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PATOLOGIAPATOLOGIA ALESSANDRA MORITAALESSANDRA MORITA 28 O Sistema Nervoso Central MATTHEW P. FROSCH • DOUGLAS C. ANTHONY • UMBERTO DE GIROLAMI Patologia Celular do Sistema Nervoso Central Edema Encefálico, Hidrocefalia, Hipertensão Intracraniana e Herniação Edema Encefálico Hidrocefalia Hipertensão Intracraniana e Herniação Malformações e Doenças do Desenvolvimento Defeitos do Tubo Neural Anormalidades do Prosencéfalo Anormalidades da Fossa Posterior Siringomielia e Hidromielia Lesão Encefálica Perinatal Trauma Fraturas Cranianas Lesões Parenquimatosas Concussão Lesão Direta do Parênquima Lesão Axonal Difusa Lesão Vascular Traumática Hematoma Epidural Hematoma Subdural Sequelas do Trauma Encefálico Trauma da Medula Espinal Doenças Cerebrovasculares Hipóxia, Isquemia e Infarto Hipotensão, Hipoperfusão e Estados de Baixo Fluxo (Isquemia Cerebral Global) Infarto a partir da Obstrução do Fornecimento Sanguíneo Local (Isquemia Cerebral Focal) Doença Cerebrovascular Hipertensiva Infartos Lacunares Hemorragias em Fenda Encefalopatia Hipertensiva Hemorragia Intracraniana Hemorragia Intracerebral (Intraparenquimatosa) Hemorragia Subaracnoide e Ruptura de Aneurisma Sacular Malformações Vasculares Infecções Meningite Aguda Meningite Piogênica Aguda (Bacteriana) Meningite Asséptica Aguda (Viral) Infecções Supurativas Focais Agudas Abscesso Encefálico Empiema Subdural Abscesso Extradural Meningoencefalite Bacteriana Crônica Tuberculose Neurossífi lis Neuroborreliose (Doença de Lyme) Meningoencefalite Viral Encefalite Viral Transmitida por Artrópodes Herpesvírus Simplex do Tipo 1 Herpesvírus Simplex do Tipo 2 Vírus Varicela-zóster (Herpes-zóster) Citomegalovírus Poliomielite Raiva Vírus da Imunodefi ciência Humana Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva Panencefalite Esclerosante Subaguda Meningoencefalite Fúngica Outras Doenças Infecciosas do Sistema Nervoso 1287 1288 CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis (Doenças Priônicas) Doenças Desmielinizantes Esclerose Múltipla Neuromielite Óptica Encefalomielite Aguda Disseminada e Encefalomielite Aguda Necrosante Hemorrágica Outras Doenças Desmielinizantes Doenças Degenerativas Doenças Degenerativas que Afetam o Córtex Cerebral Doença de Alzheimer Demências Frontotemporais Demência Vascular Doenças Degenerativas dos Núcleos da Base e do Tronco Encefálico Parkinsonismo Doença de Parkinson Demência com Corpúsculos de Lewy Atrofi a de Múltiplos Sistemas Doença de Huntington Degenerações Espinocerebelares Ataxias Espinocerebelares Doenças Degenerativas Afetando os Neurônios Motores Esclerose Lateral Amiotrófi ca (ELA; Doença do Neurônio Motor) Atrofi a Bulboespinal (Síndrome de Kennedy) Atrofi a Muscular Espinal Doenças Genético-metabólicas Doenças de Depósito Neuronal Lipofuscinose Ceroide Neuronal Doença de Tay-Sachs Leucodistrofias Doença de Krabbe Leucodistrofi a Metacromática Adrenoleucodistrofi a Doença de Pelizaeus-Merzbacher Doença de Canavan Doença de Alexander Leucodistrofi a com Substância Branca Evanescente Encefalomiopatias Mitocondriais Encefalomiopatia Mitocondrial, Acidose Láctica e Episódios Similares à Acidentes Vasculares Cerebrais Epilepsia Mioclônica com Fibras Vermelhas Rasgadas Síndrome de Leigh (Encefalopatia Necrotizante Subaguda) Síndrome de Kearns-Sayre Doença de Alpers Doenças Adquiridas Tóxicas e Metabólicas Deficiências de Vitaminas Defi ciência de Tiamina (Vitamina B1) Defi ciência de Vitamina B12 Sequelas Neurológicas de Distúrbios Metabólicos Hipoglicemia Hiperglicemia Encefalopatia Hepática Distúrbios Tóxicos Monóxido de Carbono Metanol Etanol Radiação Lesão Induzida pela Combinação de Metotrexato e Radiação Tumores Gliomas Astrocitoma Oligodendroglioma Ependimoma e Lesões Tumorais Paraventriculares Relacionadas Tumores Neuronais Neoplasias Mal Diferenciadas Meduloblastomas Tumor Teratoide/Rabdoide Atípico Outros Tumores Parenquimatosos Linfoma Primário do SNC Tumores de Células Germinativas Tumores do Parênquima da Pineal Meningiomas Tumores Metastáticos Síndromes Paraneoplásicas Tumores da Bainha de Nervos Periféricos Schwannoma Neurofi broma Tumor Maligno da Bainha de Nervos Periféricos Síndromes Tumorais Familiais Neurofi bromatose Tipo 1 Neurofi bromatose Tipo 2 Complexo da Esclerose Tuberosa Doença de Von Hippel-Lindau CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central 1289 A principal unidade funcional do sistema nervoso central (SNC) é o neurônio. De todas as células do organismo, os neurônios possuem uma capacidade única de receber, de armazenar e de transmitir as informações. Os neurônios de diferentes tipos e em diferentes locais possuem propriedades distintas, incluindo seus papéis funcionais, a distribuição de suas conexões, os neurotrans- missores utilizados e necessidades metabólicas, além dos níveis de atividade elétrica em um determinado momento. Um grupo de neurônios, não necessariamente agrupados em uma região do encéfalo, podem apresentar vulnerabilidade seletiva as várias agressões, uma vez que eles compartilham uma ou mais destas propriedades. Como a maior parte dos neurônios maduros é incapaz de realizar divisão celular, a destruição, mesmo de um pequeno número de neurônios essenciais para uma função espe- cífi ca, pode deixar o indivíduo com défi cits neurológicos. As populações de células-tronco podem representar um mecanismo potencial de reparo após uma lesão.1 O SNC é afetado por uma série de distúrbios neurológicos e também responde a agressões comuns (p. ex., isquemia, infecção) de maneira distinta dos outros tecidos.2,3 Patologia Celular do Sistema Nervoso Central Reações dos Neurônios à Lesão. Os neurônios têm estrutura e dimensões que variam consideravelmente tanto ao longo do sistema nervoso como dentro de uma determinada região ence- fálica. As especializações estruturais associadas à função neuronal incluem as relacionadas à transmissão sináptica, assim como a diferenciação axonal e dendrítica. Os neurônios compartilham as vias para responder às lesões, incluindo mecanismos apoptóticos, com células de outros tecidos. Durante o desenvolvimento, a apoptose neuronal possui um papel importante na defi nição do número de neurônios. Estes mecanismos também participam em uma variedade de doenças, incluindo algumas neurodegenerati- vas. Os padrões principais de lesão neuronal são os seguintes: Lesão neuronal aguda (“neurônios vermelhos”) se refere ao espectro de alterações que acompanha a hipóxia/isquemia aguda do SNC ou outro agressor agudo e refl ete a morte celular, ou por necrose ou por apoptose (Fig. 28-13B). “Neu- rônios vermelhos” são evidentes em preparações de hematoxi- lina e eosina (HE) em torno de 12 a 24 horas após o evento de hipóxia/isquemia irreversível. Os padrões morfológicos con- sistem em retração do corpo celular, picnose do núcleo, desa- parecimento do nucléolo e perda da substância de Nissl, com intensa eosinofi lia no citoplasma. Lesão neuronal subaguda e crônica (“degeneração”) se refere à morte neuronal que ocorre como resultado de um processo de doença progressiva de alguma duração, como observado em determinadas doenças neurológicas de desenvolvimento lento, como a esclerose lateral amiotrófi ca (ELA). O padrão histoló- gico característico é a perda celular, frequentemente envol- vendo de forma seletiva grupos de neurônios funcionalmente relacionados, e gliose reativa. Quando o processo está em um estágio inicial, a perda celular é difícil de ser detectada. As alterações gliais reativas associadas são, com frequência, o melhor indicador do processo patológico. Para muitas destas doenças, existe evidência de que a perda celular ocorre devido à apoptose. A degeneração neuronal transsináptica é observada quando existe um processo destrutivo que interrompe a maioria das aferências de um grupo de neurônios. Reação axonal se refere à reação no interior do corpo celular que auxilia a regeneração do axônio.Ela é melhor observada nas células do corno anterior da medula espinal quando os axônios motores são seccionados ou gravemente danifi cados. Ocorre um aumento da síntese de proteínas associadas ao brotamento axonal. Isto se refl ete no aumento do tamanho e arredondamento do corpo celular, deslocamento periférico do núcleo, aumento do tamanho do nucléolo e dispersão da subs- tância de Nissl do centro para a periferia da célula (cromatólise central). O dano neuronal pode estar associado a uma grande variedade de alterações subcelulares nas organelas neuronais e no cito- esqueleto. As inclusões neuronais podem ocorrer como uma manifestação do processo de envelhecimento, com o depósito intracitoplasmático de lípides complexos (lipofuscina), proteí- nas ou carboidratos. O depósito citoplasmático anormal de lípides complexos e de outras substâncias também ocorre em distúrbios do metabolismo geneticamente determinados, no qual os substratos ou intermediários se acumulam (Cap. 5). A infecção viral pode levar a inclusões intranucleares anormais, como as observadas na infecção herpética (corpúsculo de Cowdry), inclusões citoplasmáticas, como as observadas na raiva (corpúsculo de Negri), ou tanto o núcleo quanto o cito- plasma na infecção por citomegalovirus (CMV). Algumas doenças degenerativas do SNC estão associadas a inclusões intracitoplasmáticas, como os emaranhados neuro- fi brilares na doença de Alzheimer e os corpúsculos de Lewy na doença de Parkinson. Outras doenças causam vacuolização anormal do pericário e do neurópilo de processos celulares neuronais (doença de Creutzfeldt-Jakob). Estes agregados são altamente resistentes à degradação, contêm proteínas com conformação alterada, e podem resultar de mutações que afetam o enovelamento da proteína, sua ubiquitinização e o seu tráfego intracelular (ver discussão de enovelamento de proteínas no Cap. 1). Pode-se citar estes distúrbios como pro- teinopatias. Existem evidências em muitas destas doenças que os agregados visíveis não são a base da lesão celular; ao con- trário, pequenos multímeros das proteínas (oligômeros) seriam os mediadores críticos do dano.4 Reações dos Astrócitos à Lesão. O nome astrócito decorre de seu aspecto estrelado. Estas células possuem múltiplos prolonga- mentos citoplasmáticos ramifi cados, que se irradiam do corpo celular, e contêm a proteína glial fi brilar ácida (GFAP), um fi la- mento intermediário específi co para este tipo de célula (Fig. 28-1). Os astrócitos agem como tampões metabólicos e detoxifi - cadores no interior do encéfalo. Além disso, por meio dos pés astrocitários ou dos prolongamentos vasculares, que circundam os capilares ou se estendem às zonas subpial e subependimária, eles contribuem como função de barreira para controlar o fl uxo de macromoléculas entre o sangue, o líquido cefalorraquiano (LCR) e o encéfalo. Gliose (ou astrogliose) é o indicador histopa- tológico mais importante de lesão do SNC, independente da etio- logia, e é caracterizada tanto pela hipertrofi a quanto pela hiper- plasia. Nesta reação, o núcleo dos astrócitos, que tipicamente apresentam forma arredondada ou ovalada (10 µm de largura) com cromatina pálida uniformemente dispersa, aumenta de dimensões se tornando vesicular apresentando um nucléolo pro- eminente. O citoplasma, anteriormante escasso, se expande se tornando rosa brilhante, algo irregular ao redor de um núcleo 1290 CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central excêntrico, a partir do qual emergem numerosos prolongamentos vigorosos e ramifi cados. Estas células são chamadas de astrócitos gemistocíticos. Quando os astrócitos são diretamente lesados, podem reagir fi cando com o citoplasma tumefacto. Pode ser observado no caso de uma agressão aguda da célula, que causa uma falha de seus canais iônicos dependentes de ATP, como ocorre na hipóxia, na hipoglicemia e nas lesões tóxicas. O astrócito de Alzheimer do tipo II é uma célula da substância cinzenta que possui um núcleo de dimensões duas a três vezes maior do que o normal, com croma- tina central de coloração pálida e presença de uma gotícula intra- nuclear de glicogênio, além de membrana nuclear e nucléolos proeminentes. Este nome pode gerar confusão, uma vez que ele não é principalmente observado na doença de Alzheimer, mas em indivíduos com hiperamonemia de longa duração devido a doença hepática crônica, na doença de Wilson ou em distúrbios metabólicos hereditários do ciclo da ureia. Os astrócitos não são poupados de processos que levam à formação de corpúsculos de inclusão citoplasmática. As fi bras de Rosenthal são estruturas grossas, alongadas, brilhantemente eosi- nofílicas e relativamente irregulares que ocorrem dentro de um processo astrocitário e que contêm duas proteínas de choque térmico (!"-cristalina e hsp27), como a ubiquitina. As fi bras de Rosenthal são habitualmente encontradas em regiões de gliose de longa duração. Elas também são características de um tipo de tumor glial, o astrocitoma pilocítico. Na doença de Alexander, uma leucodistrofi a associada a mutações no gene codifi cador da GFAP, são encontradas abundantes fi bras de Rosenthal em loca- lizações periventriculares, perivasculares e subpiais. Um achado mais frequente é o encontro de corpúsculos amiláceos ou os cor- púsculos de poliglicosanos. Estes são estruturas redondas, fraca- mente basófi las, reação do ácido periódico de Schiff (PAS) posi- tivas, concentricamente dispostas em lâminas de 5 a 50 µm de diâmetro que se localizam onde existem prolongamentos astro- citários, especialmente nas zonas subpial e perivascular. Consis- tindo principalmente de polímeros de glicosaminoglicanos, eles também contêm proteínas de choque térmico e ubiquitina. Eles aumentam conforme a idade e se acredita que representem uma alteração degenerativa no astrócito. Os corpúsculos de Lafora, observados no citoplasma de neurônios (como de hepatócitos, miócitos e de outras células) em um tipo de epilepsia mioclônica (epilepsia mioclônica com corpúsculos de Lafora), possuem estrutura e composição bioquímica semelhantes. Reações de Outras Células Gliais à Lesão. Ao contrário dos astrócitos, os oligodendrócitos e as células ependimárias não par- ticipam da resposta ativa à lesão no SNC e mostram um reper- tório mais limitado de reações. Os prolongamentos citoplasmá- ticos oligodendrogliais se enrolam em torno dos axônios e formam a mielina. Cada oligodendrócito mieliniza numerosos internodos de múltiplos axônios. A lesão ou a apoptose de células oligodendrogliais é uma característica dos distúrbios de desmie- linização adquiridos e das leucodistrofi as. O núcleo oligodendro- glial pode proteger as inclusões virais na leucoencefalopatia mul- tifocal progressiva. As inclusões citoplasmáticas gliais, principal- mente compostas de !-sinucleína, são encontradas em oligoden- drócitos na atrofi a de múltiplos sistemas (AMS). As células ependimárias, que são células epiteliais colunares ciliares que revestem os ventrículos, não possuem padrões espe- cífi cos de reação. Quando há infl amação ou dilatação importante do sistema ventricular, a ruptura do revestimento ependimário ocorre junto com a proliferação dos astrócitos subependimários para produzir pequenas irregularidades nas superfícies ventricu- lares (granulações ependimárias). Determinados agentes infec- ciosos, particularmente o CMV, podem produzir ampla lesão ependimária, com inclusões nas células ependimárias. Reações da Microglia à Lesão. A microglia é constituída de células derivadas do mesoderma, cuja principal função é atuar como um sistema macrofágico no SNC. Compartilham diversos marcadores de superfície com monócitos/macrófagos periféricos (como CR3 e CD68) e respondem à lesão por (1) proliferação; (2) desenvolvendo um núcleo alongado (células em bastão), como na neurossífi lis; (3) formando agregados ao redor de pequenos focos de tecido necrosado (nódulos microgliais); ou (4) se reunindo em torno dos corpos celulares deneurônios que estão morrendo (neuronofagia). Além da microglia residente, os macró- fagos derivados do sangue são as principais células fagocíticas presentes no foco infl amatório. Edema Encefálico, Hidrocefalia, Hipertensão Intracraniana e Herniação O encéfalo e a medula espinal são protegidos pelo compartimento rígido defi nido pelo crânio, pelas vértebras e pela dura-máter. O edema encefálico generalizado, o aumenta do volume do LCR (hidrocefalia) e a expansão focal de lesões com efeito de massa pode aumentar a pressão intracraniana. Dependendo do grau e da rapidez deste aumento e da natureza da lesão subjacente, as con- sequências variam de défi cit neurológico sutil à morte. EDEMA ENCEFÁLICO O edema encefálico ou, precisamente, edema do parênquima encefálico, pode ser de dois tipos principais: Edema vasogênico é causado pela ruptura da barreira hemato- encefálica e consequente aumento da permeabilidade vascular, permitindo que o líquido se desloque do compartimento intravascular para os espaços intercelulares do encéfalo. A escassez do sistema linfático prejudica bastante a reabsorção do excesso de líquido extracelular. O edema vasogênico pode FIGURA 28–1 Os astrócitos e seus processos. Coloração por imuno- histoquímica para GFAP revela o citoplasma perinuclear astrocítico e os prolongamentos bem desenvolvidos (marrom). CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central 1291 ser localizado (p. ex., adjacente à infl amação ou à neoplasia) ou generalizado. Edema citotóxico é decorrente de um aumento do líquido intracelular secundário à lesão da membrana celular neuronal, glial ou endotelial, já que este tipo de edema pode ser encon- trado em indivíduos que sofreram agressão hipóxica/isquê- mica generalizada ou com dano metabólico. Na prática, as condições associadas ao edema generalizado frequentemente possuem elementos tanto do edema vasogênico quanto do citotóxico. O edema intersticial (edema hidrocefálico) em geral ocorre em torno dos ventrículos laterais quando um aumento na pressão intravascular causa um fl uxo anormal de líquido a partir do LCR intraventricular e através do revestimento ependimário, para a substância branca periventricular. No edema generalizado, os giros se encontram aplanados, os sulcos intercalados estreitados e as cavidades ventriculares comprimidas. Com a expansão do encéfalo, pode ocorrer herniação. HIDROCEFALIA O LCR é produzido pelo plexo coroide no interior do sistema ventricular, normalmente circula através do sistema ventricular e penetra na cisterna magna na base do tronco encefálico através dos forames de Luschka e de Magendie. O LCR presente no espaço subaracnoide banha as convexidades cerebrais superiores sendo absorvido pelas granulações aracnoides. A hidrocefalia se refere ao acúmulo de excesso de LCR no interior do sistema ven- tricular (Fig. 28-2). A maior parte dos casos ocorre como conse- quência da diminuição do fl uxo e da reabsorção do LCR. Raramente a superprodução é a causa da hidrocefalia (p. ex., no caso de tumores do plexo coroide). O aumento do volume do LCR no interior dos ventrículos causa aumento de suas dimen- sões, que pode elevar a pressão intracraniana. Quando a hidrocefalia surge na infância, antes do fechamento das suturas cranianas, ocorre um aumento da cabeça, manifestada pelo aumento do perímetro cefálico. A hidrocefalia que surge após este período é associada à expansão dos ventrículos e ao aumento da pressão intracraniana, sem alteração do perímetro cefálico. Na hidrocefalia não comunicante, somente uma parte do sistema ven- tricular pode se apresentar aumentada devido ao excesso de LCR, como pode acontecer no caso de um tumor no terceiro ventrículo. Na hidrocefalia comunicante, ocorre aumento do tamanho de todo o sistema ventricular. O termo hidrocefalia ex-vácuo se refere à dilatação do sistema ventricular com aumento compensatório no volume do LCR secundário à perda do parênquima encefálico. HIPERTENSÃO INTRACRANIANA E HERNIAÇÃO Quando o volume do encéfalo aumenta além do limite permitido pela compressão das veias e o deslocamento do LCR, a pressão no interior do crânio aumenta. A maior parte dos casos está associada a um efeito de massa ou difuso, como no edema ence- fálico generalizado, ou focal, como no caso de tumores, abscessos ou hemorragias. O aumento da pressão intracraniana também pode reduzir a perfusão do encéfalo, com posterior exacerbação do edema cerebral. Como a calota craniana é dividida por pregas durais rígidas (a foice e o tentório), a expansão localizada do encéfalo pode causar seu deslocamento em relação a estes com- partimentos. No caso da expansão ser sufi cientemente grave, pode ocorrer a síndrome da herniação (Fig. 28-3). Herniação subfoiçal (giro do cíngulo) ocorre quando uma expansão unilateral ou assimétrica de um hemisfério cerebral desloca o giro do cíngulo sob a foice cerebral. Isto pode levar a uma compressão dos ramos da artéria cerebral anterior. Herniação transtentorial (uncinada ou mesial temporal) ocorre quando a porção medial do lobo temporal está comprimida contra as bordas livres do tentório. Com o aumento do deslo- camento do lobo temporal, o terceiro nervo craniano é compro- metido, levando à dilatação da pupila e ao prejuízo dos FIGURA 28–2 Hidrocefalia. Os ventrículos laterais dilatados obser- vados em corte coronal através da região talâmica medial. Herniação subfoiçal Herniação transtentorial Herniação tonsilar FIGURA 28–3 Principais herniações encefálicas: subfoiçal, transten- torial e tonsilar. 1292 CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central movimentos oculares do lado da lesão. A artéria cerebral poste- rior também pode ser comprimida, levando à lesão isquêmica no território que é suprido por este vaso, incluindo o córtex visual primário. Quando a extensão da herniação é sufi ciente- mente grande, o pedúnculo cerebral contralateral pode ser com- primido, levando a uma hemiparesia ipsilateral à herniação, sendo que a alteração do pedúnculo neste contexto é conhecida como incisura de Kernohan. O progresso da herniação transten- torial é com frequência acompanhado por lesões hemorrágicas no mesencéfalo e na ponte, chamadas de hemorragias secundá- rias do tronco encefálico ou de Duret (Fig. 28-4). Estas lesões lineares ou em forma de chama, geralmente ocorrem na linha média e nas regiões paramedianas e se acredita que sejam devido à distorção ou ao esgarçamento das veias e artérias perfurantes que suprem o tronco encefálico superior. Herniação tonsilar se refere ao deslocamento das tonsilas cere- belares através do forame magno. Este padrão de herniação leva a risco de morte porque causa compressão do tronco encefálico e compromete a respiração vital e os centros car- díacos no bulbo. Malformações e Doenças do Desenvolvimento Apesar da patogenia e da etiologia das malformações do SNC serem, em grande parte, desconhecidas, tanto a genética quanto as infl uências ambientais parecem estar envolvidas. As aberrações das moléculas de sinalização e as mutações de genes homeóticos, que controlam a diferenciação de cada segmento do organismo, têm sido recentemente identifi cados como causa de distúrbios do desenvolvimento no SNC. Sabe-se que diversos compostos tóxicos e agentes infecciosos possuem efeitos teratogênicos.5 DEFEITOS DO TUBO NEURAL A falha em fechar uma porção do tubo neural, ou a reabertura de uma região do tubo após o fechamento bem-sucedido, pode levar a uma entre diversas malformações.6 Todas se caracterizam por anormalidades envolvendo o tecido neural, as meninges e o osso ou tecidos moles suprajacentes. A encefalocele é um divertículo de tecido do SNC malformado que se estende através de um defeito da calota craniana. Ela ocorre com mais frequência na região oc- cipital ou na fossa posterior. De forma geral, os defeitos do tubo neural representam a maior parte das malformações do SNC. Os defeitos do tubo neural mais comuns envolvem a medula espinal e são causados pelafalha no fechamento ou pela reaber- tura das porções caudais do tubo neural. O disrafi smo espinal ou a espinha bífi da pode ser um defeito ósseo assintomático (espinha bífi da oculta) ou uma malformação grave com um segmento aplanado e desorganizado da medula espinal, associado a uma bolsa meníngea externa. A mielomeningocele (ou meningomielo- cele) se refere à extensão do tecido do SNC através de um defeito na coluna vertebral. O termo meningocele se aplica quando existe apenas uma extrusão meníngea. As mielomeningoceles são mais comuns na região lombossacral e os indivíduos afetados mani- festam défi cits clínicos pertinentes às funções motoras e sensitivas nas extremidades inferiores, como distúrbios de controle vesical e intestinal, decorrentes tanto da anormalidade estrutural da medula propriamente dita como de infecções secundárias que alcançam o SNC através da fi na pele suprajacente. A frequência dos defeitos do tubo neural varia muito entre os diferentes grupos étnicos. A taxa de concordância é alta entre gêmeos monozigóticos, e a taxa de recorrência para defeito do tubo neural em gestações subsequentes foi estimada em 4% a 5%. A defi ciência de folato durante as semanas iniciais da gestação foi considerada como um fator de risco. As diferenças entre as taxas de defeitos do tubo neural entre as populações podem ser atribu- ídas em parte aos polimorfi smos de enzimas do metabolismo do ácido fólico. A defi ciência de folato pode afetar a divisão celular durante os períodos críticos que coincidem com o fechamento do tubo neural. O diagnóstico pré-natal se baseia em exames de imagem e do rastreamento de amostras de sangue maternal na busca de aumento de !-fetoproteína. A anencefalia é uma malformação da extremidade anterior do tubo neural, com ausência do encéfalo e do calvário. O desenvol- vimento do prosencéfalo é interrompido em torno dos 28 dias de gestação, e o que fi ca em seu lugar é a área cerebrovasculosa, um resquício aplanado do tecido encefálico desorganizado, com mistura de células ependimárias, do plexo coroide e meningoteliais. As estruturas da fossa posterior podem ser poupadas, dependendo da extensão da falha do crânio. Conforme esperado, os tratos des- cendentes associados às estruturas não formadas estão ausentes. ANORMALIDADES DO PROSENCÉFALO O volume do encéfalo pode estar anormalmente grande (megaleu- cefalia) ou pequeno (microencefalia). A microencefalia, é de longe a mais comum das duas, pode ocorrer em uma grande varieda- de de situações, incluindo nas anormalidades cromossômicas, na síndrome fetal alcoólica e na infecção pelo vírus do tipo 1 da imu- nodefi ciência humana adquirida (HIV-1) in utero. É postulado que a anormalidade subjacente é a redução no número de neurô- nios que alcançam o neocórtex, levando a uma simplifi cação das dobras dos giros – um modelo sustentado pelos resultados expe- rimentais em modelos de murinos. O pool das células precursoras proliferativas no encéfalo em desenvolvimento se situa adjacente ao sistema ventricular. O número de neurônios é determinado pela fração das células em proliferação que sofrem transição para células que migram a cada ciclo celular. Bem no início, a maior parte das divisões celulares dão origem a duas células progeni- FIGURA 28–4 Hemorragia de Duret envolvendo o tronco encefálico na junção da ponte com o mesencéfalo. CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central 1293 toras e, com a progressão do desenvolvimento, ocorrem mais di- visões assimétricas, dando origem a uma célula progenitora e a uma célula que se dirige para o córtex em desenvolvimento. No caso da saída precoce de um excesso de células do pool de prolife- ração, ocorre redução da geração global de neurônios. Se poucas células saem durante as primeiras etapas da divisão, a expansão geométrica da população proliferadora resulta em uma eventual superprodução de neurônios.7-9 Entre as malformações reconhecíveis10 se encontram condições que podem variar desde uma diminuição perceptível no número de giros até a ausência total, deixando a superfície do encéfalo lisa, lissencefalia (agiria) (Fig. 28-5). Já foram descritas diversas formas de lissencefalia com causas genéticas distintas. Uma delas com melhor compreensão é a de mutações no gene que codifi ca a proteína associada aos microtúbulos LIS-1, que forma complexos com a dineína e afeta a função do centrossomo no movimento nuclear. A lissencefalia também pode ocorrer a partir de uma série de mutações em genes que codifi cam enzimas responsáveis pela glicosilação da !-distroglicano. Quando este receptor para com- ponentes da matriz extracelular não sofre as modifi cações pós- tradução apropriadas, sua estabilidade diminui. A polimicrogiria é caracterizada por circunvoluções cerebrais pequenas e geralmente numerosas, com conformação irregular. A substância cinzenta é composta por até quatro camadas, com aparente aprisionamento de tecido meníngeo nos pontos de fusão do que seria a parte da superfície cortical. A polimicrogiria pode ser induzida por lesão tecidual localizada que ocorre no período fi nal da migração neuronal, embora também sejam conhecidas formas geneticamente determinadas, que tipicamente são bilate- rais e simétricas.11 As heterotopias neuronais formam um grupo de distúrbios da migração que com frequência estão associadas à epilepsia.12 Elas consistem em uma coleção de neurônios com localização impró- pria ao longo das vias de migração. Como seria de se esperar, uma localização em que as heterotopias podem ser detectadas é junto às paredes ventriculares – tal como ocorre com células que nunca conseguiram deixar o seu local de nascimento. As heterotopias periventriculares podem ser causadas por mutações no gene que codifi ca a fi lamina A, uma proteína que se liga a actina e é respon- sável pela organização de uma complexa trama de fi lamentos. O seu gene está no cromossomo X, e o alelo mutante é letal no sexo masculino. No feminino, o processo de inativação do X cria duas categorias de neurônios: uma com alelo normal ativo e localização correta e outra alelo mutado ativo e permanência na heterotopia. Outra proteína associada aos microtúbulos, a duplocortina (DCX), é também codifi cada por gene que se localiza no cromossomo X. Mutações neste gene causam no sexo masculino lissencefalia e no sexo feminino heterotopias corticais em banda. Estas heterotopias podem ser desde nódulos bastante sutis de neurônios localizados na substância branca subcortical até uma fi ta completa de células nervosas que se assemelha ao córtex suprajacente. A holoprosencefalia é um espectro de malformações caracteri- zado pela separação incompleta dos hemisférios cerebrais na linha média. As formas graves se manifestam com anomalias faciais da linha média, incluindo ciclopia. Variantes menos graves, como a arrinencefalia, mostram ausência dos nervos olfatórios e estruturas relacionadas. Atualmente é possível o diagnóstico intrauterino das formas graves de holoprosencefalia pelo exame de ultrassom. Esta condição é associada à trissomia do cromos- somo 13 e a outras síndromes genéticas.13 Sonic hedgehog é um membro da família de proteínas secretadas sintetizadas pela noto- corda e pela placa neural durante o seu desenvolvimento. Muta- ções afetando a proteína sonic hedgehog ou a sua via de sinalização podem ocasionar holoprosencefalia. Na agenesia de corpo caloso, uma malformação relativamente comum, existe uma ausência de feixes de substância branca que levam projeções corticais de um hemisfério para outro (Fig. 28-6). As imagens dos estudos radiológicos mostram ventrículos laterais deformados (deformidade em “asa de morcego”). Nos cortes coro- nais do encéfalo, podem ser demonstrados feixes de substância branca orientados no sentido anteroposterior. A agenesia de corpo caloso pode estar associada a retardo mental ou pode ocorrer em indivíduos clinicamente normais. Pode estar presente de forma isolada ou associadaa uma grande variedade de malformações. Ao contrário do que se observa em pacientes submetidos à seção cirúrgica do corpo caloso e que mostram evidências clínicas de desconexão inter-hemisférica, indivíduos com agenesia de corpo caloso podem apresentam défi cits mínimos. FIGURA 28–5 Lissencefalia. A ausência dos giros corticais define esta anormalidade, observada aqui em encéfalo de um neonato a termo. FIGURA 28–6 Agenesia do corpo caloso. O corte sagital do hemis- fério esquerdo mostra a falta do corpo caloso e dos giros do cíngulo acima do terceiro ventrículo. 1294 CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central ANORMALIDADES DA FOSSA POSTERIOR A malformação de Dandy-Walker é caracterizada por um aumento da fossa posterior. O verme cerebelar está ausente ou somente os rudimentos da sua porção anterior estão presentes. Em seu lugar, se encontra um grande cisto de linha média que é revestido por células ependimárias e suas leptomeninges contíguas à superfície externa. Este cisto representa o quarto ventrículo expandido e sem seu teto na ausência do verme normalmente formado. As displasias de núcleos do tronco encefálico podem ser encontradas em associação à malformação de Dandy-Walker. A malformação de Arnold-Chiari (malformação de Chiari do tipo II) consiste em uma fossa posterior pequena com um cere- belo deformado que apresenta uma extensão caudal do verme através do forame magno (Fig. 28-7) e, de forma quase invariável, hidrocefalia e uma meningomielocele lombar. Outras alterações associadas podem incluir deslocamento caudal do bulbo, malfor- mação do teto, estenose de aqueduto, heterotopias corticais e hidromielia (ver a seguir). Na malformação de Chiari do tipo I, as tonsilas cerebelares estão dispostas na região mais caudal e se estendem para o canal vertebral. Em contraste às importantes consequências clínicas das duas malformações anteriormente descritas, esta pode ser uma anormalidade silenciosa ou pode causar sintomas relacionados à obstrução do fl uxo liquórico e à compressão do bulbo. Caso estejam presentes, estes sintomas podem ser corrigidos por meio de intervenção neurocirúrgica. SIRINGOMIELIA E HIDROMIELIA São doenças caracterizadas por uma expansão multissegmentada descontínua ou confl uente do canal central da medula, revestido por células ependimárias (hidromielia) ou pela formação de uma cavidade fusiforme preenchida por líquido na porção interna da medula (siringomielia, siringe), que pode se estender para o tronco encefálico (siringobulbia). A siringomielia pode estar associada à malformação de Chiari do tipo I. Ela pode ocorrer associada a tumores intramedulares ou após lesão traumática. Em geral, a aparência histológica é seme- lhante em todas estas condições, com destruição da substância branca e cinzenta adjacentes, rodeada por uma densa trama de gliose reativa. A doença em geral se manifesta na segunda ou na terceira décadas de vida. Os sinais e sintomas característicos da siringomielia são a perda sensitiva da dor e da temperatura nas extremidades superiores, dada a preferência pelo envolvimento precoce das fi bras comissurais medulares anteriores cruzadas. Lesão Encefálica Perinatal A lesão encefálica que ocorre no período perinatal é uma importante causa de incapacidade neurológica na infância. As lesões que ocor- rem precocemente na gestação podem destruir o tecido encefálico sem evocar as alterações “reativas” usuais no parênquima e pode ser difícil de distingui-las de uma malformação. O amplo termo paralisia cerebral se refere a um défi cit neuro- lógico motor não progressivo caracterizado pela combinação de espasticidade, distonia, ataxia/atetose e paresia atribuída a eventos agressores que ocorreram durante os períodos pré e perinatal. Os sinais e sintomas podem não estar aparentes ao nascimento e serem identifi cados tardiamente durante o processo de desenvol- vimento. Os exames pós-morte de crianças com esta síndrome mostraram uma grande variedade de achados neuropatológicos, incluindo lesões destrutivas, relacionadas a eventos remotos que podem ter causado hemorragia e infarto. Em neonatos prematuros existe um risco aumentado de hemor- ragia intraparenquimatosa dentro da matriz germinativa, com fre- quência nas proximidades da junção entre o tálamo e o núcleo caudado. As hemorragias podem permanecer localizadas ou se estenderem para o interior do sistema ventricular e, a partir daí, para o espaço subaracnoide, algumas vezes levando à hidrocefalia. Os infartos podem ocorrer na substância branca periventricular supratentorial (leucomalácia periventricular), em especial nos neo- natos prematuros. Eles formam placas amareladas que consistem em regiões de necrose sutil da substância branca e de calcifi cações. Quando a substância cinzenta quanto a branca estão envolvidas pelo amplo dano isquêmico, ocorre o desenvolvimento de grandes FIGURA 28–7 Malformação de Arnold-Chiari. O corte sagital mostra o conteúdo da fossa posterior pequena, o deslocamento para baixo do verme cerebelar e a deformidade da medula oblonga (as setas indicam o nível aproximado do forame magno). FIGURA 28–8 Leucoencefalopatia multicística. Estão presentes numerosos espaços císticos representando as consequências de uma lesão isquêmica difusa. CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central 1295 lesões císticas destrutivas ao longo dos hemisférios. Esta condição é chamada de encefalopatia multicística (Fig. 28-8). Nas lesões isquêmicas perinatais do córtex cerebral, as profun- didades do sulco sustentam a força da lesão e resultam em giros glióticos, afi nados (ulegiria). Os núcleos da base e o tálamo podem também sofrer lesão isquêmica, com placas de perda neu- ronal e gliose reativa. Posteriormente, a mielinização aberrante e irregular dá origem a núcleos com aparência de mármore: estado marmóreo. Como as lesões ocorrem no caudado, no putâmen e no tálamo, é comum o surgimento de sequelas clínicas como coreoatetose e distúrbios relacionados ao movimento. Trauma Os principais determinantes das consequências do trauma no SNC são a localização anatômica da lesão e a capacidade limitada do encéfalo para a realização do reparo funcional. Lesões do parênquima encefálico de vários centímetros cúbicos podem ser clinicamente silenciosas (p. ex., no lobo frontal), gravemente inca- pacitantes (na medula espinal) ou fatais (no tronco encefálico). As forças físicas associadas ao trauma cefálico podem provocar fratura craniana, lesão parenquimatosa e lesão vascular. Todos os três mecanismos podem ocorrer concomitantemente. A magni- tude e a distribuição de uma lesão encefálica traumática depen- dem do formato do objeto causador do trauma, da força do impacto e se a cabeça estava em movimento no momento da lesão. Um golpe na cabeça pode ser penetrante ou contuso, podendo causar uma lesão aberta ou fechada. FRATURAS CRANIANAS A fratura em que o osso é deslocado para dentro da cavidade craniana por uma distância maior do que a espessura do osso é chamada de fratura craniana com deslocamento. Como a espessura dos ossos cranianos varia suas resistências à fratura diferem de forma signifi cativa. Além disso, a incidência relativa de fratura entre os ossos cranianos está relacionada ao padrão de queda. Quando um indivíduo acordado cai, como pode ocorrer quando se tem uma queda de escada, o local do impacto é com frequência a porção occipital do crânio. Em contraste, uma queda que tem como consequência a perda da consciência, como a gerada por uma síncope, em geral resulta em um impacto frontal. Os sinto- mas referentes aos nervos cranianos inferiores ou à região cervi- comedular e a presença de hematomas orbitais ou mastoides distantes do ponto do impacto, sugerem uma fratura da base do crânio. Em seguida, pode ocorrer saída de LCR pelo nariz ou pela orelha externa e infecções (meningite). A energia cinética que causa uma fratura é dissipada em uma sutura fundida, sendo que as fraturas que atravessam essas suturassão chamadas de diastá- ticas. Com múltiplos pontos de impacto ou com golpes repetidos na cabeça, as linhas de fratura das lesões subsequentes não se estendem através das linhas de fratura da lesão inicial. LESÕES PARENQUIMATOSAS Concussão A concussão é uma síndrome clínica de alteração de consciência secundária ao trauma craniano que, em geral, acontece devido a uma alteração da cinética da cabeça (quando a cabeça se encontra em movimento e é subitamente detida por uma superfície rígida). O padrão neurológico característico inclui uma disfunção neu- rológica de início instantâneo, parada respiratória temporária e perda dos refl exos. Embora a recuperação neurológica seja com- pleta, a amnésia para o evento persiste. A patogenia da interrup- ção súbita da função neurológica é desconhecida e provavelmente envolve uma perturbação do sistema reticular ativador no tronco encefálico. As síndromes neuropsiquiátricas pós-concusivas, em geral associadas a lesões repetidas, são bem organizadas. Lesão Direta do Parênquima A contusão e a laceração são lesões associadas ao dano direto do parênquima cerebral, quer por transmissão da energia cinética para o encéfalo com ferimentos semelhantes aos observados nos tecidos moles (contusão) ou por penetração de um objeto e rup- tura do tecido (laceração). Como acontece em qualquer outro ór- gão, um trauma da superfície do cérebro, transmitido através do crânio, leva a um rápido deslocamento e ruptura das estruturas vasculares, com consequente hemorragia, lesão tecidual e edema (Fig. 28-9). As cristas dos giros são mais suscetíveis uma vez que é lá que a força direta é maior. As regiões onde as contusões são mais comuns correspondem aos locais nos quais os impactos di- retos são mais frequentes e as regiões do cérebro que fazem conta- to com uma superfície irregular e áspera da face interna do crânio, tais como a base dos lobos frontais e os lobos temporais. As con- tusões são menos frequentes nos lobos occipitais, no tronco ence- fálico e no cerebelo, a não ser que estas regiões sejam adjacentes a uma fratura de crânio (contusões de fratura). Uma pessoa que sofre um trauma na cabeça pode desenvolver contusão no ponto de contato (lesão por golpe) ou uma contusão na superfície cortical diametralmente oposta a este (lesão por contragolpe). Uma vez que a aparência macroscópica e microscó- pica destas lesões é idêntica, a distinção entre elas se baseia na identifi cação forense do ponto de impacto e na determinação das circunstâncias do incidente. Em geral, quando a cabeça está imóvel, podem ser encontradas tanto lesão por golpe como por contra- golpe. Enquanto a lesão por golpe é causada por contato entre o cérebro e o crânio no local do impacto, acredita-se que a contusão por contragolpe se desenvolve quando o cérebro atinge a superfí- cie interna oposta do crânio após uma desacelaração súbita. Impactos súbitos podem resultar em hiperextensão posterior ou lateral do pescoço (como ocorre quando um pedestre é atin- gido por um veículo por trás) que pode levar a uma separação da ponte e do bulbo ou entre este e a medula espinal, levando à morte instantânea. Morfologia. Quando vistas em um corte transversal, as contusões têm forma de cunha, com a base mais larga disposta ao longo da superfície e na profundidade do ponto de impacto (Fig. 28-9B). A aparência histológica das contusões independe do tipo de trauma. Em suas fases mais precoces, existe edema e hemorragia, com frequência pericapilar. Nas horas subsequentes, o extra- vasamento de sangue se estende ao longo do tecido envolvido através do córtex cerebral em direção à subs- tância branca e ao espaço subaracnoide. Evidências mor- fológicas de lesão neuronal (picnose do núcleo, eosinofilia do citoplasma e desintegração da célula) necessitam cerca de 24 horas para surgir, embora déficits funcionais possam ocorrer mais precocemente. Edema axonal surge na vizinhança dos neurônios danificados e também em muitas células situadas longe do local. A resposta infla- matória dos tecidos lesados segue o seu curso habitual, 1296 CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central A B C FIGURA 28–9 A, Contusões múltiplas envolvendo a superfície inferior dos lobos frontais, lobos temporais anteriores e cerebelo. B, Contusões agudas estão presentes em ambos os lobos temporais, com áreas de hemorragia e ruptura do tecido (setas). C, Contusões remotas estão pre- sentes na superfície frontal inferior deste encéfalo, com uma coloração amarelada (associada ao termo placa amarela - plaque jaune). com aparecimento de neutrófilos seguido por macrófagos. Lesões traumáticas antigas da superfície do cérebro têm aspecto macroscópico característico. Elas são deprimi- das, retraídas, com marcas amarelo-acastanhadas envol- vendo as cristas dos giros que, em geral, estão situados no local do contragolpe (córtex frontal basal, polos tem- porais e occipitais). O termo placa amarela (plaque jaune) se aplica a este tipo de lesão (Fig. 28-8C), que pode se tornar um foco epiléptico. Regiões hemorrágicas mais extensas podem dar origem a lesões cavitárias que se assemelham a infartos antigos. No local de contusões antigas, pode haver a predominância de gliose e de macrófagos residuais carregados de hemossiderina. Lesão Axonal Difusa Embora seja afetada com mais frequência, a superfície do cérebro não é a única área a ser comprometida em uma lesão traumática. Também podem ser afetadas regiões da substância branca pro- funda (corpo caloso e áreas paraventricular e hipocampal do compartimento supratentorial), pedúnculos cerebrais, brachium conjunctivum, colículo superior e formação reticular profunda do tronco encefálico. As alterações microscópicas incluem edema axonal, indicativo de lesão axonal difusa, e lesões hemorrágicas locais. Apenas a aceleração angular, na ausência de impacto, pode causar lesão axonal difusa como hemorragia. Acredita-se que até 50% dos indivíduos que apresentam coma pouco após um trauma craniano, mesmo sem contusão cerebral, sofram lesão axonal difusa. As forças mecânicas associadas ao trauma danifi cam a integridade do axônio no nó de Ranvier, com subsequente alte- ração do fl uxo axoplasmático. Morfologia. A lesão axonal difusa se caracteriza pela tumefação difusa dos axônios, com frequência assimé- trica, que surge horas após a lesão e pode persistir por muito tempo. Isto é melhor demonstrado por meio de técnicas de impregnação pela prata ou pelas colorações por imunoperoxidase para proteínas transportadas pelo axônio, incluindo a proteína precursora do amiloide e a !-sinucleína. Posteriormente, ocorre aumento no número de células da microglia em áreas relacionadas do córtex cerebral e, a seguir a degeneração dos tratos de fibras afetadas. LESÃO VASCULAR TRAUMÁTICA A lesão vascular é um componente frequente do trauma do SNC. Resulta do trauma direto e da ruptura da parede do vaso levan- do à hemorragia. Dependendo da posição anatômica do vaso rompido, a hemorragia pode ocorrer em vários compartimentos: CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central 1297 epidural, subdural, subaracnoide e intraparenquimatoso, podendo algumas vezes ocorrer de modo combinado (Fig. 28-10). No caso de trauma encefálico, que também resulta em contusões super- fi ciais e lacerações, é mais frequente à ocorrência concomitante de hemorragias subaracnoide e intraparenquimatosa. Um rompi- mento traumático da artéria carótida quando ela atravessa o seio carotídeo pode levar à formação de uma fístula arteriovenosa. Hematoma Epidural Em geral, a dura-máter se apresenta aderida ao periósteo na superfície interna do crânio. As artérias durais, principalmente a artéria meníngea média, são vulneráveis à lesão, em particular no caso de fraturas cranianas na região temporal, quando as linhas da fratura cruzam o trajeto do vaso. Em crianças, nas quais o crânio é deformável, o deslocamento temporário dos ossos do crânio levando à laceração de um vaso pode ocorrer naausência de uma fratura craniana. Quando ocorre o rompimento de um vaso, o extravasamento de sangue arterial sob pressão pode causar a separação da dura- máter da superfície interna do crânio (Fig. 28-11). O hematoma em expansão possui um contorno interno liso que comprime a superfície do encéfalo. Quando o sangue se acumula lentamente, os pacientes podem permanecer lúcidos por várias horas antes do surgimento de sinais neurológicos. Um hematoma epidural pode se expandir rapidamente e consiste em uma emergência neuroci- rúrgica, exigindo sua drenagem imediata. Hematoma Subdural O espaço subdural se situa entre a superfície interna da dura- máter e a camada externa da aracnoide das leptomeninges. Veias em ponte emergem da convexidade dos hemisférios cerebrais e atravessam o espaço subaracnoide e subdural, desembocando no seio sagital superior. Existem relações anatômicas semelhantes com outros seios durais. Essas veias são particularmente predis- postas a se esgarçarem ao longo de seu trajeto através do espaço subdural e se constituem na origem do sangramento na maior parte dos casos de hematoma subdural. Sabe-se que o encéfalo, fl utuando livremente e banhado pelo LCR, pode se mover no interior do crânio, porém, os seios venosos são fi xos. O desloca- mento do encéfalo que ocorre no trauma pode romper as veias no ponto em que elas penetram na dura-máter. Nos indivíduos idosos, nos quais ocorre atrofi a do encéfalo, as veias em ponte são estiradas e o encéfalo possui espaço adicional para se movi- mentar, daí a frequência aumentada de hematomas subdurais nesses pacientes, mesmo após trauma craniano relativamente pequeno. As crianças também são particularmente suscetíveis aos hematomas subdurais porque as paredes de suas veias em ponte são fi nas. Morfologia. Ao exame macroscópico, o hematoma sub- dural agudo aparece como uma coleção de sangue recen- temente coagulado ao longo da superfície do encéfalo, sem extensão para dentro dos sulcos (Fig. 28-12). O encéfalo subjacente se encontra aplanado e, com frequên- cia, o espaço subaracnoide está limpo. Em geral, o san- gramento venoso é autolimitado, sendo que a degradação e a organização do hematoma ocorrem ao longo do tempo. A organização do hematoma acontece na seguinte se- quência: ! Lise do coágulo (em torno de uma semana) ! Crescimento de fibroblastos a partir da superfície dural para o interior do hematoma (2 semanas) ! Desenvolvimento precoce de tecido conjuntivo hialini- zado (1 a 3 meses) De forma característica, o hematoma organizado se encontra firmemente ligado, por meio de tecido fibroso, apenas à superfície interna da dura-máter, não aderindo à aracnoide lisa subjacente, que não contribui para sua for- mação. A lesão pode, se retrair à medida que o tecido granuloso amadurece, até que permaneça somente uma fina camada de tecido conjuntivo reativo (“membranas sub- durais”). Um achado comum nos hematomas subdurais, Dura-máter (separada do crânio) Dura-máter (ainda presa ao crânio) Sangue arterial Sangue venoso HEMATOMA SUBDURALHEMATOMA EPIDURAL Fratura do crânio FIGURA 28–10 Hematoma epidural (esquerdo), no qual a ruptura de uma artéria meníngea, normalmente associada a uma fratura craniana, leva ao acúmulo do sangue arterial entre a dura-máter e o crânio. Em um hematoma subdural (direito), a lesão das veias em ponte entre o encéfalo e o seio sagital superior leva ao acúmulo de sangue entre a dura-máter e o aracnoide. FIGURA 28–11 Hematoma epidural cobrindo a porção da dura-má- ter. Também estão presentes pequenas contusões múltiplas no lobo temporal. (Cortesia do falecido Dr. Raymond D. Adams, Massachusetts General Hospital, Boston, MA.) 1298 CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central no interior do espaço subaracnoide. A demência pós-traumática e a síndrome punch-drunk (demência pugilística) ocorre após traumas repetidos e por um período prolongado na cabeça. Os achados neuropatológicos incluem hidrocefalia, afi lamento do corpo caloso, lesão axonal difusa, emaranhados neurofi brilares (principalmente nas áreas temporais médias), e placas difusas positivas para o peptídeo "-amiloide ("A) (ver “Doença de Alzhei- mer”). Outras sequelas importantes do trauma encefálico incluem epilepsia pós-traumática, tumores (meningioma), doenças infec- ciosas e distúrbios psiquiátricos.3 TRAUMA DA MEDULA ESPINAL A medula espinal, em geral se encontra protegida pelo canal ver- tebral ósseo, mas é vulnerável ao trauma a partir de seu arcabouço esquelético. A maior parte das lesões que danifi cam a medula está associada ao deslocamento da coluna vertebral, seja de forma rá- pida e transitória, seja de forma permanente. O nível da lesão da medula determina a extensão das manifestações neurológicas: as lesões envolvendo as vértebras torácicas ou mais baixas podem le- var à paraplegia; lesões cervicais resultam em tetraplegia; as lesões acima de C4 podem, adicionalmente, levar ao comprometimento respiratório pela paralisia do diafragma. A lesão segmentar dos tratos ascendentes e descendentes da substância branca isola a medula espinal distal de suas conexões com o cérebro e o tronco encefálico. É esta interrupção, e não o dano segmentar da subs- tância cinzenta que pode ocorrer no nível do impacto, que é a principal causa dos défi cits neurológicos. Morfologia. As alterações histológicas da lesão traumá- tica da medula espinal são semelhantes às encontradas em outros locais do SNC. A fase aguda da lesão consiste na hemorragia, na necrose e na tumefação axonal nas vizinhanças da substância branca. A lesão se afila acima e abaixo do nível do dano. Com o tempo, a lesão necrótica central se torna cística e gliótica; os cortes da medula acima e abaixo da lesão mostram degeneração walleriana secundária ascendente e descendente, respectivamente, envolvendo os tratos longos da substância branca afetada no local do trauma. Doenças Cerebrovasculares A doença cerebrovascular é a terceira causa de morte (após car- diopatia e câncer) nos Estados Unidos, sendo também a doença neurológica mais prevalente tanto em termos de mortalidade como de morbidade. A doença cerebrovascular inclui três cate- gorias principais: trombose, embolismo e hemorragia, sendo que os cuidados que o paciente deve receber variam de acordo com o grupo. O acidente vascular é a designação clínica que se aplica a todas estas condições, em particular, quando os sintomas iniciam agudamente. Do ponto de vista da fi siopatologia e da anatomia patológica, é conveniente considerar a doença cerebrovascular como tendo dois processos: Hipóxia, isquemia e infarto resultantes do prejuízo do for- necimento de oxigênio aos tecidos do SNC. Hemorragia resultante da ruptura de um vaso do SNC. B A FIGURA 28–12 A, Grande hematoma subdural organizado aderido à dura-máter. B, Corte coronal do encéfalo mostrando a compressão do hemisfério subjacente ao hematoma subdural mostrado em A. entretanto, é a ocorrência de múltiplos episódios repetidos de sangramento (hematomas subdurais crônicos), provavel- mente a partir dos vasos de paredes finas do tecido de granulação. O risco de repetição de sangramento é maior nos primeiros meses após a hemorragia inicial. Aspectos Clínicos. Os hematomas subdurais se manifestam, com mais frequência, dentro das primeiras 48 horas após a lesão. Sua localização mais comum é nas faces laterais dos hemisférios cerebrais e são bilaterais em cerca de 10% dos casos. Os sinais neurológicos mais comumente observados são os decorrentes da pressão exercida sobre o encéfalo adjacente. Podem existir sinais focais, porém, com frequência as manifestações clínicas não são localizadas e incluem cefaleia e confusão. Em geral, ocorre dete- rioração neurológica progressiva, porém, pode também ocorrer uma descompensação aguda. O tratamento dos hematomas sub- durais é a remoção do sangue e do tecido organizado associado. SEQUELAS DO TRAUMA ENCEFÁLICO Uma vasta gama de síndromes neurológicas pode semanifestar meses ou anos após o trauma encefálico de qualquer causa. Este fato ganhou importância no contexto da medicina legal e de litígio envolvendo assuntos de compensação para trabalhadores civis e militares. A hidrocefalia pós-traumática ocorre devido à obstrução da reabsorção do LCR em decorrência do sangramento CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central 1299 As causas mais comuns de doenças cerebrovasculares são isquemia global, embolismo, hemorragia hipertensiva intrapa- renquimatosa e ruptura de aneurisma. HIPÓXIA, ISQUEMIA E INFARTO O cérebro requer um suprimento constante de glicose e de oxi- gênio que é suprido pelo sangue. Embora o cérebro corresponda a 1% a 2% do peso corporal, ele recebe 15% do débito cardíaco em repouso e consome 20% do oxigênio utilizado pelo orga- nismo. A autorregulação da resistência vascular mantém o fl uxo sanguíneo cerebral, relativamente constante, diante de uma ampla variação da pressão arterial e da pressão intracraniana. O cérebro é um tecido altamente aeróbico, no qual o oxigênio, e não o substrato metabólico, é limitante. O cérebro pode ser privado de oxigênio por diversos mecanismos: hipóxia causada pela baixa pressão parcial de oxigênio (PO2), pelo comprometimento da capacidade do sangue em transportar oxigênio ou pela inibição do uso do oxigênio pelo tecido; ou isquemia, transitória ou per- manente, após interrupção do fl uxo circulatório normal. A inter- rupção do fl uxo sanguíneo pode ser consequente à redução na pressão de perfusão (como ocorre na hipotensão), da obstrução dos pequenos ou grandes vasos, ou de ambos. Quando o fl uxo sanguíneo para uma porção do encéfalo está reduzida, a sobrevivência do tecido em risco depende da presença da circulação colateral, da duração da isquemia e da magnitude e da rapidez da redução do fl uxo. Esses fatores determinam, por sua vez, o local anatômico preciso e o tamanho da lesão e, con- sequentemente, o défi cit clínico. Dois principais tipos de lesão isquêmica aguda são identifi cáveis: Isquemia cerebral global (encefalopatia isquêmica/hipóxica) ocorre quando há redução generalizada da perfusão cerebral, como ocorre no infarto cardíaco, no choque e na hipotensão grave. Isquemia cerebral focal seguida da redução ou da interrupção do fl uxo sanguíneo para uma área localizada do encéfalo devido à doença de grandes vasos (como na oclusão arterial embólica ou trombótica, frequente no quadro de aterosclerose) ou à doença de pequenos vasos (como vasculite ou oclusão secun- dária a lesões ateroscleróticas observadas na hipertensão). As alterações bioquímicas gerais que acompanham a isquemia celular são discutidas no Capítulo 1. Descrevemos aqui diversas respostas especiais à isquemia no SNC.14-16 A depleção metabólica de energia associada à isquemia pode levar à liberação inapro- priada de aminoácidos que atuam como neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, iniciando o dano celular por permitir infl uxo excessivo de íons cálcio através dos receptores de glutamato do tipo NMDA. Esta elevação celular dos íons cálcio, por sua vez, dispara uma ampla variedade de processos incluindo a ativação inapropriada das cascatas de sinalização, geração de radicais livres e lesão mitocondrial. Como mencionado, todos esses mecanismos juntos levam à morte celular, principalmente por meio de necrose. Na região de transição entre o tecido ence- fálico necrótico e o normal, existe uma área “de risco” do tecido, na qual se refere como a zona de penumbra. Esta região pode ser resgatada de lesão defi nitiva em diversos modelos animais com uma variedade de intervenções antiapoptóticas, signifi cando que ela também sofre dano por apoptose. Hipotensão, Hipoperfusão e Estados de Baixo Fluxo (Isquemia Cerebral Global) A resposta clínica de um episódio hipotensivo grave que produz isquemia cerebral global (encefalopatia hipóxica/isquêmica difusa) varia com a gravidade da agressão. Nos casos leves, pode haver somente um estado confusional pós-isquêmico transitório seguido por completa recuperação e nenhum dano tecidual irreversível. Entretanto, pode ocorrer dano irreversível do tecido do SNC em alguns indivíduos que sofrem agressão isquêmica global leve ou transitória. Existe uma hierarquia de sensibilidade entre as células do SNC: os neurônios são os mais sensíveis, apesar das células gliais (oligodendrócitos e astrócitos) também serem vulneráveis. Existe também variação na suscetibilidade da população de neurônios em diferentes regiões do SNC (vulnerabilidade seletiva), baseada em parte nas diferenças do fl uxo sanguíneo cerebral regional e nas necessidades metabólicas das células. Na isquemia cerebral global grave, ocorre morte neuronal difusa, independente da vulnerabili- dade da região. Os pacientes que sobrevivem a esta lesão, perma- necem, com frequência, em estado vegetativo persistente. Outros pacientes preenchem critérios clínicos atuais para “morte encefá- lica”, incluindo evidências de lesão cortical difusa irreversível (ele- troencefalograma isoelétrico ou “plano”), assim como compro- metimento do tronco encefálico, como a ausência de refl exos e de movimentos respiratórios e, ausência de perfusão cerebral. Quando os indivíduos com esta forma de lesão difusa são mantidos sob ventilação mecânica, o encéfalo sofre um processo autolítico gradual – também conhecido como “encéfalo de respirador”. Infartos em zona limítrofe (“no divisor de águas”) ocorrem em regiões do encéfalo ou da medula espinal que se situam nas regiões mais distais da irrigação do sangue arterial, as zonas limí- trofes entre os territórios arteriais. Nos hemisférios cerebrais, a zona limítrofe de distribuição das arteriais cerebrais anterior e média são as que correm maior risco. Dano nesta região produz uma banda de necrose em forma de foice sobre a convexidade cerebral, situada poucos centímetros ao lado da fi ssura inter-he- misférica. Os infartos em zona limítrofe são com frequência observados após episódios hipotensivos. Morfologia. No contexto da isquemia global, o encéfalo se apresenta edemaciado, os giros estão aumentados e os sulcos estreitados. A superfície de corte mostra fraca demarcação entre as substâncias cinzenta e branca. As alterações microscópicas de lesão isquêmica irreversível (infarto) estão agrupadas em três categorias. As altera- ções iniciais, que ocorrem 12 a 24 horas após a agressão, incluem as alterações neuronais agudas (neurônios ver- melhos; Fig. 28-13A e B) caracterizados, inicialmente por microvacuolização, seguida por eosinofilia do cito- plasma neuronal, e posteriormente por picnose nuclear e cariorrexe. Alterações agudas semelhantes ocorrem um pouco mais tardiamente em astrócitos e oligodendrócitos. As células piramidais em CA1 (setor de Sommer) do hipocampo, as células de Purkinje do cerebelo e os neu- rônios piramidais corticais são os mais suscetíveis à isquemia global de curta duração. Após a lesão aguda, a reação ao dano tecidual inicia com a infiltração de neu- trófilos (Fig. 28-13C). As alterações subagudas ocorrem em um período de 24 horas a 2 semanas, incluindo necrose do tecido, influxo de macrófagos, proliferação vascular e gliose reativa (Fig. 28-13D). A reparação, robusta após aproximadamente 2 semanas, é por fim 1300 CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central D BA E C caracterizada pela remoção de todo o tecido necrótico, pela perda da estrutura do SNC normalmente organizada e, por gliose (Fig. 28-13E). No córtex cerebral, a perda neuronal e a gliose produzem uma destruição desigual do neocórtex, com a preservação de algumas camadas e o envolvimento de outras, um padrão denominado de necrose pseudolaminar. Infarto a partir da Obstrução do Fornecimento Sanguíneo Local (Isquemia Cerebral Focal) A oclusão da artéria cerebral pode levar à isquemia focal e, se mantida, ao infarto de uma região específi ca dentro do território de distribuição do vaso comprometido. O tamanho, a localização e a formado infarto, além da extensão da lesão tecidual resul- tante, são determinados pelos fatores modifi cadores menciona- dos inicialmente, sendo que o mais importante é a adequação do FIGURA 28–13 Infarto cerebral. A, Com pequeno aumento é possível ver as áreas demarcadas de um infarto agudo. Na substância branca subjacente, as áreas de infarto estão bem demonstradas pela coloração da mielina. B, Lesão isquêmica aguda causa eosinofilia difusa em neurô- nios, que estão começando a se retrair. C, Infiltração de um infarto cerebral por neutrófilos se inicia nas extremidades da lesão, onde o for- necimento vascular permaneceu intacto. D, Após aproximadamente 10 dias, uma área de infarto é caracterizada pela presença de macrófagos e gliose reativa nas vizinhanças. E, Pequenos infartos intracorticais distan- tes são observados em áreas de perda tecidual com gliose residual. CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central 1301 fl uxo colateral. A principal fonte de fl uxo colateral é o polígono de Willis (suplementado pela via carótido-oftálmica externa). O reforço parcial e inconstante está disponível sobre a superfície do encéfalo para os ramos distais das artérias cerebrais anterior, mé- dia e posterior através das anastomoses leptomeníngeas corticais. Por outro lado, existe um pequeno ou nenhum fl uxo colateral para os vasos perfurantes profundos que suprem estruturas como o tálamo, os núcleos da base e a substância branca profunda. A doença vascular oclusiva, de gravidade sufi ciente para levar ao infarto cerebral, pode ocorrer devido à trombose in situ, embo- lização a partir de uma origem distante, ou diversas formas de vasculites. A patologia básica destas condições é discutida nos Capítulos 4 e 11. A maior parte das oclusões trombóticas ocorre devido a arteros- clerose. Os locais mais comuns de trombose primária que causam infarto cerebral são a bifurcação da carótida, a origem da artéria cerebral média e em ambas as extremidades da artéria basilar. A evolução da estenose arterial varia desde um estreitamento pro- gressivo da luz e trombose, que pode estar acompanhada pela extensão anterógrada, até a fragmentação e a embolização distal. Outro importante aspecto da doença cerebrovascular oclusiva é sua frequente associação às doenças sistêmicas, como a hiperten- são arterial e o diabetes. A embolia encefálica possui diversas origens, sendo que os trombos murais cardíacos estão entre as principais fontes. O infarto do miocárdio, a doença valvular e a fi brilação atrial são importantes fatores de predisposição. Em seguida na ordem de importância, estão o tromboembolismo originário de artérias, em geral a partir de placas ateromatosas presentes nas artérias carótidas. Outras fontes de êmbolos incluem a embolia parado- xal, particularmente em crianças com anormalidades cardíacas; êmbolos associados à cirurgia cardíaca; e êmbolos em outros materiais (tumor, tecido adiposo ou ar). O território de distribui- ção da artéria cerebral média – a extensão direta da artéria caró- tida interna – é mais frequentemente afetado pelo infarto embó- lico, sendo que a incidência é aproximadamente igual nos dois hemisférios. O êmbolo tende a se alojar onde os vasos sanguíneos se ramifi cam ou em áreas de estenose luminal preexistente. A “chuva de êmbolos”, como ocorre na embolia gordurosa, pode surgir após fraturas. Os indivíduos afetados manifestam disfun- ção cerebral generalizada com distúrbios das funções corticais superiores e da consciência, com frequência sem sinais de locali- zação. As lesões hemorrágicas disseminadas envolvendo a subs- tância branca são características de embolização da medula óssea após o trauma (Fig. 28-14). Uma variedade de processos infl amatórios que envolvem os vasos sanguíneos podem também levar ao estreitamento luminal e infartos cerebrais. Enquanto a vasculite infecciosa de pequenos e grandes vasos foi previamente associada à sífi lis e à tuberculose, atualmente é mais comum no quadro de imunossupressão e de infecção oportunística (como na aspergilose ou na encefalite por CMV). A poliarterite nodosa e outras vasculites não infecciosas podem envolver os vasos cerebrais e causar infartos únicos ou múltiplos em diferentes regiões do cérebro. A angeíte primária do SNC é uma doença infl amatória que envolve múltiplos vasos de pequeno e médio calibres localizados no parênquima ou na suba- racnoide e é caracterizada por infl amação crônica, células multi- nucleadas gigantes e destruição da parede vascular. Podem ser encontrados granulomas associados às células gigantes, dando origem ao nome alternativo de angeíte granulomatosa do sistema nervoso. Indivíduos afetados manifestam quadro clínico de ence- falopatia difusa ou multifocal, com frequente disfunção cognitiva. Os pacientes melhoram com o uso de esteroides e tratamento com imunossupressores. Outras condições que podem causar trombose ou infarto (e hemorragia intracraniana) incluem os estados de hipercoagulabilidade, o aneurisma dissecante de arté- rias extracranianas localizadas no pescoço e que suprem o encé- falo e o abuso de drogas (cocaína, heroína e anfetaminas). Os infartos são subdivididos em dois grandes grupos baseados na presença de hemorragia. Infarto hemorrágico (vermelho), carac- terizado por múltiplas hemorragias petequiais, algumas vezes con- fl uentes, é em geral associado a eventos embólicos (Fig. 20-15A). Presume-se que a hemorragia seja secundária à reperfusão dos vasos e tecidos lesados, seja por meio de colaterais ou diretamente pela dissolução de material oclusivo intravascular. Por outro lado, infartos não hemorrágicos (pálidos, macios, anêmicos), são geral- mente associados à trombose (Fig. 28-15B). O tratamento de pacientes com os dois tipos de infarto é bastante diferente, uma vez que os trombolíticos podem ser usados em casos de trombose enquanto são contraindicados em casos de infarto hemorrágico. A terapia trombolítica é benéfi ca somente durante uma pequena janela de tempo após o início dos sintomas, sendo desta forma essencial um rápido atendimento médico. Morfologia. A aparência macroscópica de um infarto não hemorrágico varia de acordo com o tempo transcorrido após a interrupção do fluxo sanguíneo. Durante as primei- ras seis horas de lesão irreversível, pouco pode ser obser- vado. Em 48 horas, o tecido se torna pálido, amolecido e edemaciado, e a junção corticocentral pode ficar indistin- guível. De 2 a 10 dias, o encéfalo se torna gelatinoso e friá vel e os limites previamente maldefinidos, entre o teci- do normal e o anormal, se tornam mais evidentes, à medi- da que o edema regride na área adjacente que sobreviveu. De 10 dias a 3 semanas, o tecido se liquefaz, deixando no fim uma cavidade preenchida por líquido e recoberta por tecido cinza escuro, que gradualmente se expande à medida que o tecido morto é removido (Fig. 28-16). Ao exame microscópico, a reação tissular evolui de acordo com a seguinte sequência: após as primeiras 12 FIGURA 28–14 Hemorragias disseminadas da substância branca, características da embolia proveniente da medula óssea. 1302 CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central A B FIGURA 28–15 A, Presença de infarto hemorrágico no lobo temporal inferior do lado esquerdo do encéfalo. B, Pequeno infarto com hemorragias petequiais do lobo temporal, consistente com lesão por isquemia-reperfusão. horas, são encontradas alterações isquêmicas neuronais (neurônios vermelhos; vide informação prévia) e tanto edema citotóxico como vasogênico. Existe perda das características tintoriais das estruturas da substância branca e cinzenta. As células endoteliais e gliais, princi- palmente os astrócitos, sofrem tumefação e as fibras mielinizadas podem se desintegrar. Até 48 horas, a migra- ção de neutrófilos progressivamente aumenta e então decresce. As células fagocíticas, derivadas de monócitos circulantes e a micróglia ativada, ficam evidentes nas primeiras 48 horas e se tornam as células predominantes nas 2a 3 semanas seguintes. Os macrófagos ficam abar- rotados de produtos de degradação da mielina ou de sangue, que podem persistir na lesão por meses a anos. Na medida em que o processo de liquefação e fagocitose prossegue, os astrócitos na borda da lesão aumentam progressivamente de tamanho, se dividem e desenvolvem uma rede proeminente de extensões citoplasmáticas. Os astrócitos reativos podem ser vistos já a partir de 1 semana após o acidente vascular. Após várias semanas, a resposta astrocítica se torna menos intensa, deixando uma densa trama de fibras gliais entremeadas por novos capilares e por algum tecido con- juntivo perivascular. No córtex cerebral, a cavidade é separada das meninges e do espaço subaracnoide por uma camada de tecido gliótico, derivado da camada mole- cular do córtex. A pia-máter e a aracnoide não são afe- tadas e não contribuem para o processo de cicatrização. Os infartos sofrem esses estágios reativos e reparativos a partir de suas bordas em direção ao centro. Assim, diferentes áreas da lesão podem parecer diferentes, par- ticularmente nas suas fases iniciais, revelando a progres- são natural desta resposta. A característica microscópica e a evolução do infarto hemorrágico são similares ao que ocorre no infarto isquê- mico, com o acréscimo de extravasamento de sangue e sua reabsorção. Em indivíduos anticoagulados, os infartos hemorrágicos podem estar associados a extensos hema- tomas intracranianos. Os infartos venosos são com fre- quência hemorrágicos e podem ocorrer após a oclusão trombótica do seio sagital superior, de outros seios ou da oclusão de veias cerebrais profundas. Carcinoma, infec- ções localizadas e outras condições que levam ao estado de hipercoagulabilidade aumentam o risco de trombose venosa. Infarto da medula espinal pode ser observado em decor- rência de hipoperfusão por oclusão de artérias tributárias provenientes da aorta. A oclusão da artéria espinal anterior é mais rara e pode ocorrer como resultado de embolismo ou de vasculite. FIGURA 28–16 Infarto cístico antigo mostrando destruição do córtex com cavitação. CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central 1303 Aspectos Clínicos. Os défi cits associados a infartos são deter- minados por sua localização no encéfalo ao invés do processo patológico subjacente. Os sintomas neurológicos relacionados à área de lesão surgem com frequência rapidamente, em minutos, e podem progredir nas horas seguintes. Pode haver uma melhora da gravidade dos sintomas em consequência da reversão da lesão na região de penumbra da isquemia e também pela resolução do edema associado. Em geral, existe um grau de melhora lenta ao longo de meses. Uma vez que os acidentes vasculares são em geral associados à ateroesclerose, muitos dos fatores de risco genéticos e decorrentes do estilo de vida são comuns aos da doença aterosclerótica. DOENÇA CEREBROVASCULAR HIPERTENSIVA Os efeitos mais importantes da hipertensão encefálica incluem os infartos lacunares, as hemorragias em fenda e a encefalopatia hiper- tensiva, assim como a hemorragia hipertensiva cerebral maciça. A incidência destas condições deve diminuir com o aumento do ras- treamento da hipertensão e seu tratamento de forma agressiva. Infartos Lacunares A hipertensão afeta as artérias perfurantes cerebrais e as arteríolas que suprem os núcleos da base, a substância branca hemisférica e o tronco encefálico. Estes vasos desenvolvem esclerose arteriolar e podem fi car ocluídos. As alterações estruturais são similares às observadas nos vasos sistêmicos dos indivíduos com hipertensão (Cap. 11). Uma consequência clinica e patológica das lesões arte- riais do SNC são o desenvolvimento de infartos cavitários únicos ou múltiplos, de pequenas dimensões, conhecidos como lacunas (Fig. 28-17). Estes espaços são similares a lagos menores que 15 mm de largura que podem ocorrer, em ordem decrescente de frequência, no núcleo lentiforme, no tálamo, na cápsula interna, na substância branca profunda, no núcleo caudado e na ponte. Ao exame microscópico, elas consistem em áreas de perda teci- dual com macrófagos esparsos, abarrotados com lípides e margea- dos por gliose. Dependendo de sua localização no SNC, as lacunas podem ser clinicamente silenciosas ou causar graves prejuízos neurológicos. Os vasos afetados podem estar associados a aumento do tamanho dos espaços perivasculares sem áreas de infarto (état criblé). Hemorragias em Fenda A hipertensão pode dar origem à ruptura de vasos perfurantes de pequenos calibres e à ocorrência de pequenas hemorragias. Com o tempo, as hemorragias são reabsorvidas, deixando uma cavi- dade em forma de fenda (hemorragia em fenda) margeada por coloração acastanhada. Ao exame microscópico, as hemorragias em fenda mostram destruição focal local, macrófagos carregados de pigmentos e gliose. Encefalopatia Hipertensiva A encefalopatia hipertensiva aguda é uma síndrome clínico-pa- tológica que ocorre em indivíduos com hipertensão maligna, ca- racterizada por disfunção cerebral difusa, apresentando também cefaleia, confusão, vômitos e convulsões, algumas vezes levando a coma. É necessária uma rápida intervenção terapêutica para reduzir a hipertensão intracraniana, uma vez que esta síndrome não entra em remissão espontânea. No exame pós-mortem, estes indivíduos podem mostrar um encéfalo tumefacto com ou sem herniação tonsilar ou transtentorial. À microscopia, podem ser observadas petéquias e necrose fi brinoide das arteríolas da subs- tância branca e cinzenta. Indivíduos que ao longo de muitos meses e anos sofrem infar- tos múltiplos, bilaterais da substância cinzenta (córtex, tálamo e núcleos da base) e branca (centro semioval) podem apresentar uma síndrome clínica caracterizada por demência, distúrbio da marcha e sinais pseudobulbares, com frequência associados a défi cits focais neurológicos. Esta síndrome, geralmente citada com demência vascular (ou multi-infarto) é causada por diversos tipos de doença vascular multifocal, incluindo: (1) arterioescle- rose cerebral; (2) trombose vascular ou embolização a partir das artérias carótidas ou do coração; e (3) esclerose arteriolar cerebral decorrente de hipertensão crônica. Quando o padrão da lesão envolve preferencialmente grandes áreas de substância branca subcortical com perda axonal e da mielina, a condição é conhe- cida como doença de Binswanger; esta distribuição de lesão vas- cular da substância branca deve ser distinguida clínica e radiolo- gicamente de outras doenças que afetam a substância branca hemisférica. HEMORRAGIA INTRACRANIANA As hemorragias podem ocorrer em qualquer local do SNC. Algu- mas vezes, elas podem ser um fenômeno secundário, por exem- plo, em decorrência de infartos em zonas de fronteira arterial ou de obstrução vascular transitória. As hemorragias primárias no espaço epidural ou subdural são em geral relacionadas a traumas e foram discutidas previamente em conjunto com as lesões trau- máticas. As hemorragias no interior do parênquima encefálico e do espaço subaracnoide, por outro lado, são a manifestação mais frequente de uma doença cerebrovascular subjacente, embora o trauma possa causar hemorragia nestes locais. Hemorragia Intracerebral (Intraparenquimatosa) A hemorragia espontânea (não traumática) intraparenquimatosa ocorre com mais frequência no meio ou no fi m da vida adulta, com um pico de incidência ao redor de 60 anos. A maior parte das FIGURA 28–17 Infartos lacunares no caudado e no putâmen (setas). 1304 CAPÍTULO 28 O Sistema Nervoso Central sangue coagulado circundado por uma borda de tecido encefálico mostrando alterações anóxicas neuronais e gliais, como edema. Por fim, o edema se soluciona, com o surgimento de macrófagos abarrotados de lípides e de pigmentos que pode ser observada proliferação de astró- citos reativos na periferia da lesão. Os eventos celulares seguem o mesmo curso temporal que o observado após infarto cerebral. A ACA é uma condição na qual os peptídeos
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