interesses, que adotam o termo da diversidade para encobrir a ideologia de assimilação que sustenta a posição ouvintista. Nesta visão, fala-se de um pluralismo cultural, referindo-se a um consenso cultural e normativo. Para Scott (1995, p.2), “diversidade refere-se a uma pluralidade de identidades, e é vista como uma condição de existência humana e não como um efeito de uma enunciação da diferença que constitui as hierarquias e assimetrias de poder”. Entendendo a diversidade “como uma condição de existência” fica útil e fácil reconhecê-la; no entanto, o que os grupos ditos culturalmente diferentes esperam dessa questão – a exemplo de outras como identidade, história, política de diferença – PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 10 é obscurecido, tornando-se alvo fácil de estratégias conservadoras. A escola e o currículo são as presas prediletas desse processo de homogeneização cultural. Tanto a escola como o currículo têm contribuído para a legitimação de um núcleo cultural comum desconsiderando o conceito de “fronteira”, deslegitimando e excluindo os valores e as práticas de outros grupos sociais. Em um recente trabalho, Lehrer, Gercia & Rovins (1997) mostraram uma nova face da educação de surdos nos Estados Unidos. Segundo os autores, aproximadamente 40% de jovens inscritos em programas para estudantes surdos eram de origens racial, lingüística e étnica que diferiam da maioria cultural branca de língua inglesa. Devido a essa nova realidade encontrada na escola para surdos, o termo “minoria surda” até então adotado, foi substituído pelo termo “surdos multiculturais”. Neste sentido, é importante discutir o que é entendido como educação multicultural6 no contexto acima exposto. Para os autores mencionados acima, a educação multicultural possibilita benefícios abrangentes para estudantes de todos os níveis e deve reconhecer as inte- relações entre cultura surda e comunidade surda, linguagem, família e comunidade escolar. Portanto, esses autores, a educação multicultural e a visão cultural das crianças surdas não são mutuamente exclusivas, e sim parte da mesma visão de mundo. Nesse sentido, fala-se de um ambiente multicultural escolar, que se refere à análise dos currículos, às abordagens educativas, como também ao material e aos recursos à disposição dos alunos. 6 (GLOSSÁRIO) – Multicultural: Multicultural é um termo qualitativo que descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em comum, são mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade “original” (Hall, 2003). PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 11 Figura 3: Espaço do currículo como produtor das diferenças Nessa atmosfera multicultural de educação e análise curricular é preciso resgatar em nível de política cultural as políticas negadas e silenciadas no espaço escolar. Desse modo, não devemos apenas fazer referencia a elas enquanto culturas isoladas, em determinados momentos e datas específicas, como por exemplo, “o dia do índio”, “o dia da consciência negra”, constituindo um currículo reduzido a determinadas lições e unidades didáticas, criando aquilo que Santomé (1995), chama de “currículos turísticos”. Portanto, a possibilidade de construção de um currículo multicultural na escola de surdos não pode ficar externa às relações de poder existente entre cultura surda e cultura ouvinte. Do mesmo modo, o currículo não pode ser concebido como uma simples conveniência entre essas culturas. O multiculturalismo, visto como uma alternativa curricular para surdos, necessita trabalhar com a representatividade desse currículo e não simplesmente oportunizar aos surdos que suas histórias e seus materiais culturais sejam visualizados nesse currículo. Esse currículo deve abordar a questão da surdez como uma diferença política, e não como uma diversidade cultural. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 12 Dar espaço aos professores surdos significa discutir, reflexionar acerca dos conteúdos da cultura surda e da comunidade que eles representam, com o objetivo de dar sentido e significado à identidade surda. Neste desafio político-pedagógico, a cultura surda pode manifestar toda a sua dimensão dentro do enfoque multicultural. Isso significa que um currículo multicultural deve produzir espaços de encorajamento e de resistência para que os múltiplos olhares dos sujeitos surdos sejam reconhecidos no cotidiano escolar. Portanto, cabe também aos professores surdos estarem alertas às histórias e às culturas inscritas na sua sala de aula para que não apenas seus próprios olhares sejam contemplados, mas que os olhares de seus alunos sejam identificadores de subjetividades. Para tanto, as especificidades surdas de raça, classe e gênero precisam compor os projetos e as práticas de um currículo multicultural. Atividade da Unidade A: A partir das leituras feitas neste CD e das indicações das leituras complementares, elabore uma análise articulando a noção de currículo com as questões de identidade, diferença e cultura. Referências da Unidade A: HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. LEHRER, Marilyn, GARCIA, Bárbara Gerner, ROVINS, Michele. Criando uma atmosfera escolar multicultural para crianças surdas e suas famílias. Original: Creating multicultural school climate for deaf children and their families. Gallaudet University Pre-College National Mission Programs, 1997. LUNARDI, Márcia L. Educação de Surdos e Currículo: um campo de lutas e conflitos. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós- Graduação em Educação, 1998. (Dissertação de Mestrado). PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 13 MOREIRA, Antônio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Editora Cortez, 1995. PARAÍSO, Marlucy Alves. Lutas entre culturas no currículo em ação da formação docente. In: Educação e Realidade, Porto Alegre, v.21, n.1, p. 137-157, jan./jun., 1996. PERLIN, Gládis T. Identidades surdas. In: Skliar, C. (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Ed. Mediação,1998, p.51-73. POPKEWITZ, Thomas S. Cultura, pedagogia e poder. In: Teoria e Educação. Porto Alegre, n°5, p. 91-106, 1992. SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo:In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. p.159-178. SANTOS, Lucíola Licínio de C.P.; LOPES, José de Souza Miguel.Globalização, multiculturalismo e currículo. In: MOREIRA, Antônio Flávio (Org.). Currículo: questões de atuais. Campinas: Papirus, 1997, p.29-38. SCOTT, Joan W. Multiculturalismo e a política da identidade. In: RAJCHMAN, John (Org). The identity in question. Nova York: Routledge, 1995, p. 3-12. SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidades Terminais: as transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. ___________________. Os novos mapas culturais e o lugar do currículo numa paisagem pós-moderna. In: MOREIRA, Antônio Flávio & SILVA, Tomaz Tadeu da. (Orgs.) Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1995, p. 184-201. SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998-p.51-74. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 14 VEIGA-NETO, Alfredo J. Michael Foucault e educação: há algo de novo sob o sol? in: (Org.) Crítica Pós-Estruturalista e Educação. Porto Alegre: Sulina, 1995, p.9-56. WRIGLEY, Owen. A Política da surdez. Original: The politics of deafness. Washington, D.C.: Gallaudet University Press, 1996. Sites relacionados à unidade http://www.feneis.com.br/Educacao/artigos_pesquisas/I_Semin%E1rio_Caxiasdosul.d oc http://www.ines.org.br/paginas/revista/debate3.htm http://www.faders.rs.gov.br/documentos/documento_acessibilidade_direitos_humanos _surdos.doc PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.feneis.com.br/Educacao/artigos_pesquisas/I_Semin%E1rio_Caxiasdosul.d http://www.ines.org.br/paginas/revista/debate3.htm http://www.faders.rs.gov.br/documentos/documento_acessibilidade_direitos_humanos http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 15 Unidade B – A ESCOLA DE SURDOS COMO ESPAÇO E TEMPO DO ENSINAR E APRENDER A escola se constitui em um dos espaços privilegiados de produção das identidades surdas. Portanto, nessa unidade, vamos percorrer território escolar tentando entender como os discursos que ali circulam produzem diferentes formas de ver e de representar a surdez e os surdos. Para isso, abordaremos as diferentes perspectivas educacionais que compõem o cenário da educação de surdos, partindo de uma tradição oralista, passando pelas influências da comunicação total, até chegarmos a numa educação voltada para a diferença surda, que no caso desta, é vista à partir dos debates acerca da educação bilíngüe7. Ao revisitarmos essas concepções torna-se imprescindível o exercício da problematização no sentido de desnaturalizá-las de um olhar ouvintista e etnocêntrico8. Assim sendo, faz-se necessário entender que o bilingüismo na educação dos surdos deve ir além das capacidades desses sujeitos para adquirir-aprender duas ou mais línguas. Do mesmo modo, não devemos fazer uma comparação forçada entre as habilidades que demonstram os surdos e as que demonstram o ouvintes em determinadas situações em que lhes é solicitado o uso de suas línguas. A aplicação do termo bilingüismo na área da educação dos surdos deveria aludir à sua acepção pedagógica, ou seja, à idéia de uma educação bilíngüe. B.1 – A educação dos surdos nos discursos do oralismo e da comunicação total 7 (ASSUNTO) - Educação bilíngüe: Para saber mais sobre a discussão da educação bilíngüe no contexto da educaçãod e surdos leia o livro: SKLIAR, Carlos (Org). Atualidade da educação bilíngüe para surdos: interfaces entre pedagogia e lingüística. Porto Alegre: Ed. Mediação, 1999. 8 (GLOSSÁRIO) - Ouvintista e etnocêntrico: Um olhar ouvintista faz menção a forma como os ouvintes a partir do jogo das relações de poder representam a surdez. Esse olhar está ancorado naquilo que Skliar (1998) chama de ouvintismo que, segundo ele, “trata-se de um conjunto de representações dos ouvintes, a aprtir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte” (SLKIAR, 1998, p.15). PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 16 A discussão, a historização de um currículo acerca da educação de surdos revela uma problemática que assola instituições, escolas, professores, pesquisadores. Nesses ambientes, pouco se discute ou praticamente inexiste um debate em torno do que seja e para que sirva o currículo empregado na educação de surdos; na melhor das hipóteses, questiona-se qual o melhor currículo a ser utilizado. Observamos nas escolas de surdos uma multiplicidade de programas curriculares, que vão sendo testados na busca de um aperfeiçoamento curricular. Dentre os muitos currículos existentes, é possível citarmos alguns: o currículo adaptado da escola regular, o currículo da escola regular,o currículo especial, currículo mínimo e o currículo oral. Na tentativa de caracterizar melhor a situação que se insere atualmente o discurso curricular para então entendê-la, torna-se necessário discorrer, ainda que de maneira breve, sobre a influência histórica na educação de surdos. Com isso, não pretendemos fazer uma descrição cronológica dos fatos, mas apresentar alguns recortes significativos da história que possam explicar a atual situação da educação e do currículo predominantes nas escolas de surdos. Uma das controvérsias que têm permeado e marcado a história da educação dos surdos é o debate acerca do ensino ou não da língua oral a estes sujeitos, ou seja, o oralismo versus o gestualismo9. Este grande debate, como vem sendo chamado,estende-se já há duzentos anos. Por volta do início do século XVII, quando se iniciavam as estudos educacionais acerca da surdez, havia um acordo entre os pedagogos, a respeito da conveniência de os surdos aprender a língua oral, ou seja, a língua que falavam os ouvintes e a língua da sociedade onde os surdos viviam. Porém essa “unanimidade” começou a ser abalada em meados do século XVIII, o que separaria definitivamente “oralistas” e “gestualistas” daí em diante. Segundo Sanchez (1990), os oralistas exigiram dos surdos sua reabilitação através da superação da surdez; para isso, deveriam falar e comportar-se como se não fossem surdos. 9 (ASSUNTO) - Oralismo/gestualismo: Para saber mais sobre o debate entre gestualismo e oralismo leia: SOARES, Maria Aparecida Leite. A educação do Surdo no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados: Bragança Paulista, SP: EDUSF, 1999. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 17 No entanto, os gestualistas foram capazes de perceber que os surdos desenvolviam uma linguagem, possuíam uma língua que, mesmo que diferente, era eficaz para a sua comunicação e lhes permitia acesso ao conhecimento, incluindo o da língua oral, e à cultura. A luta, o impasse entre essas duas tendências - a do “gestualismo” e a do oralismo – persistiu do século XIX até a segunda metade do século XX. Nas primeiras décadas do século XIX, as propostas educacionais abordadas na educação dos surdos sofrem as influências das idéias de Abbé de L’Epée 10(1712- 1789). A partir de suas idéias, instaurou-se, na educação de surdos, mais uma metodologia educacional, a qual foi denominada de método francês, sendo seu principal representante o próprio L’Epée. Segundo a história oficial, contada pelos ouvintes, foi L’Epée o primeiro a reconhecer que os surdos, mesmo sem usarem a palavra falada, eram capazes de comunicar-se entre si por meio de um sistema de gestos, não simplesmente mímicos, mas com valores lingüísticos que cumpriam com as funções de uma língua. L’Epée, além de “descobrir” os surdos, foi também o fundador da primeira escola pública para surdos, em Paris, em 1786. Segundo Skliar (1997b,p.25): Indubitavelmente, grande parte do êxito de Abbé L’Epée (1712-1789), durante a segunda metade do século XVIII, se deve não só ao zelo com que encarou seu método, como também, ao esforço para difundi-lo. A ele se deve a fundação e a criação da primeira escola pública para surdos e seu método se constitui numa mudança significativa na educação de surdos: a passagem da reeducação individual para a educação coletiva. No entanto, a metodologia criada por L’Epée não estava preocupada em desenvolver a língua natural dos surdos; pelo contrário, seu objetivo era alcançar o 10 (AUTOR) - Abbé de L’Epée: L’Epée foi o criador de um método empregado na educação de surdos, denominado de “sinais metódicos”. A justificativa para a criação desse método se deu pelo fato de que L’Epée acreditava que a Língua de Sinais utilizada pelos surdos era incompleta, devendo ser melhorada e universalizada. Seu método consistia em conservar o “núcleo central dos gestos”, utilizados por seus alunos, adicionando porém a estes gestos outros sinais para designar objetos, qualidades, fatos ou situações. No entanto, como seu principal objetivo era o ensino da língua francesa, não se deu por satisfeito, criou uma série de sinais que não existiam na codificação gestual, referentes a preposições, artigos, tempo e pessoa verbal, entre outros (SKLIAR, 1997b). PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 18 domínio da língua francesa, considerada superior, utilizando-se, para isso a língua gestual. Por outro lado, a quantidade cada vez maior de sinais metódicos utilizados na língua de sinais, para torná-la mais parecida com a língua escrita converteu-a em um instrumento pouco eficaz, dificultando seu emprego no contexto escolar e no desenvolvimento da comunicação e da aprendizagem. Diante desses fatos, a língua de sinais foi sendo banida pelos professores em suas salas de aula e, em conseqüência disso, empregou-se novamente a língua oral na aprendizagem dos alunos surdos. Com certeza, os professores se sentiram mais à vontade com o emprego da língua oral, que, sem sombra de dúvidas, era-lhes mais fácil. Figura 4: Centralidade da língua oral na educação de surdos Baseados no contexto descrito, poderíamos justificar a causa do oralismo triunfante que assolou e assola e educação de surdos? Seriam somente os fatores de ordem pedagógica os responsáveis pela legitimação da comunicação oral na vida dos surdos? Que força poderosa seria essa, capaz de desestruturar tudo o que se havia PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 19 conquistado em relação à surdez e sacrificar toda possibilidade de educação de surdo, caso essa não passasse pelo domínio da língua oral? (SANCHES, 1990). Para responder a essas perguntas, é preciso voltar a um dos momentos históricos que marcaram por definitivo a vida dos surdos. Esse fato ocorreu no ano de 1880, em Milão, quando militantes da corrente oralista reuniram aproximadamente duzentas pessoas de diferentes países interessadas na educação de surdos para discutirem e legitimarem as suas posições a respeito da surdez e da educação de surdos. No Congresso de Milão11, um ponto de extrema importância foi debatido, visto que provocava - e ainda provoca - diferentes opiniões entre os professores de surdos: o método a ser adotado na educação dos surdos, ou seja, o oral ou o gestual. Segundo Skliar (1997b, p.45): E desde essa perspectiva, esse Congresso foi exaltado como o ponto de partida da dominação oral. Ali os professores surdos foram excluídos do voto, o oralismo saiu triunfante e o uso da língua de sinais foi oficialmente proibido nas escolas. Portanto, esse congresso consagra o oralismo como ideologia dominante na educação e na vida dos surdos, pois, devido ao seu conteúdo ideológico, o discurso oralista vai além da instituição escolar. Também seria muito primário imaginar que o oralismo decorreu apenas de “um decreto escrito em um momento preciso da história” (SKLIAR, 1998, p.16). Portanto, o que aconteceu no referido congresso foi apenas a legitimação oficial do oralismo, que já vinha sendo aceito em quase todo o mundo. A sua propagação foi rápida e eficiente, pois contou com a aprovação e cumplicidade da medicina e dos familiares dos surdos, ou seja , uma filosofia que segundo Skliar (1998, p.17) “representa hoje, os ideais do progresso da ciência e da tecnologia – o surdo que fala, o surdo que escuta”. Considera-se importante ressaltar que o oralismo não significa apenas um conjunto de práticas que tem como objetivo fazer os surdos falarem e tornarem-se 11 (ASSUNTO) - Congresso de Milão: Para conhecer melhor sobre os pressupostos legais, filosóficos, religiosos e lingüísticos que serviram como base ao Congresso de Milão leia: SLKIAR, Carlos.La educación de los sordos: uma reconstrución histórica, cognitiva y pedagógica. Mendonza; Ed. Ediunc, 1997b. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 20 como os ouvintes; associado a isso, há um conjunto de pressupostos que, segundo Skliar (1998, p.17), são: os filosóficos – o oral como abstração, o gestual como sinônimo de obscuridade de pensamento; os religiosos – a importância da confissão oral, e os políticos – a necessidade de abolição dos dialetos, já dominantes no século XVIII e XIX. Talvez as observações de Arde Neisser (apud WRIGLEY, 1998, p. 52-53), acerca do oralismo, possam exemplificar com maior clareza o mapa social desse período: O oralismo foi uma idéia do século XIX, com seu entusiasmo pelas máquinas, sua confiança no futuro da tecnologia, foi reforçado pela ética protestante do trabalho árduo, prática incansável e força de caráter para vencer todas as aflições da vida. Floresceu na organização dos costumes vitorianos (e ciência vitoriana) e refletiu um profundo antagonismo anglo- saxão frente todas as línguas que não fossem o inglês (o bilingüismo era considerado ruim para o cérebro). O oralismo foi consolidado durante este período na história quando a língua dos galeses foi banida das escolas no País de Gales; quando Vitória como a Imperadora da Índia tornou o inglês a língua administrativa do subcontinente; e quando a grande imigração começou, trazendo culturas e línguas estrangeiras para os Estados Unidos. Os laços entre falantes do inglês eram fortes e houve um movimento para padronizar a língua. O modelo para a aristocracia vitoriana era imóvel, e uma grande parte do “ensino de como falar inglês” era dirigido para a eliminação dos gestos. Gesticular era algo que os italianos, judeus e franceses faziam; refletia a pobreza de suas culturas e a imaturidade de suas personalidades. A linguagem dos sinais tornou-se um código de palavras com fortes tonalidades [sic] racial [sic]. Era vista como um sistema estrangeiro, ainda por cima com a invenção de um padre francês medieval. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 21 Nesta longa citação, pode-se visualizar qual foi o lugar destinado aos surdos e o que eles representavam para a sociedade ouvinte dessa época. Com as propostas educacionais de L’Epée e de seus sucessores, os surdos foram sendo agrupados em instituições, denominadas de asilos, e, mais tarde, em escolas.É evidente que esta institucionalização vinha ao encontro dos interesses sociais, pois, por meio da “clausura” dos surdos nessas instituições, a sociedade controlava os “diferentes” e protegia-se do contato com aqueles que eram considerados “doentes”. Porém, de uma forma ainda que acidental, a cultura dos surdos manteve-se como produto dessas instituições, apesar de bastante indesejada e nem um pouco planejada por aqueles que as fundaram. Frente a esse novo quadro, era preciso controlar essas manifestações culturais, que tinham como objetivo “suprir e negar o significado e o sentido da diferença” (WRIGLEY, 1996, p.52). Portanto, o mais rentável não era separá-los da sociedade “dos que ouvem”, mas isolá-los dos seus companheiros. Vale ressaltar que um dos representantes dessa posição foi Alexander Graham Bell, que, apoiado na teoria de Darwin, concluiu que “se as leis da hereditariedade que se aplicariam para os animais também se aplicariam aos humanos, o casamento entre surdos congênitos através de um número sucessivo de gerações, deveria resultar na formação de uma variedade surda da raça humana” (BELL, 1983 apud VEINBERG, 1996). Esta atitude de segregação, como também a necessidade de se isolar os surdos foram destacadas por Wrigley (1996, p.53): A segregação e treinamento social das crianças surdas foram vistos como coisas socialmente desejáveis pelos iluminados entre os que ouvem. A sociedade era protegida do contato com o seu contaminador, e os surdos recebiam a oportunidade de melhorar a si mesmos. A educação dos surdos por muito tempo esteve centrada quase que exclusivamente no treinamento comportamental para produzir surdos aceitáveis para a sociedade dos que ouvem, embora essas metas institucionais raramente sejam citadas de forma explícita. Com isso, poderíamos concluir, através de uma visão mais tradicional, que esse processo de segregação foi positivo para os surdos, uma vez que, apesar de terem sido excluídos e isolados da sociedade como um grupo à parte, a sua cultura e a sua identidade foram facilitadas em função desse armazenamento físico entre os surdos. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 22 No entanto, à partir de uma abordagem moderna, vemos que o isolamento e a exclusão dos sujeitos foram conseguidos pela dispersão – pela convencionalização. O debate que se travou a respeito do melhor método a ser aplicado na educação de surdos, conforme visto acima, permanece até hoje, motivo de disputa entre os ouvintes, que, na realidade, perseguem o mesmo objetivo: “a criação de uma identidade dos surdos aceitável e conveniente para os interesses sociais e administrativos dos que ouvem” (WRIGLEY, 1996, p.51). Essa breve contextualização histórica em torno do surdo e da surdez talvez retrate o que WRIGLEY tem chamado de “história padrão dos surdos”, uma vez que os relatos dessa história foram transmitidos pelos que ouvem. Dentro desse contexto, verifica-se certa seletividade histórica, pois “apenas certos eventos e significados são escolhidos para ênfase ou celebração, enquanto outros são negligenciados ou excluídos”(WRIGLEY, 1996, p.57). A educação de surdos, incluindo as práticas e políticas educacionais, encontra- se inserida no discurso oficial da educação especial, que mascara a surdez, no intuito de normalizar os surdos em ouvintes. Portanto, o currículo presente nas instituições especiais não se afasta desse objetivo, ainda que camuflado por algumas alternativas metodológicas constantes nas discussões teóricas e nas práticas pedagógicas presentes nas escolas de surdos. Uma dessas alternativas, a Comunicação Total12, vem provocando grandes debates entre pesquisadores, teóricos, professores e a comunidade surda. Diversos autores e lingüistas colocam em discussão o conceito e a prática dessa metodologia. Segundo Britto (1993, p.31), a Comunicação Total perdeu o seu sentido original de reconhecer a língua de sinais como direito fundamental da criança surda, mas, como mostra sua prática, “ela deixou de representar uma filosofia educacional oposta ao Oralismo para se constituir apenas numa técnica manual do Oralismo”. 12 (ASSUNTO) - Comunicação total: Sobre a Comunicação Total na educação de surdos acesso o texto da obra de BRITTO, Lucinda F. Integração Social e Educação de Surdos. Rio de Janeiro: Babel Editora, 1993. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 23 Figura 5: Comunicação Total: técnica que utiliza vários recursos na educação de surdos A concepção de Comunicação Total também foi abordada por Wrigley (1996, p.6) em seu livro The politics of deafness. Segundo este autor, “Comunicação Total é qualquer coisa menos total e raramente comunica”. Ainda conforme Wrigley: Comunicação Total, tanto como idéia quanto metodologia, foi inicialmente proposta como uma abordagem à educação e comunicação, combinando tanto fala como os sinais num programa individualmente adaptado para as potencialidades e deficiências de determinada criança surda. Na aplicação prática, entretanto, a comunicação total veio significar a mistura da fala e língua de sinais mais convenientes a cada professor, muitas vezes sem considerar as potencialidades ou as necessidades de qualquer criança. O uso da língua de sinais nesses ambientes mostrou-se ser, na melhor das hipóteses, apenas “fala apoiada pelo sinal”, que é inadequada para ser compreendida por uma criança como uma mensagem completa (WRIGLEY, 1996, p.16). PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 24 O fato de direcionar o enfoque curricular para um campo de lutas e de conflitos significa provocar um afastamento do campo curricular relacionado com técnicas e metodologias até então pensadas pelas filosofias do oralismo e da Comunicação Total. Entender o currículo como um território contestado13 é entender como circulam, como se organizam, como se selecionam e legitimam os conhecimentos dentro de um espaço escolar. Nesse sentido, a Teoria Crítica vem problematizando o processo pelo qual um conhecimento passa a ser legítimo, como também, quais os conteúdos que deveriam fazer parte dos currículos, mostrando as intencionalidades das políticas educacionais. Portanto, Connell (1992, p.72) argumenta que “nenhuma seleção de conhecimentos ou métodos é aleatória ou neutra com respeito à estrutura na sociedade na qual ocorre”. Portanto, um currículo que procura atender a toda uma legião de estudantes corporifica e negocia relações de hegemonia entre os interesses com os quais está lidando. Vislumbramos, neste momento, a escola de surdos, com seu discurso hegemônico de “normalização” dos “sujeitos deficientes”, relacionado-o com os interesses de uma política educacional com ênfase no Oralismo e na Comunicação Total. B.2 – A Produção de sujeitos bilíngües - as políticas de educação bilíngüe para surdos Entre os primeiros intentos e debates acerca do que seria uma educação bilíngüe, encontram-se em Sanches (1990) elementos que contribuíram para aproximar o conceito de educação bilíngüe à situação de outras comunidades lingüísticas: Uma educação bilíngüe parte do reconhecimento da coexistencia de duas línguas no entorno da criança, as quais se atribuem todo seu valor como instrumento de comunicação e como valor de pertencimento, portanto considera-se obrigatório respeitá-las como tais, independentemente do prestigio que lhes é atribuído pelo grupo dominante. E que se faça valer o 13 (ASSUNTO) - Território contestado: Para enteder o currículo como um território contexto leia a obra de: MOREIRA, AntônioFlávio e SILVA, Tomaz Tadeu.(Orgs.). Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 25 direito da criança a utilizar em sua aprendizagem a língua que lhe permita melhor desenvolvimento. Não restringindo o conceito de educação bilíngüe ao simples fato de utilizar dois idiomas na atividade escolar (SANCHES, 1990, p.146). Figura 6: Bilingüismo: centralidade do uso da Língua de Sinais Neste contexto, torna-se evidente o caráter lingüístico dessa perspectiva, ou seja, a educação bilíngüe deve basear-se na utilização plena da língua de sinais, a fim de garantir o desenvolvimento intelectual e lingüístico do aluno surdo, otimizando o aproveitamento do ensino escolar e facilitando a aprendizagem da língua falada nas suas formas oral e escrita (SANCHES, 1990). Para Britto (1993), o bilingüismo é uma filosofia educacional para surdos que defende o aprendizado da língua oral e da língua de sinais, reconhecendo o surdo na sua diferença e na sua especificidade. Segundo a autora, o bilingüismo, não apenas respeita a língua de sinais como a língua natural do surdo e valoriza o seu uso além da comunicação e do trabalho escolar, mas também supõe que a estrutura gramatical da língua de sinais PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 26 seja ensinada na escola como se costuma fazer com o ensino da primeira língua nos vários níveis escolares. Ou seja, a língua de sinais não serve apenas de meio para o ensino de várias disciplinas escolares, ela também é objetivo (BRITTO, 1993, p. 48). Do mesmo modo para Regina Maria de Souza, o bilingüismo parte do pressuposto de que o surdo deve ser exposto à língua de sinais o mais cedo possível. Souza defende, assim, que os conhecimentos lingüísticos construídos pelo surdo em língua de sinais serão ativados e irão lhe facilitar a aquisição da língua oral. A autora advoga, portanto, a importância do domínio de duas línguas pelo surdo e reconhece que, em tal situação, o surdo poderá ter uma identidade bicultural. Além disso, segundo Souza (1995, p.20), “a passagem para a Educação Bilíngüe se constitui muito mais numa mudança de ideologia a respeito da surdez do que na troca de uma metodologia para outra”. Nesse sentido, a autora contribui significativamente para a atual discussão de um ensino bilíngüe para surdos, destacando a importância de este ensino estar vinculado a uma perspectiva pedagógica socializada e não atrelado a práticas clínicas e terapêuticas, pois, neste contexto de educação, “não há deficiência a ser reabilitada”. Souza ressalta também a distância que há entre falarmos em educação especial e falarmos em educação bilíngüe: “o ensino especial, tal como é praticado hoje em dia, pouco tem a ver com um modelo bilíngüe” (SOUZA, 1995, p.20). Para SKLIAR (1997), a educação bilíngüe para surdos encontra-se ancorada a um processo histórico14 e, por estar desenvolvida nesse contexto, encontra e gera condições, de ser implementada como uma filosofia de educação e não apenas como uma alternativa metodológica. Segundo o autor: 14 (GLOSSÁRIO) - Processo histórico: Segundo SKLIAR (1997a), estamos assistindo a uma revolução no âmbito da educação dos surdos; percebe-se a adesão cada vez maior da comunidade surda e de uma parte bastante significativa dos professores ouvintes nos debates educacionais. As investigações científicas que participam desse processo de transformação estão oferecendo subsídios teóricos e metodológicos cada vez mais significativos para a temática da surdez; todos estes elementos permitem falar de uma “virada” na educação de surdos. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 27 Não estamos assistindo, simplesmente, uma mudança -uma mais- de um sistema metodológico por outro; não se descobriu como fazer falar ou ler aos surdos; no se propõe uma meta de escrita curricular que seja rápida e eficaz. Não é isto o que interessa à educação bilíngüe para os surdos; não é ali onde estão suas contradições (SKLIAR, 1997b, p.140). Portanto, onde estariam as contradições e as dúvidas dessa proposta educativa? Quais seriam os interesses dessa proposta para a educação de surdos? Talvez algumas das respostas a essas perguntas não sejam encontradas, principalmente se forem procuradas com olhos clínicos15, como se fosse possível por exemplo, ouvir surdos falarem. Do mesmo modo, essas respostas não serão possíveis se a proposta bilíngüe passar a ser considerada uma “tábua de salvação”, ou ainda se for vitoriosa a tentativa de rotulá-la como mais um método a ser testado na educação dos surdos. Como vemos, torna-se um pouco difícil definirmos o que seria a educação bilíngüe para surdos; até o momento, valemo-nos da terminologia clássica da lingüística para defini-la. Mas, como nos coloca SKLIAR, não teríamos que lançar um outro olhar a esta questão, uma outra maneira de questioná-la? (...) ao utilizar o termo bilíngüe na educação dos surdos não deveríamos pensar, somente, nas capacidades desse sujeitos para adquirir/aprender duas ou mais línguas, nem de estarem obrigados a uma forçada comparação com as habilidades que demonstram os ouvintes em tais situações. A aplicação do termo bilingüismo na área da educação dos surdos deveria aludir a sua acepção pedagógica, ou seja, a idéia de uma educação bilíngüe (SKLIAR, 1997b, p.142). Pelo fato de o bilingüismo ser analisado pelo olhar pedagógico não propomos, que a lingüística pare de estudar a situação bilíngüe em que se encontram os surdos. Observa-se que esta “situação bilíngüe” não se torna uma condição natural pelo 15 (ASUNTO) - Olhos clínicos: Para compreender melhor a influência da área médica na educação de surdos, mais especificamente na visão clínico-terapêutica da surdez, na qual perpassa todo o discurso do oralismo, sugere-se a obra: A Educação do Surdo no Brasil, Maria Aparecida Leite Soares (Campinas – SP: Autores Associados: Bragança Paulista, SP: EDUSF, 1999) PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 28 simples fato de que os surdos convivem com duas línguas. Muitas vezes, isso é confundido porque alguns surdos adultos utilizam a língua de sinais com a fala, com a escrita ou com a leitura, porém estes fatos não explicam e não legitimam uma situação bilíngüe para todos os surdos. A questão é que nos encontramos num fogo cruzado, em que diferentes grupos de ouvintes (pais, professores, direção, fonoaudiólogos...), com extremas diferenças na maneira de ver e de pensar uma educação bilíngüe para surdos, tentam dar um significado acerca do que seria uma proposta de educação bilíngüe. Uma parte desses grupos vê no bilingüismo um suporte material para os surdos terem acesso à língua oral e, associado a ela, um melhor desempenho na língua escrita; outros esperam do bilingüismo uma solução que incida no currículo escolar, ou seja, querem que o conhecimento escolar chegue aos surdos da mesma maneira e do mesmo modo que chega às crianças ouvintes. Porém, essa maneira de olhar a proposta bilíngüe não é compactuada por uma parte significativa da comunidade dos surdos. Segundo Skliar (1997b, p.145): As comunidades de surdos que estão reflexionando e debatendo sobre este tema, defendem a proposta do bilingüismo, em primeiro lugar, com o objetivo que se reconheça o direito a aquisição e o uso da língua de sinais e, conseqüentemente, para que possam participar no debate educativo, cultural, legal,de cidadania, etc. Como podemos ver, há uma série de ambigüidades no que se refere ao termo “bilíngüe”, quando utilizado referindo-se à educação de surdos. Não há como descrevermos ou referirmos ao bilingüismo como uma forma harmoniosa de trocas culturais; este é mais um espaço conflitivo na educação de surdos. Dentro desse contexto, acreditamos que a pretensão de uma nova perspectiva na educação de surdos não é vir a se tornar um modelo, uma proposta dada como completa e acabada, a ser empacotada e distribuída a todas as escolas de surdos, como se pudéssemos falar em uma proposta universal de educação bilíngüe. O que encontramos são diferentes escolas bilíngües, atreladas a fatores sociais, culturais e políticos diferentes em cada país. Essa multiplicidade de fatores intervém de forma bastante significativa na estrutura e nos objetivos de uma proposta educativa; portanto, em cada escola de surdo há um cenário diferente – pintado com os mais PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 29 diversos recortes culturais, lingüísticos, didáticos, curriculares e históricos – capaz de compor uma pedagogia significativa para a educação de surdos. No entanto, o que temos visto, nos discursos e nas práticas escolares, é o contrário do que acreditamos ser uma possível proposta bilíngüe. O discurso que a constitui é mais uma das metanarrativas16 ancoradas na educação de surdos, ou seja, a “novidade metodológica”. Uma “novidade” que persiste em manter o velho discurso relacionado com as questões da língua: língua oral ou língua de sinais (SKLIAR, 1997a). Em outras palavras, as metanarrativas presentes nos discursos educacionais sobre surdez – como a integração, a educação especial, a deficiência auditiva, a normalização e agora também o bilingüismo – têm servido para que certos grupos de ouvintes imponham suas visões particulares, disfarçadas de universais, à comunidade surda. Em termos curriculares, as metanarrativas ajudam a justificar a exclusão de outras narrativas que se opõem à narrativa mestra. Neste sentido, torna-se importante perguntar: - qual é essa narrativa mestra que permeia e define o discurso curricular na educação de surdos? De quem é essa “grande verdade”, que faz com que algumas vozes sejam ouvidas e outras não? A quem pertence o conhecimento e o saber corporificados no currículo? Que elementos compõem um currículo hegemônico na educação de surdos? Para responder a todos esses questionamentos, talvez seja interessante, relacionar a discussão curricular com outros elementos, que legitimam e constroem o currículo na educação de surdos. B.3 – Quem são e como aprendem os sujeitos surdos Atualmente, a relação da surdez com as sociedades culturalmente ouvintes é construída pelas barreiras da comunicação e da participação. Analogicamente, neste contexto, a surdez pode ser comparada à pobreza, que reclama pela falta de acesso a uma educação básica, a condições dignas de vida, a informações adequadas. Estas 16 (GLOSSÁRIO) – Metanarrativas: A expressão metanarrativas a partir de Bayer e Liston (1993),está relacionada com as teorias sociais, morais, políticas ou psicológicas, como também com visões metafísicas ou epistemológicas que buscam uma verdade universal e válida para qualquer suposta realidade. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 30 semelhanças levam os surdos, como outros grupos socialmente desprivilegiados, a se agruparem na luta por suas necessidades emergentes. No entanto, os surdos, como qualquer outro grupo social culturalmente diferente, encontram-se subordinados e subjugados a outros grupos sociais que se delegam o poder de representar a si e aos outros; são os ouvintes em relação aos surdos, são os brancos em relação aos negros, são os homens em relação às mulheres, enfim, uma legião de sujeitos colonizados pelas “verdades” constituídas pelo pensamento dominante. Nesse sentido, podemos dizer que os privilégios de alguns indivíduos e nações implicam diretamente a privação e o sofrimento de outros grupos e de outras nações (APPLE, 1995). Portanto, não podemos deixar de relacionar as políticas de exclusão e de discriminação com o eixo básico das relações de poder: Numa era de uma proclamada e inevitável globalização, é importante retomar uma visão que coloque no centro de nossas preocupações teóricas e políticas as relações de poder e desigualdade entre diferentes povos e nações. É importante compreender não apenas as relações de exploração econômica entre os diferentes países da chamada “ordem mundial”, mas também as relações de construção simbólica da dominação e da subordinação na qual certos grupos e nações se constroem como superiores e constroem a outros como inferiores. Nesse contexto, torna-se crucial examinar as formas e os regimes de representação e de discursos pelos quais o “outro” foi e continua sendo social e historicamente construído como objeto de um olhar imperialista e colonial (SILVA, 1996, p.204). Então poderíamos considerar que a surdez e os surdos foram constituídos e construídos a partir de um olhar colonialista do ouvinte, que, segundo Wrigley (1997, p.7), basear-se-ia num colonialismo pastoral. Segundo o autor: como acontece com a dominação ocidental de outras “descobertas” estrangeiras, a relação dos que ouvem com as culturas dos surdos tem sido basicamente a de um colonialismo pastoral, neutralizada há tanto tempo que desapareceu do “normal” consensual. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 31 No atual discurso da educação de surdos, principalmente no que se refere aos estudos surdos, a colonização dos surdos pelos ouvintes foi conceituada pelo que Skliar (1998, p.15) chama de ouvintismo: Trata-se de um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar [sic] e nesse narrar-se que acontecem as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte; percepções que legitimam as práticas terapêuticas habituais. Podemos observar, a partir desse conceito, de quem são as normas a serem seguidas pelos surdos, ou melhor, quem é o padrão de sujeito estabelecido para ser considerado “normal”. Talvez o termo “whiteness17” possa ser usado nesse contexto para exemplificar o que entendemos por ouvintismo enquanto norma. A “whiteness”, palavra que pode ser traduzida como “branquidade”, é definida como a condição e a qualidade de ser branco, ou seja, é a “norma branca pela qual as pessoas com outra cor de pele são definidas como o ‘outro’”. “É o outro que é definido como étnico ou racial” (SILVA, 1995, p. 10). Em outras palavras, a “whiteness” pode ser entendida como sendo natural e fazendo parte da política cultural do Ocidente, em que o olhar do branco predomina como normalizante. Tal situação também é encontrada quando nos referimos àquelas pessoas consideradas “normais”, caracterizadas por possuírem sua capacidade auditiva integral. Este olhar regulador pretende representar o surdo nomeando-o por meio de alguns rótulos como deficiente auditivo, surdo-mudo, descapacitado, pessoa portadora de necessidades educativas especiais, entre outros “eufemismos politicamente corretos”. Esses sujeitos são “os outros”, aqueles e aquelas que são considerados diferentes. Contudo, se as suas posições fossem alteradas ou trocadas, se quem é assim representado tivesse o direito de falar de si mesmo, 17 (GLOSSÁRIO) – Whiteness: termo que foi escolhido por SILVA, na tradução de APPLE (1995b), intitulado “Consumindo o “outro”branquidade, educação e batatas fritas baratas”. A expressão Whiteness é.utilizada para designar a idéia de norma, no caso, a normalidade e a supremacia da cultura branca. A referencia deste texto encontra-se na bibliografia deste caderno. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 32 pudesse se autodescrever, então deixaria de ser o “outro”. Ninguém é essencialmente diferente, ninguém é essencialmente o outro; a diferença é sempre constituída a partir de um dado lugar que se toma como centro. (LOURO, 1998, p.36). Dentro desse contexto, é necessário percebermos que ouvintismo e oralismo não são considerados sinônimos. O oralismo pode ser considerado uma prática social interessada no discurso clínico e terapêutico da surdez, corporificando-se como a ideologia dominante na educação de surdos. No entanto, observamos que o ouvintismo e o oralismo são inter-relacionados, porque tanto um quanto o outro têm o poder de legitimar e de centralizar as decisões que norteiam a educação de surdos, como o currículo, as práticas e os espaços escolares, a formação de professores, enfim, grande parte da política educacional para surdos desenvolvida neste país. Diante disso, é importante perguntar: qual seria este ambiente tão natural e tão restritivo para que a educação, no caso dos surdos, pudesse se desenvolver? Poderíamos arriscar responder essa questão perguntando: seria a escola regular, a escola de ouvintes, um ambiente natural para a comunidade surda? Um ambiente onde as práticas e discussões privilegiam a língua oral na sua forma escrita e falada e onde a língua de sinais é vista simplesmente como um meio e não como a língua específica da comunidade surda? Questões como essas nos ajudam a perceber o quanto a política curricular presente nos discursos das políticas públicas favorece e legitima a cultura de determinados grupos em relação a outros. Já foi comprovado que o contexto próprio do surdo é a sua comunidade, onde questões como a língua, a cultura e a identidade desse grupo se mantêm presentes e ativas de geração em geração. Portanto, não podemos considerar que o “ambiente natural” da comunidade surda seja a escola regular e tampouco a escola especial. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 33 Figura 7: Processo ensino-aprendizagem da criança surda: interação com a língua de sinais A busca desse terreno natural, no qual os surdos deveriam ser escolarizados e integrados socialmente, só será materializado se, no âmbito da normalidade, a diferença for negada. O discurso proclamado em favor das igualdades de oportunidades, produzido, principalmente, pelas políticas públicas, com o argumento de que o tratamento diferente ou especial estigmatizaria ainda mais os sujeitos surdos, nada mais é que uma nova estratégia de compreendermos a diferença como uma oposição, ou seja, identifica igualdade como semelhança e diferença como desvio (YOUNG, apud WRIGLEY, 1996). A interpretação de normalização dos estudos surdos se apóia em Davis, quando ele argumenta que não é possível separar o modo como a normalidade está sendo produzida no discurso sobre a incapacitação. Vivemos em uma sociedade que é constituída por normas, que regram e orientam uma forma de vida social considerada ideal para todos os sujeitos; portanto, torna-se difícil viver sem elas. Analisando culturalmente, Davis (apud. SILVA, 1998, p.5) enfatiza que o “ problema” não são a pessoas com algum tipo de incapacitação , o “problema” é a forma como a normalidade é construída para criar o problema da pessoa com incapacitação” PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 34 Diante do volume de orientações legais acerca das práticas curriculares que se materializam no espaço escolar, professor e comunidade educativa precisam estar atentos, percebendo quem, de que lugar e para quem se está falando, ou seja, a intencionalidade, os interesses de quem está sendo privilegiado e de quem está sendo excluído. Atividade da Unidade B: Partindo do pressuposto de que as políticas curriculares se instituem como um discurso oficial, faça uma análise dos Parâmetros (adaptações) disponíveis no site: www.mec.gov.br/seesp/, Catálogo de Publicações/Projeto Escola Viva. Para esse exercício relacione as questões referentes à surdez as estratégias curriculares para identificar como vem sendo produzidas as questões do currículo para atender a diferença surda. Após a leitura, será proposto um fórum que constará na agenda da disciplina. Referências da Unidade B: APPLE, Michael. A política do conhecimento oficial: faz sentido a idéia de um currículo nacional? In: MOREIRA, Antônio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da. (Orgs) Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Editora Cortez, 1995, p.59-91. BELL, Alexandre Graham. Sobre la Formación de uma Variedad Sorda de la Raza Humana. In: História y cultura de la comunidad sorda. Apostila do Programa de Formação Pedagógica para a Educação de Crianças surdas no Marco do Modelo Bilíngüe-Bicultural, Buenos Aires: Universidade de Buenos Aires, 1996. BEYER, London E.; LISTON, Daniel P. Discurso ou ação moral? Uma crítica ao pós- modernismo em educação. In: Silva, Tomaz T. D. (Org.). Teoria Educacional Crítica em Tempos Pós-Modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p.73-102. BRITTO, Lucinda F. Integração Social e Educação de Surdos. Rio de Janeiro: Babel Editora, 1993. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.mec.gov.br/seesp/ http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 35 CONNELL, R.W. Política educacional, hegemonia e estratégias de mudança social. In: Teoria e Educação. Porto Alegre, n°5, 1992, p.66-80. LOURO, Guacira Lopes. Segredos e Mentiras do Currículo. Sexualidade e gênero nas práticas escolares. In: SILVA, Luiz H. D. (Org.). A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 33-47. SANCHEZ, Carlos M. La incrible y triste historia de la sordera. Caracas: Editorial Ceprosord, 1990. SILVA, Tomaz Tadeu da. A Política e a Epistemologia da Normalização do Corpo. Revista Espaço, Rio de Janeiro, 1998 . _____________________. Identidades Terminais: as transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. _____________________. Os novos mapas culturais e o lugar do currículo numa paisagem pós-moderna. In: MOREIRA, Antônio Flávio; _______. (Orgs.). Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1995, p.184-201. SKLIAR, Carlos. A Reestruturação curricular e as políticas educacioanais para as diferenças: o caso dos surdos. In: AZEVEDO, José Clóvis de – SANTOS, Edmilson Santos da e SILVA, Luiz Heron da (Orgs) Identidade Social e a Construção do Conhecimento. Porto Alegre – RS – Ed. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, 1997a , p.242-281. ______. La educación de los sordos: uma reconstrución histórica, cognitiva y pedagógica. Mendonza; Ed. Ediunc, 1997b. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 36 _____. Os Estudos Surdos em Educação: problematizando a normalidade. In: ____(Org.). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Ed. Mediação, 1998, p.1-32. Soares, Maria Aparecida Leite. A educação do Surdo no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados: Bragança Paulista, SP: EDUSF, 1999. WRIGLEY, Owen. A Política da surdez. Original: The Politicsof Deafness. Washington, D.C.: Gallaudet University Press, 1996. (texto traduzido para seminário). Sites relacionados da unidade http://www.surdospelsurdos.com/noticiaseducacao.asp http://www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/midiateca_artigos/historia_educacao_surdos /texto29.pdf http://www.tveregional.com.br/colunistas.php?IDc=9&IDa=19 http://www.ines.org.br/ines_livros/13/13_PRINCIPAL.HTM http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32621998000300007 http://www.google.com.br/search?hl=pt- BR&q=educa%C3%A7%C3%A3o+de+surdos+e+o+oralismo&btnG=Pesquisar&meta= http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32621998000300001 http://www.criancasurdafeliz.hpg.ig.com.br/bilinguismo.htm http://www.ronice.ced.ufsc.br/publicacoes/edu_surdos.pdf http://www.lerparaver.com/amigos/leonardo_deficiencia_auditiva.html PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.surdospelsurdos.com/noticiaseducacao.asp http://www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/midiateca_artigos/historia_educacao_surdos http://www.tveregional.com.br/colunistas.php?IDc=9&IDa=19 http://www.ines.org.br/ines_livros/13/13_PRINCIPAL.HTM http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32621998000300007 http://www.google.com.br/search?hl=pt http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32621998000300001 http://www.criancasurdafeliz.hpg.ig.com.br/bilinguismo.htm http://www.ronice.ced.ufsc.br/publicacoes/edu_surdos.pdf http://www.lerparaver.com/amigos/leonardo_deficiencia_auditiva.html http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 37 Unidade C – SURDEZ E PEDAGOGIA DA DIFERENÇA Relacionar a surdez com a pedagogia da diferença significa colocar em suspeição os próprios conceitos de diferença e diversidade18. Nessa unidade, procuraremos rever esses conceitos, atentando para o fato de que estes, na maioria das vezes, são abordados como sinônimos, ou seja, com padrões equivalentes de comparabilidade que permitem continuar traçando a fronteira entre situações designadas como normais ou como anormais. Nesse contexto, buscaremos problematizar a forma como a surdez é produzida, sendo então compreendida muito mais como uma diversidade cultural que como uma diferença política. Pensar em uma pedagogia que trate das questões do outro, tais como, no caso desse estudo,das questões que tratem do outro surdo, significa ir além das benevolentes e solidárias ações de boa vontade voltadas à diferença, que somente enaltecem e reconhecem o outro. É preciso, em primeiro lugar, perceber que a noção de “diferença” não substitui, simplesmente, a de diversidade ou a de pluralidade nem, muito menos, a de deficiência ou a de necessidades especiais. Do mesmo modo, essas noções também não ocupam o mesmo espaço discursivo. A noção de diferença tem que ser vista como algo que é múltiplo, que está em ação, que produz, que se dissemina e prolifera e que se recusa a fundir-se com o idêntico para aproximar-se daquela idéia do diverso, do estático, do dado, daquilo que reafirma o idêntico no apagamento das diferenças. C.1 - Problematização das noções de diferença, deficiência e diversidade A noção de diferença pode ser abordada a partir de diferentes sentidos, no caso desse estudo, a associaremos a filosofia da diferença. Burbules & Rice, apontam para a noção de diferença, cunhada por Derrida. Segundo os autores acima, Derrida trabalhou com o termo différance para iniciar uma espécie diferente de diferença: A différance é uma estrutura e um movimento não mais concebidos na base da oposição presença/ausência. A différance é um jogo sistemático 18 (ASSUNTO) - Diferença e diversidade: Para conhecer mais sobre a discussão que coloca diferença e diversidade em matriz conceitual diferente leia a obra de : BHABHA, Homi K. O local da cultural. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 38 da diferença, dos traços de diferença, do espaçamento por meio do qual os elementos são relacionados entre si. Este espaçamento é simultaneamente ativo e passivo, feito da produção sem intervalos os quais os termos plenos não significariam, não funcionariam (apud BURBULES & RICE, 1993, p.182). Tentando abordar este conceito sob o domínio das teorias sociais, relacionando- o assim à surdez, podemos entender que a surdez, enquanto uma diferença, nega a atribuição puramente externa de ser surdo e alguma característica marcante, por exemplo, ao fato de não ouvirem. Nesse contexto, a diferença não é entendida como oposição: diferenças são sempre diferenças, que se constituem num processo ativo de identificação e de produção de subjetividade. Figura 8: Diferença surda: respeita a especificidade da experiência visual Para o entendimento dessa problematização, convém assinalar, nesse momento, a distinção entre os termos “diferença” e “diversidade”. Segundo o dicionário Houaiss (2001), “diferença” significa “qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de outra; falta de igualdade ou de semelhança; característica do PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 39 que é vário”; e “diversidade” é a “qualidade daquilo que é diverso, diferente, variado; variedade; conjunto variado; multiplicidade; desacordo, contradição, oposição”. Analisando essas primeiras noções, parece haver um consenso entre “diferença” e “diversidade”, ambas fazem parte de um mecanismo comum que coloca na mesma rede discursiva seus significados, ou seja, “diferença e diversidade permitem-nos distinguir o outro do um, o outro do mesmo. Quer dizer que o diferente ou diverso é o contrário do idêntico” (FERRE, 2001, p. 195). Percebe-se que esse consenso é chave para entender os discursos da igualdade, da tolerância e da solidariedade produzidos pelas políticas públicas. Mas será que essas definições tão precisas não mereceriam um outro olhar, ou uma (re)volta desse olhar? Os apelos ao respeito às diferenças e às diversidades dos sujeitos, como atributos que marcam aquilo que “distingue uma coisa da outra”, como uma característica daquilo que está em “desacordo”, em “contradição”, não estariam novamente marcando os cânones da normalidade? Ou seja, marcando o que deveria ser corrente, habitual, correto e normal em cada um de nós? É possível que sim, pois, novamente, o que se vislumbra nessa sinonímia diferença/diversidade nada mais é do que o estabelecimento de uma medida comum, de um padrão de comparabilidade que permite continuar traçando a fronteira entre situações designadas como normais e anormais, mas talvez agora por uma estratégia mais astuta, mais refinada – a do deslocamento constante dessa fronteira. Em outras palavras, não basta simplesmente anular ou excluir o anormal, o que é preciso é tornar visíveis as linhas de fronteira que fazem com que esses sujeitos deslizem pelos limiares entre a anormalidade e a normalidade, pois, delimitando claramente essas fronteiras, fica mais fácil capturar e, assim, corrigir os anormais. É justamente o ato de “obscurecer e eclipsar as linhas fronteiras” que faz com que algumas pessoas se tornem, perante a norma, um problema. Portanto, dependendo da situação e do momento, algumas fronteiras devem ser vistas com mais atenção que outras (BAUMAN, 1998). Nesse sentido, é importante ressaltar que o conceito de diferença deve ser tomado como uma política de significação. Ao percebê-lo assim, distanciamo-nos da noção de diversidade que vê a diferença como uma “obviedade cultural”, “uma marca de pluralidade”. O olhar dedicado às diferenças, pelo véu da diversidade, vê-as PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com
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