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DUBY, Georges O ano mil

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Identificação da Obra: DUBY, Georges. O ano mil. Lisboa: Estampa, 1978. 
Autor: Georges Duby 
Um dos mais importantes historiadores franceses, medievalista e um dos grandes pensadores da chamada Nova História, George Duby nos lega uma extensa obra sobre a sociedade feudal européia, repleta de humanismo e de paixão.
Desde cedo, Duby orientou-se para os estudos da Idade Média e da sociedade feudal na Europa, sofrendo profundas influências de pensadores como Michelet e Marx e de outros dos quais foi contemporâneo ou pôde conviver. Era partidário do método micheletiano que fundia lucidez e paixão. Como muitos destes, a exemplo de Lucian Febvre, dedicou-se, no início, à Geografia, mas acabou concentrando-se no ofício da História, muito em conseqüência do trabalho realizado com seu mestre, Jean Demian. Primeiramente, seus estudos históricos se voltaram para o campo da economia e do comércio nas sociedades da Idade Média, no que sofreu influências de Henri Pirenne e Marc Bloch, de quem preferiu tornar-se ávido leitor.
Sua cultura histórica passou também por Henri-Irénée Marrou que o ensinou o método da exposição clara, mas também o fez ler Spengler e Friedman. Mas sua cultura humanística foi ampliada também pelo que assistiu durante os tumultuados anos 30 e 40: a Frente Popular, a Guerra de Espanha, a Ocupação Nazista e o Exército Vermelho em sua caminhada durante a Segunda Grande Guerra. Algumas destas experiências o aproximaram do marxismo. Serviu-se da obra de Marx para estudar a economia medieval, o que considerou "uma projeção arbitrária (que) revelou-se extremamente eficaz". Diante dos seus diversos interlocutores e, em especial, dos estudantes de todo o mundo, dizia não ser materialista, mas reconhecia com gosto sua "imensa dívida para com o marxismo", "prodigioso instrumento de análise". Foi amigo de Althusser, de quem também sofreu influência no que concerne às formulações sobre as superestruturas e, em especial, as ideologias e valores, utilizadas nos seus inúmeros estudos sobre a mentalidade medieval. Homem de prodigiosa formação humanística, estudou também Gramsci, Labriola e Lénin. Por ser avesso às sistematizações rigorosas no campo da teoria, o que foi uma tradição dos historiadores dos Annales, pode-se até constatar que o seu ecletismo não é apenas cultural, mas epistemológico. Entretanto, é necessário afirmar, com a mesma força, que o seu ecletismo não era desatento, mas oriundo da vontade salutar de não cair nas amarras em que muitos da sua geração soçobraram, para depois renegá-las. Atento aos acontecimentos contemporâneos, ao escrever as suas anotações autobiográficas, colocou-se contra as teses do fim da história e, consciente de que estava da profundidade da crise contemporânea, afirmou: "estamos no meio da mutação e não sabemos ainda o que irá substituir aquilo que está se desfazendo". Disse ainda, no início de 1993, que "já há alguns anos, é a história contemporânea que parece formar o setor mais vivo" do desenvolvimento historiográfico. Na mesma entrevista, este grande arauto da chamada história das mentalidades desabafou: "não pensem que me coloco distante das coisas que se movem ao meu redor. Ao contrário, o bom historiador deve se achar atento a tudo, não simplesmente ao que agita as condições do seu próprio mètier, mas dos problemas do mundo". 
A obra: 
Servindo-se de uma abundante e variada documentação, Georges Duby, um dos grandes nomes entre os historiadores da Idade Média, procura reconstruir neste livro um quadro suficientemente amplo do ano 1000 D.C., nos seus aspectos mais característicos: apocalíptico, prodigioso, místico, maniqueísta, etc. 
A Europa saía de uma grave crise, o que provocou uma evolução da cultura que foi notável, por exemplo, no que diz respeito à importância que adquiriu o escrito e que se manifestou através da proliferação de documentos, permitindo aos historiadores o conhecimento deste período, graças ao desvelo com que monges e clérigos os guardaram e cuidaram, porque era através deles que poderiam comprovar os seus privilégios e prerrogativas. 
Os historiadores interpretam o "terror milenar" que se apossou dos europeus como uma expressão do caos político que se seguiu à desagregação do Sacro Império, desenhada com tintas fornecidas pelas Escrituras
A partir do milênio da paixão, o mundo encontraria o seu equilíbrio e iniciava-se uma nova etapa, conforme nos transmitem os escritos de Raul Glaber. Cessaram as calamidades, vivia-se plenamente o movimento da Paz de Deus, a Igreja efetivava uma verdadeira reforma, o monaquismo alcançava novo fôlego, construíram-se santuários e novas igrejas que cobriram a Europa de um "manto branco de igrejas", refletindo melhores condições econômicas e sociais.
O ANO MIL
Para a época tratada pelo livro, ano 1000 D.C., poucos textos existiam para a construção de um relato histórico. As cartas encontradas, referentes à época, não pretendiam relatar acontecimentos, e sim, estabelecer direitos. Somente o clero era letrado, mas nas assembléias em que mosteiros e bispados pleiteavam, os chefes de bando, mesmo sem conhecimento da leitura, não ousavam desprezar abertamente os pergaminhos. Por ser o clero o único detentor da escrita, todos os arquivos eram eclesiásticos. Tais arquivos, estudados em rolos e séries, serviam para transmitir as condições econômicas, socais e jurídicas daquela sociedade. 
A literatura era em latim e exercia a função de prolongar s tradição romana, tendo os mosteiros como principais focos de cultura. O abade de Cluny, Pedro, o venerável, já afirmava que todas as ações produzidas no mundo deveriam servir para a glória e edificação da Igreja, e devem ser conhecidas. Todo o relato histórico está presente na liturgia, porém este não apresenta relato dos acontecimentos. Existiram quatro gêneros de escritos históricos: 1ª Anais, principais acontecimentos conhecidos (mosteiros carolíngeos); 2ª Crônicas, anais retomados transformados em literatura; 3ª Livros de milagres, basílicos de peregrinação (os quais serviam para divulgar o seu prestígio). 4ª Verdadeiras histórias. 
Todas as obras precedem da renascença carolíngeas. As estruturas culturais eram o espicopado, as catedrais e as escolas. O Panfleto de Adalberão consiste em uma crítica ao enfraquecimento real, ligado à intromissão dos monges nos negócios públicos. O ano mil é o tempo dos monges, visto, também, que os historiadores são educados em mosteiros. Os grandes monumentos da arte românica foram abadias, não catedrais, A escrita se dava através dos olhos dos monges. O renascimento carolíngeo se dá em regiões realmente franca. Neste período o monaquismo adquire uma renovada importância, porque é nos mosteiros que a cultura tem possibilidade de se expandir e, por isso, exigia-se uma reforma das estruturas das abadias. Desta forma, os mosteiros sobrepuseram-se às sés catedrais e o abade suplantara o bispo, comprovadamente pela actividade construtiva de abadias em detrimento das catedrais. Os centros de cultura deixaram de ser as zonas do Império do Loire e do Reno, para se deslocarem para a periferia, nomeadamente, a Saxónia que constituiu um refúgio para os monges no período em que o reino franco foi assolado pelas investidas dos salteadores normandos e húngaros. Foi dali que partiu o movimento de evangelização dos pagãos do Norte e do Leste. A disperção da atividade intelectual em direção à periferia do antigo Império é um reflexo do desmoronamento decisivo do Império, onde algumas grandes raças dominavam ,cada uma, um principado territorial.
No ano mil, para a história, o cotidiano não importava. Era uma sociedade fortemente hierarquizada. Os textos serviam para louvar os príncipes monarcas e servem para fornecer uma contribuição insubstituível das atitudes mentais e das reapresentações da psicologia coletiva, porém, mostrada através do ponto de vista dos homens da Igreja, e empobrecida pela tradução.
Os escritos históricos compostos por contemporâneos dão pouca importância ao milésimo ano da encarnação. Na passagem do primeiro para o segundomilênio da era cristã, o Ocidente vivia mergulhado em guerras, terrores e superstições: o fim do mundo estava próximo.  Na época de Clóvis I, considerado o fundador da França e que se converteu ao catolicismo após ser entronizado como rei em 481 d.C., alguns escritores católicos haviam apresentado a idéia de que o ano 500 d.C marcaria o fim do mundo. Depois de 500 d.C., a importância e a expectativa da vinda do fim do mundo ou das eras como parte dos fundamentos do Cristianismo foi marginalizada e gradualmente abandonada. Apesar disso, surgiu um temporário reavivamento dos temores relacionados com o fim dos tempos com a aproximação do milésimo ano do nascimento de Cristo. Muitos acreditavam na iminência do fim do mundo ao se aproximar o ano 1000. Segundo consta, as atividades artísticas e culturais nos mosteiros da Europa praticamente cessaram. Eric Russell observou no seu livro Astrology and Prediction: "'Em vista da proximidade do fim do mundo’ era uma expressão muito comum nos testamentos validados durante a segunda metade do Século X." Os medievais acreditavam que o destino do Império estava ligado ao fim do mundo. Para eles, o mundo foi criado por Deus e haverá o dia do juízo final. Milenarismo: ao passar de mil anos o mal invadirá o mundo. A era cristã começa na encarnação de cristo. Um dado curioso é o de que o milénio em causa poderia ser tanto o do nascimento de Cristo como o da sua morte. Isto significaria um duplo milênio, e por isso um novo período de crise previsto para 1033 - o milénio da Paixão. 
O que interessava não eram os acontecimentos em si, mas sim os sinais sobre um possível apocalipse. A história servia para alimentar meditação dos fieis, aguçar sua vigilância e evidenciar as advertências de Deus. 
Era um tempo de medo, o irreversível desmoronamento, século após século, do que ainda restava da civilização greco-romana, depois do fim do Império Romano do Ocidente, no século V, transformara o território europeu em campo de batalha onde gerações sucessivas se guerreavam interminavelmente visigodos e vikings, bretões e saxões, vândalos e ostrogodos, magiares e eslavos,um sem-fim de povos que não por acaso entraram para a História sob a denominação coletiva de "bárbaros". Além da violência, a miséria, a ignorância e a superstição recobriam a Europa na marca do ano 1000.
Hugo, em 991, convoca um concilio em Saint-Basles-lhes-Reims onde de nomeia a Gerberto como arcebispo de Reims. Esta nomeação supõe um enfretamento com Roma que não reconhece que Hugo tenha capacidade para nomear bispos ao considerar dita potestade exclusiva do Papa. Juan XV tentou declarar nulo a nomeação de Gerberto como arcebispo e para isso convocou concilios em Chelles, Aquisgrán e Roma que, no entanto, confirmaram a Gerberto como arcebispo, até que em um novo concilio celebrado em 996 conseguiu seu propósito e se restituiu a Arnulfo no arzobispado de Reims. Gerberto renunciou a sua dignidade e retirou-se ao corte do imperador Otón III até que em 998 foi nomeado arcebispo de Rávena. Depois da morte de Gregorio V, o 18 de fevereiro de 999, Gerberto de Aurillac, foi nomeado Papa e consagrado com o nome de Silvestre II como homenagem a Silvestre I, que foi papa em tempos do imperador Constantino I que adotou o cristianismo como religião oficial do Império Romano. Geberto foi encarregado de instruir nas artes os estudantes. 
A Igreja concentrava toda a cultura erudita. O alto clero falava latim, língua em que também eram redigidos os raros documentos da época textos que serviam para estabelecer direitos, como cartas de transferência de propriedades e notificações de decisões reais, pois o uso da escrita, já muito restrito, desapareceu quase por completo depois de 860. Nos mosteiros, os monges copistas reproduziam minuciosamente os livros sagrados e as obras dos filósofos gregos, como Aristóteles, cujo pensamento era considerado compatível com a doutrina oficial do cristianismo. Um monge gastava um ano de trabalho para fazer uma cópia da Bíblia, que consideram isto como uma rude provação para todo o corpo. Duro favor. 
A prática da simonia, venda de favores divinos, bençãos, cargos eclesiásticos, prosperidade material, bens espirituais, coisas sagradas, etc. em troca de dinheiro, era corrente entre os medievais. A etimologia da palavra provém de Simão Mago, personagem referido nos Actos dos Apóstolos (8, 18-19), que procurou comprar de São Pedro o poder de transmitir pela imposição das mãos o Espírito Santo ou de efectuar milagres. O direito canónico também estipula como simonia atos que não envolvem a compra de cargos, mas a transacção de autoridade espiritual, como dinheiro para confissões ou a venda de absolvições. Esta prática, na Idade Média,  provocou sérios problemas à postura moral da Igreja. Dante Alighieri condena os simonistas ao oitavo círculo do inferno, onde encontra o Papa Nicolau III enterrado de cabeça para baixo, com as solas dos pés em chama. O exemplo de Nicolau III serve como aviso e previsão aos Papas Bonifácio VIII, o Papa contemporâneo à "Divina Comédia", e Clemente V, seu sucessor, pela prática de tal pecado. Escritores menos devotos, como Maquiavel e Erasmo, também condenaram a simonia séculos mais tarde. A prática de simonia foi uma das razões que levou Martinho Lutero a escrever as suas "95 teses" e a rebelar-se contra a autoridade de Roma.
Tal como as pestes e as fomes, as principais agitações da heresia, em um povo desprovido e infinitamente pobre, mas que começava a sair de uma completa selvageria e que, alcançava nas suas elites religiosas, suficiente vigor intelectual para se interrogar sobre suas crenças. O significado dos sinais, como outrora aos padres da antiga Roma, pertence no ano mil aos homens da Igreja interpretá-los e revela-los ao povo. Quando se vê o diabo, não há dúvidas. Mas na verdade, em muitos casos, destingue-se com dificuldade de que lado, fasto ou nefasto, se dão as aparições.
Druthmare, outro monge de Corbie, anunciou novamente a destruição do globo para 25 de Março do ano 1000. O terror foi tanto que o povo de muitas cidades procurou refugiar-se nas igrejas, ali permanecendo até meia noite, na expectativa do juízo final, por morrer aos pés da cruz.
E' dessa época que datam inúmeras doações. Toda gente legava terras e bens aos mosteiros, que tudo aceitavam, apregoando, embora, o fim do mundo. Resta-nos, a esse respeito, uma crônica autêntica e assaz curiosa, escrita pelo monge Raul Glaber, no ano 1000. Diz ela em suas primeiras páginas: Satanás não tardará a ser solto, de acordo com a profecia de João, visto que os mil anos estão passados. E desses anos que nos vamos ocupar.
O fim do décimo e começo do undécimo séculos marcam uma época verdadeiramente estranha, quão sinistra. De 980 a 1040, parece que o espectro da morte abriu as asas sobre a Terra. A peste e a fome avassalaram toda a Europa. Temos, em primeiro lugar, o mal de fogo, que calcinava as carnes e as fazia cair de podre. Esses flagelados entupiam as estradas e iam, em peregrinação, sucumbir junto dos santuários, ali se acumulando e saturando a atmosfera de odores nauseabundos. Muitos jaziam insepultos, agarrados às santas relíquias. Essa peste horrorosa ceifou, só na Aquitânia, mais de 40.000 pessoas e devastou todo o sul da França. Seguiu-se-lhe a fome. Voltara-se à barbárie. Os lobos deixavam as florestas e vinham disputar ao homem o direito de vida. A invasão dos Húngaros, renovara de 910 a 945 os horrores de Atila. Depois, tanto se combatera de castelo em castelo, de província em província; tamanha a devastação, que os campos deixaram de ser cultivados. A chuva consecutiva de três anos impediu toda e qualquer semeadura. A terra deixou de produzir, abandonaram-na. O moio de trigo, diz Raul Glaber, elevou-se a sessenta sols de ouro. Os ricos emagreceram e paleceram ; os pobres devoravam raízes e não poucos deixaram de incidir na antropofagia. Sim. Vagando pelas estradas, os fortes subjugavam os fracos, espostejavam-nos e comiam-nos. Havia-os astutos, que engabelavam as crianças com um ovo, umafruta, a fim de as devorar. Esse delírio chegou a tal ponto que o animal tinha mais garantias que o homem. Filhos matavam os pais, mães devoravam os filhos. E, como se tratasse de coisa natural, de regime estabelecido, houve quem se propusesse vender carne humana no mercado de Tournous. Denunciado, ele não negou o feito e foi condenado à fogueira. Outro houve, que, pilhado a desenterrar cadáveres, foi também queimado.
Quem o diz é um coevo e muitas vezes uma testemunha.
Morria-se de fome por toda à parte. Por toda a parte comiam répteis, animais imundos, carne humana. Na floresta de Mâcon, perto de uma igreja erigida a S. João, um assassino construíra uma cabana, aonde atraía e estrangulava viajantes e peregrinos. Um dia, um casal entrou nessa cabana a fim de repousar, notou as caveiras lá existentes, tentou fugir, mas o hospedeiro os deteve. Lutaram, venceram o contendor e, chegados a Mâcon, divulgaram a façanha. Uma escolta foi ao antro e lá contou quarenta e oito crânios humanos! Capturado o sicário, foi amarrado a uma trave sobre um monte de palha e assim queimado vivo. Raul Glaber viu o local e as cinzas da fogueira.
 O desregramento previsto nestas manifestações invulgares, sinais de intranquilidade e ansiedade latente, era motivo para uma maior dedicação à penitência. O sacrifício assumia-se assim como um empreendimento purificador, passando pela destruição voluntária das riquezas e pela oferenda à entidade divina. A esmola constituiu, de facto, o processo mais comum de penitência individual. Outro tipo de penitência muito comum nesta época e durante toda a Idade Média foi a peregrinação quer a Jerusalém, local de eleição, quer aos túmulos dos santos, nomeadamente ao de Santiago em Compostela. Estas viagens constituíam uma verdadeira preparação para a morte e simultaneamente uma promessa de salvação. O encerramento num mosteiro também constituiu um dos meios mais privilegiados de expiação dos pecados individuais. 
O aumento de perigo provocou medidas de exclusão. Os mais perseguidos foram os judeus, que eram considerados aliados ao satanás. A excomunhão também passa a ser praticada com frequência, cujo efeito é separar do corpo da cristandade os membros atingidos pelo mal, para que a podridão de que são portadores não venha a propagar-se. 
A Idade Média é evocada como uma época de trevas iluminada tão somente pelas terríveis fogueiras da Inquisição. O cristão-médio é um intolerante truculento que está disposto a trucidar qualquer um que apareça no seu caminho, pregando qualquer coisa que não esteja de acordo com a Doutrina Cristã. O obscurantismo e a superstição tomam o lugar da Ciência, e os cientistas levam uma espécie de vida nas catacumbas, diuturnamente escondidos dos terríveis inquisidores, os quais são, por sua vez, ambiciosos ávidos de riqueza e de poder. Os cristãos são retratados como se fossem o compêndio de todos os vícios.
A mortificação é vista pela teologia cristã, e principalmente a católica, como uma forma de ascetismo, um meio de ajudar as pessoas a levar vidas virtuosas e santas. É uma antiga prática cristã que consiste em realizar um sacrifício mental ou físico por amor a Deus com o objetivo de se unir à paixão e à cruz de Jesus Cristo e, portanto, como meio de participação na Redenção. Adolphe Tanquerey define a mortificação como sendo "a luta contra as más inclinações para submetê-las à vontade e esta a Deus." Esta prática pertence ao patrimônio espiritual da Igreja: Francisco de Assis, São Bento, Tomás Moro, Paulo VI, Madre Teresa de Calcutá, irmãLúcia de Fátima e o teólogo suiço e ex-jesuíta Hans Urs von Balthasar, são alguns dentre os muitos monges, religiosos e leigos que a praticaram e ainda praticam com sentido cristão.O rei, por representar o Cristo entre seu povo e ser responsável pela salvação de todos, também impõe mortificação ao seu corpo. O rei Roberto, com a aproximação da morte, seu rito de penitência adquirem maior amplitude. Antes de sua morte corporal, o rei quer morrer para o mundo secular. A Salmodia, a maneira de cantar os Salmos na liturgia cristã, era também praticada. Contudo, a mais perfeita das penitências individuais consistia em converte-se, modificando o decurso da sua existência, entrando em um mosteiro.
Nos anos que abrangem o ano mil, a cristandade sente que toda ela vai transpor a passagem, Prepara-se para isso aplicando a si mesma as penitências que os moribundos se impõem. Assim todos os ritos de purgação não só se multiplicam, mas tornam-se coletivos. 
A restauração da paz foi concebida como um pacto destinado a conter a turbulência de uma das três ordens da sociedade, os cavaleiros, que tiveram que jurar conter sua agressividade nos limites precisos. Com efeito, pouco a pouco, às simples recomendações da paz substitui-se um compromisso completamente diferente, que não procurava apenas delimitar áreas de proteção contra as violências da guerra, mas que estabelecia uma suspensão geral de todas as hostilidades durante os períodos mais santos do calendário litúrgico.
A peregrinação, jornada realizada por um devoto de uma dada religião a um lugar considerado sagrado por essa mesma religião, passa a ser hábito entre os maiores senhores do reino da França para visitar o lugar santo. As primeiras peregrinações do Cristianismo datam do início do século IV (quando o Cristianismo foi tornado religio licita), e tinham por destino a Terra Santa (a mais conhecida e a primeira a deixar um relato da peregrinação é a histânica Erétria, muito provavelmente familiar de Teodósio I, imperador romano). Mais tarde, tiveram grande surto devido à pregação de São Jerónimo.
Os juramentos de paz, as peregrinações, e todas as medidas de purificação coletiva tinham atingido o seu objetivo. Compridos os mil anos, após a passagem dos flagelos, era como se a cristandade saísse de um novo batismo. O caos deu lugar à ordem, e o que se segue é uma nova Primavera do mundo.
O renovar de pureza que a reforma introduz estão na Igreja, e, mais precisamente, nas suas vanguardas, ou seja, nos capítulos dos cônegos, nas comunidades dos clérigos reunidos em torno de um bispo, e, mais vigorosamente ainda, na instituição monástica. No entanto, não é apenas o espírito da Igreja que adquire uma nova juventude nas provas purificadoras do milênio. Ela renova-se igualmente na sua armadura corporal. Por toda a parte se inicia a reconstrução dos santuários, graças às esmolas que afluem e ao invisível crescimento dos lucros senhoriais. 
Existem relíquias do tempo de Jesus que a Igreja aceita como dignas de veneração. A maioria delas foi venerada em Jerusalém por vários séculos, sendo depois levadas para Constantinopla e países da Europa. A relíquia mais conhecida e mais discutida é, sem dúvida, o Sudário de Turim. Ao lado dele, o Sudário de Oviedo completa o testemunho da Paixão de Jesus, juntamente com a pouco conhecida Santa Túnica de Argenteuil. A recuperação dessas relíquias começou com Santa Helena, mãe do Imperador Constantino. 
Os missionários têm por função a pregação religiosa em locais onde sua religião ainda não foi difundida, realiza trabalho de promoção social ou em local que necessite de reavivamento de sua crença ou religião. É uma figura comum dentro de diversas crenças. Na verdade dentro da concepção cristã, missionário é a figura do plantador de igrejas; Muitos confundem missões com atividades em regiões internacionais, porém, as missões podem ser locais, regionais, estaduais, nacionais, internacionais, mundiais, enfim, tudo vai do despreendimento do missionário.
Guerra santa é uma guerra causada por diferenças entre as religiões. Pode envolver uma nação com uma religião estabelecida contra outro estado com uma religião diferente, seitas diferentes dentro da mesma religião, um grupo com motivações religiosas que tenta espalhar a sua religião através do uso da violência, ou a supressão de outro grupo devido às suas crenças e práticas religiosas. O conceito islâmico de Jihad, que em árabe literalmente significa 'luta' e tem uma faceta combativa, foi criado no séculoVII. Santo Agostinho é julgado como tendo sido o primeiro a detalhar a "Teoria da Guerra Justa" na Cristandade, segundo a qual a guerra pode ser justificada numa fundamentação religiosa. São Tomás de Aquino desenvolveu estes critérios, e os seus escritos foram usados pela Igreja Católica Romana para regulamentar as ações dos estados europeus.
As cruzes são símbolos de toda a inovação e da nova inquietação, além de serem os emblemas da vitória cósmica de Deus Salvador e também dos objetos mágicos pelos quais se manifestam os avisos do além. 
Avaliação Crítica: 
A vida de todos os dias, para a mente medieval, estava tão impregnada de eventos extraordinários que não havia como separar realidade e fantasia. O europeu de mil anos atrás acreditava piamente em milagres e apocalipses. 
Uma diferença impressiona Duby, que volta ao tema insistentemente. Na sociedade medieval, pobreza e doença estavam difundidos, mas eram mais suportáveis graças ao que chama de "os mecanismos de solidariedade comuns às sociedades tradicionais", particularmente a solidariedade entre pobres, mas também a solidariedade entre ricos e pobres no sentido de que os ricos (como sublinha) consideravam a caridade uma forma de dever.
A Igreja concentrava toda a cultura erudita. O alto clero falava latim, língua em que também eram redigidos os raros documentos da época textos que serviam para estabelecer direitos, como cartas de transferência de propriedades e notificações de decisões reais, pois o uso da escrita, já muito restrito, desapareceu quase por completo depois de 860. 
O ano mil lida com excelência toda a angústia vivida pelos medievais à espera do apocalipse eminente que surgiria com o passar do milênio, e que se vê falhar mais adiante. As oferendas individuais e coletivas são realizadas como o que seria a chave para a salvação. Ao cessar das calamidades, o movimento da Paz de Deus é instaurado e a Igreja efetiva uma verdadeira reforma, construíram-se santuários e novas igrejas, refletindo melhores condições econômicas e sociais.

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